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REVISTA
DA
SOCIEDADE DE INSTRUCÇÃO DO PORTO
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REVISTA
DA
SOCIEDADE DE INSTRUCÇÃO DO PORTO
VOLUME TERCEIRO
i883
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PORTO
TYPOGRAPHIA CENTRAL
DE AVELINO ANTÓNIO MENDES CERDEIRA
Rua do Bom jardim, 817
1884.
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REVISTA
SOCIEDADE DE INSTRÚCÇÃO DO PORTO
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3.* ANNO
I DE MNEIRQ DE x883
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DISCURSO DO PRESIDENTE DA SOCIEDADE
■o
EMCEREAMENTO DA EXPOSIÇÃO DE CERÂMICA E DISTRIBUIÇÃO DE PRÉMIOS
(16 de noTembro de 1889)
A sciencía e o trabalho são duas grandes potencias, é
certíssimo; mas nâo é menos certo que ellas sós, como ex-
pressão individual, raras vezes produzem as maravilhas que
exige a civilisação moderna e que nós todos admiramos. Para
este resultado requerem-se esforços multiplicados, a coopera-
ção de muitos, a união de todos os que lidam para o mesmo
fim— n'uma palavra — a associação! Eis a grande alavanca
com que ao serviço d^aquellas duas potencias se transforma a
€iDciedade moderna. Um operário labutando sem repouso, e
eagidando incessantemente, pode por fortuna inventar novos
meios de facilitar o seu trabalho, e combinações mais felizes
para aperfeiçoar a sua obra ; mas sendo preciso hoje produzir
muito e facilmente, a invenção ficará limitadíssima ou quasi
estéril, se a communidade nao tomar conta d^ella, e a appli-
car nas grandes officinas.
A associação é um principio fecundo de melhoramento e
riqueza, cria as forças, multiplica os capitães, baratea os pro-
duetos, ensina e ampara os operários, e por todas as formas
combate a inércia, o desleixo, a miséria.
A festa que nós encerramos hoje é um exemi>lo do que
vale aquella idea.. Nenhum individuo poderia reunir aqui os
productO|S, çiue de distantes partes vieram a este certamen, —
nenhum individuo poderia attrahir para esta Exposição a atten-
ção e a bòa vontade de tantas pessoas que a têm visitado, e de
UTISTA DA 80GIIDADK DK DCSTRUCÇAO DO PORTO. 1
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1
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1
muitas mais que, mesmo de longe, a applaudem, nenhum indivi-
duo poderia crear no publico a corrente sympathica da opinião,
que, fazendo justiça a este commettimento, talvez único na his-
toria da cerâmica de todas as nações, nos anima e incita a faze-lo
produzir as mais proveitosas consequências. E assim deve ser,
porque dbutra maneira não valiam os sacrifícios que exigem.
Felizmente, os oleiros portuguezes identificaram-se de
tal modo com o pensamento da Sociedade dlnstrucção do
Porto, que se congregaram, e procuraram cuidadosamente
aperfeiçoar a sua industria pelos únicos meios, ^ue podem pro-
duzir resultado valioso e duradouro, a instrucçao artistica e a
protecção ao operário. Honra lhes seja ! Abençoados os esfor-
ços quê crearem a primeira escola ! Bemditos os socorros que
garantirem ao operário uma velhice tranquilla !
Não posso dar-vos conta de tudo quanto se tem feito
n^aquelle congresso. Mais tarde o sabereis. Mas ò que posso,
o que devo dizer-vos, como testemunha insuspeita, é que os
seus membros são todos rivaes nos vehementes desejos de le-
vantarem a sua industria á maior altura, e que todos elles
teem uma fé inabalável no futuro, que hão-de crear pela es-
cola e pelo auxilio intelli&ente aos operários.
Dos trabalhos do Jury, encarregado da apreciação dos
productos expostos, ides ver o resultado. Não foi fácil a sua
tarefa, senhores. Tantos productos differentes, tão diversos
materiaes, variadíssimas formas, extraordinárias cores, e pin-
turas, usos vários, emíim tantos aspectos differentes para ava-
liar, que foi necessária muita diligencia, muita attenção, e muito
estudo comparativo para chegar a conclusão. Faltaram por
justíssimos motivos alguns dos membros nomeados, mas a
maioria que ficou, inspirou-se tão nobremente do seu dever,
que eu confio que a opinião publica lhe fará a mais inteira justiça.
Senhores, nem só os expositores merecem galardão. Ha
prestantíssimos obreiros, infatigáveis, tenazes na realisação da
suaidêa, aos quaes, embora elles queiram esconder-se na pe-
numbra, é dever indeclinável fazer justiça. Está em primeiro
locar o snr. Isaac Newton, espirito culto e modestíssimo, que
foi o iniciador doesta sociedade, e que foi também um dos
promotores da Exposição de Cerâmica. Os seus relevantes
serviços a esta instituição e á Exposição são taes que certa-
mente lhe cabe o primeiro logar. Pena é que a doença o rete-
nha no leito em dia tão festivo ; mas saudemol-o d^aqui e faça-
mos votos pelo seu immediato restabelecimento.
Do nosso Secretario Geral, o snr. Joaquim de Vascon-
cellos, sabeis ja a trabalhosa tarefa que tomou de percorrer a
sul do reino ; á sua sciencia e dedicação deve-se muito, como
mais diurna vez tenho referido.
E^ longa a lista das dividas que contrahimos para con-
seguir tão explendido resultado. Aos senhores José Maria Nepo^
muceno de Lisboa, João CamíUo de Castro Júnior, Marciano e
Joaquim de Azuaga, Dr. Júlio Henriques, José de Macedo
Araújo Júnior, Augusto Luso da Silva, Eduardo Sequeira, JoSo
António Marques Gomes, de Aveiro, e Gabriel Pereira de
Évora, devemos muito especiaes agradecimentos, porque alem
da sua usual dedicação pela nossa Sociedade, foram incansáveis
e diurna sollicitude inexcedivel, já colligindo objectos, já traba-
Ihando pessoalmente, e por todas as formas contribuindo para
enriquecer a Exposição. Quizera enumerar todos aue a coadju-
varam com a sua boa vontade e serviços, mas e impossivel.
Confio em que a satisfação da própria * consciência recompen^
sara a todos o auxilio que nos deram, por que sentiram nos re-
sultados uma parte da sua obra.
Ao Governo de S. Magestade repito novamente os agra-
decimentos que em nome da Sociedade, e neste logar, já tribu-
tei com reconhecimento.
Está chegado o ultimo dia doesta festa, e nem por isso
terminam os nossos trabalhos. Por ella contrahimos novas
obrigações. Se o favor publico recompensou os esforços e as
fadigas doesta Sociedade, não é para que adormeçamos á sua
somora, mas para que cobremos nova coragem, accendamos
os nossos brios, e caminhemos avante em nome da Sociedade
dlnstrucçâo na gloriosa tarefa da educação, e da civilisaçSo
nacional. "
Dr. J. Fruct. Ayres de Gouveia Osório.
CARTAS SOBRE A EDUCAÇÃO DA MOCIDADE
(Oontlan&çlo, t. pag. 660)
«El Rey Dom Manoel, como refere Álvaro Ferreyra deVi
Vera \ aperfeiçoou os estados dos Ricos Homens e Infan-
çoens, e deu a cada hum em sua Caza Real o lugar que por
sua qualidade merecia, fazendo três sortes de gente. No pri-
^ Origem da Nobreza politica. Lisboa i63i, 4.^, cap. 2, pag. 3.
m
\
meiro lugar pôz os Ricos Homens ; no segundo os Infançoens ;
no terceyro os Plebeos, com esta distinção na moradia: aos
Filhos dos Ricos Homens tomou por Áíoços Fidalgos com
mil reis de Foro * cada mes, e aloueyre e meyo de cevada
Eor dia; te daqui os acrescentava a Fidalgos Cavallepros, so-
indolhe a moradia té quatro mil reis^ o cjue era despois de
serem armados Cavalleyros, por algum feito honrozo que fa-
ziaõ na guerra. Aos Filhos dos Infan^ns tomou por Moços
da Camará^ com quatrocentos e sets reis; e três quartas de ce-
vada por dia: e da mesma maneira lhes 'acrescentava a mora-
dia, que a mayor subia té mil e quinhentos reis com o titulo
de Capalleyro Fidalgo) a que hoje muitos não querem subir
por ficar antes no foro de moços do serviço, pelas mays en-
tradas que tem na casa e serviço do seu Rey.»
cOs Plebeos taõbem admittio no seu serviço, tomando-
os por moços da Estribeira; e daqui os acrescentava a Es-
cudeyros e Cavalleyros razos (que he Cavalleyros sem Nobre-
za,) e os que auena, que gozassem de alguns Privilégios se
chamavaõ Cavalleyros confirmados; no que havia muita ordem. ]>
Quem quizer saber o que he a Nobreza Natural e Poli-
tica, como se adquire e como se perde, e outras mais proprie-
dades^ 'que tem a origem dos titulos em Portugal, poderá ler
este excellente Autor, esquecido nos nossos tempos, e que
merecia ser conhecido de todos os Nobres Portuj^uezes, para
saberem as suas obrigaçoens. Vejase taõbem Noticias de Por-
tugal de Manoel Severim de Faria, Discurso iii, e o Prologo
^ O marco de prata valia, fio tempo dei Rey Dom Manoel, 2340
reis e como os Fidalgos Cavalleyros tínhao da sua moradia 4000 reis por
mes, e por anno 48000 reis, e que o marco de prata amoedado vale hoje
6000 reis, os 48000 reis daquelle tempo valem hoje 91930 reis, e como
taõbem recebiaõ alqueyre e meyo de cevada por dia, contando somente a
120 reis por alqueyre, valiaõ no tempo presente 63240 reis, que juntos com
os 91 02 o reis assima, fazia toda a soma 1 55 160 reis. E como taõbem os
Cavalleyros Fidalgos tinhaÇ moradia que chegava a i5oo reis por mes, e
por anno 18000 reis, com três quartas de cevada, reatada por anno taõ-
Sem a 120 reis por alqueyre, vafiaõ pelo preço de hoje 32400: e como os
18000 naquelle tempo, estando o marco de prata a 2340 reis, e noje a 6000
reis, valem hoje a soma de 61920 reis, que juntos aos 32400 de cevada, fa-
siaõ 94320 reis.
Ajuntando agora estas duas moradias de Fidalgo Cavalleyro, e de
Cavalleyro Fidalgo em huma soma e repartindoas, acharseha que cada
huma destas moradias vale hoje a soma de 124740 rei^ soma siíffiçiente
para sustentar e educar em huma Escola Militar hum Moço Fidalgo.
ds Memorias Históricas e Genealógicas dos Grandes de Por-
tugal por António Caetano de Sousa. Lisboa 1742.
Do referido se coUige que os Reys de Portugal sempre
tiverao especial cuidado da Educação da Fidalguia, e que dahi
veyo chamaremse creados de caza Real, estendendose este no-
me por corrupção aos que servem. Em quanto houve guerras
continuadas, em quanto tinhaõ necessidade da Fidalguia, para
guerrear e conquistar, sempre houve a Educação no Paço:
acabouse aquella urgente necessidade, e achou el Rey Dom
Manoel a propósito de desobrigarse da Educação, e de pagar-
Ihe huma certa quantia, como vimos assima; para serem edu-
cados em caza de seos Pays. Em quanto se continuarão as
Conquistas da índia, é a ílorecente navegação, empregavaõ-se
neste serviço os Fidalgos, e nao se apercebia o Estado da falta
da Educação no Paço : mas no tempo dei Rey Dom João o
Terceyro acabou a Òonquista da Affrica, e da índia; ja na5
havia mais guerra, que para conservar o conquistado : e como
as riquezas erao immensas, introduziose o luxo na Fidalguia,
e ja se apercebia o Estado da falta da sua Educação, porque
foi o mayor que se conheceo na Europa.
A constituição Gothica do Reyno, determinava a Fidal-
guia serem guerreyros forçozamente no tempo da guerra; e
acabada ella ficarem nas suas terras, e cuidarem da agricultu-
ra; naõ tinhao outro intento no tempo da paz que conservarse
vivendo do producto das suas terras; naõ cultivavaõ para ven-
der nem comerciar com os fructos ; e deste costume vieraõ as
nossas Leis das Ordenaçoens, que defendem fazer comercio
com os grãos, vinho e azeite.
Mas tanto que os Reys tiveraS mays que dar que as
terras da Coroa; tanto que tiverao Commendas, Governos e
Cargos lucrativos, tanto nas Conquistas, como no Reyno, logo
os Fidalgos começarão a cercar os .Reys, e ficarem na Corte;
porque pela adulação, pelo agrado, e pelas artes dos Corte-
soens sabíaõ ganhar as vontades dos Reys, naõ tendo aquellas
occasioens forçozas de obrarem acçoens illustres para serem
Íremiados por ellas. Isto Vemos succedeo no tempo dei Rey
K Duarte, quando ordenou que todo o Fidalgo que naõ tivesse
Cargo na Corte, que fosse a viver nas suas terras.
Logo que todos os Fidalgos fíxaraõ a sua assistência na
Corte no tempo da paz, logo que seos filhos eraõ educados
em suas cazas, ja ricas e poderosas pelas dadivas dos Reys
cm Commendas, Pensoens, Governos e Cargos, necessaria-
mente se havia de seguir huma educação estragada, a Meni-
nice entregada na maõ das amas e de mulheres commuas^ a
puerícia entre as maõs dos Criados e dos Escravos; ate o
tempo dei Rey D. Sebastião poucos sabiaõ mais que ler e es-
crever ; porque ja a Escola do Infante Dom Henrique estava
acabada; e toda a educação se reduzia a saber os Mysterios
da Fé, porque os seos Mestres sendo Ecclesiasticos e ignoran-
tes da obrigação de Súbdito, de Filho e de Marido, chegavaõ
á idade da adolescência com o animo depravado, sem numa-
nidade, porque naõ conheciaõ igual ; sem subordinação, porque
eraõ educados por escravas e escsavos; ficava aquelle animo
possuído de soberba, vangloria, sem conhecimento^da vida ci-
vil, nem com a minima idea do bem commum : assim degene-
rou aquella educação do Paço na qual pelo menos aprendiao
a obedecer, na mais insolente tyrania de todos aqueiles com
quem tratavaõ.
A questão agora he somente, se será do Real agrado de
S. Magestade continuar nesta piedosa è utilissima intenção, e
no cazo que assim determinasse, ficava a saber que sorte de
educação convinha á Fidalguia existente ? em que lugar devia
ser educada ? e quais deviao ser os Mestres ? Discutirei estes
três pontos com a clareza que me for possível.
S
Que sorte de Educaçam convém á Fidalguia Portugue^a^
que seja útil a si e a sua Trairia?
■ Quem melhor conhecer a Constituição do Estado de Por-
tugal actual, resolveria melhor esta importante questão. Tanto
quanto eu pude alcansar por informação e por lectura, acho
que he Reyno pelo seu sitio, entre três Mares, nos quaes na-
vega o comercio de todo o mundo, totalmente marítimo; bor-
dado, pela sua mayor parte, do Mar Oceano com oito portos
navigaveis, ainda que alguns damnifícados, e que com custo e
trabalho podiaõ ^r restaurados; que tem Ilhas e Continentes
vastíssimos e riquíssimos nas três partes do mundo conhecidas.
Que por Tratados e Âllianças de Comercio e boa amizade está
ligado com muitas Potencias; humas que o podem offender
por mar, e huma só por terra.
Estes limitados a)nhecimentos determinarão logo a quem
pensar na conservação da nossa Monarchia, que necessita de
Officiaís de Mar e Terra ; isto he, de hum exercito, e de huma
frota. He certo que 5Ó entre a Nobreza se achaõ as pessoas mais
apias para exercitar estes Cargos ; e naõ necessito aaui de amon-
toar lugares communs para provar o que todos, sabem por ex«
periencia. Mas ao mesmo tempo toJos assentarão que a Educa-
ção que se deve dar á Nobreza e á Fidalguia Portugueza, deve
proporcionar-se á necessidade e ao estado actual da sua pátria.
Antes que se usasse da pólvora, e que se fortificassem as
Prazas pelas Leis da Geometria e Trigonometria, naõ necessi-
tava o òeneral do exercício das Mathematicas, e de al^uas par-
tes da rhysica: a força, o animo ouzado e a valentia ja naõ
saõ bastantes para vencer, como quando faziamos a guerra ex-
pulsando os Moufos da pátria. A Arte da guerra hcje he scien-
cia fundada em princípios que se aprendem e devem aprender,
antes que se veja o inimigo : necessita de estudo, de applicaçaõ,
de attençaõ e reflexão ; que o Guerreyro tome a penna e saiba
taõbem calcular e escrever, como he obrigado combater com a
espada e com o espontaõ; o verdadeyro Guerreyro he hoje hum
misto de ho riem de letras e de soldado. Deste modo adquirio
DOS no^sos tempos immortal fama o Marechal de Sdxe, e por
este caminha vai com igual gloria el Rey da Prússia.
Mas hum Almirante, ou hum Capitão de Mar e Guerra
naõ somente deve ter toda a instrução de que necessita hum
General, mas ainda aquella de mandar no mar: naõ somente
necessita da instrução das Mathematicas, Astronomia e Scien-
cia Náutica, mas de muitos e muitos conhecimentos politicos
para comprir os seus importantes Cargos. Deste modo neces-
ces5Ítaõ os que haõ de governar hum Regimento, ou hum Exer-
cito, hum Navio de Guerra, ou huma armada, ter tal educação,
que sejaõ capazes de obrarem acçoens illustres, e de as escre-
ver, como fez Xenop!ionte, César, e o Marechal de Saxe nos
nossos tempos, e outros muitos dignos destes importantes Cargos.
No tempo de Philippe Quarto presentáraõ ao Conde Du-
que de Olivares hum retrato do Estado Politico de Castella, e
das Cauzas da sua decadência ^: e huma das principais que al-
lega, se reduz á seguinte discussão; que a Cauza da decadên-
cia daquella Monarchia foi que o valor e a força não fora con-
duzida nem ajudada pela sciencia, nem pela arte: que confian-
dosse na riqueza da Monarchia, que desprezarão os Tratados
^ Indispostzione ^enerale delia Monarchia di Spagna, sue cause e re-
medi. Esta representação se le no fim da Historia delia Desunione dei Re-
gno di Portogallo dalla Corona di Castiglia, dal Dottore Gio. Bapt. Birago.
Amsterdam, 1S47. 8*^
8
de Allianças : e que nas Embayxadas empregavaõ os Senhores
mais authorizados e ricos, sem attençSo alguma da sua capací*
dade; que tomavao por Secretários aquelles. homens que esta-
va6 de antes ao seu serviço, ou debayxo da sua protecção, sem
dependência alguma da Corte, e ignorantes dos negócios políti-
cos; que deste modo, tudo o que se tratou com as Potencias
Estrangeyras, foi com prejuízo do Reyno, como se experimenta
nos Tratados de paz, e de comercio, e nos regramentos dos
Correyos, e outras estipuiaçoens publicas : que semelhantes Se-'
cretarios deviaõ ser educados conforme pedia o seu emprego;
porque estes sa6 aquelles que põem em ordem os despachos, e
tudo aquillo que o Embayxador ou o Enviado considera ou nota
ser necessário sahir da Secretaria ; e que do bem ordenado, ou
bem escrito, he que depende mui frequentemente o feliz successo.
O Duque de Lorena, Generalíssimo dos %JExercitos do
Emperador Leopoldo ^, reprezentou a este Monarcha que naS
podia subsistir aquelle Império por falta da Educação da No-
breza, sendo incapaz de servir os Cargos públicos, ou na guerra
ou em tempo de paz; e que para occorrer á total ruina do Es-
tado, que propunha huma Escola que se devia erigir a propósito
para satisfazer esta necessidade.
O Historiador Conestagio ' relatando a desordem e a
e>breza em que estava o Heyno antes da infeliz expedição dei
ey Dom Sebastião para Aftrica, diz que nunca Portugal fora
tao feliz, que tivesse hum homem dotado de tanta capacidade
e intelligençia que soubesse governar as rendas Reais, porque
o Cargo de Veador da fazenda se dava sempre por favor, e
para gratificar os Gortezaõs, sem attenderem a nenhum mere-
cimento; e por essa cauza, não havendo nem cuidado, nem
conhecimento daquelle emprego, que todos os rendimentos se
gastavaõ nos sallarios dos Ministros, nos dos Magistrados, e
dos Governadores ; que o Estado estava taõ pobre que os Ec-
clesiasticos pagáraõ entaõ cento e cincoenta mil ducados; e os
Christaõs novos duzentos e vinte cinco mil, com promessa que
se fossem prezos pela Inquisição que não seriaõ os seos bens
confiscados.
^ Testament Politique, da Edição de Leipsic^ e naõ daquella de
Paris i75... (sic).
> Hieron. G)nestagii (alguns dizem que Joaó da Silva Conde de
Portalegre fora o A. verdadeyro desta Historia) de Portugalliae e Gastei-
lae Conjunctione, Tom n. Hispan. Illustrat. Tradução da Lingoa Italiana
na Latina, page xo66 e 1070.
Do referido se ve a necessidade que tem o Reyno da Edu-
cação da Fidalguia, nSo s6 nas letras humanas, mas taõbena
na Politica e nas Mathematicas, para servir a sua patriai nos
cargos da guerra, e nos da paz; e que por faltar semelhante
Educação, chegarão tantas Monarchias na Europa áquella
decadência desde o anno de i Soo, que parece impossível rele-
varse, se não se reformar esta omissão taõ considerável.
S
Continua a mesma Matéria. Em que lugar devia ser educada
a Fidalguia e Nobreza de 'TortugaL
Todos reprovarão o ensino da Mocidade, que vive em
caza de seos Pays, e que vaõ duas vezes por dia a aprender
nas Escolas publicas. Ja vimos assima que este modo de apren*
der he o mais prejudicial; e como he notório a cada hum, que
aprendeo assim, este dano, naõ necessito outra vez repetir o
que mostrei assima.
Milhares de tratados se tem impresso da Educação do-
mestica, e o mais excellente, a meu ver, he o de Martinho de
Mendonça e Pina, que citei assima: esta educação pode fazer
hum rapaz hum pio Christaõ; poderá ser instruido naquelles
conhecimentos que dependem da simples memoria, mas sempre
lhe faltará a emulação, que eleva o juizo, para se adiantar aos
seos iguais; sempre lhe faltará a imitação, pelo qual se formaõ
as ideas mais completas das acçoens e das obras dos Mestres
e Governadores públicos, que sempre influem no animo muito
mais, do que tuao q que disser ou obrar o Mestre domestico;
deste modo ficará sempre o natural destes meninos acanhado
e encolhido^ faltando lhe o trato e o conhecimento da vida ci-
vil; quando acabaõ aquelles estudos domésticos, ou ficaõ igno-
rantes, ou nos costumes da vida civil meninos, ou com o animo
depravado: felicidade grande será que não fiquem estragados
os costumes, pela companhia dos Criados e dos Escravos : se
os Pays foraÕ taõ cautelozos que evitarão este ordinário pred-^
pido, cayem em outro, taõ contrario ao bem commum, como
a perda dos bons costumes, a sua consciência e a sua conser-
vação ; ficaõ estúpidos, cheyos de vaidade, naõ conhecem por
superior mais que seos Pays, porque não tem a minima idea
da subordinação que deve ter como Súbdito e como Christaõ.
Doesta origem provem que a Nobreza e Fidalguia he hoje
\
l
IO
empregada nos cargos e nos ^overnos^ quando che^a áquella
idade, onde começaõ a descahir as forças, e a constituição com
achaques. Na idade de quinze ou vinte annos, como a sua edu-
cação foi domestica, tem da vida civil tanto conhecimento como
hum menino: entra, como dizem, no mundo; e á sua custa, e
por muitos annos adquirio algua experiência, e ess^ lhe serve
de toda a imtruçaõ para servir a sua pátria: mas não he co-
nhecida a sua capacidade, que da idade de quarenta annos;
entaõ he que o Soberano o emprega nos cargos pubtícos, e ás
vezes de idade mais crescida; mas nesta idade ou as forças co-
meçaõ a enfraquecer ou a constituição; daqui he que os Estados
hoje onde a Criação he domestica se servem semprç de pessoas
a quem falta aquelle vigor, altives, ambição, e animo da ado-
lescência e da idade /iril.
Admiramonos hoje quando lemos (|ue Pompeo e Scipião
Affricano commandavaõ exércitos de idade de vinte e hum an-
nos ; e que os Romanos dessem os Cargos de Questor, de Pre-
tor, de Procônsul á Mocidade da Nobreza Romana ; mas o que
mais deviamos admirar he que naquella primeira idade obra-
vaõ acçoens taõ illustres, que se observaõ na historia : na ver-
dade que de vinte e cinco annos, até trinta ou quarenta, está
o corpo mais apto para obrar as mais elevadas acçoens; e por
isso me parece, quando comparo a Republica Romana com os
Reynos dos nossos tempos, que roestes, aquelles que os servem,
todos saõ velhos e decrépitos, e que naquella Republica todos
eraõ Varoens nas armas e velhos no Concelho.
Mas se quizermos saber a cauza desta immensa desigual-
dade, inquiramos a EJucaçaõ da Nobreza Romana, e logo ()a-
rará a nossa admiração. O seu ensino, no tempo da puerícia,
se reduzia a Philosophia Moral e trato da vida, que lhes ensi-
navaõ os Philosophos; mas esta instrução era practíca; entra-
vaõ no Senado com seos Pays ou Tutores, como ouvintes ; ali
ouviao practicar o que aprendiaõ em caza; de tal moc'o que
hum Menino da idade de desasete annos estava instruido na
eloquência, na arte de saber escrever, porque sabia fallar, nas
Leis Pátrias, no Sacerdócio, nas Leis Civis e Politicas, que pela
Eractica aprendiaõ; e vendo diante de si aquelles Senadores,
um que tinha triumphado, outro que tinha ganhado hum
Reyno, outro que tinha decretado leis como Cônsul, enchiase
o coração daquelles illustres objectos, para imitar aquellas ac-
çoens ordenando, mandando e obrando. Assim vemos que Cé-
sar de desasete annos orava com tanto applauso, que entrou no
cargo do Sacerdócio. Lemos a Educação de Marco Aurélio
IX
Emperador, que elle mesmo relata logo no principio das suas
obras, que são os pensamentos da sua vida^
Nos nossos tempos el Rey de Danamarca ordenou que
em cada Tribunal assistisse hum certo numero de Moços No-
bres, soaiente para serem ouvintes, e para aprenderem ali peila
practica as Leis Pátrias, e o que he a vida Civil ; os Magistra-
dos tem poder de lhes fazerem perguntas de tempo em temp^
para obrigar esta Mocidade a attenderem ao que ouvem. O
mayor proveito que retiraria o Estado desta Educação, seria
que pensisse e que reflectisse maduramente, e que naõ passasse
a vida naquella variedade, e encadeamento de divertimentos,
caças, jogos, dansas, bayles, e outros semelhantes. Nenhuma couza
poderia fixar a volatilidade daquella idade, do que destinala,
logo que estivesse instruída, a assistir nos Tribunaes como ou-
vintes, e de responderem por escrito ou de palavra, quando
fossem perguntados pellos Magistrados: alem de que lhes naõ
ficaria tanto tempo para empregar naquella vida aérea, se cos-
tumarias a pensar e a reflectir, que he a mayor difficuldade
que se encontra naquella idade, e o mayor bem que se pode
alcançar na sua educação.
Sem que eu o diga, todos verão que se se tomarem taes
meyos com esta mocidade, que poderá ser empregada nos car-
gos e postos do Estado, de idade de vinte, e de vinte e cinco
annos, e que evitaria o Reyno ser servido, ou por velhos, ou
por achacados nos cargos que necessitaõ vigiar, andar a Ca-
vallo, navegar, inquirir, ver, observar, e despachar.
Pareceme que vistos os notáveis inconvenientes da Edu-
cação domestica, e das Escolas ordinárias, que naõ fica outro
modo para educar a Nobreza e a Fidalguia, do que aprender
em Sociedade, ou em Collegios; e como naõ he couza nova
hoje em Europa esta sorte de en*ino, com o titulo de Corpo de
Cadetes, ou Escola Militar, ou Collegio dos Nobres, atrevome
a propor á minha Pátria esta sorte de Collegios, naõ somente
pella summa utilidade que tirará desta Educação a Nobreza,
mas sobre tudo, o Estado e todo o povo.
O que som as Escolas SMilitares
H*e buma Escola Militar hum Corpo de Guarda, onde os
Soldados saõ os meninos e Moços Nobres ou Fidalgos : estes
H
464. H. longloorais Qrav.
Kraat\ Nat. In». Deut., ii, p. 3oi.
Gercz (L. v. Heydco !).
465. H. melanaria Satã.
Kraatj Nat. Ins. Deut, n p. 3ia.
Gerez (L. v. Heydcn!)
466. H. próxima Eraatz.
Kraatj Nat. Ins. 'Deut., n, p. 3 14.
Aveiro (L. v. Hcyden 1).
467. H. validioornis Maerk.
Kraatj Nat. Ins. Deut.^ n, p. 271.
Bragança I.
468. H. Amgi Qrav.
Fauv. Faun. G. Rh.j p. 683.
Azambuja (J. Antunes!}, Aveiro (L. v. Hcyden I), Espi-
nho!, Bussacol.
469. H. SkaUtzkyl miM.
Ridfotestacea, abdomine ante apicem infuscaio^ thorace
subguadraio, basi foveolato, elytris hoc paulo longtoríbtis, abdo-
mine subl^evigato.
Mas. Abdominis segmento penúltimo tuberctdis duobus
in ápice insignis.
Long 2 mm.
Taille et forme du circellaris Grav. II diíFère de cette es-
pèce par les caracteres suivants :
Couleur moins foncée.
Élytres moins densement ponctués.
Abdómen presque lisse.
Avec ces diíTérences je n^oseraís pas proposer une nou-
velle espèce.
Mais le seul mâle que je possède, prís à Vizella est três
i5
distinct, car il a deux tubercules latéraux dans Textrémité du
6.^ segment de Tabdomen, tandis qu'on ne remarque qu^un
seuI au milieu dans le circellaris Grav.
Je remplis un devoir, avec le plus g^-and plaisir, en de-
diant cette espèce à mr. le Dr. Skalitzky que j'ai trouvé tou-
jours prêt à me dcnner des éciaircissements sur Tétude des
staphylins.
Qbvbb PHLOBOPOBA BRIOHSON
470. P. reptans Qrav.
Kraatiç Nat. Ins, ^Deut., ii, p. 337.
Vizella !.
471. P. oortioalis Qrav.
Kraatz Nat. Ins. Deut,^ 11, p. 337.
Bussacol, Mafra (C. v. Volxem!)
Qmbb oliqota uanmbbhbim
472. O. atoznaria Er.
Kraatj Nat. Ins. Deut.y 11, p. 348.
Coimbra I.
473. O. flavioomls Lao.
Kraaij Nat. Ins. Deut., 11, p. 35o.
Bom Jesus de Braga (L. v. HcydenI).
Qevbb QTROPHíBRA MANNBRHBIH
474. G. puloliella Heer.
Kraatj Nat. Ins. Deut.^ 11, p. 356.
Bussaco I.
^ Gbvrv MTLLABNA ERI0H8OM
475. U. intermédia Er.
Faw. Faun. G. Rh.^ p. 625.
Virella!.
i6
476. M. graoiliooniis Fairm.
Fauv. Faun. G. Q{h^ p. 626.
Felgueira!.
477. M. brevioomis Mattli.
Fauv. Faun, G, Rh,, p. 627.
Espinho I Bussaco!.
478. M. graoilis Matth.
Fauv. Fann. G. 7?*., p. 628.
Espidho !•
TACHYPORINI
Omamu HTPOOTFTUS MAMMBSHBIM
479. H. apioalis Bris.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 61 5.
Aveiro (L. v. Hcyden !).
V
anu HABROOERUS BBRI0H8OM
480. H. oapillariconiis Grav.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 591.
Coimbra!, Bussaco (L. v. HeydenI).
Obmhb lbucoparyphus kraatz
481. L. sllplioides L.
Fauv. Faun. G. T^/r., p. 592.
Mertola !.
Qmnm TÁ0HINU8 aRÁVBNHOBST
482. T. marginellus F.
Fauv. Faun. G. T^A., p. 582.
Espinho!, Coimbra!.
í7
483. T. flavolimbatus Pand.
Fauv. Faun, G. Rh, p. 5S2.
Coimbra!.
484. T. obtosus L.
Fauv. Faun, G, Rh., p. 595.
Mentionné parmi les Staphylins récoltés par Mr. C. v.
Volxem en Portugal.
485. T. formosos Mattb.
Fauv. Faun. G. "Rfi., p. 596.
Coimbra!.
486. T. rnfloeps Elraatz.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 596.
Coimbra!.
487. T. cbrysoznelinus L.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 598.
Espinho!, Monchique (C. v. Volxem!)*
488. T. hypnorum F. ,
Fattv. Faun. G. Rh., p. 598.
Commun partout.
489. T. puslUus Gtslv.
Fauv. Faun, G. Rh., p. 602.
Vizclla!, Espinho'.
490. T. nltidulus F.
Fauv, Faun. G. Rh., p. 602.
Bussaco!^ Felgueiral, Vizellal.
BKVISTA DA SOCIEDADE DE IN9TRUGCÃ0 DO PORTO. 2
i8
491. T. píotos Fainxi.
An. Soe. EnS. Pr., i852. p. 71.
Valle d^ Azares !.
Qmnm OONUBUS 8TBPHBNS
492. O. pub68062i8 Payk.
Fauv. Faun. G. Rh,, p. 609.
Coimbra!, Bussaco! (C. v. Volxeml). Gerez (L. v. Hey-
den !).
V. immaculatus Steph.
Fauv, Faun. G, itt., p. 610.
Vizella!| Espinho!.
493. O. pedicolarliis Ghrav.
Fauv. Faun, G. ilA., p. 61 1.
Cea !, Gerez (L. v. Heyden !).
494. O. montlcola Woll.
Fauv, Faun. G. Rh.^ p. 6ia.
Felgueira !^ Vizella I.
Le C Itpidus Er. mentionné du Gerez par Mr. L. v.
Heyden appartient à cecte espèce.
GsvBS BOLITOBIUS 8TBPHENS
495. B. trinotatus Er.
Fauv. Faun. G. Rh,, p. 549.
Coimbra!, Bussaco!.
asvu IfYCETOPOBUS MANNERHEOI
496. M. splendldus Qrav.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 56a.
Coimbra !.
19
497. M. nanns Er.
Fauv. Fauru G. Rk., p. 565.
Du Portugal, d'aprés Mi^. Fauvel.
498. M. angnlaris Rey.
Fauv. Fauv. G. Rk^ p. 570.
Azambuja (J. Antunes!), G>iinbra !, Vizellal, Gerez (L.
"v. Heyden !).
QUEDIINI
Qtwnm QUBDIU8 8TBPHBH8
499. Q. orasstui Fairm.
Fauv, Faun. G. Rh,, p. 5oi.
Coimbra !.
500. Q. lateraUs Ghrav.
Fauv. Fdun. G. BA^ p. 5oa.
Monchique (C. v. Volxem !), Pena, Gerez (L. v. HeydenI).
501. Q. ftUgldUB F.
Fauv. Faun, G. Rh.-, p. 5o5.
Coimbra !, Gerez (L. v. Heyden !), Bussaco (C. v. Vol-
:xein !).
502. Q. oinotus Payk.
Fauv, Faun. G. Rk,^ p. 514.
Commun partout.
503. Q. tristis Grav.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 5i5.
Douro !, Coimbra !, Bussaco, Leiria (C. v. Vobcem 1).
M
504. Q. fàligliiosas Ghrav.
Fauv, Faun. G, Bh.y p. 5x5.
Coimbra!, Freineda!, Guarda (L. v. Heydenl).
Tous les exemplaires que je possède du Portugal sont à
peu prés de la taiUe du tristis Grav.
505. Q. moloohlnus Ghrav.
Fauv, Faun. G. Bh., p. 5x6.
Partout.
Dans les individus immatures les antenneS) élytres et pat-
tes sont rougeâtres.
506. Q. robustos Scriba.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 5x8.
Trouvé par mr. L. v. Heyden en Espagne et d^après
mr. Fauvel il se trouve aussi en Portugal. -
507. Q. ambriniis Er.
Fauv. FcMn. G. Bh., p. 5ao.
D'après Mr. Fauvel il appartient à notre faune.
508. Q. obliteratus Er.
Fauv. Faun, G. Rh., p. 523.
Monchique (C. v. Volxem I).
509. Q. pinetl Brls.
An, Soe. Ent. Fr,, i866, p.- 359.
Bussaco (L. v. Heyden!).
510. Q. mauromflis Grav.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 526.
Bussaco!, Coimbra!, Espinho!.
{ContMa). MaNOEL PaULINO DE OlIVBIRA.
21
ESTUDOS HISTÓRICOS
■OBBB A
HISTORIA DAS SCIENCIAS EM PORTUGAL
A BOTÂNICA
PARTE I
(DÁ CONSTITUIÇÃO DA MONABQHIA Á REFORMA POMBALIMA)
Ensino da botânica : Mosteiro de Santa Cruz <— Universidade — Creação das
pharmacias. Litteratura botânica: Século xvi — Apreciação do estado da
botânica no extran^eiro — Portugal: Pedro Hispano, Valesco, Amato
Lusitano, Thomé Pires^ Garcia da Horta^ Christovam da Costa, os histo-
riadores do descobrimento da índia — Sec. xvii — Vista de olhos sobre
os trabalhos extrangeiros— Portugal: decadência do estudo das scien-
das— Isidoro da Baff eira, GabrielGrisley, trabalhos inéditos. — Século
xrm — A botânica em paizes estranhos — Portugal: João Vigier, Manoel
Gomes de Lima, Domingos Vandelli. 7{ea/ Jardim Botânico da Ajuda,
A botânica foi nos seus primeiros tempos uma sciencia de
applicação. Cultivada imperfeitamente como era, tinha em vista
conhecer apenas as virtudes medicinaes das plantas e os seus
usos nas enfermidades; esta é a razão porque foi confundida
com a medicina.
G>mo tal nos apparece nos primeiros tempos da nossa
existência politica. Quando em 1 1 3o foi estabelecido o mosteiro
de Santa Cruz, em Coimbra, ahi foram fornecidos amplos co«
nhedmenros nas sciencias aos que o& buscavam, e d'entre os
cónegos que O habitavam muitos foram buscar a paizes remo-
tos o que ensinavam. No reinado de D. Sancho, este costume
accentuou^se mais, pela liberalidade do soberano em conceder
subsídios aos estudantes, e, d^entre os que cursaram em Pariz^
Mendo Diaz, por conselho de seu tio Gonçalo, prior do mos-
teiro, entregou-se ao estudo da medicina de que se julga ter
sido o primeiro lente no nosso paiz. ^
Ora, havendo uma cadeira de medicina na aual todo o
complexo edificio d'esta sciencia era apreciado, a tnerapeutica
^ Víd. Maximiano Lemos Júnior— c^f medicina tm Portugal^ até
40f/ftfJofec. xvm— Porto, 1881.
33
deveria ser uma das partes mais estudadas e n^essa algum&
cousa da botânica.
Se isto não é mais do que uma conjectura é forçoso con-
fessar que tem todas as probabilidades.
Adiantaram*se os tempoS| e, no século xiii, o clero por-
tuguez, desejando conservar o prestigio das lettras, para d^te-
modo tornar efficaz e jpermanente o seu poderio, dirigiu-se a
D. Diniz, pedindo-lhe tosse concedida licença para a fundaçaa
de um estudo geral, ideia que foi bem recebida por parte do
monarcha que, como se sabe, tinha um espirito culto e muito
dado ás lettras. Reuniram -se, em Montemor o Novo, em 12 de
novembro de 1288, o abbade de Alcobaça, e os priores de
Santa Cruz de Coimbra, de S. Vicente de Lisboa, de Guima-
rães, e da Alcáçova de Santarém e mais vmte e dous reitores
de diversas egrejas e d^ahi mandaram ao summo pontífice uma
supplica, pedindo* lhe a confirmação do estudo geral, documenta
que nSo loi assignado pelos bispos, provavelmente por andarem
em litigio com o rei sobre matéria ae jurisdícções, n^um tempo
em que ainda o reino estava interdicto. ^
Só dous annos depois foi expedida a bulia de Nicolau iv
confirmando a Universidade de Lisboa, cjue n*esse tempo es-
tava já organisada, mas a confirmação veio tornar mais solido
e duradouro aquelle nosso primeiro estabelecimento scientifico.
A bulia de Nicolau iv é o primeiro documento que nos
revela a organisação do ensino na Universidade. Sabemos por
elle que havia cinco cadeiras: Leis, Cânones, Medicina, Gram-
matica e Lógica, cujo estudo era necessário fazer por um es-
paço de tempo indeterminado, e apenas sujeito á determinação
dos lentes, para obter perante o bispo ou vigário capitular da
Sé de Lisboa o grau de licenciado, que lhe dava o direito de
ensinar sem outras formalidades as matérias de seu curso, ex-
ceptuada todavia a theologia.
As rasSes já apresentadas fazem-me crer que a botânica
continuava a ser ensmada da mesma maneira na única aula de
medicina que o paiz possuia.
Transfere-«e a Universidade de Lisboa para Coimbra em
i3o7 ou fins de i3o6; muda-se em i338 para Lisboa, para no-
vamente, em i354, ser transladada para Coimbra, e amda em
^ Fr. Francisco Brandão, Monarchia Lusitana. Parte 5.% lib. z6^
l^ag. i33, Yid. também Lemos Juniori op. cit., pag. 10 e seg. d'onde
tranimos a maior parte d'estas noticias.
23
i377 !)• Fernando a torna a estabelecer em Lisboa, o que se
jQlga devido a que alguns lentes por elle mandados vir para en-
sinarem no Estudo ^eral não queriam tomar outra residência
que não fosse a capital do reino. Apesar, porem, doestas mu-
danças, a organisação do ensino medico persistia na mesma, con-
tinuava a haver apenas uma cadeira de medicina e n'ella, se-
gundo cremos, a serem ensinados uns rudimentos de botânica.
^ Nos meados do século xv, com a introducção das phar-
macias em Portugal, a parte doutrinal da medicina começou a
ser separada da parte ministrame, e a botânica medica tomou
um desenvolvimento novo entre nós, pela obrigação que os phar-
maceuticos tinham de escolher os simplices de que fabricavam
as composições. O Regimento dado pelo physico-mor, Mestre
Rodrigo, em 1497, dá- nos noticia de muitas plantas então em-
pregadas como medicamentos e cujo conhecimento se deveria
ter tornado vulgar entre os individuos que se entregavam á
pharmacia. *
No entretanto, a Universidade era novamente reformada
Kr D. Manoel que creava uma nova cadeira de medicina e por
João III que elevava o numero das cadeiras a sés; sendo uma
d'estas a de matéria medica, facilmente se comprehende que se
adiantassem os estudos botânicos, comquanto, nos faltem subsi-
dios para o ajuizar.
Este desenvolvimento foi todavia pouco manifesto, ao que
se pôde deduzir dos estatutos de i5gi, confirmados por D. Phi-
lippe I. Ordenam elles que na cadeira de Prima sejam lidos aos
estudantes de sexto anno os Capitules 3.% 4.^ e 5.^ da obra de
Galeno=^e simplicibus — accrescentando-lhes uma breve ex-
posição dos simplices ^. Ora os livros referidos de Galeno oc-
cupam-se principalmente da acção dos medicamentos, ventilando
questões sobre as suas propriedades e virtudes ; e a noticia das
.Vibstancias empregadas na medicina constituía por conseguinte
o único conhecimento que da botânica ficavam tendo os estu-
dantes médicos da Universidade.
A reformação de 161 s em nada modificou o que se achava
estabelecido sobre este ponto, e as disposições dos estatutos de
iSgi passaram integralmente para os que D. João iv confirmou
^ O Regimento oóde ver-se em Pedro José da Silva ^ /ftsforta de
pharmaciaportuguexap o.* memoria, pag. 8a.
' Éstatvtos aa Vniversidade ae Coimbra, confirmados por El-rei
D. Phelippe. . . em o anno i^i — Coimbra, por António de Barreira, i593
— Líy. m. Tit. v$ao.
24
em i653 e que foram a lei por que se regulou a Universidade
até á reforma de 1772 ^.
Uma provisão datada de 25 de setembro de 1691 modi-
ficou todavia o estatuto, melhorando-o no sentido de dar maior
latitude ao enbino da botânica.
Mandava que o Lente de Prima fosse três vezes por anno
ao campo com dous boticários peritos no conhecimento das
hervas para que os estudantes se instruíssem, mas tal disposi-
ção tão eminentemente favorável ao estudo da phytographia foi
revogada em 1 726, voltando as cousas ao antigo estado K
Por outro lado, os regimentos dados aos pharmaceuticos,
revelam-nos a introducçio successiva de novos medicamentos,
pela maior parte pertencendo ao reino vegetal. Vinham da ín-
dia, cuja flora e fauna variadíssima forneceram por muito tem-
po subsídios importantes á medicina portugueza, e cujo conhe-
cimento e applicações se devem sobretudo ao eminente botânico
portuguez, universalmente conhecido pelos seus trabalhos —
Garcia da Orta.
Se o ensino da botânica era isto, e bem pouco era, é certo
que possuímos durante o longo período que vae da constituição
da q[)onarchia até á reforma pombalina cultores muito notáveis
da botânica nas suas relações com a medicina visto que, como
dissemos, este primeiro período da sua historia entre nós foi
todo de applicação áquãUa sciencia.
Antes porém de enfrarmos na exposição dos serviços pres-
tados pelos portuguezes á parte das sciencias naturaes, cuja his-
toria nos occupa, vejamos o que de notável se fazia no es^
trangeiro.
Século XVI. E^ pelos fins do século xv q[ue apoz uma es-
terilidade manifesta de trabalhos sobre botânica começa esta a
ser cultivada. A descoberta da America e o renascimento dos
estudos clássicos foram com certesa os principaes factores doeste
desenvolvimento mais accentuado em que todas as nações se
fizeram representar mais ou menos distinctamente. A Itália deu-
^ Estatvtos da Vniversidade de Coimbra confirmados por Elrey
nosso Sflor D. João o 4.^ em o anno de i653 impr. por mandado de Manoel
de Saldanha na oíficina de Thomé Carualho, io5^.
s Compendio histórico da Universidade de Coimbra no tempo da
invasão dos denominados jesuitas e dos estragos feitos nas sciencias e nos
professores e directores oue regiam pelas maquinações e publicações doa
novos estatutos por elles labricados— Lisboa — 1771 — -pag. 3ao.
25
nos João Manardi, António Brassavola, André Mathiolo, que
oommentou Díoscorides, accrescentando-o com as noticias que
lhe foi possível obter, Ghini, Aloysio Anguillara, Castor Du-
rante, João Ck)steo e sobre todos André Cesalpino (iSig-iõoS)
que no seu livro Deplantts libri xvi apresenta o primeiro ensaio
de systhematisação da botânica.
A França concorreu com João Ruel, com Thiago Dale-
champs, que na sua obra compendiou tudo o que se conliecia a
propósito de botânica ao seu tempo, com Mathias Lobel e prin-
dpalo:ente com Charles de PEcluse que nas suas viagens nume-
rosas, entre as quaes se conta uma feita á peninsula hispânica,
accrescentou notavelmente o pecúlio dos conhecimentos relativos
a esta sciencía, merecendo por esse motivo a reputação de ser um
dos primeiros botânicos do século xvi. A elle devemos nós, os
poTtaguezes, o ter popularisado com as suas traducçoes as obras
de Garcia da Orta e de Christovam da Costa, que sem isso não
teriam talvez causado a sensação que produziram.
A Inglaterra fãz-se representar por António Ascham, Bui-
leyn, Maplet e Penny, todos elles de importância secundaria,
mas aos quaes convém accrescentar William Turner, cuja obra
merece menção muito notável na historia da botânica.
Foi sobre tudo na Allemanha, na Hollanda e na Suissa
que mais avultaram as conquistas feitas no estudo do reino ve-
getal. Brunfels (1470-1534) deu á luz a flora das cercanias de
Strasburgo e da margem esquerda do Rheno; Jeronycpo Bock
continuou a obra do precedente e n^ellà deu provas de um es-
{Niito observador, Tabernasmontanus reuniu um herbario de
três mil espécies e publicou a sua descripção ; Cordus explorou
a flora da Suissa-saxonia ; mas sobre todos avultou Conrad
Gesner cujos trabalhos merecem uma consideração extrema,
nSo só pelo grande numero de plantas cujos caracteres fez co-
nhecer, mas sobre tudo pelo estudo profundo que cada espécie
lhe mereceu, tendo sido o primeiro que ligou a importância de-
vida ao estudo dos fructos e das flores, como elementos servindo
para a classificação. São de menos importância os que vieram
depois, mas emAretio, em Calceòlari, em Camerario e, mais do
3ue n^estes, eoo Dodoens teve a botânica cultores dedicados, cre-
ores-da nossa consideração e da nossa estima ^.
>^ Ferdinand Hoefer — tíist. de la Botanique e Brotero Compendio
de Botânica, d'onde eztrahimos os elementos para esta rápida exposição.
36
Não foi na península que nos tempos immediatamente an-
teriores ao século xvi, e durante o seu decurso, appar^ceram me-
nos indivíduos que olhassem para o importante estudo da bo-
tânica com cuidado e applicaçâo. Os próprios historiadores ex-
trangeiros são de accorao eni elogiar os trabalhos que n'esse
tempo produzimos.
A Hespanha fez-se representar por Gabriel Alfonso de
Herrera, Álvaro de Castro \ Juan Jarava, Juan Fragoso, Fran-
cisco Micon, mas principalmente por Monardes e André Lagu-
na. Este commentou notavelmente a obra de Dioscorides, mos-
trando a vastissíma erudição que possuia e contestando muitas
opiniões de Ruel ; e aquelle deve a sua reputação de botânico
ás numerosas e curiosíssimas noticias que colligiu sobre a flora
das índias occidentaes, trabalho que juntamente com os de Gar-
cia da Orta e Christovam da Costa mereceu ser traduzido por
Carlos de L^Ecluse K
Como concorria Ponugal para o desenvolvimento da bo-
tânica ? Vimos de que maneira ella era ensinada e por esse mo-
tivo não poderiam tomar grande incremento taes estudos, mas
apesar d^isso podemos orgulhar- nos de termos possuído homens
notabiiissimos na especialidade.
Fallarei em primeiro logar, segundo a ordem chronolo-^
gica no Papa João xxi — Pedro Julião ou Pedro Hispano, que
em pleno século xiii escreveu o seu Thesaurus pauperum ^ em
que dá noticia de muitas plantas empregadas em therapeutica,
e se é certo que, na maior parte, as notícias apresentadas fo-
ram extrahidas de Avicenna e Galeno, não é menos certo que
outras foram o fructo de observação pessoal. ^
Na obra de Vale^co de Taranta, (que depois da publicação
da nossa these inaugural não pôde haver duvidas de que fora
portuguez), encontram-se egualmente noticias de espécies botâ-
nicas e das suas applicações, mas, apesar doesta obra ter como
livro de medicina um valor incontestável, a imparcialidade de
que sempre usamos n'e5te assumpto obriga-nos a confessar que
1 A obra Janua vitae d'este notável medico hesp^nhol parece que
não chegou a ser impressa.
* Vid. Morejon— Hfi/orúi bibliográfica de la medicina espanola
t. 2.«, pag. 227 e seg.) e 290 e seg. Colmeiro -— La botânica y los botânicos
de la península hispano-lusitana.
> A edição que vi e que existe na Bibliotheca municipal do Porto
é de Francof., 1576.
^ Vid. Morejon, op. cit Vid. também a nossa these inaugural^ pt^. 1 5.
27
n^está parte pouco adianta ao de Pedro Hispano, apesar da dis-
tancia de quasi dous séculos que os separa. ^
Somos chegados ao século xvi. N'esse período de ver-
dadeiro explendor litterario e scientifico, o estudo das scien-
cias naturaes, como o que mais directamente interessa ao ho-
mem, não podia deixar de ser cultivado com esmero. Se a
legislação não dava no ensino um logar importante á botânica,
os professores da Universidade remediavam os inconvenientes
da lei, dando nas suas prelecções uma desenvolvida noticia
das differentes plantas e ensinando a conhccel-as. Conta Fran-
cisco Franco * que mais de que uma vez saiu com os seus
discípulos em digressões botânicas, nas quaes os ensinava a
distinguir umas plantas das outras, despertando doeste modo
o gosto por um estudo já de si tão attrahente. Demais havia
um costume extremamente proveitoso para todos aquelles que
desejavam instruir-se na botânica; nos dias de festa andavam
pelas ruas os herbanarios com grande quantidade de plantas,
raizes, flores e sementes que vendiam por preços extrema-
mente commodos. Creio que os médicos, sobretudo, se entre-
gavam a este estudo, á imitação de Franco que^nos tempos
de ferias gostava de exercitar-se n'este conhecimento das her-
vas ^.
Merecem sobretudo ser apontados á consideração dos
contemporâneos João Rodrigues de Castello-Branco, mais co-
nhecido pelo nome de Amato Lusitano, Thomé Pires, um phar-
maceutico que no tempo de D. Manoel se passou á índia e
dW enviou uma noticia das drogas ahi encontradas, Garcia
da Orta, que nos CoUoquios dos Simples nos deu uma obra
tão completa quanto possível n'aquelle tempo sobre a flora e
fauna das índias, e Cnristovam da Costa que continuou a obra
do precedente, com notável critério e profundesa.
Especifiquemos melhor o modo como contribuiu cada um
para os progressos de botânica entre nós.
Castello-Branco, cujos serviços á medicina ninguém po-
derá pôr em duvida, publicou, entre outras obras não menos
1 Vid. Portal— fri5f. de VAnatomie, t. i.», pag. 887, — Morcjon,
op. dt., pag. 235 e 3o2 do i.» volume— Malgaigne—Hr«/. de la Chirurgie
tn Occidentf pag. 26 e Lemos Júnior op. cit. pag. 35.
* Aledicp hes^aahol, natural de S. Filippe de Jativa, que D. João m
coàvidou para vir a Coimbra reger uma cadeira de medicina.
' Libro de enfermidades contagiosas : y de la preservacion delias,
Sevilla, por Alonso de la Barrera, 1569, pag. 2j e 39.
V
3o
vez um primor litterarío estão longe de ser frequentemente um
modelo de exactidão.
Tal foi a maneira como contríbuimos no século xvi para
os progressos da botânica. Com os escassos meios de instruc-
ção que possuiamos na especialidade, com uma organisação tão
rudimentar do seu ensino dificilmente poderíamos ser mais
bem representados.
Maximiaho Lemos Jdniok.
PREPARAÇÕES ZOOLÓGICAS
(OwCIbiuiçío, t. TOl. n psf • M4)
VI
SUBSTANCIAS PRÓPRIAS PARA ENCBER AS PELLES
Quasi todas, senão todas as matérias vegetaes, servem
para encher as peíles, mas as mais usadas são, o algodão, a es-
topa e o musgo. O algodão, em virtude do seu elevado preço,
emprega-se só em aves pequenas, o muito até ao. tamanho de
uma pomba ; comtudo, se a economia não protestasse, era elle
a melhor substancia para encher as aves de todos os tamanhos,
em virtude da facilidade e innocencia do seu emprego. A es-
topa fina pôde também substituiUo com vantagem ; e até ge-
ralmente os pescoços das aves costumam ser cheios com ella.
Os preparadores podem, ao encher o exemplar, especial-
mente se elíe é corpulento, servirem-se ao mesmo tempo de di-
versas substancias que indicarei, conforme virem que lhes é
mais útil e conveniente.
Também está muito em uso o musgo (hypnum) para os
animaes de tamanho regular, assim como uma raposa, peru,
etc, mas necessita antes de repetidas lavagens, para lhes extra-
hir todas as substancias gordurosas, e de ser secco n'um forte
forno, para que morra qualquer insecto que n'elle exista. O
musgo precisa no seu emprego de ser pouco calcado, porque
se o fôr demasiado, torna de tal modo pesado o spedmen,
que muitas vezes os arames das pernas não lhes resistem e
elle cae.
Uma ave, embora grande, não pôde unicamente ser cheia
com musgo ; no pescoço, pernas e j unturas das azas é necessa-
3i
rio o algodão ou estopa, a fim de lhe conservar a natural de-
Saneia, e mesmo para facilidade da montagem. Para os gran-
es mammiferos faz-se especialmente uso de palha (cecale cereã'
le L.), ou esparto (lygeum spartum L,), bem seccos n'uma ar-
dente estufa.
Alguns preparadores estrangeiros visinhos das praias,
costumam encher os seus specimens com sargaço (s(astera ma-
rina L.)^ mas este uso é reprovado em virtude' do sargaço le-
var sempre algum sal, que mais tarde, n'uma época cnuvosa,
attrahindo a humidade, põe em risco a perfeição do individuo.
De modo algum se deve fazer uso de substancias ani-
maes, como a lã, cabello, etc, de que os insectos são muito
ávidos. Se bem que a lã se prestasse excellentemente a encher
as aves pequenas em virtude da sua grande elasticidade, ape-
sar de todos os preservativos que com ella se misturem, com o
decorrer dos annos corrompe-se, e, consequência inevitável,
amiina-se também a ave.
VII
PINTURAS E VERNIZES
A's aves que como o gallo, perá, pintadas, grous, etc,
são ornadas de carunculas na cabeça e pescoço, costumam os
preparadores cortar essas glândulas e substituil-as por outras
de cera. Mas a ave preparada d'esse modo fica muito defeituo-
sa, por Í5so que, por mais perfeitas que sejam as carunculas
poatiças, a simples inspecção visual é bastante para se lhe co-
nhecer o artificio. Além d^^isso é muito dispendioso este processo.
Faço uso ha muito de um processo descoberto pelo nos-
so distincto naturalista, o exc.''* snr. Augusto Luso, processo
qoe é superior a todos até hoje seguidos, pois ao mesmo tempo
que dá uma transparência e brilho carnoso ás glândulas, con-
serva-as por tempo indefinido*
Completamente acabada e montada a ave, dá-se com um
pincel fino uma leve pintura de sabão arsenical moído junta-
mente com um pouco de alvaiade. Depois moe-se, sobre a pe-
dra própria, uns poucos de pós da cor que se precisa, junta-
mente com uma mesma quantidade de sabão arsenical diluido
em agua.
Este sabão substitue vantajosamente o alvaiade e impede
qie de futuro se desenvolvam os insectos.
Finalmente, pinta-se e esbatem*se aa cores até á perfeita
32
imitação do natural. Logo que esta ultima pintura está seccá,
passa-^e-lhe por cima um pincel levemente molhado em verniz
copal branco dissolvido em álcool.
E^ preciso haver bastante cauteila na graduação do ver-
niz, para que o brilho demasiado e pouco natural, não vá ás
vezes, em vez de embellezar, prejudicar.
A maior parte dos amadores não dão verniz de expede
alguma nos bicos e pennas das aves, apesar de com o tempo,
verem essas partes mudar completamente de côr e tornarem-*se
defeituosas. Mas se logo que se acaba de montar a ave, se co-
brem as pernas e bico com um leve verniz, estas partes além
de conservarem indeãnidamente a mesma côr, possuem o bri-
lho natural que aos primeiros falta completamente. Para este
fim emprega-se a terebenthina dissolvida em álcool. Também
se pôde empregar o verniz copal branco, mas geralmente faz*se
uso da tereoenthina, por isso que este verniz não dá o dema-
siado brilho d^aquelle.
Nas pelles dos reptis e peixes, também é conveniente dar-
Ihe uma leve camadai de verniz, o qual, além de os tornar ele«
gantes, ajuda a sua conservação.
VIU
PELLES ANTIGAS
(ICodo de u enoher)
Não é conveniente, depois de descarnado o individuo,
§uardar-lhe muito tempo a pelle sem a montar, porque seccan-
o, contrae-se e perde a elegância. Mas, muitas vezes, viajan-
do, encontram-se espécimens raros que n^^aquella occasião é dif-
íicultoso montar, quer por não haver tempo ou substancias pró-
prias, quer por ser depois muito mais custoso o seu transporte ;
as pelles em qualquer recanto da mala se accomodam, e resis-
tem muito mais a todos os revezes do que os indivíduos já
montados.
Do extrangeiro, especialmente as aves, veem-nos quasi
todas por montar, sendo necessário, quem não as quizer assim,
dar-se ao cuidado, de as amollecer para as montar depois.
Para esse fim manda -se fazer uma caixa de lata de grande
capacidade, tendo no meio uma divisão movei de ferro, seme-
lhante a uma grelha ; em cima uma tampa fecha hermetica-
mente a lata. Quando se quer amollecer uma pelle antiga, pra-
ticasse do seguinte modo :
33
L4Sinça-se no fundo da lata, até á altura de três ou qua-
tro centiinetros, areia humedecida o mais possível com agua
doce. Tíra-se a estopa ou algodão que enchia a pelle, e substi-
toe^se por pequenos pedaços de esponja humedecidos em agua ;
i volta das pernas, sendo ave, enrola-se uma tira de panno em-
bebida em agua; depois de isto feito, colloca-se o specimen na
grdba da caixa e tapa-se esta muito bem.
Se o individuo é de tamanho mediano, deixa-se lá estar
durante vinte e quatro horas, mas pôde allí permanecer até
cinco dias, segundo é mais ou menos corpulento. Uma vez por
dia, pelo oienos, deve abrir-se a caixa e mudar-se a posição
da pelle, para não tomar cama^ o que difiScultaria depois a
montagem. I
No âm do tempo necessário para o completo amolled-
mento, tempo que o amador de per si marcará, extrahem- se-
lhe as esponjas, enxuga-se-lhe o interior e prepara se depois
como um individuo descarnado de fresco. Depois de montado
sobstitne-se a substancia que enchia as orbitas por uma pe-
quena esponja embebida em agua, que em quatro ou cinco no-
ras amollece as pálpebras e as p6e em estado de receber os
olhos artificiaes. Chegado a este resultado, tiram-se as espon-
jas, dá-se-lhe uma camada de preservativo, enchem-se de novo
com algodão, e termina-se por lhe cpllocar os olhos de vidro,
semelhantes na côr e forma aos que tinha em vida.
IX
NINHOS B ovos
Para uma collécção de ninhos e ovos ter o seu grande e es-
pecial merecimento deve, primeiro que tudo, ser fiel. Isto que á
primeira vista parece fácil, transforma-se n^uma das maiores dif-
ficuldades para o amador, por isso que os exemplares que os
negociantes d'esta espécie possuem, são trocados e aperfeiçoados,
vendendo muitas vezes ovos em ninhos que lhes não pertencem,
e até fozendo raridades ao seu capricho.
Uma collécção d'ovos assim adquirida pôde ser agradável
i vista, mas sem merecimento algum, porque conscienciosamente
não serve para estudo dos usos e co>tumes das espécies, Pre^
dsa pob o individuo que se dedicar a reunir uma doestas collec-
ções, de ir elle próprio procurar os ninhos e fazer todo o possível
para ver as aves a quem elles pertencem, para não errar na
parte mais essencial, a classificação.
BIYISTÀ DA SOGIKDADK MB QCSTBUCQIO DO PORTO. 3
34
Mas não se cifra n^isto todo o trabalho, como bem se pôde
prever, porque se os ovos se conservassem cheios, deteriorar-
se-iam em breve, e os ninhos, principalmente os forrados ou
construídos de pennas, seriam transformados em pó sob o po-
tente trabalho de milhares de insectos, que n^elles rapidamente
se desenvolvem. E' necessário extrahir o conteúdo do ovo, e
submetter o ninho a diversas preparações para que ambos pos*
sam resistir mais facilmente aos seus encarniçados inimigos.
Achado o ninho deve este tirar -se com cuidado, de modo que
nenhuma das partes componentes fique no supporte.
Feito isto, coUoca-se durante algum tempo n^uma forte es-
tufa, até que o calor mate os insectos que n^elle existam, ou im-
peça os óvulos que lá podem estar depositados de se desenvol-
verem.
Se o ninho é construído de matérias animaes, como pen-
nas, lã, etc, mergulha-se durante alguns minutos no seguinte li-
quido empregado pelo celebre naturalista ínglez Smith, e que elle
diz ser excellente preservativo contra as futuras tentativas da traça.
Sublimado corrosivo 2 partes
Camphora 2 »
Espirito de vinho i
»
O preparador deve, sobre tudo, acautelar-se doeste liquido
visto as suas grandes propriedades toxicas.
Algun? amadores em lugar d'este preparado, costumam
collocar nas vitrines ovologicas grandes pedras de camphora,
que, como o leitor sabe, possue enérgicas propriedades anti-in-
sectivoras, mas o seu emprego é reprovado pelos naturalistas
por impotente, e por desbotar os ovos, tornando alguns comple-
tamente differentes.
Para obstar, em parte, a este ultimo inconveniente, devem
os ovos estar resguardados de toda a acção do ar e luz que lhes
é muito prejudicial.
A preparação dos ovos requer minuciosos e intelligentes
cuidados. Pega-se com toda a cautella no ovo que se pretende
esvasiar, sem o comprimir demasiado entre os dedos, porque
alguns possuem uma casca tão delicada, que o mínimo des-
cuido despedaça, e faz-se com um alfinete um pequeno orifí-
cio em cada extremidade. Com um arame delgado e muito agu-
çado fende-se a gemma em muitos sentidos, e coUocando o in-
dicador n^um dos orifícios e o pollegar no outro, agita-se o ovo,
até que o seu conteúdo se misture completamente. Adherindo
depois os lábios a um dos orifiicios, e soprando, faz-se saiiír o
35
liquido pelo outro. Se o amador tiver repugnância em tocar o
ovo com os lábios, pôde servir-se d'uma seringa de tubo de vi-
dro oa d'um pequeno maçarico adaptado n^uma seringa. Deve
comtudo haver muito cuidado, em que a corrente de ar que se
introduz no ovo, náo seja muito forte, senão sujeita-se a que
elle rebente mui facilmente. Esvasiado o ovo, injeta-se-lhe agua
com uma seringa, para expulsar algum resto de gemma que por
acaso fique adherente á casca, e que mais tarde o tornaria de-
feituoso. Lava -se também o exterior com agua tépida, esfre-
gandoo cuidadosamente com uma escova para lhe extrahir o
pó, gorduras, etc, que a alguns cobre completamente, tor-
nando-os não só pouco elegantes, mas até desconhecidos.
Quando o ovo está fresco, ainda se lhe extrae facilmente
o conteúdo, mas muitas vezes acontece estar já o feto gerado o
que torna difficultosissimo o esvasiamento.
Para os specimens mais vulgares aconselho, que se bus-
quem sempre os que não estiverem já gerados, porque não
só são mais fáceis de preparar, mas também não perdem a
c5r, como acontece aos que teem o feto já desenvolvido. A
casca resente-se quasi sempre da incubação, e dos líquidos que
se lhe introduzem para dissolver a pequena avesinha que ella
contem.
Mas, muitas vezes, o ovo é raro, o que obriga o amador,
apesar de todos estes inconvenientes, a collocal-o na sua collec-
çSo até que novo e mais perfeito exemplar o venha substituir.
Para esvaziar um ovo já chocado o processo é um pouco
mais moroso. Furam-se, como acima disse, as duas extremida-
des do ovo, com nm arame aguçado trespassa-se o mais pos-
sível o embryáo, injecta-se-lhe uma dissolução de alcali fixo de
tártaro ou soda, e tapando-lhe os orifícios, agita-se um pouco
para que o alcali se possa igualmente introduzir por todo elle ;
em seguida depeja-se. Injecta-se-lhe nova quantidade de liqui-
do, agíta-se, tapam-se cuidadosamente os dous orifícios com
cera, e deixa-se assim estar durante dez ou doze horas, findas
as cjuaes se faz sahir a quantidade dissolvida, se introduz novo
liquido que d'ahi a quatro horas se faz sahir, e assim succes-
sivamente, até que o embryão se desfaça completamente e o
ovo fique vazio.
Ao injectar-se-lhe o alcali, deve haver cuidado em que não
fique gota alguma na parte exterior do ovo, porque nos de co-
res mais mimosas, appareceria depois n''esse sitio uma mancha
que o tomaria defeituoso. Finda a operação, lava-se e secca-se
cuidadosamente.
36
Reunir uma collecção de ovos e ninhos, é um dos mais
úteis e agradáveis entretenimentos de que pôde lançar mão um
individuo de gosto. CoUecçoes tenho visto só de ovos, mas
essas perdem em parte o seu merecimento, porque os ninhos
nâo sao um acessório como muita gente cuida, mas sim uma
das partes mais interessantes e essenciaes d^aquellas coUecções.
Alguns como os de carriça (Sylvia troglòdytes) , rabi-lonç>
(Parus caudaius), papa-figo (Òrtõíus galbuía), rouxinol (Sjrltna
luscinia), e andonnha (Hirundo rústica), são uma verdadeira
maravilha, uma obra prima de mechanica, encanto dos olhos,,
sublimes paginas de historia natural, emfim. Quanto amor não
existe no pequenino coração d^aquellas aves, para construir
com tanta fadiga esse explendido e perfeito berço para a sua
futura prole! Com que trabalho não amontoa a andorinha, a
lama de que construe o ninho !
E a microscópica carriça, que de forças sobrehumanas e
de mais admirável paciência não necessita para concluir o
complicado ninho, dentro do qual se esconde ella e toda a familia !
E tudo isto, todos estes sublimes exemplos de amor ma-
terno, não devem ser de preferencia estudados e cuidadosa-
mente interpretados, para a^elles se tirar, senão conhecimentos,
ao menos puros exemplos de moral?
(obnífii^.) Eduardo Sequeira.
Sociedade de Instrucção do Porto
SEXTA EXPOSIÇÃO
INDUSTRIAS CASEIRAS
a i5 de Março de i883
PROGRAMMA
PRIMEltA SECÇÃO
1
I. Trabalhos de carpintaria e marcenaria: Serra mechanica.
Trabalhos embutidos ou marchetados (intarsia) etc.
^ Esta secção abrance todos os trabalhos das industrias caaeiras,
executados tanto por particulares para simples recreio, como pelos peque*
nos productores das vilkis e aldeias, para consumo próprio ou para o
commercio interno.
3?
II. Trabalhos ao tomo em madeira, marfim, osso, etc.
III. Mobiliário domestico, rústico: cadeiras, mesas, arma<-
rios, camas, santuários, cangas de bois etc.
IV. Instrumentos de trabalho, na lavoura e em casa.
V. Pintura decorativa: em barro, faiença, porcelana, vi-
dro, madeira, seda etc.
VI. Esculptura decorativa: flores artificiaes, de estofos, de
pennas, de couro, cera, papel.
VII. Desenho decorativo. Modelos e padrões para todos os
ramos das industrias caseiras.
VIII. Gravura em madeira para illustração da industria ty-
pographica.
IX. Tecidos de linho^ lâ e mixtos, como toalhas, mantas,
tapetes (Arraiolos) serguilhas, liteiros para cobertas
de cama, arreioe alemtejanos, redes de pesca.
X. Obras em palha, vime, corrêa (canastras, cadeiras de
bunho) esparto, palma, crina, cabello, etc.
XI. Bordados brancos e de côr, em linho, algodão, lâ, seda,
a fio de prata e ouro, etc. Rendas de bilro em linho,
algodão, seda, prata e ouro; rendas de malheiro, etc.
XII. Arte de cortar e talhar. Modelos e padrões para o
vestuário.
XIII. Cartonagens.
XIV. Fructas confeitadas e ornamentadas (em bocetas).
XV. Trages e costumes portuguezes (figuras vestidas).
SEGUNDA SECÇÃO
A. emei^la poirtnfi^neza
(Curso normal segundo as Ids de maio de i878 e junho de 1880) ^
Primeiro anno do curso normal
Introducção . — SMaierial : — Agulhas, alfinetes, dedal)
tesouras, almofadas, lanceta de casear, furador, agulhas de
meia, linhas (de algodão e linho), retroz, etc.
Machinas de costura e sua escolha — quaes são as me-
Ifaores.^ — inconvenientes que podem resultar do uso immoderado
de trabalhar á machina.
M ■ ■■!■■■■■ mmmm^-^m-r^F^
^ Transcrevendo este programma official^ p Sociedade n&o toma a
inteira responsabilidade d'elle, sobretudo na parte relativa á coordenação
éas tDãtCTíBs, e á soa ordem, no ensino.
38
Aspecto dos tecidos: — Aspecto longitudinal, transversal,
ao viez (tanto no que respeita á urdidura como ao tecido). —
Tecidos felpudos ou aveludados, adamascados e estampados.
Direito e avesso dos tecidos — tecidos sem avesso.
Pontos de costura — espécies d'esta. — a) Pontos di-
versos:— Ponto adiante, ponto atraz, ponto de cerzidura, ponto
de luva ou por cima, dito enviesado, ponto de bainha, ponto
inglez (dobrado e de chulear), pesponto, ponto de cadeia, ponto
de arenque, ponto furtado (em vestidos e roupa branca), pomo
de recorte, ponto de casear, ponto furtado completo, ponto de
marca, ponto cruzado, ponto enlaçado, etc.
b) Costuras diversas: — Cerzidura ordinária, bainha de
ponto adiante, a ponto de bainha, bainha redonda, bainha in-
gleza da esquerda e da direita, bainha a pesponto (bainha pes-
pontada), franzir, perfilhar, casear, fazer ilhós, debruar, repas-
sar, costura mixta, de ponto adiante e atraz, sobrecosida, com
duas cerziduras, fazer pregas, cerzidura de alfaiate para concer-
tar panno.
Bainhas a ponto cruzado, de cerzidura — pregar botões,
fitas, colchetes e fívellas metallicas.
TEcmos. — De malha, meia — suas espécies e execução.
Fazer meia. — Meias de malhas ás avessas, voltadas e
de revesilho — meias de riscas.
Concertos diversos. — Concerto das meias á mão —
palmilhar, remendar, encabeçar, descer e acrescentar as
meias.
Espécies de concertos: — Passagens ordinárias, com pe-
daços ajustados, a ponto de luva, a ponto de renda, passagens
perdidas, etc.
Marcar. — Qualidades diversas.
Talhar. — Estudo dos pontos essenciaes e auxiliares do
corte — preparação dos quadrados e dos rectângulos de papel
para cortar nos diversos sentidos.
a) Corte rectilineo : — cortar pequenas tiras rectan^la-
res em comprimento, largura, ao viez, não os separando mtei-
ramente para rectificação do corte — cortar os dois lados maio-
res do rectângulo em grandes recortes dentados (linhas que-
bradas).
b) Corte curvilineo : — cortar os dois lados maiores dos
rectângulos em linhas sinuosas, em grandes recortes e eai
grandes cavas — arredondar os ângulos de um quadrado para
o transformar em circulo.
c) Carte recto<urvilineo : — estudo do traçado dos padrões
39
escolhidos para estes exercícios — inscrever a figura em um
rectângulo e cortal-a.
a) Desenhar primeiramente em ponto reduzido e ir au-
gmentando, gradualmente, òs moldes de todos os objectos de
roupa de ambos os sexos, que se possam prestar ao corte,
á vista dos respectivos exemplares, que para esse fim devem
existir na escola normal.
IhiATiCA. — Applicaqão dos exercícios precedentes á exe-
cução de vários objectos de uso ordinário e familiar.
Segundo anno do curso normal
Revisão das matérias dadas no primeiro anno, com fire-
quentes exercícios práticos:
Talhar. — Livro para assentar as medidas — maneira de
adaptar o molde aos dinerentes corpos — medidas que se devem
tirar para as necessárias modificações — maneira de collocar os
moldes de corpete justo e de um corpete com abas.
Tirar moldes.
Uso do manequim.
CÓRTE DE OBJECTOS DE ROUPA BRANCA. — Córte de TOUpa
branca para creança — colletinho de forma ordinária — coUeti-
nho de uma só peça' — touca de dormir composta de três peças.
Exercidos especiaes ç práticos — execução de pregas de
enfeite e duas bainnas para os- dois lados — abertos para cal-
ças de creanças.
Costura de duas bainhas para a abertura da frente de
uma camisa de mulher e de menina.
Execução de umas calças, de uma camisa de creança e
de uma camisa de dormir para mulher.
CóRTE EM GERAL. — Regras e preceitos fundamentaes —
tirar uma collecção de padrões — corte de objectos de roupa
branca, tanto para homem como para mulher.
Camisas de uma e de duas nesgas, tanto para homem
como para mulher — já cortadas pela metade do corpo da ca-
misa, já em todo o seu comprimento — camisas de linho —
camisas de dois pannos simples — de dois pannos dobrados e
entrecortados.
Calças, vestidos, etc, para senhora.
Calças, colletes, ceroulas, jaquetas e casacos para homeni.
Pratica. — Cortar e fazer lençóes, fronhas de travessei-
ros, toalhas de mesa, guardanapos, aventaes de cozinha.
Cortar e fazer camisas de homem, de mulher, camiso-
las, etc.
40
Cortar e fazer vestidos de mulher e roupa de homem.
Bordados. — a) bordado de branco — Com ponto real,
liso, inglez, ao alto, de cadeia, de esteira, de nós, de passa-
gem, abertos e arrendados.
b) Bordado a cordão. — Ilhós e borbotos — pontos de se-
gurança, turcos, de escada, etc.
c) Bordado de crochet. — Liso e em relevo — estofos cm
que se executa.
d) bordado a trança, — Como se executa.
e^ bordado de seda a maU){. — Como se executa.
j) Bordado de lenttjoula. — Como se executa*
Rendas. — Espécies diversas que se podem executar.
Terceiro anuo do curso normal
Aperfeiçoamento das matérias aprendidas nos dois pri-
meiros annos e exercicíos práticos na escola annexa e na normal.
Desenlio de ornato applicado aos lavores próprios
do sexo fexninino
Primeiro anno do curto normal
Desenho de exemplares fáceis, que representem os va-
riados ornatos com que se costumam adornar os vestidos, ca-
misas e quaesquer peças de fato de ambos os sexos, e ainda
outros objectos.
Estes exercícios serão feitos primeiramente nas lousas e
depois em papel ou cartão.
Segundo anno do cnrso normal
Continuação dos exercidos do primeiro anno, não só nas
lousas, quadro preto, papel ou cartão, mas ainda nas diversas
espécies de tecidos em que téem de ser executados, e no vidro.
Tereeiro anno do enno normal
Direcção de classes, tanto na escola annexa, como das
alumnas da escola normal.
Aperfeiçoamento progressivo dos desenhos já executados,
e invenção de outros que possam ser úteis e vantajosos na
pratica.
41
LISTA DOS SÓCIOS
DA
SOCIEDADE DE INSTRUCÇÃO *
SÓCIOS FUNDADORES
i88o. Isaac Newton
William C. Tait
Alfred Tait
José Pereira da Cunha e Silva
Augusto Luso da Silva
Dr. Eduardo Augusto AUen
Joaquim de Vasconcellos
José Baptista Vieira da Cruz
Visconde de Villar d' AUen
Alfredo Jordão
José Joaquim Rodrigues de Freitas
Dr. G. H. Brandt
Dr. José Fructuoso Ayres de Gouveia Osório
Dr. Vicente Urbino de Freitas
Manoel de Albuquerque
Dr. Tito Jorge de Carvalho Malta
Dr. Pedro Augusto Dias'
Joaquim António Gonçalves
Joaquim Casimiro Barbosa
George H. Delaforce
Joaquim d^ Azevedo Albuquerque
Joaquim Duarte Moreira de Souza
Dr. Eduardo Pereira Pimenta
Conde da Silva Monteiro
Diogo de Macedo
Dr. Adriano de Paiva de Faria Leite Brandão
Dr. A. J. Ferreira da Silva
George H. Selfers
Roberto Wengrovius
Adolpho Leuschner
Edwin J. Johnston
Alberto Kendall
Charles Coverley
Roger Coverley
^ Esta lista sobstitue as anteriores^ VoL i pag. 44 e Vol. n pag. 3a.
42
i88o. Frank C. Rawes
Alberto Rebello Valente Allen
Wilson M. Rawes
José Maria d^^Almeida Outeiro
Conselheiro Dr. Arnaldo Braga
Carlos Lopes
Visconde de Moser
Henrique Carlos de Meirelles Kendall
Dr. António Ribeiro da Costa e Almeida
Henrique Rumsey
Manoel Vieira de Andrade
José Teixeira da Silva Braga Júnior
Dr. José Carlos Lopes
Conselheiro José Guilherme Pacheco
José Taveira de Carvalho
Conselheiro José da Silva Monteiro
António Maria Kopke de Carvalho
Dr. Alexandre Braga
Conselheiro Manoel Maria da Costa Leite
Henrique A. Pereira da Silva
Eduardo Amsinck Allen
Dr. Arnaldo Amândio Pereira de Faria
A. de la Rocque
António José Duarte Guimarães
Visconde de Alves Machado
Francisco Augusto Vaz Cerquinho
Diogo Gentil Gomes da Silva
António Carneiro de Azevedo
Dr. Francisco de Paula Albano da Silveira Pinto
José Gomes da Silva
António Manoel Lopes Vieira de Castro
Joaquim Teixeira de Macedo
Dr. Pedro Augusto Ferreira
Dr. Henrique Carlos de Miranda
Dr. António Joaquim de Moraes Caldas
Ernesto Chardron
Conselheiro Dr. Manoel Paulino d'01iveira
Barão da Roeda
José Pedro da Costa
Jeronymo Monteiro da Costa
Luiz Augusto Guerreiro Lima
Manoel Pereira da Costa Basto
Manoel Custodio Gomes
43
i88o. Dr. Aidolpho Soares Cardoso
Bernardo V. Moreira de Sá
Apolino da Costa Reis.
Tito de Noronha
George D. Tait
Dr. Pedro Roxa
Augusto Alberto da Silva Ferreira
António Vieira de Tovar Magalhães
J. E. von Hafe
José Maria Charters Henriques d^Azevedo
Dr. Leonardo Torres
Augusto Kopke Severim de Souza
Carlos Augusto Paes.
Fernando M. Kopke
Francisco Affonso da Silva
Eduardo Sequeira
Luiz de Souza Gomes e Silva
António Domingos Canedo
António José Gonçalves Porto
Dr. Thomaz António d^OIiveira Lobo
Joaquim Baptista de Lemos
António Bernardo de Brito e Cunha
José Augusto da Silva
Numa Jorge de Carvalho Malta
William Eatzenstein
Manoel Rodrigues Miranda Júnior
António Velloso da Cruz
Dr. António Augusto de Mello
Joaquim Lourenço Alves
Dr. Tito Fontes
Rev.® Francisco José Patricio
Patrício Theodoro Alvares Ferreira
Augusto Pinto Moreira da Costa
A. M. da Costa Maia e Silva Júnior
Dr. José António de Anciães Proença
Dr. Manoel de Jesus Antunes Lemos
Conde de Samodães
Henrique Freire
D. Eduardo Blanco y Cruz
Júlio Moreira
Eduardo Augusto da Costa Moraes
João José Rodrigues Seara Felgueiras
António da Luz Rebello 'Valente
i88o. Dr. José Barbosa Leão
44
i88o. António Moreira Cabral
G>mmenda(lor António da Rocha Miranda e SOva
Eduardo Augusto Falcão
José Maurício Rebello Valente
Commendador Thomaz Joaquim da Silva
Marcus Archer ^
i88i. Clemente Menéres
Dr. Agostinho António do Souto
Rodriço de Mello e Castro Aboim
António Luiz Teixeira Machado
Dr. Henrique A. da Silva Maia
Dr. João Carlos Freire Themudo Rangel
Dr. António Maria Esteves Mendes Correia
Dr. António Joaquim dos Reis Castro Portugal
Manoel José Felgueiras
Manoel Ribeiro Fernandes Forbes
António Bernardo Ferreira
Dr. Joaquim José Ferreira
Dr. Joaquim Urbano da Costa Ribeiro
Gustavo Cudell
Dr. Maximiano de Lemos
Dr. A. Plácido da Costa
Francisco de Faro Oliveira
Dr. Wenceslau de Lima
Dr. José Rodrigues Leal de Faria
Theophilo Leal de Faria
1882. Jacob Bensabat
Visconde de* Barreiros
Guilherme Clavel
José de Macedo Araújo Júnior
Dr. Florido Telles de Menezes de Vascoocellos
Cândido Emílio Cabral
SÓCIOS EFFECTIVOS
1881. Dr. José Augusto Correia de Barros
JoSo Stuart da Fonseca Torrie
Augusto Gustavo d'Almeida
D. Fernando de Bonilla y Boville
JoSo Gonçalo Pacheco Pereira
John S. Johnson
Dr. Illidio Ayres Pereira do Valle
Arthur Augusto de Albuquerque Seabra
Dr. Ricardo de Almeida Jorge
Dr. Júlio de Mattos
45
i88i. Miguel Augusto Belleza d' Andrade
Domiu^os A. de Souza
Frederico A. de Vasconcellos Pereira Cabral
Marciano do Carmo Azuaga
António Luiz Soares Duarte
Álvaro de Castro Neves
D. Félix Fernandes Torres
1882. Emilio Augusto Dias
Carlos Dubini
Dr. António Victorino da Motta
José de Castro
Ricardo Pinto da Costa
Dr. Albano Pinto de Mesquita Carvalho e Gama
José Augusto Pinto da Cunha Saavedra
Dr. Tibério Augusto Mendes Maia
João de Souza Machado
António Correia de Magalhães Ribeiro
Nuno Alexandre de Carvalho
Dr. João Nepomuceno Rebello Valente
Dr. António Maria de Senna
Bento de Sousa Carqueja
Francisco Xavier Esteves
Alexandre José Sarsfield
Augusto Júlio Bandeira de Neiva
José Alves Bonifácio
António Nicolau d'Almeida
António José Lopes Antunes
Diniz Theodoro de Oliveira
José Leite de Vasconcellos
Dr. Licinio Pinto Leite
Rev.« Dr. Domingos de Sousa Moreira Freire
João Lopes dos Rios
Dr. António M. d'Araujo Leite
António José da Silva Machado
Cftsimiro Palha
José Guilherme de Parada e Silva Leít&o
Fernando Fricke
Dr. Agostinho da Rocha e Castro
Dr. Manoel Marques de Lima Figueiredo
Dr. Manoel Rodrigues da Silva Pinto
Alfredo Augusto de Barros
José Nicolau Raposo Botelho
Joaquim Manoel Teixeira Marinho
Conselheiro Adriano d^Abreu Cardoso Machado
46
i882. Dr. José Diogo Arroyo
Dr. António Augusto d'AImeida Pinto
Dr. António Velloso d' Araújo
Francisco de Castro Monteiro
José Marques Loureiro
Manoel Pinto Peixoto Portella de Vasconcellos
Dr. José Caetano Preto Pacheco
Albano Cordeiro Cascão
D. Eusébio de Bonilla Martel
Constantino Joaquim Paes
Isidoro António Ferreira
Arnaldo José de Castilho
Dr. António Ayres de Gouvêa.
Guilherme de La Rocque
Frederico da Camará Leme
Rev.^ J, S. Neves
Leopoldo Mourão
Dr. Joaquim Mário de Castro
Francisco José Ribeiro Porto
José Ferreira Guimarães Júnior
Augusto Ernesto Carneiro
Dr. Miguel Maria Guimarães Pestana da Silva
José Victorino Torrie
Dr. António Lúcio Tavares Crespo
Alexandre José Vieira Brandão
José António Pereira Duarte
João Camillo de Castro Júnior
Amónio José da Costa Basto
António Simões Lopes
D. Ellen Jones
João Evangelista da Silva Mattos
Francisco Coelho de Mattos Fragoso
António José Carneiro e Silva
Anthero Ferreira d^Araujo e Silva
Rev.<> Francisco Maria Henriques da Silva Pereira
Dr. Boaventura da Fonseca e Sousa de Viterbo
Carlos Brandão
Roberto Reid
Bento Rodrigues d'01iveira
Delfim de Lima
Dr. José Gonçalves Barbosa de Castro
João Eduardo de Brito e Cunha
Fortunato António Mendes d' Almeida
Fernando Maia
47
i882. José Arnaldo Nogueira Molarinho
Germano Courrége
Justino Moniz
Manoel Amândio Gonçalves
Augusto Teixeira da Silva Barroso
Cyriaco de Cardoso
Thomaz Joaquim Dias
Joaquim de Sousa Guimarães
João Gualberto Povoas '
Francisco Bernardo Braga Júnior
Justino Marques d'Oliveira
António Fadua da Silva
João Caetano de Lemos
Visconde de Villarinho de S. Romão
Dr. António Ignacio de Sousa
Rev.^ António de Magalhães Campello
Agostinho Ribeiro Gonçalves Basto
Dr. Eugénio Augusto Perdigão
Dr. António Ferreira Augusto Júnior
Dr. Adolpho Pimentel
António José Fernando Coelho
Rev.^ A<(cenço de Magalhães Fonseca
António Xavier Lourenço da Costa
José Maria Alves Tórgo Júnior
António Tiburcio Pinto Carneiro de Vasconcellos
Eduardo Augusto dos Santos Júnior
José Correia Pinto. da Fonseca
Dr. António Ribeiro Fernandes Forhes
António de Almeida Costa
António Joaquim Rodrigues Portella
José Joaquim Teixeira Lopes
Manoel da Terra Pereira Vianna
Conde de Castro
Jacintho Pereira Valverde de Miranda Vasconcellos
Guilherme Monteiro Rebello
Manoel Maria Rodrigues
Gabriel Antunes de Carvalho
António Sequeira Ferraz
Emilio de Azevedo Campos
Eduardo da Cunha Rego
Rev/ José Maria de Sant'Anna e Silva
Albino Coutinho da Silva Moraes
Atitonio d^ Albuquerque Amaral Cardoso
Joaquim Ribeiro de Freitas
48
i882. José David de Azevedo Barros
Joaquim da Costa Carregal
Ernesto da Costa PÍDto Bastos
Joaquim Baptista da Silva Guerra
Dr. João Vieira Pinto
Joaquim d^AImeida Costa
Júlio Cardoso
Eduardo José Alves
Carlos José Alves
José Gregório Baudouin
Manoel Leite Pereira
Duarte Ferreira Pinto Basto
António José da Silva
João da Rocha Sousa e Lima
António Bernardo Soares
Cândido Augusto de Sá Castro
Angelo da Silva Macedo
Manoel Alves Ferreira Pinto
Conde da Silva (D. Francisco)
Dr. Caetano d' Andrade e Albuquerque
Francisco César Supico
Augusto César Supico
Dr. Ernesto do Canto
Henrique T. Murat
Guilherme AfSalo
Dr Bernardino Machado
J. A. Marques Gomes
Affbnso Henriques da Silva Moreira
Dr. Adriano Theodoro de Figueiredo Malheiro
Eduardo Augusto Paes Villasboas
José Mendes Leite
José Crispiniano Júnior
Abilio de Jesus d^ Anciães Proença
Álvaro Smith de Vasconcellos
Augusto Pereira Nobre
Miguel Gonçalves Pereira Dantas
Albino Coutinho Júnior
José António Guimarães Júnior
Dr. José Pereira da Costa Cardoso
Sebastião do Canto e Castro
Bernardo do Canto e Castro
Manoel Euzebio de Souza
{(hiUbiéa.)
3.» ANNO
I DE FEVEREIRO DE i883
N.» 2
CARTAS SOBRE A EDUCAÇÃO DA MOCIDADE
(ContinnaçSo, r. pag. 12)
No anno 1742 pouco mais ou menos, S. Magestade Im-
perial a Rainha de Hungria, ou por lembrarse do projecto do
Duque de Lorena assima referido, ou pela sua alta intelligen-
áã^ instítuio em Viena de Áustria o Collegio Thereziano para
o mesmo fim, mas mui poucos apováraõ a Escola dos Jesuítas
por Mestres, e que se admitissem tielle Pensionarios ; e por esta
cauza, ou pela pouca disposição, naõ se tem visto atégora da*
quelle magnifica instituto aquella utilidade que se esperava.
No anno lySi se estabeleceo em Paris a Escola Real Mi-
litar: a sua instituição he para educarse nella quinhentos Gen«
tis homens a casta Real; os Militares saõ os Mestres para en-
sinar a arte da guerra, e os seculares Homens de Lettras as
artes e as sciencias : mas como na Enciclopédia impressa em
Paris, se acha huma exacta descripção desta famosa Escola no
articulo Ecole Militaire^ tome cinquième^ naõ necessito entrar
aqui em mayor explicação; e só farei algumas observaçoens so-
bre o que se podia imitar de louvável em Portugal desta ins
tituicão.
Em EMnamarca, em Suécia e em Prússia, se instituraõ e
conservaõ Escolas Militares Semelhantes, instituídas depois de
poucos annos ; e não fallo da Escola Real de Madrid, porque
parece que a sua destinação naS he para que os seos Estudan-
tes sirvãõ o Estado.
Parece que Portugal está hoje quazi obrigado, naõ só a
fundar huma Escola Militar, mas de preferila a todos os esta-
bledmentos litteraríos, que sustenta com taõ excessivos gastos.
O que se ensina e tem ensinado atégora nelles, he para chegar
a ser Sacerdote e Jurisconsulto ; e como já vimos assima, naõ
tem a Nobreza ensino algum para servir a sua pátria, em tem-
pos de paz nem da guerra. Proporei aqui o que achar mais
oecessario, para establecer esta Escola; e no cazo que seja ac-
ceite o meu trabalho e o dezejo da execução, supprirei as omis-
soens, que de propósito cometo por naõ ser porlixo, com a
tDayor exactidão, se me for ordenado.
BXVISTA DA SOaEDADX DB QfSTBUCÇÃO DO PORTO. A
5o
Propoemse huma Escola Real Portuguesa,
para ser nella educada a Nobreza e a Fidalguia.
ECONOMIA INTERIOR.
Quando se comprehender o intento com que se propõem
esta Escola, poderá ser que se louve a sorte da economia in-
terior que ha de servir para conseguilo. He educar súbditos
amantes da Pátria, obedientes ás Leis, e ao seu Rey; intelli-
gentes para mandar, e virtuozos para serem úteis a si, e a to-
dos com quem devem tratar.
Será tacil conceber a quem estiver inteyrado deste intento,
que esta Escola Real deve ficar afFastada tanto da Corte, que
nem Estudantes nem os Mestres estejao distrahidos peilas vi-
sitas dos parentes e amigos^ e muito menos pellos divertimen-
tos de huma capital. Seria fácil acharse edifício já feito, ou dois
ou três edifícios, juntos, reparados, e concertados para se es-
tablecer esta escola; deyxando para melhor occasiaõ fazer hum
aproposito, ou occupar algum que prezentar o acazo.
i.^ Que naõ habitaria dentro d'este edifício Governa-
dor, Mestre, ou outro qualquer empregado no serviço desta
Escola, sem ser cagado.
2.° Que nao seria permitido a nenhum estudante ter
criado em particular.
3.° Que para o serviço dos mesmos Estudantes, quer
dizer, barrer os seos quartos, alimpallos, fazerlhe a cama, e
outros serviços domésticos, haveria huma molher de idade de
cincoenta annos para diante, destinada a servir a cada cinco,
de tal modo que nenhum destes Educandos se considerasse que
tinha criado ou criada em particular. ^
1 Bem se pode considerar a necessidade da observância destas dis-
posiçoens. Evitar os crimes que saõ contra a Religião, e que pelas nossas
Ordenaçoens saõ castigados, he da obrigação do Legislador: mas neste
cazo, sendo el Kty o Pay desta Educação da Nobreza, deve haver entaõ
mais effectiva providencia; todos entendem esta matéria e os males que
resultaõ da dissolução da Mocidade ; permitte a Disciplina Ecclesiastica aos
Parrhocos terem amas de cincoenta annos era suas cazas; e podia a Escola
Militar imitar esta instituição : no livro i^ tit 94 das Orden. Sam obrigados
os^ue tem qfficio de julgar e de escrever serem cajados; e quanto mais se-
rão obrigados os que haõ de governar e ensinar a Mocidade ?
5i
4.^ Todos os quartos, salas, Camarás, tanto do Gover-
nador, Officiais, Mestres, como dos educandos, seriaõ adorna-
dos da mesma sorte de alfayas sem distincçSo de pessoa^, e
todas ellas deviaõ ser feitas no Reyno.
5.^ Tudo o que servisse de alimento e de bebida nesta
Escola Real devia ser produção do Reyno, c dos dominios de
S. Majestade, como taõbem tudo aquillo que vestissem, calças-
sem ; ainda mesmo as espingardas, espadas, bandoleyras, e tudo
que servisse no manejo, e na cuzinha. *
6.^ Como estes educandos haviaõ de estar alistados em
companhias cada huS de vinte, ou vinte e quatro, governadas
petla disciplina militar, ja se ve que devem vestirse com uni-
formes; e do mesmo modo os Officiais, e Inspectores, cada
qual com distinção do seu gráo. *
j,^ Todos estes educandos deviaõ comer em communi-
dade, e naõ serlhe permitido nenhuma sorte de alimento no seu
quarto. * /
8.^ De sol nacido até sol posto, sempre haverá humacom-
panhia de educandos de Guarda : seraõ os que estarão de sinti*
nella dentro do edifício nos lugares que o Commandante achar
aproposito. E como para a guarda de todo o edifício deve ha-
ver huma companhia de Soldados tirada do regimento da guar-
nição mais chegada, estes seraõ os que estarão de sintinella ás
portas de entrada e sahida dia e noyte.
9.* A nenhum deste^ educandos seria permitido entrar
no quarto ou camará dos seos collegas; nem dos Officiais de
guerra^ Mestres, ou Officiais de economia sub pena de rigo-
roza prízSo.
10.* Ao tenente dei Rey, ou Commandante d'esta Es-
2 No intento que aprendaõ os Educandos a viver com o necessário,
e naõ haver distinção nesta matéria naquella Escola, e taõbem para que
aprendaõ aroar a sua pátria, e naõ ficarem desde meninisse imbebidos que
tudo que naõ he estrangeyro, he mao e mal feito.
* Era huma Le^ dos antigos Reys da Pérsia e do Egypto. Só deste
modo mostra bum patriota que ama sua pátria, e que faz estimação delia ;
quem assim naõ for educado nem saberá o que he o bem commum, nem
as obrígaçoens com que naceo. Estes dois artículos se observaÕ a risca na
Escola Militar de Paris.
> No coUegio Thereziano de Víenna cada educando se veste como
quer: a distinção entre os mesmos SocioSi todos filhos adoptivos do Es«
tado faz perder o objecto da instituição.
* £' para exercitar a ley deste Instituto^ «Que ninguém ha de viver
por soa vontade, mas conforme á Ley».
02
cola Real, Intendente Director dos Estudos, Offidais de Guerra,
e Mestres, e outros Offidais econoofiicos lhes seria dada a cada
hum sua particular instrução para exercitarem o seu cargo.
1 1.* Naõ seria permitido aos Mestres, nem aos Oficiais
de Guerra castigar com ca^-tigo corporal : só poderiaõ mandar
prender; e dar por escrito a falta,, ou culpa do educando ao
Conselho económico da Escola, que se teria huma, ou duas ve-
zes por semana, no qual se determinaria o castigo. O Mayor
?|ue sente a Nobreza hé a deshonra: o ser condenado a naõ
requentar as classes : o estar de pé em parada sem espada, e
sem espingarda á vi «ta dos Mestres e de seos iguais, serviria
da mais efficas correçaõ. ^ Vejasc a dita Encydopedia tom. v,
no lugar citado assima.
S
Em que idade deviam entrar os Educandos
na Escola Real Militar?
Se os educandos entrassem nesta Escola na única inten-
ção de sahirem instruídos nas lingoas e nas sciencias, nenhum
deveria entrar antes da idade de do^e, ou quator:(e annos. Mas
o intento principal he que seu animo saya deitas escolas t^o-
bem informado na virtude, no amor da Pátria, e na obediên-
cia ás Leis; que pella imitação da boa companhia, e pella pra-
ctica das boas acçoens, fiquem instruKlos nestas taS importantes
obrigaçoens: pelo que bem poderão entrar os educandos desde
a idade de oito ou nove annos, e se fosse possível ainda mais
cedo pellas razoens seguintes.
Tanto que as riquezas da ÂfTrica e do Criente entrarão
em Portugal, logo começou a mostrarse o luxo nos vestidos,
comidas, e mais commodidades estrangeiras; começou a es-
fríarse o amor das familias, e por ultimo da Pátria. El Rey
Dom João o Terceyro, foi o ultimo Rei que foi criado com ama
Nobre; e ja seos Filhos, nem seu Neto el Rey D. Sebastião,
tiveraõ amas mais que da classe plebea : indicio certo que as
Senhoras naS criavao ja seos filhos, como nos tempos anterio-
^ O castigo que daõ os quatro Collegios Mayores de Salamanca aos
Noviços (que todos são Nobres) he ordenarlhes que fiquem de pé arrima-
dos aos lados das portas dos Claustros, e ás vezes por hum dia enteyro, a
vista de todos os que entraõ e sayem ; e por experiência se sabe que tem
produzido este castigo admiráveis mudanças nos costumes.
53
rcs, Introduziose este destruitvo costume da ra(;a humana, do
amor filial e dos bons costumes ; e a pezar de tanto serma6|
missocns, e practicás espirituais, nenhuma Senhora quer sacrifi-
car a sua formozura á criação de seos filhos, que hão de ser a
cauza da felicidad?, ou dos infortúnios do resto dã sua vida.
Seria loucura persuadir c que ninguém quer abraçar. ^
s :
Cònseqttencias por nam criarem as Mays seos filhos.
Tem para si estas Mays, que naÕ criaõ, que conservarão
por mais tempo a formuzura, e que dilatarão a vida com mais
vigor e forças, e que perderiaõ a sua boa constituição criando
por dezoito mezes ou dois annos. Mas he engano manifesto; e
o contrario se sabe pela experiência, e pela boa Physica.
A molher que pario, e que naõ cria o seo parto, em
pouco tempo vem a conceber de nove : a prenhes de nove me-
zes he huma enfermidade, que enfraquece mais o corpo do que
criar aos peitos por anno e meyo: e como concebem antes que
as partes da geração adquirissem pelo repouzo a sua natural
consistência, succede que estas Senhoras abortaõ mais frequen-
temente : enfermidade ta6 considerável, que muitas ou perdem
a vida, ou ficao achacadas, perdendo em poucos annos o idolo
da sua belleza, ficando frustradas do seu mtento, e expostas a
viverem por toda a vida a mil desgostos e pezarcs. A molher
que cria o seu parto fortifica o seu corpo ; porque a natureza
fnclinandose a lançar para os peitos muita parte dos alimentos,
nesse mesmo tempo as partes da geração se alimpaõ dos hu-
mores qre estiveraS detidos por nove mezes, e alimpandosse
cada dia adquirem o seu vigor natural; e deste modo a niolHer
que cria o seu parto, e que o sustenta só com o seu leite por
hum anno, naõ concebe, que dificilmente; se concebem de an-
tes, he por que naõ daõ leite na quantidade necessária, temendo
estas Mays e Amas enfraquecerse, o que he engano manifesto.
Este o mal que cauza ás Mays naõ criarem seos filhos,
vejamos agora os danos a que estaõ expostos os partos viven-
tes e ainda os mais vivazes. A molher que concebeo dentro do
* Et qua? Despcrat iractata nitescere posse, relinquit.
Horat. dt Árt. PotL v. 150.
54
anno em que pano, naõ deu tempo para que as partes da ge*
ração adquirissem aquelle vigor natural, que lhe he natural: a
prole concebida naõ terá tanto espaço para se estender; ficará
mais fraco, porque 6 lugar onde vai crescendo está relaxado, «
fatigado pela prenhes, e parto antecedente: daqui he que sahirá
á luz com menos vigor e com menos esforço para crescer. E
será esta a causa que nos nossos séculos a espécie humana he
mais piquena e mais fraca, que nos seeulos anteriores? pelo
menos parece ser huma cauza desta pequenhés.
Atégora os danos que sofrem as Mais e os seos partos
no corpo; mas os mais consideráveis e lamentáveis saõ aquel-
les que se imprimem no animo das crianças criadas por amas.
Se fôramos nacidos para viver nos dezertos da Affrica, ou nos
bosques da America, pouco importava que as amas imprimis-
sem no nosso animo aquellas ideas de terror, de feitiços, de fei-
ticeyras, de dunendes, de crueldade, e de vingança; mas so-nos
nacidos em sociedade civil, e christS; aquellas ideas que nos
daõ as amas saõ destrutivas de tudo o que devemos crer, e
obrar: ficaõ aquellas crianças expostas ao ensino de molheres
ignorantes, superstiziozas; saõ os primeyros Mestres da lingoa,
dos dezejos, dos apetites, e das payxoens depravadas. Chegou
o menino a fallar, ja esta cercado de duas ou três molhei es,
mais ignorantes mais superstiziozas, do que a ama; por que
estas saõ mais velhas, e sabem mais destruir aquella primeira
intelligencia do menino; chega a idade de caminhar, ja tem seu
mocinho, ordinariamente escravo, e como foraõ pelas Mays
criados por taes amas, e velhas, saõ os lerceyroi Mestres até
d idade de seis ou sete annos: e se o máo exemplo do Pay e
da May póem o seMo a esta educação fica o menino embebido
nestes detestáveis princípios, que mui dificilmente os milhares
Mestres podem arrancar aquelles vícios pelo discurso da idade
pueril.
Será impossivel introduzirse a boa educação na Fidalguia
Poriugueza em quanto naõ houver hum Collegio, ou Recolhi-
mento^ quero dizer huma Escola com clauzura para se educarem
ali as menin^is Fidalgas desde a mais tenra idade; porque por
ultimo as Maens, e o sexo femenino saõ os primeyros Mestres
do nosso; todas as primeyras ideas que temos, provem da cria-
ção que temos das mays, amas, e ayas ; e se estas forem bcn>
educadas nos conhcdmentos da veruadeyra Religião, da vida
civil, e das nossas obrigaçoens, reduzindo todo o ensino destas
meninas F*idalgas á Geographia, á Historia sagrada e pro-
fana, e ao trabalho de maõs senhoril, que se emprega no risco.
55
no bordar, pintar, e estofar, naõ perderiaõ tanto tempo em ler
novellas amorozas, versos, que necn todos sa5 sagrados: e em
outros passatempos, onde o animo naõ só se dissipa, mas ás
vezes se corrompe; mas o peyor desta vida assi empregada he
que se communica aos filhos, aos irmãos, e aos maridos. Da-
qui vem, que sendo ua mesma Naçaõ, da mesma familia, e da
mesma caza, estaõ introduzidas duas sortes de lingoa, ou mo-
dos de fallar: a conversação que se deve ter com as senhoras,
não ha de ser sobre matéria grave, séria ; estás conversaçoens
judiciosas ficaõ reservadas para algum velho, ou para algum
notado de extravagante : e assim succede que íicaõ as Senho-
ras por toda a vida (ordinariamente) meninas no modo de pen-
sar; e com taõ miseráveis principios vem ellas, as suas amas,
as soas ayas, e donas, a serem os Mestres daquelles destinados
a servir os Reis.
Naõ me acuze V. Illustrissima, que sahi fora do intento
que lhe prometi. Achei que tratar da educação que deviaõ ter
meninas Nobres e Fidalgas merecia a. mayor attençaõ porque
por ultimo vem a ser os primeyros Mestres de seos filhos, ir-
maÕDs e maridos. V. Illustrissima sabe muito melhor do que
eu^ aquelles monumentos que temos na Historia Romana, e
taõbem na nossa, de. tantas Mays que por criarem e ensinarem
seos filhos foraõ os que salvarão a Pátria, e a iliustraraõ: houve
em Roma muitas Cornelias, como em Portugal muitas Pheli-
pas de Vilhena. Mas naquelle tempo ainda o luxo ou a disso-
lução naõ se tinha apoderado do animo Português, porque as
riquezas naõ eraõ taõ apetecidas. A connexaõ que tem a edu-
cação da Mocidade Nobre que prometi a V. Illustrissima, me
obriga a ponderar, se não seria mais útil para a conservação e
iQgaicDto da Religião Catholica, transformarse tantos Convén-
ios de Freyras e das Ordens, principalmente Militares sem
exerdcio algum da sua destinação, nestes establecímentos que
proponho, tanto para a Mocidade Nobre Masculina, como Fe-
minina? Com o exemplo das educandas, ou Filies de Saint
Cyr, fundação perto de Ver^ailles, e com o da Escola Real
MiHtar, se poderiaõ fundar no Reyno outros ainda mais ven-
tajozos, para a mesma Nobreza^ e p^ra conservação e augmento
da Religião e do Reyno, Mas espero ainda ver nos meos dias
cstablecimentos semelhantes em tudo, ou em parte, que satis-
fação todo o meu dezcjo.
56
S
Dos Mestres da Escola Real Militar, para a Arte
da Guerra e das Sciencias,
Ainda que na Encyclopedia citada, no articulo Escola
Militar se contem o que devem aprender os Educandos da
Escola Militar, julgu n aproposito aplicar o que contem de útil á
Escola proposta em Portugal; sendo essa a razão, que me move
a notar o que se deve seguir ou evitar, deyxando para os que
a dirigirem entrar nas particularidades do ensino, que só com
a experiência e com o tempo se pode fixar huma Ley constante
e universal; bem entendido que subsistaS as mesmas circums-
tancias.
O primeyro e quotidiano ensino desta Escola deve ser a
Religião^ para comprirmos a obrigação de Christaõ: esta Es-
cola devia considerarse como huma Parrochia debayxo da Juris-
dição immediata do Ordinário que presentaria o Parrhoco e
hum ou dois Vigários, nao só para administrar os Sacramen-
tos, mas para instruir nos r3omingos e dias de Festa na Reli •
giaõ: mas sem Novenas, Irmandades, Confrarias, e outras Insti-
tuiçoens, que naõ saõ essenciais á Religião Catholica : este mesmo
Parrhoco e Vigários, ja se sabe que inculcarão nao \6 o que
saõ obrigados a ensinar, mas a serem os milhores Súbditos,
porque saõ os mais bem premiados do Estado.
A segjnda sorte de Mestres, seriaõ os Militares e todos
aquelles que ensinariaõ os exercicios corporais, para foriificar
o corpo, fazelo ágil e endurecido ao trabalho e á fadií^a que
requer a guerra. He necessário considerarse em Portugal «^e
acharão Officiais Militares, que ensinem o manejo das armas,
as Evoluçoens e a Táctica: he necessário ponderar qual sono
de Officiais devem ser preferidos para ensinar nesta Escola, se
os Estrangeyros, se os Nacionais?
Parece que o fim e o principal objecto desta Escola deve
ser, «Que a Nobreza e a Fidalguia fique taõbem inst^^uida, e
taõbem morigeradas que obedeçaõ ás Leis Pátrias, á subordi-
nação dos Mayores, e que percaõ aquella idca que devem ser
premiados por descenderem de lal ou tal caza: e que fiquem
no habito de pensarem, que só pelo seu merecimento chegarão
aos postos e ás honras a que aspira a sua educação».
Se este for o intento de sun Magesiade, ficará fácil deci-
dir que devem ser preferidos os Officiais Militares Estrangeyros
/
aos Nacionais : o Official Portuguez, que ensinar ou instruir na
sua obrigação hum Menino Fidalgo, sempre lhe mostrará huma
distinção ou sumissaõ, e não se atreverá a executar com elle, o
que pede a disciplina Militar: esta he e deve ser cega para man-
dar a Nobreza, ainda da mayor esphera : e deste modo parece
que só os OfiSciais Militares bstrangeyros podiaõ cabalmente sa-
tisfazer esta tao essencial parte do ensino q^ue se pretende.
Seis até oito Oíficiais Mayores, como, por exemplo, hum
Mayor, hum Vice-Mayor, três ou quatro capitaens, e outros
tantos Tenentes Estrangeyros seriaõ bastantes ; porque o Com'
mandante, ou Tenente dei Rey, a cujo cargo estaria a dita Es-
cola, sendo Official Geral devia ser Nacional, e dos mesmos
educandos podiaõ sahir os Sargentos de numero, de supra, os
Cabos de esquadra, etc. e por muitas consideraçoens que naS
pertencem aqui, deviaõ ser estes Estrangeiros da Naçaõ Suissa,
naõ sendo obstáculo para este effeito a Religião Protestante que
seguem aquelles Republicanas pela mayor parte.
O dia da quinta feira seria destmado enteyramente para
o exercício militar, o manejo da Espingarda^ as Evoluçoens
^Militares e a Táctica.
Âssima íica proposto que cada companhia constaria de
vinte ou vinte e quatro Educandos, o que se deve entender no
principio deste tstablecimento ; mas podia estenderse este nu-
mero até cem em cada companhia, e poderiaõse completar os
Oficiais de cada huma delias, como Alferes e Tenentes, com
Oficiais Educandos.
Seria útil que o resto dos Mestres, para ensinar todos os
exercicios do corpo, como sao a dansa, a esgrima, montar a
cavallo e nadar, fossem Portuguezes, com aquellas qualidades
necessárias para ensinar; estes exercicios seriaõ quotidianos e
di>tribuidos no tempo que indicaremos abayxo, quando tratar-
mos da instrução nas Lingoas e Sciencias.
Os Mestres para ensinar a Lingoa Castelhana, Francesa
e Inglesa, necessariamente deviaõ ser Estrangeiros; e na Es-
co-a Militar de Paris os serventes saõ Âlemaens e Italianos,
para que, pelo uzo, aprendaõ aquelles Educandos estas Lin-
goas, alem do ensino, que tem dos Mestres: methodo que se
devia inr.itar.
Igualmente seria necessário haver mais Mestres Estran-
geiros, para ensinar as sciencias, ou na Lingoa Franceza, ou
na Latina, c mesmo de Religião Protestante, o que naõ sei, se
^erá b. in aceite c>ta proposta. Mas considerando que só entre
o>> Aleniaens e os Suissos saõ bem conhecidas a Philosophia
58
Moral, Origem do Direito das Gentes e do Civil, a Historia
Antigua e a Politica dos nossos tempos, ninguém duvidará es-
colher os Homens doutos destas Naçoens, para este ensino.
Naõ he novo ensinarem os Protestantes nas Escolas pu-
blicas Catholicas: a Universidade de Pádua teve Lentes de
Mathematica Protestantes, como foi M. Herman Suisse, Autor
da Vhoronomia. Em muitos Estados Catholicos de Alemanha
he a Practica ordinária, porque cada Mestre ou Lente se con-
tem a ensinar unicamente a Sciencia que professa, e como os
Educandos serão instruídos cada dia pelos Ecclesiasticos da
mesma Escola, e pelos Mestres Portuguezes ao mesmo tempo,
naõ se poderá temer com razaõ, que o ensino dos Estrangeiros
possa prejudicar a Educação no que toca á Religião, nem á
santidade dos costumes.
As leis da economia interior desta Escola, e a sua exacta
observância, as instruçoens que cada Mestre havia de receber,
quando entrasse no seu cargo, com juramento de as observar,
conforme á sua Religião, seria o methodb effectivo da boa or-
dem e da utilidade desta Escola. Porque como toda ella devia
depender immediatamente de S. Magestade, e ficar na depen-
dência do Secretario do Estado, por o Governo interior do
Reyno, seria mui facil obviar a qualquer desordem, e executar
tudo o que estivesse decretado.
§
^as Lingoas e Sciencias que se deviam ensinar
nesta Escola, e em que tempo ?
Nos cinco dias, vem a saber, secunda feira, terça feira,
quarta feira, sexta feira, é sábado poderiaõ estes Educandos
occuparse .em vinte liçoens.
Cinco liçoens dê Grammatica da sua própria lingoa; es-
crevela e compor nella com propriedade e elegância; a liogoa
Latina, Castelhana, Franceza e Ingleza.
Três liçoens de Arithmetica, Geometria, Álgebra, Tri-
gonometria, Scççoens cónicas, etc.
Tt^es liçoens de Geographia, Historia profana, sagrada,
e militar.
Duas ou três do Risco, Fortificação, Architectura mili-
tar, naval, civil, com os instrumentos e modelos necessários
para aprender estas Sciencias.
59
Duas de Hydrographia, Náutica, com os instrumentos.
Ciuco dos exercícios corporaes: dança, esgrimir, manejo
da espingarda, montar a cavallo, e nadar.
Ja se vê que ao passo que os educandos souberem a sua
lingoa, a Latina, e a Franceza, a Geographia, a Chronologia,
e os Elementos da Historia, que devem passar a outras ciasses
onde se en^^inaraõ as sciencias que dependem^ destes conheci-
mentos. Alem das referidas necessariamente se deviaõ ensinar :
A Philosophia Moral por theoria e practica :
O Direito das Gentes, os Principios do Direito Civil, Po-
litico, e Pátrio, que deviaõ ser as nossas Ordenaçoens refor-
madas, á imitação daquella de Turin publicadas e decretadas
por Victor Amadeo no anno de 1721 e 1724:
A Economia Politica do Estado, isto he o conhecimento
da Agricultura universal: a Navegação, e o Commercio nos
Mares conhecidos.
Pode se duvidar com razaõ se todos os educandos devem
aprender sem distinção a Lingoa Latina, e as Sctencias mais
elevadas. He certo que devia haver excepção nesta matéria ; e
conformar o ensino ao génio, inclinação e engenho dos educan-
dos; sem embargo desta precaução todos seriaõ obrigados apren-
der sem distinção o seguinte :
Saber escrever a sua lingoa com propriedade, e com a
mesma fallar a Castelhana (de que injustamente fazemos pouco
cazo), a Franceza, e a Ingleza.
A Geographia, sem a qual naõ saberemos nem ainda a
nossa Historia que deviaõ todos saber, com a de Castella, de
França, Inglaterra, e o principal da Ecc^esiastica : pelo menos
aquelles T>iscursos de rHistoíre Ecclesiastique de SM. PoAbòé
de Fleury.
A Arte da Guerra e da Náutica ; esta também por pra-
ctica, embarcandose em cada viagem de Navios de Guerra
para as nossas Colónias alguns destes educandos.
Todos os Estatutos Militares, e Náuticos; mas naõ su-
perficialmente, como he maõ costume; mas com exactidão e in-
telligencia.
Todos os exercícios do corpo referidos ; e saber arte de
conhecer os cavallos, os seus petrechos, o seu sustento, e tudo
qae toca ao Inspector General da Cavallaria ; necessária pre-
caução para ser official perfeito nesta parte do exercito: do
ntcsmo modo se devia aprender tudo que pertence a hum na-
vio de guerra : e na Artilharia, e Architectura Militar.
O que se contem naquelle livrinho, que dissemos assima
6o
se está compondo tocante ás Obrigaçoens, que sa5 os Princí-
pios da Phiiosopbia moral practica.
No cazo qoe o juizo de algum educando fosse taõ estú-
pido que naõ seja capas de aprender o referido, pelas instru-
çoens Reais para as Escolas, devia ser rejeitado desta Escola
Real; e como ihe ficassem ainda braços para manejar huma es-
pingarda, ou para defender o seu posto em hum navio de
guerra, esta seria sua distinção; servindo de utilíssimo monu-
mento esta piedoza resolução para o Estado e para esta Escola
Real Militar; que assim sabia tratar os educandos menos babeis.
S
Pouderaçam sobre a Lingoa Latina.
Entender e saber a Lingoa Latina com algua perfeição
naõ se estima ordinariamente por qualidade necessária : mas he
notado de mâ creaçaÕ e he reputado por ignorante, quem a
naõ entende; tantos* Authores que escreverão era inútil a hum
Militar, a hum Capitão de Mar, e outros Cargos públicos, naÕ
tem outro fundam >nto mais, do que mostrarem que tem na sua
própria Lingoa todas as Sciencias e Artes escriptas, e que sa-
bendoa com perfeição aproveiíaõ o tempo em aprendellas, que
perdiaõ certamente em quanto estudavaõ o Latim : mas he en-
gano manifesto. Quem assim escreve, e assim declama, sabe a
Lingoa Latina, e naõ se apercebe que se a naõ soubesse, teria
milhares de occasioens de dezejar sabéla. Notou M. de Voltaire
que Louis Quatorze, e M. Colbert seu Secretario de Estado
naõ sabiaõ Latim, e que elles promoverão as Sciencias mais
que os Reis, e Ministros que foram doutos; e que M. Colbert,
sendo ja Ministro aprendia esta Lingoa. Carlos Quinto, e ii en-
rique Terceyro de França lamentáraõse muitas vezes que a
ignoravam : tcdos aquelles de quem se pode esperar tiveraõ boa
creaçaõ, saõ reputados saberem latim: porque todos os Mys-
terios da nossa Religião, todos os actos Religiosos delia saõ
nesta Lingoa, e será couza lamentável que hum Oentilhomem
na Igreja intenda tanto como o Villaõ, ou huma criada. No trato
do mundo occorrem mil occazioens de saber Latim, huma sentença
que se dis nesta Lingoa em conversação; o titulo de hum livro
latinizado, ou em latim; estando nos Cargos ou civis ou poli-
ticos, ou nos da guerra ha milhares de occazioens onde o La-
6i
tim he necessário ; de outro modo fica o Ministro, ou o Gene-
ral envergonhado, e confuzo.
Para resolver se hum mosso Nobre, nesta Escola que
se propõem, devia aprender o Latim ou naõ, naõ devia ser
aquelle que o sabe. Pelo contrario devia ser hum Gentilhomem,
ou Fidalgo com conhecimentos da vida civil e politica, que o
naõ soubesse: estou certo que o seu voto nesta matéria seria
pela affirmativa, porque terá exprimentado quanta confuzaõ, ver^
gcnha, e mortificação lhe cauzou ás vezes não entender o Evan-
gelho, os textos dos Pregadores ; os Hymnos, as Sentenças, e
Ealavras Latinas encadeadas na lectura da Lingoa vulgar, e so-
re tudo na conversação.'
Alem do referido, que he a nossa Lingoa, acharemos que
a Castelhana, a Italiana, a Franceza, e muita parte da In-
gleza, naõ he mais que a Lingoa Latina, ou corrupta, ou com
terminaçoens differentes: como he possível que hum Português
tenha huma idça distincta, clara e completa destas palavras : Con-
ceder sujeitar, reservar, resolver, publicar, exceaet\ promover,
etc, sem saber a Lingoa Latina? Ainda que aprenda a Gram-
matica da nossa Lingoa, ainda que venhaõ Bluteaus novos de
Irlanda a fazemos Dicionários \ jamais a saberemos bem, sem
ter primeiro aprendido o Latim, e naõ creyo que jamais Por-
tuguês sem ella a escreverá rectamente, apezar das orthogra-
phias á Italiana que começaõ a vogar nas pennas dos Novelei-
ros e de quem se preza saber antes a Lingoa Estrangeyra do
que a sua própria.
Por estas razoens, parece que he indispensável que esta
Lingoa entre na educação da Mocidade Nobre : todo o ponto
está que quando a aprenderem lhes naõ ensinem Grammatica
em lugar da língua latina; a Grammatica ou se deve ensinar
explicando a Lingoa materna, ou depois de saber medíocre-
niente a Latina; e o primeiro dia que começaríaõ a aprender
esta, nesse mesmo começaríaõ a traduzir ou algum Evange-
lho, ou os Provérbios de Salamaõ, por ser o Latim mais co-
mum, como saõ ordinariamente todas as versoens ou interpre-
taçoens.
1^ o Dictionario de Bluteau, em tantos volumes em folio, merecia
correçaõ de muitos lugares, por algum douto Portuguez, para ser verda-
deiramente útil.
62
S
' Empregos e Honras com que haviam de sahir
os beneméritos desta Escola.
Chegados os educandos áquelle tempo que podem ter al-
gum emprego fora da Bscola Militar, deviao ser empregados
conforme o génio, a capacidade, as forças, e os seos Estudos :
o Director dos Estudos daria conta ao Conselho desta Escola,
onde presidiria hum Secretario do Estado, naõ só do proveito
que cada educando adquirira nos seos Estudos, mas que tal e
tal poderia ser útil nos Negócios Estrangeyros ; outro nos Tri-
bunais económicos do interior do Reyno; outro no serviço da
frota, e outro no eiercito. Antes de serem decorados com Car-
gos públicos, seria conveniente, que se exercitassem aquetles
destinados a navegar nos Navios de Guerra expedidos a com-
bater os Corsários, ou a conduzir as frotas: outros assistirem
em certos Tribunais, e Conselhos, como ouvintes, outros fa-
zendo campanhas, ou ficando por alguns mezcs nas Praças
frontevras do Reyno; e taõbem algum numero delles no ser-
viço da Corte; mas sempre com obrigação de voltar a viver
na' Escola Militar, onde deviao conservar o seu posto até sahi-
rem empregados nos Cargos públicos, e com tenças procedidas
de alguma Ordem Militar, ou ja establecída ou que devia esta-
blecerse para esse fim.
Os Educandos que sayem da Escola Militar de Rússia
depois de rigurozo exame no que aprenderão, saõ empregados
primeiramente no exercito no posto de Tenentes, de Capitaens,
de primeiro e de segundo Mayor: outros saõ destinados a sir-
virem no Collegio dos Negócios Estrangeiros, outros nos Col-
legios de Justiça e Rendas Reais. Como naquelle Império o
Almirantado tem huma Escola de Náutica, conri Pensionarios ou
Guardas Marinhas, todos igualmente Nobres, nenhum Edu-
cando da Escola Militar he empregado no Almirantdo.
Os Educandos da Escola Militar de Paris, sayem para
ser empregados no exercito, e tem por premio do seu apro-
veitamento nos Estudos, os postos de Tenentes, Capitaens e
segundos Mayores ; alem disso sahem decorados com huma Or-
dem Militar, e huma pensão por toda a vida de So.ooo reis, até
48.000 reis, paga ás vezes pela mesma Escola, e outras á custa
da Ordem Militar que professaõ. Assim somos feitos : Se naõ
conservamos a esperança fundada na honra, no proveito e na
63
distinçaS gloríoza, he impossivcl forçar a nossa natureza a tra-
balhar, nem a cultivar o entendimento, sorte de trabalho mais
penivel, e que requer mais constância, do que o corporal.
§
Utilidades que resultariam tanto ao Reyno,
como ao Soberano ao exacto exercido desta Escola SMilitar,
que se propõem.
Tenho mostrado por todo este papel, lUustrissioio Se-
nhor, que o trato e os costumes de huma Naçaõ provem ongi-
nalmente daquelles que tem os Senhores das terras, e os que
exercitaõ os Cargos do Estado. Que me concedaõ que os Ge-
nerais, os Almirantes^ os Magistrados, e todos os Cargos da
Corte sejao administrados por homens educados em huma es-
cola, como a que acabo de propor, estou certo que será hum
reyno bem governado, com tanto que o Soberano prcmée e
castigue á risca, conforme as leis decretadas. Isto he fácil de
conceber : mas se pelo contrario os mesmos Generais e Cargos
da Corte forem administrados por homens educados em caza
de seos pays (como he hoje costume), . onde os Mestres te-
ntem de advirtir e castigar os seos discipulos; onde a ama ou
a aya, o criado e o page são os companheyros dos meninos,
os seos manos, toda a sua companhia, os seos confidentes em
todos os seos dezejos e apetites, entaõ poderemos julgar que
este menino conservará em quanto viver aquelles péssimos há-
bitos, que adquirio corn os seos inferiores : naõ saberá repar-
tir o tempo para exercitar o seu emprego, para descansar, nem
para dormii:: buscará em quanto viver todos os meyos para
divertirse, e jamais considerará occuparse, e mpito menos cum-
prir com a sua obrigação.
Os louváveis effeitos da boa educação nesta Academia,
será o primeiro de saber regrar cada qual o seú tempo em
todo o dia : costumados a ievantarse cedo, fícalhes tempo para
applicarse e para se divertir honestamente. Todas aquellas ma-
ravilhas que obrou Pedro Primeiro, Emperador da Rússia,
acho que não tiverao outra origem que saber regrar o seu
tempo. Este raro e grande Príncipe, era o primeiro homem que
se levantava no seu Império, e o primeiro aue se deitava a
dormir. Levanta vase de veraõ e de inverno as três horas da
manhãa, ou estivesse na Corte, ou em campanha, ou viajando ;
tanto que se levantava estava presente o Secretario do cabi-
64
nete, com as petiçoens e papeis, que necessitavas de despacho ;
punhase a despachál-as até as quatro ou cinco horas da manhãa :
Sahia dali e partia sem ceremonia na carruagem de veraõ ou de
inverno, acompanhado somente de dois Dragocns a cavallo : entra-
va no Âlmirantado, onde já estavaõ lá os Almirantes e os cargos do
Conselho d^aquelle Tribunal; e aquelle que faltava era apontado
o sallario d^aquelle dia, pela primeira vés. Ali prezidia despa-
chando com huma taõ ordenada actividade que admirava, mesmo
áquelles os mais practicos n^aquelle cargo. Ali ficava das seis
até ás sete da manhãa. Sahia daquelle Tribunal e chegava ao
Senado, que he o Tribunal supremo que corresponde, me parece,
ao nosso Desembargo do Paço: com a mesma ordenada exa-
ctidão despachava, e as nove horas da manhãa enava já na sua
Corte: onde achava o Gran Chanceller, ou primeiro Secretario
de Estado, com dois mais, que lhe prescntavaõ os Negócios
Estrangeiros, que ouvia c despachava: depois deste tempo
dava audiência aos Ministros Estrangeiros^ e a todos os mais
que lha pediaõ. As onze horas sem falta jantava ou na Corte
ou em caza de aigum Grande ou de algum Ministro Estran-
geyro: recolhiase a meyo dia; e até ás três da tarde, tudo es-
tava na Corte no mais recatado silencio, porque sempre durmia
a sesta. Sahia ás três horas a examinar o que se passava no
Collegio de Guerra; outras vezes hia ao Collegio do Commercio
e das Minas; outras, a ver as Fabricas que tinha erigido ; outras,
a ver as obras publicas que tinha ordenado; ceava entre as seis
e as sete, e ás sete horas da noite se deitava : apagavaõ-se as lu-
zes na Corte; o silencio era ig;ual ao de hum Convento; e deste
modo conheci eu muitos Senhores Russos, e o Feld-Marechal
Conde de Munich, que viviaS do mesmo modo, educados no
serviço daquelle gran Monarcha.
Este foi todo o segredo daquelle Emperador, para obrar
em trinta e seys annos que reynou; que parece, pelas incríveis
couzas que fes, que viveo duzentos. Em saber distribuir e apro-
veitarse do tempo, consistio todo este artifício, que só com a
educação masculina se aprende.
Se consultarmos os monumentos da Historia, acharemos
que a gloria e augmento dos Reynos na5 lhes veyo dos nume-
rozos exércitos, nem das riquezas ; acharemos que foraõ illustres
Eda Educação dos seos Monarchas e dos seos Súbditos. Relata
iodoro de Sicilia \ que o Pay de Sesostris, Rey do Egypto,
^ Lib. I. Historíarun^ p. 49. Ed. Francof.
65
veDdo que lhe nacera hum filho ordenou que todos os Meninos
quenacerao no mesmo dia, fossem creados e educados com tanto
cuidado e doutrina, que viessem capazes de serem Companhey-
ros e Mestres por habito e companhia do Principe; e que este
viera taS excellente e taõ admirável, pelas virtudes daqudles
companheyros, que naõ só na Mocidade conquistara as A^ra-
bias, mas em idade avançada, sendo ja Rey conquistara desde
a índia até o Mar Negro. Excellente modo de educar os Prín-
cipes, pela companhia dos iguais na idade, nas inclinaçoens, e
divertimentos, e seriao bem aventurados os nossos tempos, se
esta sorte de ensino resuscitasse nelles.
(On^teda). António Nunes Ribeiro Sanches.
CATALOGUE DES INSEGTES DU PORTUGAL
(Conitnaaçio, t. pag. SO)
511. Q. sdiitíllaiLS Orav.
Fauv, Faun. 6. Rh,, p. 527.
Monchique (C. v. Volxem !).
512. Q. semiesneus Stepli.
Fauv. Faun. O. Rh,^ p. 53 1.
Cca, Guarda, Bussaco, Gcrcz (L. v. HeydenI), Espinho I,
Vizdla!, Coimbra!.
513. Q. nifipes Qrav.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 33o.
Coimbra !.
514. Q. attenuatus Gyll.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 532.
Cea, Guarda, Gerez(L. v. Heyden !), Bussaco I, Coimbra.
515. Q. boops Orav.
Fauv. Faun. 6f. Rh., p. 534.
Bassaco (C. v. Volxem !).
BKVISTA DA SOCDSDADB DB INSTRUCÇÃO DO PORTO. 6
66
V. brepipennis Fairm.
Fauv. Faun. G. Rh.y p. 535.
Pena (L. v. HeydenI).
QURB ASTBAPiBUS QBAYBMHOBST
516. A. ulmi Bossl.
Fauv. Faun, G, Rh., p. 540.
Sans indication de Ia localité, ou je Pai pris, je possède ua
seul individu.
STAPHYLININI
QniBB EMUS 0UBTI8
517. E. mazlllosus L.
Fauv. Faun. G. Rh.j p. 3g5.
Monchique!, Bejal, Coimbra!, Braga.
GuM LEISTBOPHUS PEBTT
518. L. murinus L.
Fauv. Faun. G. Rh.j p. 397.
Coimbra !« Gerez (L. v. Heyden!).
QniKB STAPHTLINUS LINNÉ
519. S. flilvlpes Soop.
Fauv. Faun. G, Rh,f p. 4o3.
Monchique!, Arrifana (prés de Guarda)!.
520. S. OaesareuB Oederh.
Fauv. Faun, G. Rh., p. 408.
Serra de Montesinho !, Chaves !•
Serra d'Estrella!, Arrifana (prés de Guarda}!. j
521. S. olens M11II.
Fauv. Fdun. G. Rh.j p. 409.
Dans tout le Portugal.
522. S. oplithalmious Soop.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 411.
Monchique (C. v. Volxem !), Serra d'Estrella (L. v. Hey-
den!), Leça!.
j
67
523. S. nltens Solir.
Fauv, Faun. G. Rh.y p. 411.
Bussacol, Coimbra!^ Azambuja (J. Antunes!}, Evorá!.
524. S. 86thlops Waltl.
Fauv, Faun, 6. Rh.^ p. 413.
Dans le sud du Douro je Tai trouvé partout. U se trouve
probablecnent dans le nord.
525. S. ploipennis F.
Fauv. Faun, G. Rh.j p. 414.
Serra de Rebordaos!, Coimbra I.
526. S. saneooeplialus De Gteer.
Fauv, Faun, G, Rh., p. 417.
Beja!, Guarda!, Estarreja!, Serra de Rebordaos!.
527. S. pedator Orav.
Fauv. Faun. G. Rh.y p. 417.
Bragança!.
Le seuI individu que je possède appartient â la variété in-
diquée par Kraatz (Nat. Ins. Deut. 11, p. 56]) avec Ia base des
antennes, les jambes et tarses d'une couleur de poix.
528. S. ater Oray.
Fcuiv. Faun. G. Rh., p. 418.
Azambuja (J. Antunes!).
529. S. edentolus Blook.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 419.
Bussaco !, Bragança !, Espinho !, Douro I.
r
anu 0Á7IU8 8TBPHEHS
^530. O. oribratus Er.
Fauv. Faun. G. 7?A., p. 422.
Mentionné par Mr. Fauvel, du Portugal.
68
531. O. zantholoma Orav.
Fauv. Faun, G, Rh^p. 424.
Espinho!, Leça!. Três commun sous les plantes mariti-
mes jetées par Ia mer.
Qmnm AOTOQIUS FAUVBL
532. A. prooerulus Orav.
Fauv, Faun, G. Rh., p. 43x.
Tavira! (C. v. Volxem!).
533. A. prolixos Er. •
Fauv. Faun, G. Rh.y p. 432.
Monchique (C. v. Volxem I).
Gbvbb PHILOMTHUS OUBTIS
534. P. Intermédios Lao.
Fauv. Faun, Cf. Rh., p. 439.
Bussaco !.
535. P. seneos Rossi.
Fauv. Faun. Q. Rh,, p. 442.
Je possède trois individus du Portugal*
536. P. ombratilis Orav.
Fauv, Faun, G, Rh., p. 447.
Cannas de Senhorim !, Monchique (C. v. Volxem 1). Fel-
gueira*
••
537. P. sórdidos Orav.
Fauv. Faun. G. Rh. p. 44.
Coimbra!.
538. P. soavis Bris.
Fauv. Faun. G. Rh. p. 449.
Coimbra !, Felgueira I.
69
539. P. ebeninus Grav.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 460.
Gommun partout
540. F. nlgrritolns Orav.
Fauv. Faun. G. 7?*., p, 469.
Coimbra! (C. v. Volxem!, L. v. Heyden!). Bussaco!^
VizcUal, Espinho!, Gercz! (L. v. Heyden!).
541. P. politus P.
Fauv. Faun. G. Tih.y p. 4^3.
Je possède un seuI individu du Portugal.
542. P. varius QyU.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 476.
Coimbra! (L. v. Heyden 1), Estarreja!.
543. P. esourialensls Perez.
Abeillty vni^ p. 294.
Guarda !, (L. v. Heyden !).
544. P. tennis F.
Fauv. Faun, G. Rh., p. 477.
Bussaco!, Guarda (L. v. Heyden I).
545. P. fenestratus Fauv.
Fauv. Faun. G. TÇ/i., p. 479.
Cite parmi les staphylins recoltés par mr. C. v. Volxetn
en Portugal.
546. P. oraentatns Qmel.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 479. '
Mr. L. V. Heyden mentionne du Gcrez le Ph. bipustu-
laius Van:^, synonime de celui-ci.
70
547. P. varlans Payk.
Fauv. Faun, G. Rh,^ p. 481.
Gté du Gerez par Mr. L. v. Heyden sous Je nom de
Ph. opacus Thoms. Coimbra I.
548. P. nigrita Pryk.
Fauv. Faun. G. M., p. 484.
D^après Mr. Fauvel un individu qu^il a étudié du Portu-
gal a lea élytres un peu moins densément ponctuées, avec ud
très-leger reflet verdâtre.
549. P. mioans Orav.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 484.
Serra de Rebordaosl.
550. P. virgo Orav.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 486.
Mentíonné du Portugal, par Mr. Fauvel.
GuniB XAirrHOLIKUS SEBVIIXB
551. X. glabratas Orav.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 387.
Beja !, Cintra (C. v. Volxem !). Coimbra I, Bussaco I.
552. X. hesperious Er.
Erich. Gen. et Sp. St. p. 329.
D^après Erichson il a été pris par Hoffmansegg â Lis-
bonne.
553. X. linearis Ollv.
Kraat!f Nat. Ins. Deut., 11, p. 641.
Espinho I Bussaco !.
V
554. X. longiventris Heer.
Kraat^ Nat. Ins, Deut.y n, p. 641.
PIus commun que le linearis. Dans tout le nord du
Portugal.
555. X. punotulatus Fayk.
Fauv, Faun. G. Rh.^ p. 385.
Consmun partout.
556. X. fulgidus F.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 384.
II n^est pas rare dans les provinces du nord.
s
Orna LVPTOLINUS KBAATZ
557. L. nothus Er.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 374.
Bragança!, Coimbra!
558. L. othioldes Baudi.
Fauv. Faun. G. Rh,, p. 3j5.
Coimbra I Espinho I.
QÉKUm LErrAOINUS ERI0H8OR
559. L. parompiinotatus Oyll.
Fauv. Faun. G. Rh,^ p. 374.
Azambuja (J. Antunes 1}
asna ÓTHIUS 8TBPBBN8
560. O. fiilvipenxiis F.
Fauv. Faun. G. Qih,, p. 368.
Bassaco!, Coimbra I, Gerez (L. v. Heyden!) Dáns le
73
petit nombre d'individus que j^ai examine le corselet est tout-à
lait noir ou légèrement rougeâtre dans les angles antérieurs.
561. Ó. laeviasoulus Steph.
Fauv, Faun. G. Rh., p. 370.
Bjssacol.
Mr. L. V. Heyden a pris dans Ia Pena et Guarda le
punctipennis Lac. II n'est pas différent du Iceviusculus Steph.
562. O. xnyrmeoopliilus Elesw.
Fauv, Faun. G. Rh., p. 369.
Bussacol. Coimbra!.
Le melanocephalus Grav. mentionné de Cêa par mr. L.
V. Heyden appartient à cette espèce.
PAEDERINI
QnftB LATHROBIUH aRAVENHORST
563. li. lablale Er.
Fauv. Faun. G, Rh., p. 35o.
II appartient à notre faune d^après Mr. Fauvel.
564. L. multipunotatain Orav.
Fauv. Faun. G. Rh,, p. 35o.
Dans tout le Portugal.
565. L. anerastatam Lao.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 35i.
Bussaco!. Rare.
566. L. Lusltanloam Orav.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 358.
Beja (Jozé Lúcio f), Coimbra!. Rare.
KChmkiúa). Manoel Paulino de Ouvbiia..
73
CERÂMICA PORTUGUEZA
subsídios histobioos
DOCUMENTO XII
Ultimamente examinámos, por obsequio do possuidor, duas
medalhas de biscuit muito curiosas, que vem confirmar a acti-
vidade de João Manso Pereira no Brazil. Pertencem ambas
ao snr. Dr. Pedro Augusto Dias, nosso consócio e pessoa muito
dedicada ao estudo das nossas antiguidades, cuja attençSo foi
despertada pelos nossos artigos anteriores.
A primeira, grande, no género camapheu (busto branco
sobre fundo cinzento) é a maior que temos visto: 6o millime-
tros de alt. sobre 5i de largura; grossura 4. O busto (47 Mil-
limetros) representa D. João vi, trajando á antiga, com longa
cabelleira e coroa de louros. No verso, que é cinzento, tem na
parte inferior, a seguinte inscripçio gravada na massa, em itálico :
rfa Ilha Grande. Não seria possível achar prova mais conclu-
dente do trabalho de Pereira.
A Ilha Grande está situada ao sul do Rio de Janeiro, nas
cercanias da capital (v. Wappãus Handbuch, Leipzig, i87i.pag.
1222 e confrontese com o Atias, n.* 84 de R. Andree ou de
Brockhaus, n.^ 5] -52 da Encycl.) W a segunda das duas gran-
des Ilhas das visinhanças do Rio, ao sul. A primeira é a Ilha
SMarambaia^ a qual Pereira chama península. Na mesma nota
(v. Revista vol. 11, pag. 548) cita a Ilha Grande^ de cujas im-
mediações (Fazenda da Pedra) declara ter recebido amostras
de argilla kaolinica.
O medalhão é um ensaio, já se vê, imperfeito. A massa
dozenta é bôa, egual, e com fracturas brilhantes; mas a massa
branca do busto nSo é limpa; está salpicada de pontos cinzentos.
A modelação do busto é muito soffrível, e a semelhança com o
personagem histórico, evidente.
O outro camapheu é muito pequeno : 25 millim. de alt.
sobre 19 de larg. Representa El- Rei D. José com vestido de
corte, do sec. xviii, coroado de louros, busto branco sobre um
fundo pardacento, desegual, cheio de bolhas. A modelação da
figura e excellente. No verso, que é branco, lê-se : Lisboa • lygS.
Garantimos a leitura da data, que foi eifaminada com uma lente,
porque as informações que temos de outros camaplieus datados
qSo concordam n^este caso.
74
O nosso amigo Sr. Rodrigo Vicente de Almeida, corri-
gindo a noticia que demos dos seus camapheus {Retrista
coov ^-ç ^|t^ gg^ jç 1782;
is extensa, lê -se: Lis
Figueiredo fedi ijHí
sSo, pois, de Pereira.
O camapheu pequeno de 1793, supracitado, pode ser de
Pereira, porque tem a data do anno em que elle obteve a provi-
sffo rep^ia. D. José fallcceu em 1777, é verdade, mas a coroa de
louros ;(S f jr si, indica que o busto representado nao pôde ser
o de D. I^edro iii; alem d^sso este príncipe figura sempre em
segundo logar, com a Rainha D. Maria r, nas medalhas e moe-
das da época. O snr. Soares dos Reis, professor da Academia
de Bellas Artes tem outro exemplar, com a mesma data, 1793.
Em todo o caso o camapheu grande é uma preciosidade ;
e d'aqui felicitamos o feliz possuidor.
DOCUMENTO XIII
AZULEJOS NACIONAES
Não pretendemos fazer a historia da industria dos azule-
jos em Portugal ^, mas fornecer apenas uma lista de azulejos
datados^ de superfide lisa^ que são, na maior parte desconheci-
dos, e que tivemos occasiSo de descobrir no decorrer dos últi-
mos annos em varias viagens que fizemos pelas províncias.
Azulejos datados são muito raros ; uma descoberta de um
exemplar é, só por si, um facto importante, quanto mais a se-
rie que apresentámos desde 1584-1748.
1 O snr. Almeida diz-nos ainda : «... o gravador Figueiredo ibi o
mesmo que abriu o ponçâo para as três medalhas maiores, em que vem o
tal da estatua : Lisboa anno lyjg, em lettra mtuda e sumida, que o snr.
Aragão não viu.»
' Já demos bastantes informações sobre este assumpto nos estudos
sobre a Exposição de ceramicaf que publicámos no Commercio do Porto
de Novembro e Dezembro de 18S2 (treze artigos). Os dous primeiros arti-
gos tratam especialmente dos asfulejos hispano-portugue^es ; alli promette-
mos dar conta de uma serie de composições data£í$, promessa cjue hoje
cumprimos. Em outra occasião daremos uma lista dos azulejos mais notá-
veis que conhecemos, não datados.
73
Todas as datas estão nos próprios azulejos, salvo em
alguns casos, que serão especialmente marcados e que se refe-
rem ás noticias que o nosso amigo snr. Gabriel Pereira deu so-
bre alguns azulejos de Évora. ^ Em dous casos pudemos verificar
que as datas marcadas não são as dos próprios azulejos '. Em
um terceiro caso (i65i) é provável que a data seja a da con-
atrucção do edificio, mas nem sempre é fácil provar que o azu-
lejo de um certo edifício pertenc: á data da sua construcção; em
quatro casos (datas 1654, 1678, 1698 e 1702) não nos foi pos-
sível fazer a verificação, porque muitas egrejas de Évora não
se abrem senão em certos e -determinados dias festivos. Ainda
assim^ as indicações do nosso amigo teem interesse e são mesmo
as únicas de valor, que sahiram á luz desde Raczynski. ' As
datas positivas, que nós conhecíamos de Évora, antes de lermos
o seu interessante artigo, eram somente i63i, 1711, 17 16 e
1736; o snr. G. Pereira não cita esta ultima.
^ Eis a passagem do artigo do snr. Gabriel Pereira, que nos im-
porta citar :
. • . ; «comecemos por estabelecer algumas datas certas.
Os azulejos em relevo da capella de Garcia de Rezende, na cerca do
E^inbeiro, são de i520.
Os da sacristia da Casa Pia^ '^99*
Capella-mór da egreja da Casa-Pia — i63i.
Egreja da Senhora das Brotas (á porta do Ray mundo — i65i.
No refeitório de S. Bento— 1654.
Portaria do Paraizo — 1678,
Santa Martha — 1698.
S.Pedro — i7o2.
Loyos — i7ii.
Misericórdia •— i7i6.»
Do Jonal O UànoéUH» de 19 d« Jalbo d« 1881.
s i520. Capella de Garcia de Rezende. E' a data da construcção
da capella^ o azulqo não tem data, mas é da época, isto é : do sec. xvi.
1399. Sacristia da Casa Pia (Collegio dos Jesuítas). Esta data é a da
pintura do tecto, os azulejos, fingindo pedras preciosas, ^diamantes tavo-
letas) não teem data - assemelham-se porém muito aos ae S. Roque, de
Lisboa, que téem a cifra 1596. Vide a respectiva data, adiante.
' O nosso amigo snr. Ad. de Ceuleneer publicou ha pouco um ar-
o (20 pag.) sobre os azulejos em Hespanha e Portugal (Le Portugal.
^otes d^art et d'archéologie, Anvers, 1882). O único trabalho datado que
conhece em Portugal é o de 1711, de Evora« já citado, por Raczynski. Na
parte relativa á Hespanha o autor reuniu habilmente o que havia disperso
esD publicações hespanholas pouco conhecidas, e em algumas francezas. A
parte relativa a Portugal é muito pobre.
S«
76
ií>84* Lisboa. Egreja de S. Roque. Alizar de azulejo na capella
do lado esquerdo \ que contém o quadro da apparíçSo
do anjo a S. Roque. Pintura azul claro sobre fundo
amarello; estylo de ornamentação: rótulos e pendura-
dos^ no gosto da Renascença. * Execução excellente. A
moldara do quadro de azulejos compõe-se de uma fa-
cha ovulada, verde e côr de vinho. Em baixo, do lado
direito, a assignatura do artista FRCO (Francisco)
DE MATTOS | ib84. Falta em Raczynski. Assigna-
tura e data inéditas.
i5g6. Lisboa. Egreja de S. Roque^ á entrada, de ambos os la-
dos; revestimento da parede com um azulejo fingindo
pedras preciosas, lapidadas, e joialheria. ^ Um rotulo
com a inscripção Regni ccelorum e a data iSgõ, de
ambos os lados. Inédita.
1626. Villa-Viçosa. Contento das Chagas. Revestimento inter-
no da egreja com bellos azulejos do sec. xvii, imi-
tando um tapete;. pintura azul e amarella sobre fundo
branco. Por cima da grade de ferro do coro a data
1626. Inédita. *
i63i. Évora. Collegio dos Jesuítas. Azulejos qu^ revestem a
parte interna da Capella-mór; pintura figurando gé-
nios e arabescos (rótulos e pendurados). Bom effeito
^ O lado direito ou lado esquerdo considera-se sempre o lado do
espectador^ estando elle em frente do respectivo objecto.
' Esta ornamentação : rótulos e pendurados (em hespanhol rótulos
y colgantes) corresponde ao termo cuir em francez^ ou Lederornament em
allemfio. Ha n'este género magníficos azuldos em Portugal, além dos de
i63i (v. abaixo), p. ex., na antiga sacristia aa egreja da Graça, em Lisboa
de cerca de 1 570-1 53o, muitíssimo notáveis. Outros em Villa Viçosa, no pa-
lácio Real ; estes talvez da escola italo-hespanhola, aquellcs da escola fla-
menga, emquanto ao estylo. Relacionam-se também com este grupo os
azulejos da egreja de Santo Amaro de Lisboa, de fins do sec. xvi a princí-
pios ao sec. XVII, e os da egreja de S. Mamede de Évora, do meado do sec.
XVII. Propomos a seguinte ordem chronologica : i. Villa Viçosa (espéci-
mens da Exp. de Lisboa). 2. Azeitão (collecção Nepomuceno). 3. S. Ro-
que. 4. Santo Amaro. 5. Collegio dos Jesuítas de Évora. 6. S. Mamede.
0 O mesmo estylo de ornamentação se encontra até em Tavira, na
^eja de Santa Maria, n'uma capella que tem na abobada o escudo dos Al-
meiaas. Vid. também egreja de êanta Iria em Thomar.
^ ^ Os typos de azulejos em tapetes são muito interessantes no sul
do reino. Veja-se a egreja de Santo Antão em Évora, com uns cinco a seis
padrões differentes. Em Villa Viçosa, alem d'este convento das Chagas, os
conventos da Santa Cruz e da Esperança.
77
decorativo, mas execução muito inferior aos de S.
Roque. A meia altura da parede a data i63i.
i65i. Évora. Egreja de Nossa Senhcra das brotas (á porta
do Raymundo). E' citação do snr. Gabriel Pereira.
Não tivemos occasião de examinar o interior da egreja,
e de verificar se a data apontada não é simplesmente a
que achámos na porta da entrada e diz: Esta igr.^* fes
o D.*^ F.«« Boroalh.® C.« | da See de Évora natvral
destrenrsoz | e 20 de Agosto de i65i |
1654. Évora. No refeitório de 5. Bento. Citação do mesmo
autor. Não tivemos tempo de fazer a verificação.
1678. Évora. Convento do Paraiio. Na portaria. Citação do
mesmo. Idem.
1697. Lisboa. Collecção do snr. J. Maria Nepomuceno. Pin-
tura azul sobre fundo branco, representando uma
dama em trages da época, sustentando uma rede, cheia
de corações. Em baixo, no canto do lado direito, a
assignatura do artista: Gabriel dei Barco f. 16 gj.
Foi do Palácio do Conde da Ponte, ao Calvário. As-
signatura e data inédita.
1698. Évora. Santa SMartha. Citação do snr. Gabriel Pereira;
não pudemos verificar.
1702. Evorai 6\ Pedro. Citação do mesmo. Idem.
I71 1. Évora. Egreja dos Loyos. Revestimento interno de todo
o corpo da egreja com Scenas da Vida de S. Lou-
renço Justiniano, primeiro patriarcha de Veneza, fal-
lec. em 1455. São quatro composições do lado direito,
e deviam ser outras tantas do lado opposto, mas nSo
succedeu assim. A ordem do lado direito é a seguinte,
caminhando do altar-mór para a porta da egreja:
I . O Santo despede-se da família. — 2. O Santo prega
ao povo. —3.0 Santo recebendo as ordens. — 4. O
Santo ministra os sacramentos. Do lado opposto ha
dous quadros : O Santo^é sagrado Bispo e a Celebra-
ção da missa. Os espaços das duas outras composi-
ções estão occupados ; n^um está uma tribuna em c^ue a
familia Cadaval, proprietária da egreja, assistia á missa;
o outro espaço serviu para a formação de um arco
que dá entrada para uma capella lateral. No quadro
da Missa lê-se a assignatura e data Antonius ah oliua
fecit i^iz. Já citado por Raczynski, Les Arts, pag.
434. A pintura d'estes quadros é azul sobre fundo
branco. A composição é de grande merecimento ; os
78
assumptos teecn vida, movimento dramático e notável
expressão; repare-se p. ex. no quadro da pregação e
da missa I O desenho é largo, mas correcto, sem ne-
nhuma ideia convencional. Em summa, este azulejo é
um trabalho de primeira ordem, muito bem conser-
vado, e de dimensões extraordinárias, porque o reves-
timento sobe até á abobada artezoada da egreja. Na
parte central de cada vão está o quadro com o seu
caixilho, como se fosse um gobelin; por baixo uma
balaustrada com pintura de albarradas, e génios, car-
regando cestos de ílõres; por cima o triangulo for-
mado pela ogiva do arco, com uma janella quadrada,
que rompe o revestimento. ^
1712. Estremoz. Egreja da Misericórdia. Composição de fi-
guras em estylo rococo; trabalho de mediano mereci-
mento. Scenas da Bíblia: Rebecca e Abrahão (ves-
tindo segundo a época de D. Pedro 11); Lot recebendo
os peregrinos ; Azalias redime e veste os captivos, etc,
em quadros, simulando gobelins. Por baixo dos qua-
dros as virtudes. A data está por cima da porta da
entrada, do lado de dentro, a grande altura. Inédita.
Em algumas salas e corredores do antigo edifício
(hoje alugado a um particu4ar) outros azule)os do sec.
xviir, de variado desenho. Notam-se principalmente
em uma sala os quadros das Obras de Misericórdia;
no quadro da segunda obra as figuras bebem por va-
sos semelhantes aos que ainda hoje se fazem na loca-
lidade; na sexta obra o dinheiro dos captivos é con-
tado em cima de uma mesa antiga de pau preto, com
pés torneados, etc. Ha mais elementos tradicionaes.
1716. Évora. Egreja da Misericórdia. Composição de fisuras
com scenas da vida de Chrísto, muito semelhante
em estylo á dos quadros da egreja dos Loyos, pinta-
dos por António de Oliveira. Não é só o desenho, em
geral, que revela próxima afinidade; são os typos das
^ Na egreja da Misericórdia de Vianna do Çastello encontrámos
ouadros de azulejos com assumptos sacros, no estylo da época de D. Pe-
aro D, e assignados : Policar \ pus oliua \ fecit, do lado esquerdo da capella-
mor. E* provável que no lado direito esteja a data, também dentro de um
rotulo. Quando fizemos esta descoberta estava a parede do lado direito oc-
cupada, e havia festa na ef^reja, por isso não pudemos verificar se ha data
ou não. £' possível que haja relação entre estes dous Oliveiras.
79
' figuras, o caracter da expressão; vide p. ex. o quadro
em que Christo expulsa os vendilhões do templo I ^ A
data está á direita, por cima da porta que dá entrada
á sacristia.
1719. Lisboa. Museu do Carmo. Quadro que representa a
tentação de Santo António. A data em baixo, dentro
d^um rotulo, com a seguinte inscripcâo itiutilada:
ESTE AZULE... O SE j FES NO ANNO DE
1719. Composição de mediano valor. O quadro está
maltratado. Data inédita.
1719. Estombar (Algarve). Egreja matrii de S. Thiago. Este
templo contém bellissimos azulejos perfeitamente con-
servados, que revestem completamente o interior. Per-
tencem a dous grupos, um de 1719 e outro de 1743.
Trataremos d'este ultimo no logar competente. O se-
guinte desenho explica a distribuição dos assumptos:
Na abobada da Capella-mór onze quadros com suas
molduras, representando scenas da Vida de Christo:
1. O lavapés.
2. A adoração do SS. Sacramento.
3. A cêa do Senhor.
4* A apresentação no templo.
5. Chnsto em casa de Martha.
6. A adoração dos Reis.
1 Pertencem ainda á mesma escola^ em nossa opinião, os quadros
com assumptos da historia sagrada no cruzeiro da egreja de S. FranciscOí
sem dau; e outros da egreja da Graça, de que logo fallaremos. Segundo
a ordem do seu merecimento deveriam collocar-se assim: i. Loyos.—
2. Misericórdia.— 3. Graça. -^4. S. Francisco.
8o
7. A adoração dos Pastores.
8-1 1. Grupos de Anjos, uns brincando com animaes,
outros tocando vários instrumentos; de per
meio os fructos das quatro estações.
No quadro da adoração dos pastores lê-se a inseri-
pçSobem característica,em dialecto popular: Golria
in esersi Decs.
As paredes lateraes da capella-mór também estão
completamente revestidas. A disposição dos assum-
ptos, que não teem, em geral, linhas divisórias, é a se-
guinte :
A' esquerda :
e
a.
b.
c.
d.
e.
Distribuição dos pães e dos peixes.
Batalha de S. Thiago contra os mouros.
cDeixae vir a mim os pequeninos.»
Um pavão sobre uma arvore.
E' uma porta que dá passagem para a capella da
nave lateral do lado esquerdo.
^ A' direita :
e. Chrísto presidindo á pesca milagrosa.
8i
f, O martyrio de S. Thiago.
g. Uma batalha naval entre galeões christSos e turcos.
h. Uma janella que dá luz para a cspella-mór.
N^esta janella, revestida também de azulejo, está a
data: 1719. No quadro^ um dos galeões chrístãos tem
na popa a bandeira de Casiella (escudo real, esquar-
telado, com leões e três castellos, alternando) e no mas-
tro grande uma bandeira com três vieiras (S. Thiago).
Os galeões turcos leem bandeiras com meias luas.
A composição de todos estes quadros revela a mão
de um artista muito hábil. O desenho é largo, cor-
recto ; a côr igual ; o fabrico excellente. Data inédita.
1736. Évora. Capella ae N. Senhora da Cabeça. A porta su-
perior do frontispício está coberta com uma grande
composição, que representa a Senhora, cercada de an-
jos. Este quadro está dentro de uma grande construo-
ção architectonica de estylo rococo. Data inédita.
1741. Beja. Convento de N. Senhora da Conceição. Quadros
de azulejo, só do lado da entrada (esquerdo), com
scenas da Vida da Virgem e de S. João Baptista:
a DegolaçSo, o Baptismo de Christo, o sermão no
deserto, etc. A composição denota habilidade; as fi-
guras estão bem desenhadas, e algumas com excel-
lente modelação (o Baptismo). Ao pé do púlpito lê-se
a seguinte ínscripcão, dentro d'uma moldura: SO-
ROR BRITIS I BAP.** ABB.». A data achase no
quadro do Nascimento da Virgem, em baixo. A So-
ror Britis Baptista, abbadessa, mandou também fazer
em 1747 a obra do revestimento (emtalho e doura-
dura) do tecto da egreja, como consta do respectivo
letreiro. No quadro do Nascimento, citado, vêse um
fogareiro, tal como elle se usa ainda no Alemtejo e
Algarve. Data inédita.
1743. Estombar (Algarve). Eqreja matriz de S. Thiago. Ga-
pellas lateraes. -
Capella do lado direito; disposição do revestimento
da abobada : No centro : Christo no Horto das Olivei-
ras; dos lados composição architectonica de estylo ro-
coco, com dous rótulos que téem, o do lado esquerdo,
a inscripção: Esta obra man \ dou fa:{er o m.*^ [Re-
verendo Tri | or Afonço \ Coneg. de ai \ meida ; o do
lado direito a data : Anno \ De 1^43 \ ; os azulejos
BSnSTA DA SOOEDADB DB mSTBUGÇXo DO PORTO. •
«fe
das paredes Uteraes doesta capdla represefitam á di-
reita : A primeira pisiia da Virgem ao templo^ á es-
querda o Nascimento da Virgem.
Capella do lado esquerdo; na abobada: A Ascen-
ção da Virgem^ e dos lados lavores no ehtylo rococo;
naa paredes, á direita : a Pentecostes^ e por debaixo,
n'uin rotulo, a lua; i esquerda Jesus entre os douto-
res^ e por debaixo, n^outro rotulo, o sol,
A composição doestes quadros é digna de louvor; o
desenho tem uma correcção e expressão pouco vul-
gar, mesmo nos melhores azulejos do sec. xviii. Re-
pare-se na fina interpretação do quadro da visita
ao templo. O receio dos pães da Virgem, o espanto
do grupo, que rodeia o sacerdote. A factura do azu-
lejo é excellente; o tom azul claro, egual, com bellos
eáeitos de luz. Não temos duvida em classificar estes
azulejos de Estombar entre os mais notáveis que co-
nhecemos em Portugal do sec. xviii, na primeira li-
nha, perto dos painéis da egreja dos Loyos de Évora.
Dita e inscripção inéditas.
1748. Tavira. Sattía Maria do Castello. Capella grande late-
ral (lado esquerdo). Scenas da vida de Christo; á di-
reita o Lavapés, á e>querda a Cea, Por debaixo de
cada um d''estes quadros ha ainda duas composições,
em moldura oval ; a chupa do maná no deserto, o ou-
tomno, o estio, e outro assumpto. Por cima das com-
posições das paredes lateraes existe de cada lado, um
olhai quadriiobulado, com dous santos; por cima do
quadro da Cea vê-se S. Domingos e S. Aggaton e
por cima do outro quadro ò\ Dâmaso e S. Éhespho^
* rus (?). Por cima do arco da entrada, da parte interna,
está a seguinte inscripção, mutilada, no meio de uma
frande phantasia architectonica, de estylo rococo :
?5/a capella mand(o)v fa(i)er a sva custa Dona \ Isa-
bel de Al(mei)da e oAra^ão vewa \ de (<:*4n)to(ftjto
Martins Cara \ peto Civitão (mo)r da villa de \ Ca-
cella ^osso Ft(dalg)o aa \ Camará do Sen(hor) (Jjn-
fante \ ^. Francisco. oAnno \ 174S. Data e inscripção
inéditas. A composição e o desenho doestes quadros
approxima-os da serie do convento da Conceição de
Beja. As iiguras dos quatro santos e o estylo dos
quatro medalhões ovaes teem merecimento.
1748. Évora. Egrga da Graça. Composições sacras, em mol*
»
doras de estalo rococo ; os quadros da egreja estSo em
parte destruídos, outros mahratados ; os do pequeno
atrío^ que dá passagem para a nave, estão porém ra*
soavelmente conservados ; como trabalho artístico po-
dem collocar-se em seguida aos da Miaericwdia. A
data está do lado esquerdo, no atigulo extremo, for*
mado pela parede do fundo da egreja,
«
Joaquim de Vasconcellos.
FETOS LUSITANICOS EM GERAL
E DOS SUBÚRBIOS DO PORTO EM ESPECIAL
(Ooatliroaçio, t. toI. u, pag . 5S9)
III.— -PoLTPODHJM. Linnen.
{MuUm pá9)
•
Distinguem este género de fetos os seguintes caracteres:
ráos simples, forcados ou pinnados, e livres; os esporangos
terminaes ou lateraes, sendo em alguns* casos situados sobre a
fronde e em outros immersos ; os soros na maior parte das ve-
zes circulares, transversos, em uma só serie, solitária ou irre-
gularmente Áspostoa; o rbizoma rasteiro e em alguns casos
cespitoso. E^ um dos géneros omis abundante em espécies, va-
riedades e monstruosidades, das quaes algumas são curiosis-
simas. ,
D'este género, diz OrísL que possoe Portugal o Dryopte-
rís; além d'este temos, como é geralmente sabido, o Vulgare.
!.• PdypocHum drjr(^íeris. Linoeu.
Synonimos — Gymnocarpium dryopterts, Newman.
Lastrea drjropteris, Bory,
Phegqpterts aryopteris, Fee,
Polrpodium dryopterís, Bolton»
Poírpodium pulchellum, Salisbury.
Poljrêtickum dryopteris, Roth.
Nome vulgar — ?
«4
Descripção — Frondes ternadas, contorno geral em fórma
de pentágono, perfeitamente lizas, membranosas, de um verde
brilnante; os ramos pinnados ou sub-bipinnados; as pinnas
profundamente pinnatifidas, oppostas. As pinnulas oblongo ob-
tusas, crenadas, pouco divididas e diminumdo para o vértice.
f Os veios simples ou forcados; os soros peqjenos, circulares,
numerosos, espalhados sobre todo o bordo do reverso da fron-
de. A grandeza das frondes varia entre o^^fio e o",35 occupan-
do as estipes duas terças partes d^aquelle comprimento. Cres-
j cem verticalmente, delgadas, tintas de vermelho, muito frágeis,
lizas, e com poucas escamas. Rhizoma rasteiro, muito ratni-
ficado.
Habita — Nos bosques sombrios. GrisL affirma que existe
em Portugal como indigena do paiz. Nem o encontrámos ainda
nos logares que temos visitado, nem o possuímos na nossa col-
IccçSo.
Cultura — Terra ordinária das mattas, poucos cuidados,
e propaga-se por meio de divisões do rhizoma.
2.^ Polypodium vulgare. Linneu.
(JíiiilM pU OU cmlcgMia vtOgor).
Synonimos — Ctenopterís vul garis, Newman.
Polypodium vulgare, Bolton.
» cambricum, Linneu.
» canariense, Willdenow.
» ctenopterís vulgare, Presl.
» tntermedium, Hooker & Arnott.
» karwinskianum, Braun.
9 virginianum, Morison.
» víterbiense, JSoecone.
Nome vulgar '^ Polypodio, Ricos, Feto dos carvalhos.
Descripção — Frondes extensamente pecioladas, pinnati-
fidas com segmentos lanceolados, obtusas, margem crenuiada ;
lóbulos alternados, pinnatifidos ; o comprimento das frondes va-
riando desde duas até desoito pollegadas (5 a 5o centimetros) ;
as divisões alternas ovaes-agudas ou oblongas, ^osseiíamente
denticuladas. A côr verde desbotada. Os soros juntos, nó ex-
tremo da parte inferior da fronde, de fórma circular, dispostos
em linha sobre o reverso de cada lado dos lóbulos pararella-
mente á nervura media das divisões da mesma fronde. Os es-
porangos amarellos ou côr de laranja, enfeitando agradável-
85
meote a parte da fronde por elles occupada. O rhizotna com-
pletamente rasteiro, coberto de escamas denegridas. FructtficaçSo
pereone no verão e outomno.
Habita — Nos rochedos, nas sebes, nas cristas dos muros
e nos troncos das arvores velhas. Encontra-se em todo o paiz.
E' abundante no Rprto e seus subúrbios.
Cultura — Serra ordinária, misturada com caliça e areia
grossa. Pouca agua e muita drenagem. Reproduzem-se facil-
mente pela divisão dos pés e pelos rhizomas, feita de preferen-
tía a separação na primavera. Requer mais luz do que os de-
mais fetos em geral, isto é, uma exposição semi-sombria. Não
deve enterrar-se o rhizoma d'esta espécie de fetos, mas collo-
car-se sobre a terra. E' conveniente juntar á terra em que o
quizermos cultivar pedaços de madeira podre.
O Polypodio vulgar, é uma das espécies que apresenta
maior numero de variedades, algumas das quaes curiosas e ex-
quísitas. Citaremos principalmente as seguintes:
I.* y. vulgare, var. cristatum, Perry.
Esta bella variedade tem os extremos das pinnulas, mul-
tifidos ou franjados, isto é, terminados em tufos cristados ; algu-
mas vezes a parte superior da fronde bipartida ; os soros se-
parados e prominentes. Assim esta como as mais variedades
ou monstruosidades, propagam-se por sementeira, aproveitando
para esse fim as frondes mais pronunciadas na monstruosidade
OQ aborto. Não possuímos esta variedade, porém cremos que
a encontrou o snr. A. Luso, e d'ella possue exemplar na sua
coUecçãa
2.* Polypodium vulgare, var. truncatum. SMoore.
Esta variedade, da qual possuímos exemplares na nossa
collecção, colhidos por nós mesmo na parede marginal do pe-
queno ribeiro do VaUe-da*Mõ, na freguezia da Labruja, con-
celho de Ponte do Lima, apresenta os seguintes caraaeres dis-
tinctivós: lobos profundamente serrulados, sendo as lóbulos
miudamente denticulados. As frondes são algumas vezes tron-
cadas, e os veios dispostos de maneira apropriada a formarem
pontas irregulares. As pinnulas são alternadas, e as frondes
chegam a attingír 3o a 35 centímetros de comprimento. Tam-
bém se encontra sobre o muro junto ao portão do bosque do
Palácio de Crystal do Porto, que dá serviço para Entre-Quintas.
3.* Polypodium vulgare^ var. marginatum, Lowe.
E' uma variedade aistincta. Os seus caracteres distincti-
▼os são : a epiderme da superfície inferior da fronde aberta aa
8S
comprido, como se fora das margens dos lobos, e SfMirtiiub-ie
próximo ao veio médio. As margens das ptnnulas irregolir e
profundamente serruladas. Encontra-se na Labruia^ logar citado.
Ê* Pdjrfodium vulgare, par. urratum^ Wãldeoow.
ita variedade tem as divisões da fronde mais estrdus
do que as do typo originai e muito profundamente denticula*
das. E' abundante na Labruja, no logar dtado, onde colhemos
os exemplares que possuímos na nossa coUecç£o«
5/ Polypodium vulgare, var. cambricuni, Lin.
Os lébos da fronde d'esta variedade são profundamente
divididos e pennifidos.
Existem muitas mais variedades como o bipartido, com
a fronde dividida em duas na parte superior, ou com as divi-
sões da fronde bipartidas, ou entSo com excresoenças junto á
nervura media ou prolongamento do peciolo e origem de cada
divisSo da fronde na sua parte inferior, simiUiaiido taes excres-
cenças novas divisões acanhadas ou rachiticas var. lobaia; o
ramoso, de cujo peciolo se destacam duas ou três frondes. com-
pletas, etc. De todas estas Tariedades possuímos na nossa col-
lecçSo exemplares da já citada proveniência.
Alguns auctores apresentam ainda maior numero de va-
riedades que nos não consta que hajam sido encontradas em
Bortugal, taes como : o Auritum, Canariense, Deltoideum, Kar-
mnskianam^ Omni-lacerum, Semi-lacerum, etc.
CONSELHO SaENTIFICO
CONSULTA
SOBRE A ADOPÇÃO DE UM MERIDTAHO UNIVERSAL
Riipotto á Oomvlto da 8o«tod«de dt QMfrâpàU éê Ilebo»
O estabelecimento de um primeiro merediano unico de
origem de longitudes geographicas, sem ter importância aden-
lítca e notável vantagem pratica, deve -encontrar difficuldades
em se realisar e, sobre tudo, na permanência da sua conser-
vação.
Esta oflíformidade ecístiu já entre as nações europeas^
fiie, segundo a indicação das mais antigas cartas geograpbkas
»7
--as de Ptolomeu — adoptaram para primeiro merediaoo o que
copMspoQde á Uha de Ferro, a mais occidental das Cauarias e
limite occidental das terras ent§b conhecidas dos antigos, as
qoses se achavam situadas em pm &ó hemispherio.
Este uso manteve^se durante toda a idade media pela ia-
laencia do peder central que, sob o regimen monotheista, re-
gulava as diversas relações europeas. Em breve se operou de-
pois a divergência a tal' respeito, em virtude de causas que con-
vém ponderar.
Deve Dotar-se primeiro que, sob o ponto de vista da de-
terminação de origem, existe entre as duas coordenadas ^eo-
graphicas differença essencial.
Para com as latitudes, o equador pelas próprias circum-
stancias do movimento da terra, offereceu-se naturalmente como
termo commum de referencia, não podendo, por isso, nenhum
paiz raaoavelmente reclamar contra o previl^io espontâneo dos
habitantes da linha equatorial. Mas, para com as longitudes, a
faha de determinação análoga, permittiu a divergência creada
pelo espirito de nacionalidade que o uso marítimo mais forte-
mente accentuou. De facto, desde que as observações astronó-
micas se tornaram mais frequentemente empregadas na nave-
gação, as taboaa que dão a hora dos phenomenos celestes e a
posição dos as troa em diversas épocas, achando-se sempre cal-
culadas para o meridiano do observatório principal úe cada
oação, era mais simples aos náuticos referirem a esse meridiano
os lagares da sua derrota. Por isso, os náuticos francezes con-
tam as longitudes do meridiano de Pariz, e os inglezes do de
Greenwich.
Poderá uma convenção estabelecer e conservar essa de«
sejada uniformidade de origem contra a causa permanente de
cBspersão apontada ? Cremos que nSo. E não nos parece que
este emprehendimento se recommende por taes vantagens pra*
ticas que tome muito desejada a sua reaiisaçao.
A uniformidade de origem náo tem, com effeito, por fim
senão fazer deiiapparecer doa cálculos geographicos uma simples
operação de addição ou subtração, «quasi sempre mental» cor^^
respondente á coordenada que determina a posição mutua das
doas or^jens e que, sob o pomo de vista do eoaino, fornece
matéria para problemas simples, mui próprios para exercerem
a iotelligcnda na consideração das grandesas de origem arbi-'
traria.
Bem mais urii seria submetter á lei centesimal as divisões
«t^anas, como já se tentou sem resukadOt
88
Comtudo, se se julgar possível estabelecer esta uniformi-
dade, dever-se-ha restabelecer a antiga origem adoptada — o
meridiano que passa pela ilha de Ferro — embora tivesse ces-
sado o motivo de preferencia depois do descobrimento da Ame-
rica ; não só por ser esta origem adoptada ainda hoje por um
dos paizes mais cultos e populosos da Europa — a AUemanha
— mas porque tem a seu favor o apoio histórico, o que deve
attenuar as dificuldades da adopção universal no que respeita
á^ susceptibilidade nacional. E para não ter de se contar as lon-
gitudes em dous sentidos oppostos, deve o seu computo seguir
em todo o giro do equador, no sentido do movimento da terra.
Pmtto, Janeiro de i883.
J. A. Albuquerque.
Discutido nas sessões de 2 e 9 de Janeiro, e approvado.
Joaquim de Vasconcellos.
PORTUGAL NO ESTRANGEIRO
(Noiíft re?itto. 0«ntiiiQa^O| t. toI. n |>aff. 98t)
Esta secção está atrasada, não por falta de material, mas
sim por falta de tempo do redactor. Mencionaremos hoje ape-
nas os titulos das obras, reservando-nos melhor occasião para
analysarmos detidamente alguns dos trabalhos citados, priDci-
palmente os que se referem á historia da arte nacional. NSo
temos espaço para isso n'este numero.
Ad. de Ceuleneer. Le Portugal. Notes cFart et cTArchéo-
logie: Anvers 1882, 8.^ de 00 pag. E' uma tiragem separada
do ^úlletin de VoAcadémie cToãrchéologie de ^etgique. Trata
primeiramente do Corresse de anthf^opologia e Archeolog-ta
prehistorica de Lisboa; em secundo jogar dos Azulejos penin-
sulares, e por ultimo da questão Grão- Vasco.
Teremos de lhe dedicar uma analyse especial.
O Athenaeum belge deu uma noticia, simples coifn?i/ereittfir,
doeste trabalho. N.* i5 de 1882. O snr. Ad. de Ceubneer pu-
blica ainda no mesmo oAthenaeum n.® 24 de i5 de dezembro
de 1882 um outro artigo Vart en Portugal, em que analysá os
escriptos do snr. Yriarte sobre a exposição de Lisboa, com
alguns reparos, e £bz em seguida o el<^o dos trabalhoa do
89
sigDatarío : Reforma do Ensino de Vellas-Artes (Porto 1 877-79,
três estados) e Historia da ourivesaria e joialheria portuguesa,
extractos publicados na revista A Arte portuque^a; falia ainda
favoravelmente de outros artigos publicados na mesma, revista
pelos snrs. Sarmento, R. Vicente d' Almeida, etc.
Sobre a exposição de arte ornamental de Lisboa appare-
ceu ainda o seguinte, que se deve accrescentar ao que fica apon-
tado 00 vol. I pag. 402-405 e vol. 11 pag. 27.
A. Bredius. Een brief uit Ussabon. E' uma carta diri-
gida á revista hoUandeza tíederlandsche Kunstbode (19 de no-
vembro de 1881, n.<* 47) sobre alguns objectos da exposição.
Do mesmo. 7>e catalogus der tentoonstellin^ te Jjssabon
DO jornal Nederland. Spectator, 28. £^ uma noticia sobre o ca-
talogo da exposição.
Ch. Yriarte. Vexposition rétrospective de Usbonne. No
jornal Le temps de 12 de abril de 1882.
Do mesmo. Vexposition f étrospectipe de Lisbonne. Uart
en Vortuífal. Na Ga^ette des Beaux-Arts de maio, junho e ju-
lho de 1882, com gravuras; e na Repue des deux mondes do i.^
de junho de 1 882.
A propósito da Ga:iette des Beaux-o^rts de Paris dire-
mos que em o n.^ de abril de 1882 (pag. 897, nota) um snr.
collaborador attribue ao fallecido Charles Grauz a descoberta
do precioso retrato de Miguel Angelo pelo nosso Francisco de
HoUanda . . • «auquel nous devons cette précieuse décou verte;».
A descoberta está íeita ha quasi vinte annos, porque em
i863 publicou a revista El arte en Espana vol. i p.^g. 1 15 uma
eicellente reproducção doesse retrato com um artigo do snr. Don
Gregório Cruzada Villaamil.
Tractaremos por miúdo dos artigos dos snrs. Yriarte e
Bredius, quando fizermos a analyse do Catalogo ojicial da ex-
posição de Arte ornamental de Lisboa, em os números seguintes.
E. Harder. ^Der Einjluss Portugals bei der Wahl Pius vii.
(1775-1790) Kõnigsberg, Haitung, 1882, 8.^ de i3o pag., 2
marcos. É' uma dissertação inaugural. (Informação do snr.
Moreira de Sá).
M. Livrct. Le Père SMalagrida. Na Revue historique n.*
de março-abril publica Livret um artigo em que discute a cum-
plicidade d'este celebre jesuita na tentativa d'assassinato de D.
José. fim appendice offerece o seguinte poema latino : Lqyoli-
9^
dum circa facinus in regis Lusitmice pitam pie amceptum niu^
diá^. O manuscripto doeste poema, que é ucna apologia do
regicídio, provém do arcbivo dos jesuitas de Saint-Omer.
(Informarão do snr. Moreira de Sá).
C. von Rcinhardstocttncr, occupa-se i»o LitteraturblcUt
n.** 5 de uma Grammaiica portugueia de Júlio Ribeiro. São
P^uio, 1881 ed. Jorge Seckler 8.« de 299 pag. A critica é rela-
tivamente favorável.
Na AcaJemr de 1 de abril de i88à o snr. Webster pu-
blica um artigo: Popular poeiry o f Spain and Gascony, crn que
analysa a seguinte obra de Costa, Poesia popular espanola jr
mitologia f literatura celto hispana. Madrid, i88i.
Gerson da Cunha. Contributions to the study of Indo-
portuguese numismatics. Bombay, 1881, 8.* E^ já o fascículo iv
da serie, pag. 35 68, com 3 est. (Uda fase custa 2 sh. 6 d. Na
capa annunciam-se outras publicações importantes do autor
sobre a índia portugueza e ingleza. E^ depositário em Lisboa o
snr. António Maria Pereira.
Ernest de la Rochette. Jacob Rodrie^es Pereira, premier
instituteur des Sourds-muets en France. Sa vie et ses travaux.
Paris, 1882, 8.^ de 576 pag., c. retrato, editor Paul Dupom.
Alfred Morei- Fatio. Catalogue des mss. espagnols de la
Bibliothè^e nationale, i.® fase, 243 pag. 4.^ O autor promette
DO 2.* fase. a relação dos mss. portuguezes, uma introducção,
supplemento e mdices. Este trabalho do erudito escríptor *é o
complemento da grande obra de D. Pascual de Gayangos.
Catalogue of the manuscripts in the spanish language in tke
british Museum. London. Estâ'^ publicados três grossos volu-
*mes em 4.^ de 800-goo pag. cada um.
Carolina Michaelis de Vasconcellos. Palmeirim de Ingla-
terra^ na revista de Grôber, vol. vi, 1882, fase. 2-3 pag. 2ii6-
255. E' a conclusão (40 paginas) do estudo que anteriormente
annunciámos, quando sahiu a primeira parte (v. Revista vol. 11,
pag. 263). O autor prepara uma tiragem á parte, com texto
correcto e augmeDtade.
Hugo Schuchhardt. Kreólische Studien. Extracto
9«
Siijkngshtrichíe da classe philosoph.^histor, da Academia Im«
'. dAs Sciencias de Vienna, voL cr, fase. ii, 3 1 pag. Versa so
o dialecto creouto de S. Thomé. Vide a aoaíyse do snr»
A d. Coelho a este estudo no Jornal do Commercio de Lisboa
de IO e 18 de janeiro de i883.
per.
ore
Coosiglieri Pedroso. Portuguese Folktãles collected by. • •
and translated from the original ms. by Miss Henriqueta Mon-
teiro. With «n introdoaion by W. R. S. Ralston. M. A. Lon-
don, published for the Foik-Lore Society by Elliot Stock. Loa-
don, 1882, 8.® Vide a analyse do snn Ad. Coelho a esta
pobltca<;âo no Jornal do Commercio de Lisboa, de 22 de de-
zeflobro de 1882; afai mesmo dá conta dos outros trabalhos do
sor. Pedroso, que teem merecido a attençSo da crítica estra»-
gqra, e que temos apontado n'esta secção. Recapitulamos :
Contribuições para uma mjrtholqgia popular portuguesa,
ÉBSC. i-vi, Pono, 1880- 1881.
Tradições populares portugué^M; continuação da colle-
cção anterior, fase. vii-xii. Porto, 1881-1882.
Ensaios críticos; fase. i-w, Porto 1880-1881.
O snr. Consiglieri Pedroso responde a alguns reparos do
snr. Coelho no Jornal do Commercio de 19 de janeiro de i883 :
O Plana das traãiçôes populares portuguesas.
J. Cornu. Estudes de grammaire portugaise (Suite). Na
Bomania vol. xi, p. 76. Vide Revista vol. 11, p. 29.
Do mesmo. oÂnciens textes portugais Vie de Saint Eu-
i^osyne. Vie de Saiote Marie PEgypttenne. Traité de dévotion.
^a Romania vol. xi pag. 357-390. E' a publicação de um
^onento de um códice do sec. xiv do fundo de Alcobaça (n.°
966). O snr. Cornu deu no vol. x pag. S34 da Romania conta
AÍoda doeste códice e de outros do mesmo fundo : n.^ 36, 37
244,273,6*91.
D. Pedro^ el condestahle de Portugal considerado como
éscriptor erudito y anticuario (1429-14W). Estúdio historico-
bibliográíico por Andrés Balaguer y Merino. Gerona 1881, 69
Mg. 8.\ Tiragem separada da Revista de ciências históricas de
Barcelona, vol. m. Tracta sedo fiUiodo Infante D. Pedro, Du-
qae de Coimbra, que morreu em Alfarrobeira (1449). E^ um
tttudo importante, feito sobre documentos inéditos. O snr. Mo-
rei-Fatio analysa-o n'um estudo cheio de erudição, contriboindo
com âiaos novos, Romania vol. xi pag. i53-i6o. O crinco,
9»
Sarece, comtúdo, ignorar a existência de um estudo do snr. D. José
[. Octávio de Toledo El^uquede Coimbra jrsuhijo el Condes-
table na Revista Occidental Lisboa, 1873. VoU ii, pag. 295-31 5.
G. Baist. Etjmologisches (Grõber, voL vi, pag. 116 e
Í25) ; etymologias hespanholas e italianas. E' continuação de
rrõber, vol. v, p. 53o; citado na Repista, vol. n, p. 263.
F. Liebrecht. Revista d^^Ethnologia e de s^lottologia de
Coelho; Grõber vi pag. 145, crítica muito favorável.
Dr. Karl Miilíer. Vasco de Gama^ oder die Auffindung des
Seeweges nach Indien. Breslau, 1882, 8.^ ed. Trewendt. 5 Mar-
cos, com illustrações do prof. L. Burger. Pertence ao género
das Jugendschrifien ou publicações para instrucção da mocidade.
Wattemare. Vasco de Gama» Bi<^raphia resumida, para
vulgarísação na Bibliothèque des écoles et des familles. Paris,
Hachette, 1882, 8.* pag.
Ferdinand Denis. Les vo^ages du Dr. Lacerda dons
r Afrique orientale. Paris, 1882, 8.®, ^^^^K- Imprimerie ix>u-
velie. E' tiragem á parte do jornal Le ^é{il. Éscripta muito
sympathico sobre o celebre explorador portuguez, mas imparcial
e exacto, como tudo o que sahe da penna do autor.
R. Francisque Michel. Lesportugais en France^ les fran-
çãis en Portugal. Paris, 1882. 8.^ de v-285 pag. Guilhard, Ail-
laud & C»-
O. Crawfurd. Ceramic exhibition at Oporto. Na revista
The Academf de Londres, n.* 56o, 27 de janeiro de i883. Um
rasgado elogio á nossa exposição, principalmente á abundantís-
sima olaria popular.
Joaquim de Vasí^ncbllos.
EXTRACTO DO NOSSO ARCHIVO
(OoBtlaiuçlo, T. Tol. n |«ff. 6Tf)
5 de Dezembro de 1882. Reunião ordinária do Ck>nselho
sdentifico. Primeira depois de ferias. Vide nSais adiante a no-
ticia doesta sessão.
93
14 de Dezembro. São encetados os trabalhos para a fu-
tura Exposição de tecidos nacionaes em Outubro de i883. Te-
ddos de todas as qualidades : em linho, lã, algodão, seda, teci-
dos mixtos etc.
i5 de Dezembro. Reunião ordinária do Conselho scienti-
fico. Discussão dá proposta do snr. Moreira de Souza, relativa
á Reforma de instrucção secundaria. (Continuação).
2 e 9 de Janeiro de i883. Reuniões extraordinárias do
Conselho scientifico para a discussão da Consulta da Sociedade
de Geographia de Lisboa, relativa á adopção de um meridiano
universal de origem de longitudes.
12 de Janeiro. Installação da Commissão Organisadora
da Exposição de Ourivesaria nacional em Abril de i883.
i5 de Janeiro. Reunião ordinária do Conselho scientifico.
Continuação da ordem da noute anterior.
Além d'estas reuniões officiaes houve varias, particulares,
de differentes commissõe& Citaremos as da Commissão promo-
tora do Bazar de prendas, cujo producto é destinado ao fundo
da Escola de artes e ojicios. Os snrs. consócios, que andam
muito activos e empenhados no bom êxito do Bazar, publica-
ram um convite ás senhoras portuguezas e estrangeiras, que
vae adiante reproduzido.
Concluiu os seus trabalhos, que foram demorados e labo-
riosos, a Commissão encarregada de elaborar a Reforma dos
Estatutos. O Secretario geral informou o Conselho da conclu-
são da tarefa na sessão de i5 de Dezembro de 1882. O novo
projecto está impresso, e será distribuído muito brevemente ao
sócios.
A Commissão orgnnísadora da Exposição de Cerâmica
despediu-se da imprensa portugue/a com um ofBcio de agrade-
cimento, que adiante publicamos. Por falta de espaço só piídé-
mos dar publicidade tardia ao Discurso do snr. Presidente no
encerramento da dita exposição, e tornar assim mais publica a
gratidão que sentimos pelas pessoas que tanto nos coajuvaram
particularmente (v. retro pag. i-3).
A propósito da Exposição de Cerâmica devemos ainda
informar os nossos leitores do honroso convite que nos dirigiu
o Governo de S. M. C. por intermédio do Digno Cônsul de Hes-
panha n^esta cidade, para concorrermos á Exposicion nacional
de mineria, artes metalúrgicas^ cerâmica, cristaleria y aguas
minerales, que abrirá no' da i de Abril d'este anno, em Madrid.
Infelizmente os recursos da Sociedade são tão modestos,
e as despezas causadas pela ultima exposição tão consideráveis,
»f
dando mesmo um prejuízo de 434438o reb^ qse tivemos de
renunciar a este concurso, cooi verdadeiro peear de todos os
sócios que no Conselho discutiram o assumpto.
O Conselho acceitou uma proposta muito vantajosa que
lhe foi feita pelo chimico francez Mr. Ducloux, actualmente
n Vsta cidade, para a analyse da grande coliecção de barros oa-
cionaes que pertencem ao Museu de cerâmica da Sociedade.
Antes de nos despedirmos da Exposição de cerâmica te-
mos especial prazer em consignar aqui o testemunho do pro-
fundo reconhecimento de todos os consócios a S. M. El Rei^ o
snr. D. Luiz, o qu^l se dignou conceder no Palácio Reald'esia
cidade um abrigo provisório ás nossas collecções de cerâmica
nacional. S. M. sabendo, pela direcção das condições em que
nos achamos, apertados em uma pequeníssima saia, pela qual
pagamos, ainda assim um pezadisstmo tributo, como brevetnente
se demonstrará, mandou jfcanquear, sem demora, uma sala do
paço, onde os obfectos ficarão, por emquanto, guardados nas
competentes caixas.
Nos últimos dias do anno findo (28 de Dezembro) fiooa
approvado o programma da nova R^osição de industrias ca«*
seiras em mar^o de i883, repetição da que fizemos em maio
de 1882. Vae publicado de pag. 36-40; apresenta algumas nao-
dificações (v. Revista, vol. 11, pag. i3a).
Nas reuniões ordinárias do Conselho scientifíco de 5 e i5
de dezembro e i5 de janeiro tratou dos assumptos que atraz
indicamos.
Na segunda proseguiu-se sob a presidência do snr. J. E.
Von Hafe na discussão da proposta do snr. Moreira de Souza
relativa á reforma da instrucção secundaria. Tomaram parte
n^^sta discussão os snrs. presidente, Manoel José Felgueiras e
Joaquim de Vasconcellos, sendo votadas algumas conclusões,
das quaes a mais importante foi a definição dos fins da instruc*
ção secundaria, fins que o snr. Moreira de Souza estabelece de
uma forma positiva.
Foram approvados sócios efiPecnvos os snrs. dr. Ernesto
do Canto, Augusto César Supico, Francisco César Supico, dr.
Caetano de Andrade e Albuquerque, conde da Silvã (D. Fran-
cisco) e Henrique T. Murat; este ultimo proposto pelo snr. Isaac
Newton e os restantes pelo snr. Luiz de Souza Gomes e Silva.
Foram participadas varias offertas feitas pelos snrs. Er-
nesto Chardron, padre Francisco José Patrício, José António
Castanheira e Dias Mufiiz. Entre estas ofifertas avulta, pelo seu
valor a que foi obtida por interferência do rev. Patrício, e que
9i> .
consta de uma coliecçio dos trabalhos cartographicos publica-
dos pela commissão offidial de trabalhos geodésicos, na qual se
contam alguns de muito preço.
O secretario geral participou que brevemente seria apre-
sentado o programma para o monumento á memoria do Infante
D. Henrique.
O snr. Isaac Newton propoz que na acta se consignasse
um voto de sentimento pela morte da sogra do snr. Henrique
Kendall, membro do conselho fiscal da Sociedade.
Na primeira reunião do conselho scientifico da Sociedade
de Instrucção, foram approvados sócios na leitura do expediente
os seguintes senhores :
António Xavier Lourenço de Almeida^ José Maria Alves
Torgo Júnior, António Tiburcio P. Carneiro Va.sconcellos,
Eduardo Augusto dos Santos Júnior, José Correia Pinto da
Fonseca, dr. António Ribeiro Fernandes Forbes, António de
Almeida Costa, António Joaquim Rodrigues Porteíla, Jo^é Joa-
quim Teixeira Lopes, Manoel da Terra Pereira Viaona, conde
de Castro, Jacintho P. V. Miranda Vasjoocellos, Guilherme
Monteiro Rebello, Manoel Maria Rodrigues, Gabriel António
Carvalho, António Sequeira Ferraz^, Emílio de Azevedo Cam-
pos, Eduardo da Cunha Rego, José Maria Sant^Anna e Silva,
Albino Coutinho de Souza Moraes, António de Albuquerque,
Joaquim Ribeiro de Freitas, José David Azevedo Barros, J.
da Costa Carregai, Ernesto da Costa Pinto Basto, Joaquim
Baptista da Silva Guerra, dr. João Vieira Pinto, Joaquim de
Almeida Costa, Júlio Cardoso, Eduardo José Alves, Carlos
José Alves, José Gregório Baudoin, Manoel Leite Pereira,
Duarte Ferreira Pinto Basto, António José da Silva, António
da Rocha Souza Lima, António Bernardo Soares, Cândido
Augusto Sá Castro, Angelo da Silva Macedo e Manoel Al/es
Ferreira Pinto.
O presidente, snr. dr. Fructuoso Ayres de Gouveia Osó-
rio, notou que todos os membros do conselho saberiam que
um dos seus mais distinctos collegas o snr. Joaquim de Aze-
vedo Souza Vieira da Silva Albuquerque acabava de passar
por um duro infortúnio com a morte de seu pae. Propunha ix)r
isso que na acta se lançasse um voto de sentimento por tão in-
fausto motivo ; que uma commissão fosse desanojar o snr. Aze-
vedo Albuquerque, em nome do conselho.
Esta proposta foi unanimemente approvada.
O rev. Francisco José Patrício propoz igualmente que na
acta se consignasse um voto de sentimento pela morte do illus-
. 9í>
tre geólogo o snr. Carlos Ribeiro, a cuja memoria consagrou
algumas palavras de veneração.
Finalmente, o snr. Isaac Newton propoz ainda um voto
de sentimento pela morte do pae do nosso consócio e dedicado
collaborador snr. José de Macedo Araújo Júnior.
Foram também approvadas estas propostas.
Em seguida foi levantada a sessão, indo quasi todos os
membros presentes a casa do snr. Azevedo Albuquerque.
Na terceira presidiu o Vice-presidente da Sociedade, snr.
Joaquim de Azevedo Souza Vieira da Silva Albuquerque*
Foi dada conta de vario expediente, entre o qual um of-
ficio da direcção do Palácio de Crystal, em resposta a dous que
lhe foram dirigidos, pedindo a cedência de um recinto para ce-
lebração da exposição de ourivesaria* e industrias caseiras. A
propósito doesse oíficio travou-se larga e acalorada discussão,
sendo resolvido que a meza ficasse autor isada a responder, depois
de ouvida a commissão promotora da exposição de ourivesaria
sobre a conveniência das propostas da Direcção do Palácio.
Deu-se conta de varias offertas de livros e jornaes.
Finalmente, foram proclamados sócios os snrs. Sebastião
do Canto e Castro, Bernardo do Canto e Castro, Manoel Eu-
zebio de Souza, Augusto Peneira Nobre, Miguel Dantas Gon-
çalves Pereira, Albino Coutinho Júnior, José António Guima-
rães Júnior e dr. José Pereira da Costa Cardoso.
Foi presente, para ser remettida á redacção da Repista
da Sociedade, uma circular da delegação da Exposição agri^
cola de Lisboa em maio do corrente anno.
Como a discussão do officio da Direcção do Palácio de
Crystal occupou o Conselho até ás 1 1 horas da noute, não foi
possível continuar na discussão da Ordem da noute (proposta
do snr. Moreira de Souza.)
As duas sessões extraordinárias do Conselho (2 e 9 de
janeiro; vide retro), realisaram-se sob a presidência do snr.
Albuquerque, o qual apresentou um desenvolvido projecto de
parecer, no qual se revelam os conhecimentos especiaes do eru-
dito professor e consócio. Vae publicado retro pag. 86-88.
O snr. Azevedo Albuquerque fundamentou largamente o
seu parecer; e, depois de usarem ainda da palavra os snrs.
Tito de Noronha, Joaquim de Vasconcellos e Manoel José Fel-
gueiras, foi plenamente approvado, decidindo-se que fosse, sem
demora, expedido para Lisboa, o que teve logar dous dias depois.
Foram participadas diversas offertas feitas pelos snrs. dr.
Wenceslau de Lima, A. de Oliveira, Diaz y Perez, visconde
97
de Sanches de Baena e dr. Ayres de Gouyeta. A doeste cava-
lheiro consiste em um formoso tinteiro de prata ; e a do snr. Diaz y
Perez consiste em um busto em gesso do illustré pedagogo hes-
panhol Montesinos, acompanhado de uma memoria biographica.
Entre a correspondência lida achava-se um officio do snr.
D. Eduardo Bonilla Martel, digno cônsul de Hespanha n^esta
ddade, a que )á alludimos.
Foram approvados sócios os snrs. Guilherme AfiSalo, dr.
Bernardino Machado, J. A. Marques Gomes, Affonso Henri-
ques da Silva Moreira, dr. Adriano Theôdoro de Figueiredo
Malheiro, Eduardo Augusto Paes Villasboas, José Mendes
Leite, José Chrispiniano. Júnior, Abiliode Jesus Anciães Proença
e Álvaro Smith de Vasconcellos.
Na sessão inaugural dá Commissão organisadora da Ex-
posição de ourivesaria nacional^ a 1 2 de Janeiro, houve traba-
lhos preparatórios. Eis como o Commercio do 'Tório de 14 de
Janeiro dá conta do que ali se passou :
cO vice-presidente da Sociedade de Instrucção, o snr.
Joaquim de Azevedo Sousa Vieira da Silva Albuquerque, ins^^
tallou ante-hontem a commissão organisadora da exposição de
ourivesaria, que promove aquella distincta quanto prestimosa
instituição. Ao fazer esta installação, s. exc/ agradeceu aos
vogaes da commissão a distitlcção que faziam á Sociedade, ac^
cedendo ao seu appêllo e o serviço valiosissimo que prestavam
á industria portugueza, organisando uma exposição que ha de
mais uma vez testemunhar os méritos do trabalho nacional,
restituindo-lhe a conãança no próprio valor.
Occuparam em seguida os respectivos lugares os diversos
membros da commissão, ficando presidente o snr. dr. José Au-
gusto Correia de Barros; vice presidente, o snr. Augusto Mo-
reira da Costa; secretario, o snr. Albino Coutinho; vice-secre-
iBrío^f o snr. Joaquim de Vasconcellos ; e vogaes, os snrs. Emi-
lio Augusto Dia5, António Lui? Teixeira Machado, Isaac New-
t00| Augusto Luso da Silva e José António Guimarães Júnior.
O snr. dr. Correia de Barros agradeceu a honra que aca-
bava de receber com a nomeação para o lugar de Presidente;
e em seguida accentuou a graude importância e utilidade das
exposições que a Sociedade tem organisado e que lhe teem cap-
tivado sempre toda a attenção e sympathia.
Reconhecia que a tentativa que se preparava era difficil,
porque a industria da ourivesaria se acha em uma situação de
crise, mas confiava em que lhe alvoreceria futuro mais risonho,
attenta a importância que ella teve em outros tempos e a im-
BETISTA DA SOCISDADB DB QfSTBUCÇÃO DO POBTO. 1
98
portancia que conquistou no nosso paiz. Para se conseguir isso
era necessário que se estudassem com sinceridade, energia e de-
dicação as causas que haviam levado a ourivesaria ao estado
em que ella hoje se encontra.
«Não desesperar, n&o parar no trabalho — tal devia ser a
palavra de ordem. Embora a exposiçlo se realisasse em mo*
destas condições, nem por isso deixaria de representar um bom
serviço; e, além d'isso, uma primeira tentativa devia merecer,
mesnr.o por este facto, a maior sympathia do publico, dos in*
dustriaes, dos homens influentes e das pessoal abastadas, cujo
concurso se não pôde dispensar.
«De resto, a Sociedade de Instrucção declarava nos seus
programmas que não promettia nem realisava grandes empre-
zas ; que se contentava em indagar os meios de augmentar a
fortuna do operário portuguez, até agora tão reduzida, e de
melhorar a sua modestíssima sorte.
«Passando-se a tractar do modo de organisar o program*
ma da exposição, das proporções que esta devia assumir, dos
meios necessários e disponiveis com que se podia contar, da
sua distribuição, etc, usaram por mais de uma vez da palavra
os snrs. Augusto Moreira, Albino Coutinho, Teixeira Machado,
Joaquim de Vasconcellos e Isaac Newton. O snr. Joaquim de
Vasconcellos accentuou a sua opinião contraria a que se pedisse
o auxilio ofiScial, desejando que a exposição fosse realisada pela
Sociedade com os recursos próprios. Tocou ainda larga e pro-
fidentemente outros pontos.
cO snr. Augusto Moreira offereceu-se para apresentar na
exposição todos os elementos necessários para a demonstração
do trabalho das officinas de prata, nas suas variadas phases ; e
para apresentar também alguns operários, que executem certos
processos especiaes de fabrico diante do publico.
f O snr. Albino Coutinho prometteu igualmer.te apresentar
alguns artistas, para exemplificação dos trabalhos em ouro e
cravação.
<0 snr. presidente agradeceu estas offertas, que conside-
rou de elevado interesse para a exposição, e disse serem uma
prova da importância que os offerentes ligam á classe a que
pertencem e a instrucção do publico.
cPor ultimo foram encarregados de elaborar o projecto do
programma da exposição os secretários, snrs. Albino Coutinho
e Joaquim de Vasconcellos.»
Parece-nos útil, honroso e justo, em homenagem á Com-
missão de sócios que tanto se empenha no bom êxito do Bazar
99
para a Escola de artes e qfficios, resumir aqui o que dizia no
seo numero de 20 de Dezembro de 1 882 o mesmo jornal, já citado:
cMais um empenho generoso da prestimosa Sociedade de
lostrucçSo: agora ésfor«;a-se por fundar n^esta cidade uma es-
cola de artes e officios, instituição de alta valia; que viria mar-
car am passo avantajado no ensino technico em Portugal.
«Nas nações mais adiantadas ha, pelo menos uma escola
pratica de artes é ofScios, onde se formam trabalhadores con-
scientes e de grande capacidade productiva; entre nós quiz-se
remediar essa falta com a fundação dos Institutos Industriacs
de Lisboa e Porto, mas é preciso confessa r-se que bem peque-.
DOS resultados se teem attingido, porque ao ensino falta o cara-
cter puramente pratico. Poucas são as industrias que disfructam
no nosso paiz as regalias do ensino technico ; tire-se, como ex-
cepção, a industria agricola, e que mais fica?. • •
cDe resto o ensino industrial com feição um tanto pratica
não passa de desenho, que raramente é desenho industrial ; e,
n'estas condições, ninguém espere próxima florescência indus-
trial, porque a mão do operário tem, como única educação,
uma aprendizagem tantas e tantas vezes bem irregular.
cPorque, o novo serviço publico que a benemérita Socie-
dade de Instrucção projecta Ieva^ a effeito é da maior valia e
pôde ou deve exercer a mais salutar influencia no futuro do
trabalho em Portugal . . .
cA Sociedade vai appellar para as senhoras, pedindo a
soa coadjuvação para utii bazar de prendas a benefício da in-
stituição que projecta fundar; e appella muito bem, porque a
mulher, sendo na familia um guia, deve ser na sociedade um
pharol, um exemplo, um incitamento para tudo quanto se dirija
a definir um grande futuro. Depois, ella tem duas fontes de per-
cepção: tem a intelligencia, rem o coração; e d'este modo o
estorço da Sociedade de Instrucção deve apresentar-se-lhe aos
olhos em toda a nitidez das suas vantagens incontestáveis.»
Segue a circular ás Senhoras :
Exc."» Snr.»
A Sociedade de Instrucção dp Porto, no seu aturado em-
penho de promover pelo ensino a mais segura prosperidade na-
cional, deliberou consagrar os seus esforços á creação de uma
escola de artes e qfficios^ fazendo doeste modo com que nós imi-
temos os exemplos salutares que outros povos nos estão dando.
Não desconhece, certamente, v. exc.^ os elevadissimos in-
tuitos de uma escola de artes e officios, que promova a educa-
100
ção pratica do operário, que crie verdadeiros trabalhadores ; não
ignora também, por certo, quanto influe na riquesa de uma na-
ção o elemento — trabalhador consciente. Alquier, exaltando a
influencia das escolas- de artes e officios sobre os operários, es-
creveu a seguinte afirmação sublime : // faut leur faire voir
plus qWil ne faut leur parler.
Adoptemos, portanto, como estandarte de uma nova cru-
zada o conceito de Alquier ; procuremos transformar em reali-
dade o principio que elle sabiamente enunciou e prestaremos,
doeste modo, a nossa pátria um serviço que ella, se não imme-
diatamente, pelo menos mais tarde, nos agradecerá com o seu
conhecimento de mãe affectuosa. A^radecer-nos-ha esse serviço
quando o oleiro, o tecelão, o constructor, os multíplices agen-
tes da industria humana, trabalharem illuminados por uma luz
fecundante, que lhes aperfeiçoará a producção, lhes abrirá o
consumo, e creando a prosperidade individual, creará também
a prosperidade nacional.
Nós, 5Ó^, pouco podemos fazer na cruzada que pregamos.
A^s senhoras, como as mais efficazes protectoras de tudo
quanto é generoso, e dedicado, supplícamos que nos coadjuvem
n>fta obra de adiantamento.
N'esse intuito promovemos a realisação de um bazar de
prendas para o qual ousamos pedir a valiosa cooperação de
v. eic* que, com um trabalho seu, fará um benendo e dará
ao mesmo tempo um exemplo.
Accedendo benevolamente ao nosso pedido, v. exc* não
haverá só distinguido a Sociedade de Instrucção — haverá, o
que mais vale, certamente alimentado a realisação de um ím-
portantissimo melhoramento publico.* E\ sem duvida, uma
agradabilissima consolação.
Somos com a maior consideração
De V. exc.%
attentos veneradores e criados^
Dr. E. H. "Brandi,
José de Macedo Araújo Júnior,
Wilson Rawes,
Dr. Pedro Augusto Ferreira,
Augusto Lu. o aã Silva,
João Camillo de Castro Jwiior,
Bento de Sou^a Carqueja Júnior,
Eduardo Sequeira.
Porto, I de dezembro de 1882.»
101
As prendas podem ser enviadas para as seguintes locali-
dades:
Largo da Carvalhosa, i66. "^
Rua do TriumphOi 70.
Largo de S. Pedro de Miragaya, ii.
Rua do Bomjardim, 612.
Rua da Assumpção, 27 e 3o.
Rua da Alegria, 21 5.
Não devemos concluir esta rápida revista sem agradecer
cordealmente em nome da Sociedade as pahvras com que o
D05S0 consodo snr. Bernardino Machado saudou na camará
dos deputados (sessão de 19 de janeiro) os esforços que ella
tem feito a bem da instrucção nacional.
No momento em que nós dirigimos ao Parlamento uma
representação, pedindo alguns palmos de terra, em que possa-
mos. estabelecer-nos seguramente, ao abrigo de exigências e sa-
crificios que absorvem uma parte muito considerável da nossa
receita — iorporta-nos muito que uma voz auctorisada accentue
a justiça com que fazemos o pedido.
Pek nossa parte forneceremos ao Parlamento os docu-
mentos mais insuspeitos, confiando na eloquência dos factos,
porque é com estes que temos argumentado. O numero de
março publicará os documentos.
A imprensa, não só do Porto, mas de todo o paiz, tem
ajudado sempre a Soci^^dade, generosamente, mas nos últimos
tempos tivemos a consolação de iêr uma serie de artigos que
aqui reproduziríamos com o maior prazer, se não estivéssemos
luctando sempre com a falta de espaço, apesar de successivos au-
gmentos n^esta Revista, que não íoram compensados na receita.
Esperamos ter um dia a fortuna de coordenar em uma
publicação especial os pareceres da imprensa portugueza ácçrca
das emprezas que temos realisado.
Entretanto, desde já agradecemos os artigos que ultima-
mente appareceram, a propósito do projecto da Escola de artes
e ojícios, nos seguintes periódicos, todos do mez de Dezembro :
Primeiro Se Janeiro (Porto) de 20 ; Commercio Vortu-
guei (Porto) da mesma ádX2i\ Aurora do Cavado (Barcellos) de
19, Cori esDOiidencia de Portt^al (Lisboa) de 20 e 29; O Pro-
gressista de 21 ; a Correspondência de Coimbra de 19 ; o Com-
mercio de Penafiel de 20; a Gaveta da Beira de 29 (Mangual-
de) ; as Noticias do Algarve de 3o, etc.
RECEITA E DESPEZA DA SOCIEDADE
NO ANNC
RECEITA
Saldo do anno próximo passado .
Da ^^fivistadaSociedade^^cobrsiáo
-«°d-^«'i;Sra°ngeiro
Dos sodos— cobrado.
» • — em divida
De diversos :
Juros em conta corrente
Diversas contas . . .
Exposiç&o de Historia Natural :
Entradas em Janeiro
Exposição de Industrias Caseiras :
Entradas
Objectos vendidos de conta de diversos .
Exposição de Camélias em Lisboa :
Entradas
Centenário de Frcebel :
Biographias vendidas
Escola Frcebel :
Recebido da Direcção do Palácio de Crystal terça-
parte do producto liquido da exposição de flores
Exposi^o de Cerâmica :
Entradas 7:143 a 200 reis
Objectos vendidos de conta de diversos ....
Recebido do Governo de S. M. para prémios . .
Total
261^125
3424300
34B4823
1:002^600
358^200
50^320
212^010
7464680
56*775
1:428*600
125*040
3oo*ooo
1:443^715
1:450^800
362^330
8«85o
803^455
370^700
19*^00
34^145
i:853^40
7:199 J(6a
3
PortOi 9 de Fetereiro de 1888.
GOMiaSSAO DK KXÀMB OK CONTAS
r
Hsnrique C. M. tendaU,
Carloi Augtuto Paei,
JuUo Moreira,
Conselheiro José da Silva Umteiro,
Josi Maria d^ Almeida Outeiro.
DE INSTRUCÇÃO DO PORTO
[>£ iBfti
DESPEZA
Revista: despesas de impressão e expedição, etc. .
Despesas geraes : ordenados, expediente, etc. . .
Exposição de Historia Natural:
Despesa de expediente, fretes, vidros, etc. . . .
Exposição de Industrias Caseiras :
A ordenados, expediente, diplomas, etc *
Despesa com as rendeiras
Rendas compradas èm Peniche
Ao Palácio de Crystal lo por cento, sobre 623^280
Dito 33 por cento, sobre 1234400
Exposição de Camélias em Lisboa :
Âlu^er do salão da Trindade, conducções do ca-
minho de ferro, etc
Centenário de Frcebel :
Diversas despesas, impressão de biographias, etc. .
Exposição de Cerâmica :
A ordenados, expediente, fretes, passagens no Ca-
minho de ferro, diplomas, conta de carpinteiro,
etc
Ao Palácio de Crystal :
Percentagem sobre 7:143 entradas
Objectos vendidos de conta de diversos ....
Viuva Moreira êt Filhos, conta de premies do Gov.
Bibliotheca :
Magalbáes ft Monis, conta de livros
Moveis
Monumento ao Infante D. Henrique :
Despesa de expediente
Saldo no Banco Gommercio e Industria ....
Em moa promissória do mesmo Banco ....
Cobrança a realisar
Total
553*760
80JÍ120
40*500
io5*52o
i:56ifi5o
3oi*65o
125*040
3oo*ooo
368*275
7i3*5éo
1:049*325
75*060
94^955
177*615
789*900
333*960
230*495
2:287*840
20*45o
8*000
33o
a:i3i*i8o
7:199*685
o GON8KLHO ADMINISTRATIVO
Visconde de Barreiros, Presidente.
José Teixeira da SUva Braga Júnior,
Tito Jorge de Carvalho Malta,
Pedro Augusto Ferreira,
Marcos Archer,
AniofUo Domingues Canedo,
Wilson W. Rawes,
Eduardo Sequeira,
António Manoel Lopes Vieira de Castro,
Alberto Rehello Valente Allen,
Isaac Newton, Tbesoureiro.
104
CIRCULAR Á IMPRENSA PORTUGUEZA
III.-^ Ex."^ Snr.
No momento em que se fecham os trabalhos da exposi-
ção de Cerâmica, a Direcção da Sociedade de Instrucção do
Porto passa ipais uitia vez em revista os elementos que concor-
reram para o bom êxito da sua empreza, e lejnbra-se da im-
prensa do pais:.
A()esar do aproveitamento d'uma serie de drcumstancias
favoráveis, a Sociedade não poderia ter fixado a attenção do
publico por tanto tçmpo, se a imprensa não viesse em seu au-
xilio. Não temos illusões a respeito do valor relativo dos nos-
sos esforços e cremos hoje, como sempre, ser necessafio appel-
lar para a protecção constante e desinteressada d'aquelles que
teem a elevada missão de guiar a opinião publica no meio de
correntes corítradictorias.
De um extremo do paiz ao outro a imprensa portugueza
não só se transformou em fiel interprete das nossas idéas e dos
nossos desejos, mas achou ainda palavras de louvor, que foram
além d^aquirio que nos era dado ambicionar.
Não podemos esquecer isto, e por isso mesmo desejamos
confessal-o, e levar ao conhecimento d^essa illustre redacção
este singelo testemunho do nosso reconhecimento.
Deus Guarde av.
. Sociedade de Instrucção do Porto, i6 de dezembro de 1882.
N* AoieaeU d» presidente
0 leeretario feral
Joaquim de Vasconcellos.
3.« ANNO
I DE MARÇO DE i883
N.» 3
CARTAS SOBRE A EDUCAÇÃO DA MOCIDADE
(CoatlnoAçiOi t. p«ff. 86)
A^ Educação que teve el Rey Dom Dinis devemos tanta
gloria como alcançou o Reyno em ser povoado, rico, potente e
respeitado; el Rey D. Duarte taõ cheyo de virtudes, como .ve-
xado por disgraças, sendo educado por sua May a Rainha
Dona Phelipa, mostrou quanto as Mays podem contribuir para
a felicidade dos filhos. Q poder a que chegou França no tempo
de Luis Quatorze, e glojia que conserva ainda, teve origem na
boa educação de Henrique o Quarto e do seu Ministro o Duque
de Sully; ambos nascidos de pais protestantes, ambos educa-
dos austeramente, com Mestres excellentes nas sciencias e nos
costumes, iormáraõ o animo deste Rey e deste seu privado, que
toda a sua vida foi hum modelo da ordem nos negócios e na
applicaçaõ. O Duque de Sully sendo de huma familia tao Nobre
naõ erá a pessoa para administrar as Rendas Reais, porque es*
tes cargos andarão sempre exercitados pelos Rendeyros da Fa-
zenda Real: mas a necessidade em que se achava Henrique
Quarto pedia hum amigo para remediála, e naõ achou outro
que o duque de Sully, o qual naõ reparando bayxarse para le-
vantar o seu Rey, com o Reyno, dezempenhou o Estado, ajun-
tou thezouros, destruio os inimigos, resuscitou a agricultura do
Reyno que estava perdida, introduzio o comercio, e instituio a
cultura das sedas, e fabricas destas e das lans. Que se leam as
Memorias ^ deste grande Ministro, e então ficarão todos per-
suadidos que o segredo de adquirir immortal fama nos postos
e nos cargos com utilidade publica, consiste na distribuição do
tempo, na ordem da vida e regra de viver; o que somente se
aprende na primeira idade, como habito que fica por toda a
vida.
Dizia Sócrates, que era couzi notável que havendo Mes-
1 Mémoires du Duc de Sully. M. de Rosny. 4 Vol. 4.» Paris.
BXVISTA DA SOCIBDADK Dl QfSTRUCÇlo DO PORTO. 8
io6
três, e Escolas para aprender tudo o que era necessário para
ser rico, considerado, e auctorisado, que só naõ conhecia huma
onde os honrens e os meninos fossem a aprender a ser bons. Ea
sem tantos conhecimentos, e com menor virtude acho que em
Portugal terá a Nobresa e a Fidalguia Mestres a milhares que
lhes ensinem as lingoas, dançar, esgrimir, montar a cavallo, e
sobre tudo as genealogias, mas naõ posso considerar que haja
hum, que lhes ensine que he obrigado a obedecer aos Magistra-
dos, e a todos aquelles empregados no serviço do Estado, como
sejaõ seos Mayores; naõ posso considerar que possa a Fidalguia
perder aquella soberba com que nace, e aquella independência,
do que em huma Escola Militar, governada pella disciplina Mi-
litar^ que naõ conhece outra Genealogia, nem Sangue Real, do
que o cargo e o merecimento. Se esta mocidade desde a idade
de nove ou dés annos estiver costumada ser mandada, e posta
em prizaõ por hum Tenente, ou Capitão nobre, ou naõ no-
bre ; se for castigada por ter insultado o seu Mestre^ oú huma
criada ou servente da dita Escola, perderá aquelle habito que
contrahio em caza em companhia das ayas, e dos creados gra-
ves, e queyra Deos, que não fosse contrahido com domésticos de
esfera mais inferior?
Esta disciplina Militar, esta ordem, e saber repartir o
seu tempo, se espalharia por todas as tropas, e por toda a ar-
mada, porque ja dissemos que todos os subalternos ímitaõ os
vícios, ou as virtudes, o trato, e o modo de viver dos su-
periores. Que Escolas temos no Reyno onde a Fidalguia na
primeyra idade possa aprender a moderar as suas payxoens?
a ser constante nas adversidades, e nos perigos ? Feliz seria a
Corte que constasse dos que foram as^im educados ! As Leis te-
riaõ vigor, porque os Súbditos a§ executariaõ; e estando au-
torizados, as observariaõ; conhecendo interiormente terem su-
perior, e que saõ nacidos Súbditos. Em que Escola se apren-
ae hoje no Reyno amar a sua Pátria? naõ consiste este amor
Eerder a vida por ella, atacando hum Corsário, ou subindo por
uma brecha; a gloria que redunda destas acçoens, recompensa
bem o perigo : este amor consiste em serlhe útil, e em augmen-
tar por todos os meyos a sua," conservação, e a sua grandeza:
ama a sua Pátria o Senhor de terras, que as faz férteis, que
multiplica por cazamentos as aldeãs, contribuindo com o seu,
e com as suas terras a sustentar estes Súbditos, e os que haS
de vir desta uniaõ : ama a sua Pátria aquelle que podendo
comprar hum vestido de pano de Inglaterra o manda fazer de
Covilhãa; estes saõ os Patriotas, e aquelles que conhecem no
107
que consiste a sua conservação, e a sua ruína. Somente na Es-
cola proposta se poderão adquirir estes conhecimentos, e ad-
quirir e^tes hábitos virtuozos.
Adtniramonos da temeridade dei Rey Dom Sebastião,
naõ só por expor -se cotidianamente aos perigos mais iminen-
tes,, mas de passar a AíTrica como hum aventureyro ; acuza-
mos, ainda que com razão seos Mestres os Jesuitas, e sobre
todos Pedro Gonsalves da Camará, e naõ acuzamos os costu^
mes estragados, e a ignorância da Fidalguia daquelles tem*
pos. E nenhum incentivo mayor teraÕ jamais os Nossos Reys
para cuidarem da severa educação da sua Fidalguia do que a
catastrophe do referido Rey; porque he certo que se fosse
como pedia o seu nacirfiento, que naõ cahiria o Reyno na-
quelle taõ lamentável abatimento.
Os Reys que tiverem particular cuidado da educação
dos Nobres e dos Fidalgos, he o mesmo que fortificar praças,
fazer frotas, e multiplicar a felicidade dos seos domínios, fim
de toda a Legislação de qualquer Estado. Relata Dd. Ricaut ^
que a grandesa e a conservação do Império de Turquia depende
totalmente da educação que o Gran Senhor dá no Seraillo á
mocidade, que elle adopta e cria á sua custa.
O referido Auctor no lugar citado dis assim * «O Graõ
Senhor naõ considera nos seos Ministros, nem o nacimento,
nem as riquezas : elle tem por máxima empregar aquelles que
foraõ educados a sua custa ; e como elles nao tem outro arri-
mo, nem outra esperança, daqui he que saõ obrigados á gra-*
tidaõ e a servirem com a mayor fidelidade • . •
cOs meninos destinados a servir os mayores Cargos da-
quelle Império, que os Turcos CheLmaô Ichoglans, forçosamente
hão de ser filhos de Christaõs tomados na guerra, e de ter-
ras distantes da capital Antes que estes meninos entrem
no lugar destinado para se criarem os prezentaõ ao Graõ Se-
nhor ; e os envia ou ao serrail de Vera, ou ao de Adríanqpolt,
ou ao de Constantinopla.»
Ali saõ doutrinados naquelles três Collegios, ou pensoens
com toda a severidade pelos Eunuchos ; ali aprendem todos os
exercícios militares, escrever, e a sua Religião, e as Lingoas
Persiana, e Arábiga : e neètes filhos adoptivos se provem todos
^ Histoire de FEtat présent de 1'Empire Ottoman. Lib. i Cap^ V.
Paris, 1670. S.»
* Pag. 83.
io8
os Cargos do Impeno ; estes saõ aquelles que vem a ser Ra-
chas, Vizires, etc.
He facil prever que sendo educados assim todos aquelles
que haõ de servir hum Estado, que seraõ os mais gratos, e
os mais fieis ao seu Soberano, que sempre considerarão coma
piissimo Pay. Se fossem educados ingenuamente com os co-
nhecimentos da Europa, e com as máximas da Religião Christa,
tao excellentes para conservar a paz, a humanidade, e cor-
dialidade entre os iguais e superiores, sentiria aquelle Estado
muito mayor utilidade daquella excellente educação, porque
naõ he possível considerar outro melhor methodo para conser-
var huma monarchia, e para promover a felicidade de hum Rey.
Tenho acabado o que prometi a V. Illustrissima, e sem
embargo que esteja persuadido que naõ satisfiz a tudo que per-
tence a matéria que tratei, naõ duvido será de alguma utilidade,
e será a mayor, a meu ver, haver mostrado a necessidade que
tem o Reyno de huma educação universal da Mocidade, gover-
nada por hum novo Tribunal, dependente de hum Secretario
de Estado. Os defeitos, ou omissoens que V. Illustrissima no-
tar neste papel, ou cauzados pela auzencia de tantos annos da
Pátria, ou pela ignorância das circunstancias, facilmente se re-
mediarão, se V. Illustrissima for servido notaJos, porque entaõ
me será mais facil acertar com a idea da perfeita educação da
Mocidade Portugueza. Fico para obedecer a V. Dlustríssima
com o mayor respeito.
Deos guarde a V. Illustrissima muitos annos
Paris, 29 de Novembro 1759.
António Nunes Ribeiro Sanches.
TABOA DAS DIVISÕES
VOLUME 11
IntroducçSo ^83
Das Escolas e dos Estudos dos Chrístaons até o
tempo de Carlos Magno, no anno 800 «... 28S
Reflezoens sobre as Escolas Ecciesiasticas • • • 290
Continua a mesma Matéria 293
Idéa das Obrigaçoens da Vida Civil e do Vinculo
109
da mesma Sociedade 297
A G>Dstituçam Fundamental da Sociedade Chrístaâ 317
Continua a mesma Matéria 3 18
Gofflo os Ecclesiasticos introduziram governar os Es-
tados Catholicos, pelas Congregaçoens dos primei*
ros Christiaons, e pelas Regras dos Conventos • 328
Das Universidades • • 357
Dos Estudos da Universidade de Coimbra, depois da
sua Renova<;am no anno i553 36 1
Resumo do Referido • • • 364
Effeitos que cauzáram em Portugal as Escolas, e as
Universidades da Europa e do mesmo Reyno 38 1
Continua a mesma Matéria. Effeitos que causaram nos
Costumes as Leis referidas 384
Continua a mesma Matéria. E sobre a Escravidam,
e sobre a Intolerância Civil 388
Que a nossa Monarchia se podia conservar com a
Educaçam Ecciesiastica que tínhamos, em quanto
conquistava ; mas que nam he sufficíente depois de
acabadas as Conquistas 393
Objecto que devia ter a Educaçam da Mocidade Por-
tugueza, no tempo dei Rey Dom Joam o Terceyro,
e parece que ainda hoje .•••..•• 453
Da Natureza da Educaçam da Mocidade, e do Objecto
que deve ter no Estado onde he nacida • . . 458
Qualidades dos Mestres, para ensinar a ler & a es-
crever, &c • • • • . 462
Do que haviam de aprender os Mininos alem de ler,
escrever e contar &c • • 465
Das Escoias da Lingoa Latina e da Grega, Humani-
dades, e da Lingoa Materna 578
Dos Mestres e dos Discípulos das Escolas do Latim, &c 583
Necessidade que tem o Reyno de Escolas em modo
de Seminários 584
Continua a mesma matéria, e das Pensoens das Es-
colas do Latim no Reyno^ por causa da Educaçam
da Mocidade das Colónias e das Conquistas de Ul-
tramar 585
Das três Classes de Discípulos das Escolas Lat. &c • i ggg
Continua a mesma Matéria • f
Digressam sobre as Pensoens e sobre a Lingoa La-
tina tanto no Reyno, como nas Colónias • • • 5g%
lio
Da terceyra Classe de Estudantes que aprenderia nas
Escolas Heais a Lingoa Latina, Grega, &c. . . 65?
Dos Estudos Mayores, ou Collegios Reais ... 658
Sobre o ensino que deve preceder as Escolas Mayo*
res, quer dizer da Pbysica e da Legislaçam • . 662
Em que lugar se haviam de ensinar as Sciendas re-
feridas? . • 666
Da Educaçam da Fidalguia e dos Fidalgos, que tem
Assentamento e Foro na Caza Real • . • • 668
Que sorte de Educaçam convém a Fidalguia Portu-
VOLUME III
gueza, que seja útil a si e a sua Pátria ? . • • 6
Continua a mesma Matéria. Em que lugar devia ser
educada a Fidalguia e Nobreza de Ponugal • . 9
O que sam as Escolas Militares 11
Propoem-se huma Escola Real Portugueza, para ser
nella educada a Nobreza e a Fidalguia. Economia
interior 5o
Em que idade deviam entrar os Educandos na Es-
cola Real Militar? . 52
Consequências por nam criarem as Mays seos filhos 53
Dos Mestres da Escola Real Militar, para a Arte da
Guerra e das Sciencias 56
Das Lingoas e Sciencias que se deviam ensinar nesta
Escola, e em que tempo? 58
Ponderaçam sobre a Lingoa Latina 60
Empregos e Honras com que haviam de sahir os Be-
neméritos desta Escola 62
Utilidades que resuluriam tanto ao Reyno, como ao
Soberano do exacto exercício de^ta Escola Mili-
tar, que se propõem 63
FETOS LUSITANICOS EM GERAL
E DOS SUBÚRBIOS DO PORTO EM ESPECIAL
(OoBtimui^iOv T. Tol. n, pac. W)
3.* Família, das Pterideas. J. Smith. — São distinaivo
doesta populosa família dos fetos os soros circulares ou alop^a-
4os, e transversos, marginaes, intramarginaes ou costaes, sim-
111
P^^i Salvo quando se tornam conâuentes, que então são com-
postos; teem um indusio lateral particular, que é produzido na
jfarte exterior do receptáculo esporangifero. A sua margem inte-
nor e /;Vre. As Pterideas sáo distinctas das Polypodiaccas pelo
seu iDdosiutn especial.
Com prebende esta familia um grande numero de géneros
que coDteem muitíssimas espécies com suas variedades.
Os differentes géneros dos quaes encontramos em Portu-
gal algumas espécies, são os que se seguem :
/•^ ^diantum.
%^^ Allosorus.
3-^. F^ieris.
A-** Cheilanihos,
^^ TVoodwarduz.
(}-^ Ijomaria.
I. — Adiamtum. Liimeo.
Este género de plantas deriva o seu nome da palavra
/ ggx^^ adiantas, que significa não molhado. Deram-lhe este nome
^g0 consequência da propriedade que tem a sua folhagem de
Permanecer secca immediatamente depois de haver sido mer-
^bada na agua.
'^ Distinguem esta planta os caracteres seguintes : soros re-
jiíformes, oblongos, redondos ou lineares, situados nos bordos
^as pinnulas em linha continuada ou interrompida. Veios di-
reitos terminando nos eixos do indusium. Indusium venoso, es*
Eorangífero no reverso. Frondes simples, pinnadas^ pediceladas,
ipínnadas, reniformes ou decompostas, de 1 5o a çSo millimetros
de comprimento. Hastes negras e luzidias. As pmnulas ordina-
jiamente obliquas, truncadas, aguçadas para a base, e só fru-
ctificadas no extremo das margens e articuladas com o peciolo.
São numerosíssimas as espécies doeste género, como po-
derá vêr-se na obra intitulada Species Filicum, de William
Kooker, na qual se acham descriptas io8 espécies.
A nossa flora só conta orna espécie única, da qual va-
mos occupar-nos.
]t
C^dianlum Capillus Venerú. Lin.
(CbMIo ii 7«M «1* mOUáa). •
Synonitnos — oâdiantum africanum, Brown.
» capillus, Swartz, etc.
» cuneifolium, Stoker.
> dependens, Chapman.
> fontanum, Gray.
> Morit\iamim, Link, etc.
» repandum. Tausch.
> irifidum, Willdenow.
Nome vulgar — Avenca.
DescripçSo — Frondes decompostas de fórma oval ou trian-
gular, excepcionalmente oblongas ou lanceoladas, membrana-
ceas, bi ou tripinnadas; foliolos alternados, pinnulas cuneifor-
mes, lobadas, psdicelladas, variando excessivamente d; fórma.
Veios com ramificações dichototnas, os pequenos veios desuni-
dos nos seus extremos. Fronde de cõr verde brilhante. Soros
oblongos de grandeza variada, o indusio membranoso, contendo
os esporulos na face inferior. As raizes e estipulas de um ne-
gro de ébano brilhante, com algumas escamas na base. Esti-
pulas lateraes. O rhizoma rasteiro, muito escamoso. Alguns
auctores apresentam três variedades d'esta espécie de Adtan-
tum: var. Mullijidum, Vollaslon; var. Tncisum, Moore; par.
Rotundatum, Moore.
Habita — Nas fontes, poços, minas e outros logarés som-
brios, paredes húmidas, etc, em todo o paiz. Fructifica na
primavera.
Cultura — Em grades de madeira ou cestos de suspen-
sões, cm vasos com muita drenagem, em cascatas, etc, ad-
quirindo á sombra e na humidade todo o seu viço e vigor.
Gosta da caliça e terra podre misturadas. Conserva -se nas sa-
las, e pó:le dizer-se que é o melhor adorno dos aquários, hoje
tanto em moda por toda a parte. O seu cheiro fresco um pouco
amendoado torna-se bastante agradável, e parece que esta planta
refresca demasiado o ambiente.
U — Allosohds. Bembardi.
(Do rrar> ■Um • tirtt, êírf élfinulu)
Género pouco abundante em espécies, com as frondes fér-
teis diversas das estéreis, sendo aquellas contrabidas e com os
>
ii3
bordos virados, parecendo formar um mdusium em toda a
volu.
Esporangos terminaes situados sobre as nervuras obli-
quas, reunidos em soros lineares, arredondados ou ovaes, la-
teralmente confluentes; os veios livres e forcados; as frondes
bitripinnadas ou decompostas, tendo as estéreis as pinnulas den-
ticuladas crenadas ou laciniadas.
Doeste género só possue a flora portugueza uma espécie
onica, que é a que se segue.
Allosorus crispus. Bemhardi.
(Dlifwentei maim enearMoUdot)
Synonimos — oAcrostichum crispum, Villars.
QÂllosorus Stelleri, Buprecht.
Cryptogramma cpispa, R. Broun, etc.
Onoclea crispa, HofTmann.
Osmunda crispa, Linneu.
» rupestris, Salisbury.
Phorohbus crispus, Desvaux, etc.
Píeris crispa^ Smith, etc.
» Stelleri, Gmelin.
» tenuifolia, Lamarck.
St^ania onocleoides, Gray.
Nome vulgar — ?
Descripção — Esta espécie de feto tem frondes férteis e
estéreis no mesmo rhizoma, annuaes, desabrochando em maio
para desapparecerecn no outomno. As frondes estéreis folhu-
das, bipinnadas, e algumas vezes tripinnadas; pinnas curtas em
forma de cunha, inciso -denticuladas, ovado triangulares, alter-
nadas, diminuindo de grandeza para a extremidade da fronde;
as pinnulas egualmente alternadas, ovaes, pinnatifidas ou pin-
nadas; os lóbulos cortados parecendo dentes agudos lineares.
As frondes férteis contrahidas, tripinnadas e excepcionalmente
quadripinnadas na parte inferior das intimas pinnas; estas al-
ternadas, ovaes; pinnulas alternadas, pinnadas na parte supe-
rior e pinnado-pmnati fidas na parte inferior das pinnas. As
ultimas divisões oblongo-lineares, obtusas e pecioladas. Estas
frondes são de uma côr verde aiiarellada, ao passo que as es-
téreis são de um verde-gaio. Fructificaçâo no reverso da fronde;
soros pequenos muito unidos e formando uma linha contínua,
e de íorma quasi redonda, ficando quasi encobertos sob o en-
114
rolado dos bordos das pinnulas. As frondes variam entre lo e
53 centímetros de comprimento.
Habita — Rochedos das montanhas das províncias do suL
Cultura — Gosta da scmbra, muita drenagem que o livre
das aguas estagnadas. A humidade com excesso^ sobretudo no
inverno, após á queda das folhas, mata- o irremediavelmente.
in. — Pnais. Uimeo.
(De PUriê on Pteim», Amo, pâUvra «om qo* ot ffNffot daBonlBATan ot fetM em farei)
Este género, cujo principal representante é o Pteris aqui-
Ufia, do qual brevemente teremos occasiâo de fallar, deve o
seu nome á similhança que tem a forma de ramificação das
suas frondes com uma aza. E^ talvez o mais numeroso de to-
dos os géneros dos fetos. Entre elles ha uns cujas frondes não
excedem, no seu máximo desenvolvimento uns 35 centímetros de
comprimento, emquanto outras se elevam a dez vtzts aquella
grandeza. Ha-os^innados, bipinnatifidos ou decompostos, li-
sos ou pelludos. Os veios são forcados, e os ramúsculos does-
tes sustentando nos seus extremos os esporangos, os quaes
constituem um receptáculo nerviforme, ornando os vários seg-
mentos da fronde e constituindo uni soro linear, ordinariamente
contínuo, raras vezes interrompido ; o indusio plano, continuado
com o bordo da fronde, abrindo-se pe^a parte interna, e com
a base muitas vezes coberta de espK)rangos. As frondes são
()uasi sempre compostas. G>ntém este género muitas espedes
interessantes e notáveis pela belleza de suas formas graciosas,
dignas de serem aproveitadas para decoração dos logares som-
bnos^ como parques, grutas, rochedos, etc.
Doeste género encontram-se em Portugal as três espécies
que vamos indicar.
I.— Pnais ABauTÀ. Smiúi.
Synonimos — Vterís incompleta» Cavanillef^.
» palustrís, Poiret et Willdenow.
Nome vulgar — >
Descripção — Frondes attingindo um metro e meio de
comprimento, estendidas, palmadas, bítripínnadas, verde-palli-
das. Pinnulas lineares acuminadas, com segmentos oblongo-li-
neares, de forma obtusa, e tendo a margem denticulada. As
estipes teem ordinariamente metade do comprimento da fronde,
e são de uma c6r verde pardacenta com algumas manchas de-
ii5
n^rídas, tendo algumas escamas similhantes a cabellos. O rhi-
zoroa é erecto. Os soros lineares, começando na base das pin-
nulas e estendendo-se quasi até ao extremo d^ellas. Veios muito
pronunciados e de cêr mais pallida do que a da fronde.
Habita — Serra de Cintra, e, conforme o afiSrma Tour-
nefí, os terrenos arenosos e sombrios das provincias occiden-
taes. O exemplar que possuimos, devemol-o á obsequiosa offerta
que d^elle nos fez para a nossa coUecçâo, com outras espécies mais,
o snr. W. Tait, dizendo-nos o mesmo snr. que o colhera em
Santo André de Canidello em Villa Nova de Gaya.
Cultura — Propaga se facilmente esta espécie de fetos pe-
los esporangos. Cultivam- se em terra bem adubada para que
as frondes possam desenvolver-se e attingir o máximo de seu
crescimento, sendo conveniente regal-os com ourína e agua,
devendo regular aquella por um terqo d'esta.
II.— Ptbris AQuiLiifA^ Lioiíea.
(Asa dê agula)
Synoninios — Allosorus amilinus, Presl.
» Hotientotus »
^ » lantíginosus »
» recurvatus »
» tauricus »
» pillosus »
Cincilanis aquilina, Gleditsch.
Eiq>terís aquilina, Newman.
Pterís borealis, Salisbury.
» brevipes, Tauscb*
» capensis, Thunberg.
» caudata, Link.
» excelsa, Blume.
» firma, Wallich.
jí fcemina, Gray.
» lanu^inosa, oory.
» nudtcaulis, Culdenstadt.
» recwvata, Wallich.
» terminalis, Wallich.
» pillosa, Fee.
B Wightiana, Wallich.
Nome vulgar — Feio, Feto comnuith. Feio grande. Feto
fêmea das boticas, e Feiio ou Fento no Minho.
n6
DescrípçSo — Frondei coríaceas, erectas, sapra-decom-
postas, ordinariamente bitrípinnadas, pinnas lanceoladas, sendo
as inferiores ou secundarias pinnatifidas, e as superiores meno-
res, de forma ovada, oppostas, frequentemente affastadas: a
forma geral da fronde ordinariamente triangular; o peciolo
comprido, forte, escuro na base e profundamente enterrado. O
rhizoma muito extenso em grande profundidade. Os veios for-*
cados ou simples. Os soros marginaes lineares, em duas series
oppostas, paralielas ás margens das pinnulas. O indusio mem-
branoso, e nuUo após a maturação. O comprimento das folhas
varf a de o,*" 1 5 nos logares altos, calmosos e ásperos, até 3 me-
tros nos logares sombrios e húmidos, taes como as margens dos
lios quando assombradas por arvoredo denso. Fructifica^ão pe-
renne no estio. Nas ilhas Canárias são usados como alimento
os rebentos doeste feto, segundo o affirma Ledru.
Nos bosques dos terrenos siliciosos esta espécie de fetos
chega a formar uma povoação completa, e então as suas fron-
des costumam ser aproveitadas depois de sêccas para coberta--
ras e abrigos dos jardins e das hortas, e para estrado ou cama
do gado nos curraes. No hemispherio meridional abunda ena
diversas paragens a variedade esculenta (T^teris aquilina, par.
esculenta, Hooker). Entre nós apparecem vários abortos da es-
pécie commum, encontrando-se as frondes bifurcadas ou ali^
/ armes; as pinnas ora amontoadas ou sobre-postas, ora tam-
bém bifurcadas, comprovando a tendência que teem os fetos
em geral para a dichotomfa.
Habita — Quasi por toda a parte, desde as margens cios
rios e das estradas até ás planícies, e doestas até ás montanhas,
preferindo elles, como já o deixámos dito, para seu maior des-
envolvimento os logares baixos, húmidos e sombrios. E^ vul-
garissimo no Porto e em todas as suas cercanias.
Cultura — E^ rebelde por extremo á cultura esta espécie
tão selvagem de fetos. Consegue-se a custo cultivar-lhe os rhi-
zomas em vazo, fazendo a plantação na primavera em terra ás-
pera e siliciosa, com muita drenagem e poucas re^as. O melhor
meio de reproducção porém é a sementeira na primavera.
lY. — Chuláiithbs. Swartc.
(De KêBoê, loU»! « MfM, flAr ; por «llatlo á ftnu do iadoilo d*«ftM fetoi).
Este género de pequenos fetos é distinao pelo recorte mi-
moso de suas frondes, e é o único que nos otTerece uma espé-
cie odorifera. As frondes ordinariamente bipinnadas, teem
117
margens recurvadas servindo de falso indusio ; os veios furcados
e livres ; os reunidos em soros' pequenos, marginaes e arredon-
dados. D'este género possuimos uma única espécie, que vamos
descrever.
Cheilâivthxs pràgrans. Hooker.
SjíiOTámos^^C^diafttufn /ragrans, Viviani.
Cheilanihes líaderensis, Lowe.
» odora, Swartz, etc.
9 suaveolens, Schkukr.
Polypodium fragrans, Linneu.
Pteris acrosticha, Balbis.
» fragrans, Lag.
Nome vulgar — ?
Descripçao — Esta, como todas as outras espécies do gé-
nero, nSo attin^e grande desenvolvimento. Por exhalar algum
cheiro, lhe adveiu a denominação pela qual é conhecido. Tem as
frondes bipinnadas, ovado-lanceoladas; as pinnulas ovaes, obtu-
sas, sub-lobadas; o peciolo escamoso e bem assim o rhizoma.
D'este destacam-se as frendes em tufo não excedendo o'",! 5 a
o",i8 de comprimento. Os soros confluentes, e a côr das fron*
des verde-escura. O snr. A. Luso da Silva possue a var. bipar^
tida na sua importante collecção. Fructifica no verão e é annual.
Habita — Coimbra, Belém, Vallongo, Fanzeres, Rio Tinto
e Porto, nos muros velhos e nas fendas dos schistos. Diz o
snr. A. Luso que também o ^encontrou nas ruinas do Castello
de Aguiar do Sousa.
Cultura — Terra saibrenta, muita drenagem, pouca humi-
dade, e posição inclinada, nunca horisontal.
(OmiIIii^)
M. J. Felgueiras.
O LYCEU DE ARTES E OFFICIOS
DO RIO DE JANEIRO ^
Promettemos fallar do movimento a favor do ensino pro-
fissional que se observa no Brazil ha annos. Vamos cumprir
^ Transcrípto, com a devida licença, do Jornal do Commercio de
Lisboa de X e i6 de janeiro de i883.
Ii8
esta promessa, feita na primeira revista, e provar como o mo«
vimento iniciado com a escola de South-Kensington se refleaia
no império.
No dia 23 de novembro de i856 reuniam-se varias pes-
soas n^uma das salas do museu nacional do Rio de Janeiro^
para ouvir da boca do architecto sr. Francisco Joaquim Bet-
tencourt da Silva o projecto de fundação de uma sociedade,
?|ue teria por fím promover o desenvolvimento das artes e of-
ícios, os quaes tinham cabido em profunda decadência. Doesta
proposta, que recebeu geraes applausos e que foi logo garan-
tida com 99 assignaturas de pessoas presentes, sahiu e nasceu
a Sociedade propagadora das Bellas-artes. A 8 de dezembro
estava eleita a directoria, que ficou cumposta do seguinte modo :
— presidente, o conselheiro Eusébio de Queiroz Coutinho Mat-
toso Camará; i.^ vice-presidente, o dr. Manoel de Oliveira
Fausto; 2.® vice-presidente, o brigadeiro António Joaquim de
Sousa; 1.^ secretario perpetuo, Francisco Joaquim Bettencourt
dB, Silva (o fundador da sociedade); 2.^ secretario, Francisco
Portella; thesoureiro, Joaquim José Marques.
A nova associação tinha principalmente por fim, segundo
o seu estatuto:
I .^ Fundar e conservar um lyceu de artes e officios, em
que se proporcionasse a todos os indivíduos, nacionaes e es-
trangeiros, o estudo das bellas-artes, não só como especialidade,
mas também como applicação necessária aos officios e indus-
trias, explicando-se os princípios scientificos em que ellas se ba-
seiam.
2.° Publicar regularmente uma re\nsta artistica, a que se
addicionassem estampas originaes, ou copias dos melhores tra-
balhos dos artistas no império.
3.® Crear uma bibhotheca, especialmente artística, á dis-
posição de quem a quizesse consultar, pela forma que fosse
determinada em regulamento interno.
4.^ Fazer sessões publicas, em que se lessem escriptos so-
bre artes e industrias, e se expozessem trabalhos de alumnos
do lyceu e outros quaesquer artefactos artisticos e industriaes.
5.^ Fazer exposições publicas, em que se concedessem
prémios de distinção aos expositores das melhores obras.
6.^ Fazer concursos públicos, com prémios aos melhores
trabalhos, sendo estes preferidos para ornar as galerias do ly-
ceu, quando a sociedade os podesse comprar.
7.^ Auxiliar as viagens dos alumnos mais disu netos do
lyceu á Europa, para completarem os seus estudos.
119
8.^ Estabelecer correspondências com as sociedades nacio-
naes e estrangeiras de idêntica natureza, solicitando o seu auxilio.
Emfim, 9.^ Promover a creação de sociedades similhan-
tes nas provinciâs do império (Resumo dos Estatutos e Regu^
lamento da sociedade publicados em appendice á obra do sr.
Félix Pereira sobre o Lyceu de artes e officios, Rio, 1876).
Este programma foi executado gradualmente, no meio
das maiores dificuldades e com uma energia e tenacidade ex-
cepcionai.
A revista artística, annunciada ro § 2.^ não pôde viver;
sabiu em março de 1857, e apenas durou um anno. Chama-
va-se O Braiii artístico.
A questão do ensino, porém, essa foi resolvida; ahi se
concentraram todas as forças, e bom foi que assim succedesse,
porque era a questão capital. A 9 de janeiro de i858, data
para sempre memorável na historia do Brazil, o lyceu abriu a
sua escola e de 22 de março em diante começou a fu accionar
regularmente nas salas do consistório da matriz do SS. Sacra-
mento da corte, cedidas generosamente pela administração da
irmandade.
Escusado é dizer como a maioria acolheu o novo estabe-
lecimento. Bspanto e duvidas, riso e intricas rebentaram de to-
dos os lados. Uma escola nocturna de bellas artes, com pro-
fessores gratuitos, sem casa e sem meios, a ensinar desenho —
para que? De que servia isso? O que era evidente, o que dava
na viita, era ser aquella escola €um arremedo, um simples
emulo da academia das bellas artes» (Ferreira, pag. 77).
A 20 de janeiro de i858 celebrava a Sociedade o primeiro
anniversario da fundação da escola diante de Soo pessoas. A
imprensa applaudiu sinceramente na festa, e a 21 de julho fun-
damentou se na camará dos deputados um projecto, concedendo
á Sociedade Propagadora oito loterias para a construcção de
uma casa apropriada ao lyceu, sob as seguintes condições :
1/ Que as loterias concedidas corressem no espaço de
três annos.
2.* Que o thesouro nacional adiantasse, por empréstimo,
o produao de três loterias, para que a Sociedade podesse desde
logo cuidar da organisação do terreno e tratar da construcção
do edificio.
Por estes favores a Sociedade obrigava-se:
A apresentar ao governo o plano da casa, com o respe-
ctivo orçamento, assim como também a demonstrar outras ne-
cessidades e empenhos que ella tivesse de satisfazer.
I20
A prestar contas annuaes do estado e marcha do lyceu,
que poderia ser fiscalisado por um delegado do mesmo governo.
A entregar á fazenda nacional o edifício e mais pertences
do lyceu, quando este, por qualquer motivo, deixasse de func*
cionar por mais de um anno, ou em caso de dissoluçSoda so-
ciedade.
Este projecto passou na camará dos deputados, mas ca<-
hiu no senado, €onde foi julgado menos proveitoso ao paiz, do
que outros alli approvados a favor de estabelecimentos de quasi
puro interesse particular, como por exemplo : a fabrica de pro«
duetos chimicos do finado Ezequiel Correia dos Santos, que
teve quatro loterias, além do terreno gratuito para a edificação
de prédios domiciliários (Ferreira, p. 92).
Isto é typíco, sem duvida ; mas a direcção do lyceu é que
se não importou com o senado, e andou para diante.
Tendo a irmandade do SS. Sacramento requisitado, em
27 de novembro de i858, a entrega das salas do consistório,
onde funccionavam as aulas, foram estas mudadas para a sa-
christia da antiga egreja de S. Joaquim, abandonada do culto,
por estar comprehendida no dominio das expropriações para a
strada de ferro D. Pedro 11.
Por uma circumstancia feliz, a demolição não teve legar
e ahi, na velha igreja, se recolheu o lyceu e festejou a sua ins-
tallaçâo a i de fevereiro de 1859. A demora n^esta nova casa,
imprópria a todos os respeitos, havia de ser longa, como ve-
remos, e levar a instituiçío a uma crise aguda.
Pouco antes, a 21 de janeiro de 1859, tinha a Sociedade
Propagadora das Bellas-artes celebrado em uma das saias do
imperial collegio, D. Pedro u o seu segundo anniversario. Não
faltaram discursos, parabéns, muitos elogios, etc. O imperador
dignou-se até, em nome dos professores do lyceu, entregar ao
fundador Bettentourt da Silva uma medalha de ouro, gravada
pelo artista brazileiro Quintino José de Faria.
Os trabalhos escolares foram então expostos por três dias
á apreciação do publico.
Emjulho de 1860 assistiram SS. MM. 11. á festa do ter-
ceiro anniversario, que não foi menos apparatosa* A actividade
da escola continuou sempre progressivamente até i863, mas
a exposição annual dos trabalhos havia parado em 1860, por
falta de meios, e depois foram o director, o thesoureiro e até
alguns professores (que ensinavam gratuitamente !) contribuindo
do seu bolsinho particular, atai era o indifferentiscfio com que
o povo encarava esta instituição, da qual tanto depende o seu
121
roturo pro6ssional». O governo fa^da outro tanto, deixava cor-
' ter tudo á revelia. Em 1 864, a escola do lyceo não se abriu,
loão por faltar ao seu fundador a precisa coragem para con-«
tjnaar na lucta, que sustentara contra todas as difficuldades,
oão por ir também escasseiando aos dignos professores o amor
8 arte, nem o devotamento ao ensino, mas porque o então mi-
nistro do império, inesperadamente, recusou algumas centenas
de mil réis para concluir as obras que eile mesmo autorisára á
fazer-se no edifício da escola, com o fim de lhe augmentar, di-
zia elle, «o espaço já então escassissimo, para os alumnos que a
frequentavam».
O caso verdadeiraoní^nte vergonhoso, deu-se da seguinte
forma:
Em 1869 o Marquez de Olinda, então presidente do
conselho de ministros, visitou a escola do lyceu, de repente^
por recommendação do imperador. A impressão recebida foi
tão agradável, que o Marquez approvou as obras pedidas, que
foram orqadas o£SciaImente em ?:840iSlooo réis. Gastou-se a
verba, que foi insuficiente, como succede sempre com os re-
mendos em edificios velhos; faltaram algumas centenas de mil
réis; o fundador procurou o Marquez, debalde.
Nem o seu successor José Bonifácio de Ândrada, nem o
ministro Liberato Barroso, herdeiro de Andrada, souberam
achar remédio para o caso de i865; só no exerciciode i865-
1866 é que o governo concedeu 3:oooiSíooo para a conclusão
das obras, que não podiam ser acabadas com a verba antiga,
por um erro de calculo official, e por falta de cautela e clareza
no contracto com o empreiteiro.
Não podemos indicar os pormenores d'esta campanha,
mas ella é característica. O lyceu, que havia atravessado seis
annos de uma existência laboriosa e honrada, com os mais li-
mitados recursos, sem o menor auxilio do estado, foi assim re*
compensado.
Depois da concessão das camarás, subiu ao poder nova-
mente o Marquez de Olinda, que. sobraçando a pasta do im-
pério, se negou a fazer effectivo o suosidio auctorisado, allegando
as exigências da guerra do Paraguay, que corria risco de se
perder, sem os três contos.
Cansada de tantas miseriasi a directoria da sociedade reu-
nia a assemblca geral, e achou-se com vinte sócios, quando
havia começado em i856 com noventa e nove, como vimos.
Mudaram os ventos, mudaram os costumes; e parece que tam-
bém mudaram os rostos. Chegou-se a fallar em dissolução da
BinSTÀ DÀ SOCIBDADS DB mSTRUCÇÃO DO PORTO. 9
122
sociedade, D^essa triste reunião de 22 de fevereiro de 1867; mas
resolveu-se, afinal, fazer roais um esforço, que seria talvez
inútil^ se o económico, mas bellico Marquez não tivesse abdi-
cado antes. O ministro Fernandes Torres, do novo gabinete
Zacharias, concedeu, finalmente, os três contos, em 9 de marqo
de 1867. Em setembro teve logar a reabertura das aulas — três
annos perdidos, uma bella economia, quando o paiz havia gasto
dois milhões n'uma valia immunda, chamada um canal; quando
se gastaram 400 contos com a Flora ^ra:[ilien$is^ de Martius,
cujos exemplares estavam cuidadosamente fechados á chave, ar-
mazenados; quando a edição da Flora Fluminemis, do sábio
nacional Conceição Velloso, tinha sido reduzida a papelão —
«Soo contos do governo, á custa do qual se imprimiram as
gravuras em Paris, para serem depois, inaudita e incomprehen-
sivelmente, transformadas em papelão» (Ferreira. Op. cit. pag.
106). Isto escreve um escriptor competente, braziieirò, n'uma
obra de que S. M. o Imperador acceitou a dedicatória.
Ainda não acabara a lucta. Com o pagamento do subsi-
dio parecia ter-se emfím consolidado o lyceu ; engano. Uma ir-
mandade, chamada de Nossa Senhora da Batalha, veiu reclamar
contra o lyceu, allegando que a egreja de S. Joaquim estava
sendo profanada. O reverendo vigário capitular dava, é verda-
de, uma péssima informação: aa casa estava servindo de officina
de pintura e carpintaria, com grande escândalo publico». Era
já a segunda ve^ que a devota irmandade se escandalisava e re-
clamava justiça, allegando uns direitos imaginários sobre a egreja,
cuja posse pedia.
Ha ainda mais. O ministro Fernandes Torres, o mesmo que
havia concedido, finalmente, em 1867, o subsidio votado em
l865, parecia disposto a servir a irmandade contra o^lyceu, quan-
do o Jornal do Commercio entrou em campo, defendendo n'um
artigo sympathico os direitos do inquilino. A^ noite o imperador
appareceu, inesperadamente, no lyceu, e depois de uma visita
demorada ás aulas, assegurou ao snr. Vieira, i .^ secretario, que
o edifício não seria retirado ao lyceu^emquanto não tivesse casa
própria onde podesse installar-se convenientemente e continaar
« elercer a sua nobre missão, de que via tão bons fructos.
O requerimento da irmandade foi adiado. Em fevereiro de
1868 o conselheiro Euzebio de Queiroz pediu a demissão de
{)residente da sociedade por falta de saúde, entrando em seu
ogar o conselheiro Zacharias de Góes e Vasconcellos, então
presidente do conselho de ministros. D'ahi em diante o lyceu
caminhou desassombradamente. A 3o de novembro foi honrado
X23
com mais tíma râita do imperador que appareceu, como sem-
pre, sem ninguém o esperar, e no dia 25 de janeiro de 1869
oelá>rou a sociedade propagadora de Bellas Artes o seu 12.^ an-
niversarío* no meio de Suas Magestades e Altezas Imperiaes e
de um concurso de centenas de pessoas.
Vejamos agora, depois de doze annos de existência, como
a sociedade cumpriu o seu programma na escola de artes e of-
fidos.
Em setembro de 1867, quando as aulas se reabriram,
depois da longa interrupção de três annos, o ensino abrangia:
a aritbmetica, álgebra, musica, desenho de figura, de machinas,
de architeaura e geométrico. Em i86q accrescentou-se o en«
sino da esculptura de ornatos e a estatuária. A divisão das
matérias e a sua distribuição por cadeiras faziam-se do seguinte
modo:
Grupos de sctencias e de artes ;
Grupo supplementar e grupo complementar.
Grupo de sctencias (sete cadeiras):
Aritbmetica; álgebra até ás equações do 2.^ grau; geo-
metria plana e no espaço; geometria descriptiva e stereotomia;
ph3rsica applicada; chimica applicada; mechanica applicada.
Grupo de artes (dez cadeiras):
Desenho de figura (corpo humano); geométrico, inclusive
as trez ordens clássicas; de ornato, flores e animaes, de ma-
chinas, de architectura civil e regras de construcção; de archi*
tectura naval e idem; de ornatos e arte cerâmica; estatuária;
gravura a talho doce, agua forte e xilographia; pintura; (estu*
dos a tempera, estudo particular de diversas tintas, mordentes,
vernizes, processos, etc, empregados na pintura e douradura
de artefactos).
Grupo supplementar (seis cadeiras):
Porcuguez, elementos e grammatica; francez; inglez; geo-
graphia; historia pátria; calligraphia.
Grupo complementar (cinco cadeiras):
Philosophia ou moral social; esthetica; historia das artes
e officios; anatomia e physiologia das paixões; musica.
Como se vê, o plano é grande, em todo o sentidoj^ pinte
e oito cadeiras, regidas, gratuitamente desde a fundação, no
mdo das singulares xlifficuldades que temos historiado. Este
plano não foi logo traduzido completamente na practica, como
)á dissemos, e ainda em 1 876 notamos n^uma publicação semi-
official que nSo estavam preenchidas as de geometria descriptiva,
chimica e mechanica; cadeiras de gravura e pintura; geogra-
124
phia, historia, calligraphia, philosophia, esthetica, historia das
artes e ofiBcios, e anatomia.
No relatório official do lyceu do anoo de 1878 notamos
que funccionaram mais três cadeiras: chimica appiicada, geo*
graphia e calligraphia, total dezenove, servidas por 53 profes-
sores! No anno lectivo de 1879 ^ respectivo relatório accusa o
mesmo numero (pag. 8-11)1 prometteodo para 1880 mais duas
cadeiras: historia das artes e officios e esthetica. O ensino pra-
tico era dado n'um gabinete de physica e em dois laboratórios^
lastimando o relatório de 1878 não haver ainda um gabinete
de mechanica, e accentuando a necessidade da creação de ofi-
cinas para a aprendizagem dos vários officios.
A frequência cresceu extraordinariamente nos últimos an*
nos. Em 1 858, primeiro anno da escola, a matricula foi de 35 1
alumnos; quando se deu a interrupção no ensino, tinha de»*
eido a 204, mas depois da reabertura das aulas subiu a 542
em 1868; em 1872 contava 1:129 alumnos; em 1874 attingiu o
máximo: 1:268, decahindo um pouco de 1 874-1878, mas su-
bindo em 1879 novamente a 1:262 alumnos, com 2:638 ma-
triculas, das quaes pertenceram ao desenho 1:039.
O relatório d'esse anno diz ainda que foi necessário cne-
gar a matricula a muitos individuos que vinham solicital-a»
(pag. 4), por não haver espaço, apesar das notáveis obras e
melhoramentos que se fizeram no lyceu de 1876 a 1878.
O lyceu permaneceu na egreja de S. Joaquim de 1859
até 1876. A 20 de agosto d'este anno o governo imperial recla-
mou a egreja para a restituir ao culto. Kesuscitava a questSo
da irmandade de Nossa Senhora» que parecia morta! Doesta
vez, porém, o governo offerecia como compensação o edifício
em que funccionára a secretaria doestado dos negócios do império*
A nova casa exibia, no emtanto, obras importantes de ada-
ptação, e só em princípios de 1878 pôde o lyceu installar-se no
novo edificio, gastando do seu cofre particular 9l razoável soai-»
ma de 55:oooi$ooo réis, producto dos seguintes donativos :
•
Barão de S. Roque 10:000^000
António Pereira de Sousa Barros .... 10:000^000
Dr. Francisco Xavier Calmon da Silva Cabral 10:000^000
João da Cunha Magalhães 10:000^000
Francisco Pinto de Oliveira 6:000^000
Luiz Vieira Machado da Cunha .... 4:000^000
Emilio José de Barros 4:000^000
José Maria Vieira i:ooof 000
Réis • • . 55:ooofooo
laS
Esgotados estes recursos, o governo imperial continuou as
obras, podendo-se reabrir as aulas só no dia 3 de setembro de
1878. As obras do governo continuaram lentamente com o sub-
«dio mensal de dois contos, até que em I87Q o ministro Sodré
Pereira retirou o subsidio, allegando o estado precário do tbe-
souro I O director do lyceu e fundador da sociedade Bettencourt
da Silva deu, em signal de sentimento, a sua demissão; o corpo
docente acudiu em janeiro de 1880 com um generoso protesto
para invalidar a demissão. As instancias foram baldadas, e dias
depois, a 3i de janeiro, o fundador repetiu a sua demissão na
sessão magna, annual, diante do imperador e diante dos minis-
tros do império, da guerra, dos negócios estrangeiros, da fazenda
e da agricultura, e da numerosa assembleia que enchia o salão.
O corpo docente respondeu a Bettencourt da Silva repetindo o
seu protesto de dedicação e amisade, e reclamando contra a
retirada.
Esta nobre coragem, longe de desagradar ao monarcha e
ao ministério, e prejudicar o lyceu^ influiu favoravelmente para
a* resolução dos seus justíssimos pedidos, como veremos. No
orçamento de 1880-1 881, o corpo legislativo elevou o subsidio
annual de loiooo^Síooo a i5:oooiSíooo reis, e o lyceu, respondendo
sempre a um favor do governo com um beneficio muito maior,
inaugurava a 1 1 de outubro de 1881 as aulas para o sexo femi-
nino. A mulher, a futura mãe de familia, entrava triumphante
no lyceu imperial de artes e officios I
Apesar do longo caminho percorrido, temos muito que
dizer, tantos sSo os factos, tão grande a nossa admiração pe-
rante os resultados obtidos pela iniciativa de Bettencourt da
Silva e dos seus poucos alliacfos. Só em 1867, onze annos de-
pois da fundação do lyxeu, é que o governo imperial concedeu
um subsidio annual de 3:ooofooo (ministro Liberato Barroso),
elevado a 6:000^000 de réis pelo ministro Paulino José Soares
de Sousa, e novamente au^mentado pelo conselheiro Correia
de Oliveira até jo:oooiilooo réis. Em i8Ho«i88i eram i5:ooOi9[ooo.
E^ verdade que n'esse intervallo, desde a concessão do
subsidio, a lista dos alumnos sobe de 542 em 1868 a 1:296 em
1880. A lista de matriculas, segundo os últimos dados que te-
mos presentes (outubro de 1881), attingiu a cifra de 17:879; a
Ibta dos alumnos, desde i858 a 1880, a cifra de 14:917, re-
presentando 22 nacionalidades (sendo 2:427 portuguezes).
A primeira matricula das aulas do seio feminino attingiu
a dfra de 601 alumnos.
126
II
Incluir o ensino profissional da mulber no plano do lyceu
foi sempre um dos pensamentos mais predilectos do fundador»
Vimos na revista anterior que a primeira matrícula deu 6oi
alumnas! Tratava-se por emquanto apenas de uma modesta
aula de instrucção primaria, e, comtudo, vejam a sede de in>
strucção e o credito do lyceu f Eram bjg brazileiras, 14 porta*
guezas, 5 italianas, uma norte-americana, nima de Montevideo
e uma austríaca. Com relação ás edades distríbuiam-se do se-»
guinte modo:
De IO a x5 annos 298
» i3 a 20 » . *. id7
» 20 a 25
» 25 a 3o
> 3o a 35
> 35 a 40
» 40 a 45
5 a 5o
o a 55
'A
81
H
12
2
I
X
€01
Emquanto aos estados eram: solteiras, 56o: casadas^ 22;
e viuvas: 19.
«Este facto, diz a Gaveta da Tarde, do Rio, só por ^
basta para demonstrar até que ponto se tornava necessária a
creação de taes aulas, a sede de instrucção que existe nas clas-
ses proletárias, e o descuido do nosso paternal governo em re-
lação á instrucção popular, que anda sob sua protectora vigi-
lância. Se não fora a instituição do lyceu e o noore pensamento
de iniciar o curso especial para educação de nossas patrícias
menos protegidas pela fortuna, onde, e quando, sabe Deus, de-
parariam as míseras Com os recursos de que tanto carecem para
alimentar o espírito, educar as faculdades, e preparar, emfiniy
pelo trabalho e pelo estudo, os meios de garantir o seu futuro
e o de seus filhos?
«Além do professorado, que lhes offerecia a nascente, tnas
já viciada, escola normal, que outra fonte se lhes deparava onde
f>odessem buscar os elementos para uma profissão honesta, que
hes fornecesse os meios de subsistência ?» {A imprensa e o fy^
ceu^ etc Rio, 1881, p. 6.) ^
127
Outro jornal dizia :
«Não ha aqui nenhum estabelecimento de ensino secun-*
dario para meninas; só os ha particulares, de sorte que as me-
ninas pobres só poderão aprender o que lhes ensinam as escolas
primarias» (Do Atirador Franco).
Sentia o mesmo jornal que a idéa não tivesse sido posta
em pratica ha mais tempo.
Mas o lyceu luctou sempre com a falta de espaço, como
teaios visto; e quando o mudaram de S. Joaquim para o antigo
ediíido da secretaria do império, obrigaram-n^o a gastar todas
as suas economias, 55 contos, em obras, e só depois lhe acudi-
ram, para começarem logo *a regatear o subsidio indispensável
para a conclusão dos trabalhos I O lyceu pediu o antigo edificio da
typographia nacional, para a fundação das ofiScinas, mas a in-
triga e os interesses paniculares impediram a entrega. Afinal o
ministro Silveira Martins acabou com a questão e deu o edificio.
«A antiga typographia nacional transformou-se como por
encanto. D^aquelle escuro pardieiro surgiram salas amplas, cia*
ras, arejadas.» (Do Cruzeiro).
Mas o fundador Bettencourt da Silva nãodescança — tem
a febre da generosidade; já pedia os terrenos do convento da
Ajuda, e os da praia da Lapa, para dar ao lyceu do sexo fe-
minino toda a amplitude. Não Ih^os deram logo ; mas é de crer
que vencerá mais uma vez.
ixlníelizmente, estamos a duvidar do futuro, diz ainda o
Cru:{etro, e a fazer as coisas em miniatura».
Não é possível avaliar até onde caminhará o lyceu com
om fundador doesta tempera, ajudado com o voto unanime de
luna imprensa, que na questão do lyceu tem dado as provas
mais eloquentes da sua alta inteliigencia e inexcedivel patriotis^
aio; mas o que nós, portuguezes, podemos ter por averiguado
é que a amiga colónia nos preparou uma das lições mais elo-
quentes que era possível inventar no dominio intellectual e moral.
Nós tivemos também uma Sociedade promotora de bellas-
artes, que publicou um programma, um estatuto ; que fez pro-
messas de todo o género, para nunca as cumprir; que absorveu
M>cDmas consideráveis, illudindo constantemente o publico du-
rante uma vida inglória de vinte annos. Essa sociedade compro-^
metteu-se ainda mais, indo ao Brazil pedir um auxilio, não pe-
2ueD0, que recebeu durante annos, para o malbaratar, como
í7 aos dinheiros que levantou no paiz. Foi pedir ao Brazil um
auxilio, na cidade que havia fundado uma sociedade idêntica^
com quasi o mesmo titulo, um modelo, que lhes podia ensinar
128
como se vivia honradamente e utilmente para a pátria. Que au-
dácia e que falta de vergonha!
Sim, o termo é este próprio, e nSo outro ; porque a Sò-
ciedade promotora de Lisboa não só se comprometteu a si, mas
ao paiz inteiro. Com que direito, com que rosto iremos pectir
outra vez o concurso dos nossos irmãos do império ? Que fru-
cto produziram os 29:966^416 reis arrecadados pela sociedade
de Lisboa em dez annos de exercicio (1862-1874)1 segundo
documentos officiaes ? Onde, e quando, foram as suas promes-
sas cumpridas? Onde ficou o jornal que ella prometieu, as pa-
lestras artísticas, os cursos nocturnos, etc, etc. ? E toda essa
triste existência desenrola-se no mero de favores excepcionaes do
publico, do reclamo da imprensa, immerecido, e das contribui-
ções do Brazil.
A sociedade promotora de bellas-artes de Lisboa fun-
dou-se por iniciativa de Luiz Filippe Leite, que publicou ena
junho de iSSy no Jornal de delias Artes (3.' serie n." vi) uoi
programma para uma Sociedade dos c/lmigos das Artes, Era
a cópia de uma ideia que unha nascido no Porto em i833, anno
em que alli se fundou uma associação com o mesmo nome, cu-
jos estatutos foram approvados a 2 de novembro de i835, de-
clarando-se a rainha D. Maria 11 protectora da associação.
Portanto, nem a sociedade promotora de Lisboa iniciou
o movimento com o seu programma, nem sequer o nome do fu-
turo presidente, o marquez de Sousa, figura n^esse programma
(Estatutos e lista dos tundadores no Diário do Governo de 6
de novembro de 1861).
Pôde affirmar-se até, com segurança^ comparando o es-
tatuto do Rio com o de Lisboa, que este é o reflexo d^aqueile.
Com effeito, a ideia de Bettencourt da Silva é de 23 de novem-
bro de i856 : n^esse dia foram lidas as bases e assignadas por g^
pessoas. A o de dezembro de 1857 estava eleita a primeira di-
rectoria da Sociedade propagadora do Rio, e publicados os seus
estatutos, e só seis mezes depois é que Filippe Leite apresenta
a sua ideia da Sociedade dos amigos das artes.
Abrimos aqui este parenthese para uma referencia passa-
feira, porque teremos de voltar á Sociedade promotora de Lis-
oa, quando houvermos concluido com a do Rio. E' preciso
que o governo faça cumprir o estatuto d'essa sociedade, que elle
approvou, ou que os sócios ainda existentes tratem da sua reor-
ganisação — se sentem forças para tanto — ou da sua dissolu-
ção, por dignidade própria.
(OMteAa.) Joaquim de Yasconcellos.
139
CATALOGUE DES INSECTES DU PORTUGAL
(0«ntlnnAçÍo, t. pag. Tf)
ama AOHBKNIUM OU&TlB
567. A. depressum Orav.
Fauv. Faun, G. Bh.f p. 362.
Azambuja (J. Antunes I).
anta DOLIOAOH LAPOBTB
568. D. graoOis Grav.
Eriehs<m. Qen. et Sp, Staph,^ p. 337.
Azambuja (J. Antunes I)
Qmnm LITH00HABI8 UlOOBDAIBS
569. L. flisoula ManTi.
Faup. Faun. G. 10^., p. 3 18.
Vizella!, Guarda!.
570. L. pioea Eraatz.
Fauv. Faun. G. Bih., p. 3i8.
l^zella!, Coimbra!, Alcafache!
571. L. ooliraoea Orav.
Fauv. Faun, G. Bh., p. 32o.
Farol, Azambuja I, Coimbra! Espinho!
572. L. obsoleta Nordm.
Fauv. Faun. G. Bh., p. 3ai.
VizcUal.
573. L. proplnqua Bris.
Fauv. Fann. G. Rh., p. 325.
Onmbra!, Buasacol, Espinho I. Leça!.
i3o
574. L. rufloollis Eraatz.
Fauv. Faun, G. Rh., p. 325.
Guarda!.
OníBB 800PJSUS BBI0B80K
575. S. didymus Er.
Fauv. Faun. 6. Rh., p. 3ii.
VizelIaI,.G>imbra!, Bussacol, Espinho!, Alcafache!.
Onrna 8TILI0U8 LATBJULLB
576. S. festiviis Rey.
Fauv* Faun. G. Rh., p. 3o5.
Je l'ai trouvé dans les décritus des iaondatioos du Mon-
dego, à G>imbra.
577. S. orbloaaltas Payk.
Fauv. Faun. G. Rh,, p. 3o3.
G)imbral, Leça!, Estarreja!.
Gwu SUNIUS 8TBPHBNS
578. S. latas Bos.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 293.
Bragança I, Coimbra I.
579. S. melannrus Eust.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 296.
Bragança!.
580. S. graolUs Payk.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 298.
Bragança!, Felgueira!, Coimbra!.
i3i
Gana HA2BBI8 FAUV.
581. M. pnlQlier Aubô.
JFatiy. FoKft. G. Bh., p. 299.
Gerezl (L. v. HeydenI), Vízella!, Espinho !, Coimbra!,.
Bussaco !.
La tete et le corselet est d^un brun de poix dans plu-
sicora individus,
Gwu PABDBBUS QBAYBMUOBfiT
«
582. P. lusitaulous Aub.
Pttuv. Faun» G. Bh.j p. 329.
Ceai, Gerez (L. v. Heyden!).
583. P. gregarlus L.
Fauy. FautL G. Rh.^ p. 332.
Bragança!.
584. P. fusoipes Ourt.
Fauy. Faun. G. Rh.,p. 334.
Coimbra I, Vizellai, Estarreja I.
585. P. oaUgatas Er.
Fauy. Faun. G. Bh., p. 333.
Commun dans le nord du Portugal.
586. F. ruflcollis F.
Fauy. Faun. G. Rh., p. 336.
Eztrêmement commun partout, au bord dea eaax.
STENINI
Qwnm STBMUS LATBBlIiLB
587. S. ooellatos Fauv.
Fauv. Faun. G. Rh.j p. 233.
Bragança!, Felgueiral, Coimbra! (L. v. Heyden!).
i3i
588. S. firattnla Mnll.
Fauv, Faun. G, Rh., p. 234.
Vizella!; Bragança!, Espinho!.
589. S. Ouynexneri Duv.
Fauv, Faun» Q. AA., p. aSy.
Bussaco!, Coimbra!, Vizellal, Gerez! (L. v. Heydenl).
590. S. oreoplillus Falrxn.
Fauv. Faun. G. Rh,<f p. a38.
Espinho I.
591. S. nanus Stepli.
Fauv. Faun. 6. 7{A., p. 240.
Bussaco!, Espinho!.
92. S. olaviconiis Scop.
Fauv. Faun. G. Rh. p. 24a.
Indique parmí les staphylins que Mr. C. v. Volxem a pris
en Portugal.
593. S. luno F.
Fuuv. Faun. 6f. Rh., p. 246.
Guarda !.
594. S. ater Manh.
Fauv. Faun. fif. Rh., p. 247. ^
Tavira! (G. v. Volxem!), Aveiro (L. v. Heyden!).
595. S. gallious Fauv.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 248.
Je possède deux individus sans que je puisse detenniner
la localite ou je les ai captures.
L
|S3
596. 8. mendious Er.
Erichion Gen. et, Sp. Staph,^ p. 702.
Cette espèce a été décrite par Erichson d^après les exem-
plaíres que mr. Hoffmannsegg a pris en Portugal.
597. S. bnumipes Stepli.
Fauv. Faun. G. Rh.j p. 265.
Espinho!.
598. S. EdmiUs Herbst.
Fauy. Faun. Q. Rk., p. 267.
Espinho I, Guardai, Serra de Rebordaos!.
599. S. (dolxideloldes Sohall.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 268.
Coimbra!.
600. S. canescens Rosenh.
Fauv. Fdun. 6. Bk^ p. 270.
Espinho I.
601. S. iBJisraldus Er.
Fauv. Faun. 6. Rh., p. 276.
Espinho!.
602. S. flaTipes Stepli.
Fauv Faun. G. Rh»f p. 278.
Espinho!.
603. S. cordatus Orav.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 278.
Bussacol, Azambuja (J. Antunes!).
i
l34
604. S. aerosns Er.
Fauv, Faun. G. Bh.^ p. 282.
Guarda!.
605. S. impressas Oerm.
Fauv, Faun. G. Rh. p. 283.
Douro I, Espinho!.
606. S. ossium Steph.
Fauv. Faun. G. AA., p. 284.
Vizellal, Espinho!.
607. S. fosoioomis Er.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. 287.
Du Portugal, d'après Mr. Fauvd.
608. S. Eriolisoiii Rye.
Fauv. Faun. G. Rh.y p. 289.
Vizellal.
OXYTELINI
Qkvsb BLEDIUS MANNEBHBIK
609. B. taurus Oerm.
Fauv. Faun. G. 7Ç*., p. 190.
Monchique (C. v. Volxem!).
610. B. tinioomis Gtorm.
Fauv. Faun. G. T^A., p. 192.
Aveiro (L. v. Hcydenf).
611. B. Oraellsi Fauv.
Fauv. Faun, G. Rh,, p. 194.
Espinho I, Aveiro (L. v. Heyden I).
í35
612. B. speotabills Kr.
Fauv, Faun. G. Rh., p. lo.
Avdro (L. V. Heydcn !).
613. B. verres Er.
Fauv. Faun. G. *lik^ p. 196.
Aveiro (L. v. íícyden !).
614. B. fossor Heer.
Fauv. Faun. Q. Rh.., p. 197.
Mentionné da Portugal par Mr. Fauvel.
615. B. hlspidulns Fairm.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 199.
Aveiro (L. v. Heyden !).
GuBB PLATTSTETHUS MÀMKBBHEIM
616. P. comutas Qyll.
Fauv. Faun. 6. Rh., p. 181.
Azambuja (J. Antunes!), Monchique (C. v. Volxem!).
617. P. spinosus Er.
Fauv. Faun. Q. Rh., p. 182.
Azambuja (J. Antunes !)•
618. P. nodifrons Sahlb.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p. i83.
Aveiro (L. v. Heyden !).
619. P. nitens Sahlb.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 184.
Coimbra !, Aveiro (L. v. Heyden !)•
i36
■ OXTTBLUS GBATOBIHOBST
620. O. sonlptos Orav.
Fâtiv. Faun, C, M., p. 169.
Guarda!, Farol, Monchique (C. v. Volxem!).
621. O. Inustos Qrav.
Fauv* Faun, 6. Rh., p. 170.
Faro !, Alcantarilha (A. E. M. OrtígSo !).
622. O. sonlptoratas Qrav.
Fauv. Faun, G. Rh,^ p. 171.
Bragança I, Leça !, Guarda ! (L. v. Heyden I), Coimbra f ,
Espinho I, Felgueira!.
623. O. nitidiilus Qrav.
Fauv» Faun. 6. Rh.j p. 171.
Coimbra 1 (C. v. Volxeoi!), Espinho!, Vizella!,
(L. V. Heyden !).
624. O. speoulifirons Eraatz.
Fauv. Faun. G. 7?A., p. 173.
Bussaco !, Coimbra !, Espinho.
625. O. tetraoarinatus Blook.
Fauv. Faun, G. Rh.^p. 176.
Felgueira!, Vizella!, Cêa! (L. v. Heyden!).
Qmnm HAPL0DBBU8 8TBPHBN8
626. H. oaelatus Orar.
Fauv, Faun» G. Rh., p. 161.
Felgueira I;
(OtnMnúa). MaNOEL PaUUNO DE OUYBIRA.
i37
DOCUMENTOS
ENVIADOS AO PARLAMENTO E Â IMPRENSA DO PAIZ
A Sociedade de Instrucção do Porto vem sollicitar um
momento a vossa attencão para um asssumpto que nos parece
digno do vosso exame.
Ao Parlamento, que já uma vez nos deu clara prova do
interesse com que acompanha os nossos trabalhos, vamos pedir
a resolução de uma questão, da qual depende o futuro da nossa
Sociedade.
Ha muito que ella procura fundar uma casa própria, um
asylo seguro, que a ponha ao abrigo de dificuldades, que au-
goientam á proporção que a sua actividade se alarga. D'este
modo, ou o remédio é prompto ou o animo desfallece, porque
do trabalho não se tira conforto, porque duplicar o esforço não
éj n'este caso, progredir, é apenas accumular os obstáculos;
porque não ha ar, nem campo para os obreiros que acodem ao
nosso appello.
Não pôde uma associação, que apenas se sustenta da mo-
desta contribuição mensal de Soo reis, paga pelo sócio, deixar
de recorrer ao Parlamento em semelhante caso, e apesar de se
tratar de um auxilio que não reclama sacrificios do thesouro,
mas tão somente da concessão de um terreno para a sua futura
casa, a Sociedade não se atreveria a sollicital-a, se não podesse
provar, de um modo evidente, que não é indigna do beneficio,
qu« pede em nome dos elevados interesses que representa.
O resumido quadro da nossa vida social, em dous annos,
£al)a claro a este respeito. Por clle podereis, Senhores, reconhe-
cer facilmente que não é sem fundamento que alludimos a ele«
vados interesses, que sollicitamos a vossa protecção para uma
causa que é de todo o paiz, que é a do futuro. Por esse quadro
podereis concluir o que faremos, quando já não tivermos de an-
-dar em romaria por casa alheia, soffrendo pezadissimos encar-
gos, que absorvem uma parte considerável dos nossos mingua-
dos recursos, arriscando, alem d'isso, objectos de valor, que
fbrann dados generosamente para serem vistos e ap^reciados.
Já S. M. El-Rei, convencido da lealdade das nossas in-
tenções e dos serviços que temos prestado á causa da instrucção
nacional, se dignou ultimamente conceder-nos no Palácio Real
do Porto abrigo para uma parte das nossas collecções, os the-
souros da olaria popular; outra parte anda dispersa pelas casas
BXnSTA DA SOCIKDADX DX mSTRUCÇlO DO PORTO. 10
i36
de vários sócios, e só um pequeno grupo de objectos pôde ser
exposto. Mas estamos chegados a um limite extremo ; não ha
mais campo« Nâo é possível a fundação do Jardim de infância,
em projecto, e ofãcialmente protegido pela exc.™* Junta Geral
do Districto e pela exc."^ Camará Municipal. Falta a Escola ele-
mentar de artes e officios, faltam as suas officinas, que não podem
ser creadas sem terreno apropriado. Já nem as suas conferendas
pódé a Sociedade realisar na antiga sala, por falta de espaço !
Até aqui temos trabalhado por merecer a confiança de
uma grande cidade, que está habituada a exigir obras por pa-
lavras. Queira o Parlamento offerecer-nos occasião para con-
tinuar na dura prova, e come elia é e será publica, não ha para
nós senão uma sahida : ou progredir, ou abdicar.
Porto, 3i de janeiro de i883.
A DIRECÇÃO,
^Dr. José Fructuoso Ayres de Gouveia Osorío,
Presidente.
Joaquim crA:{evedo Albuquerque,
Vice-presidente.
Joaquim de Vasconcellos,
Secretario geral.
Tito de Noronha,
Vice-secrctario geral.
A COMMISSÃO DA CASA,
Conde da Silva Monteiro,
Visconde de Barreiros,
Guilherme Clavel,
Henrique Carlos de ^leirelles Kendall,
* Thomai Joaquim da Silva,
m Visconde de Alves oM achado, ^
Ricardo Pinlo da Costa,
Dr. José Augusto Correia de Barros,
José de ^Macedo Araújo Júnior,
Isaac Newton,
Q/íntonio Manoel Lopes Vieira de Castro,
QÁntonio Simões Lopes.
1 Os membros da Commissão da casa^ marcados com uma « não
assignaram por estarem ausentes do Porto.
i39
I
FUNDAÇÃO DA SOCIEDADE
A fundação teve logar em fevereiro de 1880, com 145
>• (Revista, i, p. 44). Em íins de 1882 tinha 337 sócios.
{Rev,, III, p. 41).
II
EXPOSIÇÕES
Realisou em 1881 duas; em 1882 quatro. Total sds, em
dous anQOs./Sem subsidio, salvo na 6.* Annunciadas para i883
três: Ourivesaria nacional. Industrias caseiras (repetição) e
Tecidos nacionaes.
Julho de i88í. — 1.* Exposição dos modelos de gessos do Ly-
ceu do Porto de i5 a 23 de julho de 1881.
Vieram por intervenção da Sociedade. Entrada gratuita. *
(Rev,, I, p. 268).
Outubro de 1881. — 2.* Exposição de Historia natural de 16
de outubro a 3i de dezembro de 1881. (Rev,, i, p. 277). A
2 ' de dezembro SS. MM. e AA. honram a exposição com
A SOA VISITA E INSCREVEM OS SEUS NOMES NO LIVRO DA SOCIE-
DADE.
Entradas cerca de 10:000; foram pagas 5:209, e as res-
tantes gratuitas. <
Receita ggS^íSSo. Despeza 674^55. Saldo 3i9fSÍ295.
Percentagem paga ao Palácio de Crystal 196^91900 réís
20 ®/o). (Rev,, II, p. 36).
Março de 1882. — 3.* Exposição de Camélias em Lisboa de 11
a i3 de março de 1882.
1 o Palácio de Crystal cobrou todavia a contribuição usual da en-
trada^ no jardim, á senaana 20 réis^ ás quintas- feiras e dias santificados 5o
réis por cada pessoa.
' Aos expositores não foi concedida pela direcção do Pa}acio de
Crystal a entrada gratuita que a Sociedade de instrucção solhcitou. Os bi-
lhetes gratuitos, distribuídos pela Sociedade, pagaram, portanto, á porta de
entrada do jardim a contribuição usual de 20 réis á semana e 5o réis ás
quincas-íeiras e dias sanctiíicados, por cada pessoa. Esta contribuição cons*
ntue pois uma receita supplementar, que se deve addicíonar aos 196II900
réis. A Direcção isemptou da contribuição» a pedido, apenas os estabeleci-
mentos de caridade.
I40
Receita 370ÍSI700. Despeza 383^o. Deficit i3fia6o. (Rcp.,
II, p. 377).
Abril de 1882. — 4.' Exposição dedicada ao Centenário de
Froebel a 22 de abril de 1882. Material do Jardim da In-
fanda; ensino elementar profissional Litteratura frosbe-
liana. Entrada gratuita ^ apesar da despeza da exposição
importar em 230^)495.
Maio de 1882. — 5/ Exposição de Industrias caseiras de 14 de
maio a 18 de junho de 1882.
Receita 8o3^455. Despeza 789^9(900. Saldo i3i$555.
Percentagem paga ao Palácio db Crystal io5^520 réis
(Rev., II, p. 378). «
Outubro de 1882. — 6.* Exposição de cerâmica nacional de 22
de outubro a 26 de novembro de 1882.
Entradas 27:000, sendo gratuitas cerca de 20:000. Re-
ceita 1 1833^91460, incluindo 3oo4k>oo réis dados pelo Governo
para prémios. Despeza 2:287^9(840. Deficit ^Z^l^o réis.
Percentagem paga ao Palácio de Crystal 3oi^65o rém
(Rev., Ill, p. 95 a 96). *
PROVA PRACTICA das EXPOSIÇÕES
Na exposição das industrias caseiras a Sociedade conse-
guiu chamar ao Porto rendeiras de Villa do Conde, Vianna do
Castello e Peniche, que trabalharam nas suas almofadas du-
rante duas semanas, sendo-lhes paga a viagem e o trabalho, e
hospedadas em casa dos sócios. (Rev,, 11, p. 609).
Na exposição de cerâmica houve trabalhos practicos dos
^ O Palácio de Crystal cobrou todavia a mesma contribuição, indi-
cada supra, dando, a pedido, entrada gratuita aos collegios.
' Esta verba decompõe-se do seguinte modo: A. 10% sobre 623|la8o^
réis, de entradas, cobradas á porta do Jardim do Palácio (além da contri-
buição usual de 20 réis á semana e de 5o réis por cada pessoa ás quintas-
feiras e dias sanctiíicados, que é receita supplementar). 13. 35 ^/q sobre
123^400, cobrados á porta do jardim, no dia da distribuição solemne dos
prémios aos alumnos dos collegios. N*este dia (sanctificado) o Palácio não
cobrou^ porém dos visitantes, os 5o reis da contribuição usual e deu, a pedi-
do, entrada gratuita aos colírios.
' N'esta ezposifão o Palácio não cobrou a contribuição usual, mas
em compensação a Sociedade teve de lhe ceder de cada entrada paga 15^»
á semana, e 25 <>/• "os dias sanctificados. O Palácio deii, a pedido, entrada
gratuita aos expositores, operários e estabelecimentos de caridade, cobrando
porem de todos os outros bilhetes gratuitos, distribuídos pela sociedade, a
contribuição usual, que constituiu receita supplementar aos 3oif65o reis.
J
141
oleiros do Porto e arredores oos dias, i, S, 12 e 19 de novem-
bro (Rep^, II, p. 680).
Na exposição do centenário de Frcebel houve prova pra-
tica, executada pelos aiutnnos do coUegio do snr. dr. Pedro
Roxa, nosso consócio.
III
CENTENÁRIOS, CONGBESSOS, ETC.
37 de abril. 1880. — Recepção dos snrs. Brito Capello e R.
Ivens, com assistência do snr. Serpa Pinto. A sessão so-
lemne teve logar na sala da Sociedade, e o banquete foi
custeado pelos sócios.
I de outubro. — Congresso de anthropologia e archeologia pre^
histórica.
A recepção, o banquete e inclusive a hospedagem de to-
dos os illustres membros, nacionaes e estraiigeiros, do con-
gresso foi feita á custa dos sócios. ^
22 de abril. 1882. — Centenário de Frederico Frcebel. Foi a
Sociedade que tomou a iniciativa na celebração doeste cen-
tenário, promovendo a Primeira exposição completa, por-
TDGUEZA, do material do Jardim da Infância, do ensino ele-
mentar profissional e da litteratura froebeliana. Publicou
também a Vida de Frcebel do snr. Rodrigues de Freitas,
consócio. Organisou conferencias e publicou os planos e or-
çamentos de um jardim modelo n'um Relatório especial de
40 pag., pedido officialmente. (y.T(epista, vol. ii). Os alum-
nos do collegio do nosso consócio snr. dr. Pedro Roxa fi-
zeram no dia 24 de abril uma prova practica, publica, dos
trabalhos do Jardim da Infância.
b de Maio. — Centenário do Marque:^ de Pombal. Associou-se
ás lestas da commissão académica e publicou estudos espe-
ciaes, históricos, sobre a época pombalina. (V. a Revista,
pag. 271-298).
19 de novembro. — Congresso ae olaria nacional. Programma
desenvolvido de discussão, {Rep., 11, p. 577).
a 3 de dezembro. — Fundação de um Curso de desenho e oio-
delação para os oleiros do Porto, com prémios da Socie-
dade.
^ N*estas solemnidades o Palácio de Crystal teve o lucro de i66|;45o
e a nossa Sociedade a despeza de 364^400. Somma das despesas para a So-
ciedade 43of 85o.
143
IV
CONFERENCIAS ^
28 de outubro. 1880. — Snr. Theophilo Braga: Sobre a for-
mação da litter atura portugue^^a.
20 e 22 de Abril. 1881. — Snr. Adolpho Coelho: Sobre a edu-
cação em geral, e especialmente sobre a educação portu^
gueza e suas tradições.
8 de julho. — Snr. Pinheiro Chagas: Sobre os caracteres es-
senciaes da civilisaçâo portuguesa.
22 de outubro, — Snr. Consiglieri Pedroso : Sobre o ensino da
historia.
7 de janeiro de 1882. — Snr. Agostinho de Sousa: O calor.
17 de janeiro. — Snr. Dr. Manuel de Jesus Antunes Lemos:
A circulação do sangue no corpo humano.
2 1 de janeiro. — Snr. Dr. Leonardo Torres : O futuro com-
mercial da Africa.
28 de março. — Snr. Bento Carqueja : Os progressos da ele-
ctricidade.
4 de abril. — Snr. Barão d'Astre de Landsberg: Sobre a cul-
tura da vinha.
21 de abril. — Snr. Joaquim de Vasconcellos : Conferencias do
Centenário de Frosbel, de 2 1 a 26 de abril.
Primeira conferencia, i.' parte: A vida de FrcebeL 2.*
parte : Analyse dos sysiema em geral, e seus concorrentes.
22 de abril. — Segunda conferencia. O systema em especial —
As dadivas, Gaben n.®* i a 16.
24 de abri). — Terceira conferencia. As occupações, TBesckaf-
tingungen n.°* 1 a 12.
26 de abril. — Quarta conferencia, A educação materna e a sua
ligação com o jardim da infância; o jardim e a escola po-
popular; o jardim e a ofiBcina.
26 de abril. — Snr. \! acedo Araújo Júnior: Analyse do Jardim
da Infanda, projectado sob o ponto de vista technico da
construcção.
i Todas as quatorse oonferencias foram gratuitas pela Sociedade
cobrando porem o Palácio 20 reis por pessoa em «cada uma.
143
TRABALHOS DO CONSELHO SCIENTIFICO
a,) Propostas discutidas
i5 de fevereiro. 1881. — Organisação do ensino primário. O
ensino primário e o exame de admissão. Proponente J. Ed.
von Hafe.
i5 de maio. — Proposta relativa ao livro de leitura na aula
primaria. Proponente o mesmo.
Junho. — Proposta sobre a reforma da orthographia portuguesa.
Proponente o dr. J. Batbosa Leão.
4 e 28 de novembro e 7 de dezembro. — Programma do con^
gresso das associações portuguesas, em Lisboa. .
Resposta aos quesitos por J. J. Rodrigues de Freitas e Joa-
quim de Vnsconcellos.
Sobre o estado das associações, sob o ponto de vista moral
e económico ; relações com o eovemo ; posição juridica; a as-
sociação e a educação nacional. (Freitas).
Sobre o ensino profissional, por parte das associações e do
estado. (Vasconcellos).
I de fevereiro. 1882. — Proposta relativa á Reforma da instruc*
ção secundaria. Proponente J. Ed. von Hafe.
1 de março. 1882. —Projecto da reforma de instrucção secun-,
daria, com um extenso Questionário. Proponente J. Duarte
Moreira de Souza.
JPrqjecto de organisação do ensino technicOj com apflica-
cão d escola de instrucção primaria. Proponente Joaquim de
Vasconcellos (em preparação).
4 de março. 1882. — Proposta para ▲ creacIo do Monumento
AO Infante D. Henrique, e conjunctamente de instituições
duradouras de utilidade nacional, que perpetuem a sua mC'
moria.
19 de abril. — Os consócios snrs. A. Tait e H. Murat offerecem
o mármore nacional, necessário para o monumento. {Rev. n
p. 269).
26 de julho. — Carta de lei que concede á Sociedade o bronze
necessário para o monumento ao Infante D, Henrique.
144
b.J Pareceres do eonsclho sobre livros de ensiao ^
Cartas elementares de Portugal para uso das escolas por
B. Barros Gomes. Lisboa, 1878.
Compendio de desenho linear elementar, etc, por José
Miguel d' Abreu, prefessor de desenho na Universidade de
Coimbra, 1881.
Problemas de desenho linear rigoroso (ou geométrico).
Primeira parte. Pelo mesmo auctor. Coimbra, 1880.
Q/í economia politica posta ao alcance das creanças, tra-
duzida do allemão de Otto HUbner, por Francisco d^AI-
meida. Lisboa, 1076.
Elementos de botânica, traduzidos do inglez de J. D. Hoo-
ker, pelo dr. Júlio Henriques. Porto, 1878.
Elementos de historia natural dos insectos; por João de
Mendonça. Lisboa, 1877.
Manual do Carpinteiro de mopeis e edifícios^ traduzido
por J. de Castro Freire de xMacedo. Paris, 1873.
Compendio de Geographia de Augusto Luso da Silva.
Porto, 1881.
q4 lingua portuguesa. Noções de glottologia geral e espe-
cial por F. A. Coelho. Porto, 1881.
Methodo fácil de calcular, por José Maria Couceiro da
Costa. Lisboa, 1868.
VI
CURSO DE DESENHO E MODELAÇÃO PARÁ OLEIROS
3 de dezembro. 1882. — E^ creado este curso sob os auspidos
da sociedade, no Congresso de olaria nacional. Veja-se re-
tro o § III.
4 de fevereiro. i883. — Inauguração solemne do curso de dese-
nho e modelação.
VII
CONSULTAS OFnaAES SOBRE Õ JaRDIM DA InFANCIA
Relatório sobre a organisaçSo de um Jardim da Infanda,
e projecto de construcçSo, elaborado por uma commissáo espe-
dal do Conselho sdentifico da Sodedade.
^ Discutidos e aporovados nas sessões de i e i5 de fevereiro^ a de
maio. 17 de de junho, 1 oe dezembro de 1881, i de fevereiro e i5 de março
de if^a, T. pag. 110, 104, 108 e 3x7 do vol. i e pag. 3o, 18S-191 do toL n.
145
22 de março. 1882. — Convite do Ex.*"^ snr. governador civil
do distrícto do Porto ao presidente da Soaedade.
27 de março. — G>nvite do Ex."® snr. presidente da commissão
executiva da Junta geral do Distriao do Porto ao presidente
da Sociedade.
3i de março. — Conferencia dos representantes da Sociedade
com o Ex."^ snr. governador civil, presidente e delegados
da junta e delegados da Ex.*"* Camará municipal.
i3 de abril. — Apresentação do plano pedagógico è do projecto
de construcção, com os orçamentos do futuro jardim, pela
commissSo da Sociedade.
VIII
BIBLIOTHECA
Consta hoje de perto de 1 :ooo volumes, relativos princi-
palmente á instrucção publica, que estão devidamente catalo-
gados.
IX
GABINBTE DE LEITURA
OCTerece uma numerosa collecção de jornaes e revistas
nacionaes e estrangeiras, escolhidas, e alguns muito importan-
tes, scientificosy sem encargo para os sócios, por simples troca
com a sua jRevista. Em março de 1881 a lista accusava 83 (v.
Heptsia, I, pag. 1 11-112). Um anno depois, março de 1882, o
numero subia a 161 (v. Revista^ vol. ii, p. 210), e presente-
mente ascende a 170. Por falta de espaço só esiá exposta ama
parte.
REVISTA DA SOCIEDADE
O nosso órgão tem conquistado bom nome dentro e fora
do paiz. A prova está na cifra das publicações nacionaes e es-
trangeiras, que trocam com a nossa Revista, (v. supra). O i.**
vol (1881} contra 418 pag., uma gravura e um mappa; o 2.®
volume (1882) 696 pag., além de 40 pag. do Relatório sobre o
Jardim da Infância com uma phototypia, e duas lithographias.
A collaboração doestas i:i54 paginas foi absolutamente
gratuita.
146
A Repista é mensal, e custa para os sócios 1^200; oio
sócios 2^2bo reis.
XI
MCSEU
São ]i muito numerosas as collecções da Sociedade. Mes-
mo antes da organisação do Museu de cerâmica nacional^ que,
só per si, occuparia duas grandes salas, não havia lo^ar para
as collecções de mineraes, collecção zoológica e collecções peda-
gógicas do Jardim da Infância^ as quaes foi necessário deixar
depositadas parte no Palácio Real, por concessão de S. M» El-
Rei, parte em casas particulares, por favor de vários sócios.
JORNAES E REVISTAS DO GABINETE DE LEITURA
(SêfundA Ibta t. toI. i, pag. IIS)
A « designa os jomaes que a Sociedade assignou
PORTUGAL
Barccilos — O Tirocínio.
Bouças — O Campeão de Bouças.
Braga — A folha de Braga.
Coimbra :
A Evolução (Rev.)
O Zé Pereira.
Revista scientifíca e litteraría.
Évora — O Manoelinho.
Figueira da Foz — O Commercio da
Figueira.
Echo da rigueira.
Funchal — O Açoriano Oriental.
Lisboa :
A Correspondência de PortugaL
O Diário do Governo. •»
Gazeta da Noute.
O Mandarim.
Revista d'Ethnolo^a e Giotrologia.
J. dos Funccionanos de Obras Pu-
blicas.
Revista de Obras Publicas e Minas.
A Era Nova (Rev.)
Jornal Official de Agrícaltura.
O Zoophilo (Rev.)
Archivo municipal.
Jornal de ^ciências mathematicas,
physicas e naturaes.
A Lanterna.
A Era Nova.
Oliveira de Azeméis — O Oliveirense.
Porto :
O Commercio do Porto.
A Folha Nova.
Dez de Março.
O Norte Republicano.
A Alavanca do Trabalho.
O Joven.
Bibliographia Portugueza e Estran-
geira.
O Positivismo (Rev.)
O Commercio Portuguez.
O Primeiro de Janeiro.
A Actualidade.
A Arte Portugueza (Rev.)
Regoa — A Locomotiva.
Valença — O Noticioso.
COLÓNIAS
Angola :
Eccho de Angola.
Gazeu de Angola.
Goa — Gazeta de Bardez.
Mapu^ (Nova Goa) :
O Imparcial.
A pátria.
147
Loanda :
Boletim do Posto Meteorológico.
Jornal de Loanda.
Mossamedes— Jornal de Mossame-
des.
S. Thonaé e Príncipe — Boletim ofii-
ciai da Província de S. Tho-
mé e Príncipe.
BRAZIL
Rio de Janeiro :
O Facho da Civilisação.
A Tribuna Portugueza.
Revista Mensal da Sociedade de Geo*
graphia de Lisboa no Brazil.
O Progresso.
O Campeão Lusitano.
Boston (Estados Unidos) — A Civi-
lisação.
HESPANHA
Barcelona — La Mosca (jornal saty-
rico).
Madrid :
Boletin de la Institucion Libre de
Enseilanza.
£1 Estandarte.
Revista de la Sociedad Económica
Matritense.
Revista de Topografia, Agrimensura
y Catastro.
OUTROS PAIZES ESTRANGEIROS
Borda (Dax) — Revue de la Société
deB.
Bordéus — Bulletin de la Société des
sciencies physiques et natu-
relles.
Bruxellas — Bulletin de la Société
Royale malacologique de Bel-
gique.
Florença — Rivista scientifíca indus-
triale e giornale dei natura-
lista.
Lyon — Annales de la Société Bo-
tanique.
Nimes — Bulletin de Ia Société d'étu-
des des sciences naturelles.
Paris :
Revue de Tenseignement secondaire
spócial.
Revue internationale d'enseigne-
ment. «
Revue bryologique.
Rochefort —Bulletin de la Société de
Géographie.
Tarn et Garonne — Bulletin ai chéo-
logique de la Soe. de T. et G.
Contém esta segunda lista ....
» a primeira lista 83
Total i33
(i de
(i de
70 (i de abril de x88xi
abril de 1882)
No próximo numero de abril publicaremos a terceira
lista, até á presente data, que contém mais uns 10-20 jornaes
e revistas. Isto prova, pelo menos, o credito que a nossa Re-
vista tem adquirido dentro e fora do paiz.
CONSELHO SCIENTIFICO
PARECER
Approvado por unanimidade em sessão de 3 de janeiro
OoBKBUO Hbpos, «uoUdo poT J«llo Monif» ^ PoTto, ItTimrlft «alienai da XsfalUUt *
XoBl% «ditorM, 18at~8.*d« YI — 18S — 4pMr.
Saudamos n^este livro uma nova e feliz tentativa para
aproveitar para as escolas portuguezas as esmeradas edições dos
148
clássicos antigos feitas no estrangeiro por homens distinctos coaio
philologos e pedagogos. O auctor do presente livro, como escla-
recido professor e experiente conhecedor das circumstancias e
necessidades das nossas aulas, guiou-se nas suas annotações pe*
los importantes trabalhos de Siehelts e especialmente pelos de
Nipperdey, cuias edições de Com. Nep. e Tácito, publicadas na
collecção dos clássicos antigos da casa Weidmann em BerHn
sSo obras magistraes. A presente edição portugueza, que nem
pecca por falta nem por excesso, será para o estudante applicado
um fiel amigo que lhe prestará auxilio nas difiSculdades, deixan-
do-lhe comtudo bastante campo para esforços próprios. Agra-
dam-nos muito as referencias aos diversos paragraphos da tra-
ducção portugueza da excellente grammatica latina de Madvtg,
que chamam a attenção do estudante para as particularidades
da dicção latina e co.uribuem assim efficazmente para lhe dar
um conhecimento mais intimo da grammatica. Desejamos que
o exemplo dado pelo illustre professor tenha frequentes imita-
tadores entre os seus collegas. Ha algumas erratas, sobretudo
nas citações de Madvig, mas de certo desapparecerão n^uma
nova edição. Agradecemos finalmente o serviço qúe o illustre
professor prestou ás escholas, e rogamos que não iios taça
perar por muito tempo pela promettida edição de Virgílio.
J. Eduakd von Hafb.
EXTRACTO DO NOSSO ARGHIVO
(OoBtbiaaçio, t. toI. n, p«f . 100)
3 de fevereiro — Reunião ordinária do conselho sdentiãco.
Apresentação do manifesto ao publico para a elevação do mo-
numento do infante D. Henrique.
4 de fevereiro. — Inauguração da escola de desenho e aio-
delação.
11 de fevereiro. — !.* reunião da assembléa geral para
discussão da reforma dos Estatutos.
1 5 de fevereiro. — Reunião ordinária do conselho scienti-
fico. Discussão da proposta do snr. Moreira de Sousa, relativa
á Reforma da instrucção secundaria, (continuação).
24 de fevereiro. — Reunião da commissão especial de oa«
rivesaria.
Dos trabalhos da sociedade, ou da sua iniciativa, du-
149
rante o mez de fevereiro, ha a especialisar a inauguração da
' escola de desenho e modelaqfto, com applicaçSo ás industrias
cerâmicas, e a reunião e deliberação da commissão de ouri-
vesaria.
Por occasião da exposição cerâmica o congresso de donos
de fabricas de olaria, reunido por iniciativa da sociedade, deli- .
berara instituir uma aula de estudo profissional, prestando-se o
snr. António Almeida da Costa, um dos donos da fabrica das
Devezas, a ceder casa p^ra a aula, offerecendo-se o sócio da
mesma, o distincto escuiptor José Teixeira Lopes, para professor
da nova aula. Procedeu-se rapidamente á applicação de uma das
casas, dependente da fabrica, convertendo-a em escola ; estabe-
leceramse estantes aos lados, ao longo das paredes e ao centro;
as paredes revestiram-se de modelos, representando o que ha de
mais selecto na historia da arte: uma aula mode&ta, mas gran-
diosa pelo fim a que se destina e é de esperar dê grandes resulta-
dos práticos. A inauguração effectuou se no dia 4, presidindo á
cerimonia o snr. Joaquim de Vasconcellos, tendo por secretários
o snr. Administrador do concelho o bacharel António Joaquim
dos Reis Castro Portugal, e o vice -secretario geral da Sociedade
Tito de Noronha, estando presentes algumas senhoras, alguns só-
cios, membros da imprensa, um camarista, diversos membros do
congresso, vários indivíduos da localidade e operários obreiros
de diversas fabricas. O snr. presidente explicou os fins benéficos
que á industria cerâmica podem advir da nova instituição, pondo
em relevo a decadência da industria por falta do estudo profis-
sional; historiou os esforços feitos pela Sociedade de Instrucção,
lembrando a conveniência de se exporem, periodicamente, os
estudos dos alumnos da escola, como galardão dos que me-
lhor applicação mostrarem e incentivo para todos, e affirmou
ainda que áquelles se devem conceder prémios, para o que a
Sociedade não deixará de concorrer, não porque lhe superabun*
dem os meios, mas porque se não recusa a esforçar-se para
concorrer, tanto quanto poder, para o desenvolvimento d'esta
utilíssima instituição. Ainda usou da palavra o snr. António
Simões Lopes, inspector de instrucção primaria n'esta circum-
scripção e nosso consócio, o qual incitou os artistas ao estudo
e dedicação pelo trabalho, únicos meios de se elevarem do es-
tado de decadência e atrophia moral em que £[eralmente se en-
contra esta classe. Finda a sessão, os iodividuos presentes as-
signaram a aaa, inscrípta no livro de honra da Sociedade.
Poucos dias depois estavam inscriptos mais de go operários.
A reunião da commissão especial de ourivesaria reuniu -se
i5o
sob a presidência do snr. dr. José Augusto Corrêa de Barros,
tendo por secretários os snrs. Albino G>utinho Júnior e Joaquim
de Vasconcellos. Leu se o esboço do programma* e uma carta do
snr. Simões d^ Almeida, secretario da Associação dos ourives de
prata de Lisboa, participando haverem os seus collegas oíferecído
as salas da Associação á commissão do Porto para os trabalhos
que alli tenha a efiectuar, promptificando-se ainda a Associação
a concorrer com qualquer quantia necessária para a realisação
doeste certamen. A commissão, que recebeu esta communicaçSo
com summo prazer, deliberou agradecer, e convidar a Associa-
ção de Lisboa a eleger uma commissão auxiliar da do Porto.
Foram propostas as commissões auxiliares de Braga* Guima-
rães, Aveiro e Coimbra, pomo terminal sul onde a commis-
são entendeu que deve terminar a coUeccionação dos objectos
d^arte nacional retrospectiva. Antes de aberta a sessão, o snr.
presidente da Sociedade, dr. José Fruciuoso Ayres de Gouvêa
Osório, informou estarem resolvidas todas as duvidas relativas
ao local onde se terá de effectuar a exposição.
Na reunião ordinária do conselho scientiíico de 3, foi apre-
sentado pelo snr. secretario geral o esboço para o manifesto ao
publico a propósito do monumento do infante D. Henrique.
Não se discutiu o questionário da Reforma da instmc-
ção secundaria por não estar presente o auctor d^elle, resol-
vendo-se, antes de ultimar os trabalhos, que o snr. presidente
ficasse encarregado de conferenciar com as presidências da ex.°^
Camará* Associação Comniercial e Associação Humanitária,
visto que a erecção do monumento não era uma manifestação
privativa da Sociedade, mas do paiz, e especialmente do Porto,
onde o infante-navega dor nascera.
O snr. secretario geraU Joaquim de Vasconcellos, poz em
parallelo os resultados pecuniários que das exposições promo-
vidas pela Sociedade tem advindo a esta e á direcção do Palá-
cio, evidenciando-se que a Sociedade perdeu, monetariamente
fallando, emquanto que o Palácio recebeu integralmente as suas
percentagens.
O snr. Von Hafe leu e parecer (v. pag. 147, sobre o livro
do sócio o snr. Júlio Moreira Cornelius Nepus, edição annotada;
parecer que foi approvado por unanimidade.
O snr. Von Hafe propoz a reunião da assembléa geral,
para a apreciação e discussão do projecto dos novos Estatutos ;
depois de usarem da palavra os snrs. presidente, secretario ge-
ral, Tito de Noronha e Júlio Moreira, deliberou-se convocar a
assembléa para o dia 1 1 .
i5i
F(>ram participadas varias offertas dos snrs. Paulo Lau-
ret« Sociedade União Medica, dr. Augusto Rocha e Miguel de
Abreu, exemplar da 4.* edição do compendio de Desenho linear
geométrico, onde vem transcripto o parecer que o conselho
scientiíico deu sobre a edição do mesmo livro. Jornaes — a folha
democrática de Gaya^ A Mocidade e o Jornal da Semana do
Porto. Um numero do jornal Paris, onde vem um artigo sobre
a questão do Congo, remettido pela sociedade Indo chiuoise,
um numero do jornal de Londres Academy, com um artigo
muito lisongeiro para a Sociedade, a propósito da nossa expo-
sição de cerâmica. O artigo vem assignado pelo snr. Oswald
Crawford.
O snr. secretario geral pediu licença por três mezes, ac-
crescentando porém que trabalhará sempre que poder. O snr.
Presidente, em nome do Conselho, agradeceu ao snr. secreta-
rio geral os seus alevantados serviços e espera que o me>mo
senhor continue a auxilial-o nos seus trabalhos.
Sessão de 1 5 de fevereiro. — Sob a presidência do snr.
José Fructuoso Ayres de Gouvêa, foram participadas oífertas
dos snrs. dr. Agostinho António do Souto, Sociedade Nova
Euterpe, Banco Nacional Ultramarino, e do snr. Pereira Caldas,
de Braga.
Foram approvados sócios os snrs. José Maria de Mello
Monteiro, dr. Arthur Ferreira de Macedo, Frederico Ayres de
Gouvêa, e dr. António Augusto de Carvalho Monteiro, de Lis-
boa, correspondente.
Foi lido um officio di Camará Municipal de Thomar, pe-
dindo para a sua bibhoiheca a Revista da Sociedade, resolvendo
o Conselho que se lhe mandasse. Também foi lido, c reservado
para ulterior resolução, um officio do snr. secretario geral da
Sociedade, Joaquim de Vasconcellos, a propósito do Proiectj
de organisação do ensino technico com applicaçã ás escolas,
lembrando a conveniência de se imprimir a traducção por elle
fdta e publicada na Revista.
Antes da ordem da noite o snr. Joaquim d^Azevedo Albu-
querque pediu informações sobre a correspondência entre a pre-
sidência da Sociedade e a Direcção do Palácio de Crystal, in-
formações que lhe foram dadas pelo snr. presidente ; o snr. Al-
buquerque não se dando por satisfeito, propoz que novamente
SC oficiasse á Direcção do Palácio, usando ainda da palavra e
a propósito do incidente, mais os snrs. Moreira de Sousa, Raws,
Von Hafc e Tito de Noronha.
Tendo o snr. presidente de retirar-se por um motivo im-
l52
previsto, o snn vice-presidente, JoaQuim d'Azeveda e Albu-
querque, tomou a presidência.
Foi approvada por unanioúdade a proposta do sor* Al-
buquerque'.
O vice-secretario geral, Tito de Noronha, panicipou ha-
verse inaugurado no dia 4 a escola de desenho e modelação
com applicação ás industrias cerâmicas.
Entrando-se na ordem da noite, questionário -acerca da
instrucção secundaria, quesito n.^ 2, usaram da palavra os snrs.
Von Hafe, Moreira de Sousa e Joaquim de Albuquerque, sendo
votada a resposta ao quesito, formulada pelo snr. Moreira de
Sousa, — que a educação «Deve abranger a cultura litteraria e
scientifíca de modo que a relação do tempo exprima accentisa-
damente a superioridade que a segunda cultura tem sobre a
primeira. D
Ambas as sessõe< terminaram ás 1 1 horas da noite.
No dia II, sob a presidência do presidente da Sociedade
o snr. dr. José Fructuoso Ayres de Gouvêa e secretários os
snrs. Joaquim de Vasconcellos e Tito de Noronha, reuniu
a assembleia geral para serem discutidos os novos Estatutos. O
snr. presidente, antes de encetar os trabalhos, disse que o art.
12 dos Estatutos em vigor só concedia voto aos sócios funda-
dores; mas que sendo pelo novo projecto de Estatutos esse di-
reito concedido também nos outros sócios, resolvera a mesa
convidar para a discussão todos os soçios sem distincção de
classes ; visto que se tratava de reformar a lei orgânica da So-
ciedade a todos se deveria conceder o direito de discussão e
voto. Ós sócios fundadores presentes acceitaram este alvitre, fi-
cando resolvido que todos os sócios podessem entrar na dis-
cussão da nova lei.
Na discussão tomaram parte a mesa, e os snrs. Joaquina
de Azevedo e Albuquerqtse, Eduardo Augusto Falcão, Júlio
Moreira, Simões Lopes, dr. António Maria de Senna, António
Moreira Cabral, Henrique Kendall, António Manoel Lopes
Vieira de Castro, dr. Tibério Mendes, rev. Francisco José Pa-
trício, Duarte Moreira de Sousa, Fernando Maia, dr. Albano
de Mesquita, Teixeira Machado, António Maria Kopke, Almeida '
Outeiro e Marques de Figueiredo.
A discussão foi mais demorada no § único do artigo 4.% que
foi eliminado, e no § único do artigo 10.® que foi approvado, bem
como todos os artigos antecedentes, salvo pequenas alterações.
A reunião começou ao meio dia e terminou depois das 5
horas da tarde.
3.»ANN0
X DE ABRIL DE z883
N.*4
O LYCEU DE ARTES E OFFICIOS
DO RIO DE JANEIRO
(OontiBoaçio, ▼. p«f . 118)
III
Como começaram a funccionar as aulas do sexo feminino
do lyceu de artes e officios do Rio, sendo installados no mesmo
edificio em que funccionam as aulas do sexo masculino ? Como
se movem e trabalham em boa ordem cerca de 2:000 pessoas :
1:296 alumnos do sexo masculino, 601 do sexo feminino, e 5o
professores, além dos empregados subalternos ?
Respondem a isso o bem elaborado estatuto da sociedade,
um regulamento, e um regimento do lyceu, que contem excel-
lemes providencias. Nâo é possivel anaiysar aqui essas medidas,
que teem sido ampliadas e desenvolvidas nos últimos dez annos.
Remettemos o leitor para os estudos especiaes do snr. Félix
Peneira e para os relatórios officiaes do lyceu que demonstram
com factos eloquentes as grandes vantagens d'esses capítulos
complementares. Mas ^s medidas mais acertadas, as leis mais
sabiamente calculadas, podem ficar sem effeito, sem a coope-
ração, e a concórdia de todos os elementos de uma sociedade.
N'esta parte todo o elogio que se fizer á directoria do lyceu e
ao corpo docente é pequeno e mesquinho, e fica muito aquém
do que elles merecem.
O espirito de abnegação que anima o fundador, o espi-
rito de verdadeira- /mmanfV/o^e que lhe dá novo alento todos os
dias, a energia de acção, e a f é inquebrantável n'uma idéa, pa-
rece terem passado para o corpo docente, e encherem já toda
a escola, estabelecendo aquella corrente do enthusiasmo, que cara-
cterisa a obra dos grandes reformadores, e que é o preAuqcio
das grandes transformações sociaes.
Não pretendemos de modo algum exagerar os resultados
obtidos ; temos deixado fallar as ci^as, e agora diremos que a
direcção do lyceu tem perfeito conhecimento do que falta exe-
BXTISTA DA SOGIXDADB DB INSTRUCQÃO DO PORTO. . 11
i54
cutac« dç. tQd9^. M lacunas do eQ3Íxao« £,i^io &aQ.;C«^t^,
a (iieíhor garantia para o futuro. As propostas sâo feitas nos
relatórios com a maior clareza^ quasi laconicameme. A sinceri-
dade é evidente em todas as relações do numeroso pessoal que
se move dentro da escola ; egual severidade para o discipulo e
para o mestre; as falias doeste são apontadas com o txmior es-
crúpulo (em um serviço gratuito í)^ quer seja nas aulas, quer
nas congregações ; os prémios são dados com parcimonia ; to-
dos os actos sâo publicoa, e as portas da casa estão abertas,
indistinctamente e gratuitamente a todas as nacionalidades.
O exemplo vem "de cima.
N^^estas condições não admira que a disciplina do lyceu
seja exemplar, e haja sido mantida sem rigores nem violências.
O snr, F. Ferreira cita prpvas bem eloquentes d^essa disciplina
(pag. 29 e 3o do opúsculo O lyceu de artes e officios e as au-
las de desenho para o sexo feminino^ Rio, 18S1)-
fUma visita ao lyceu de artes e officios durante as horas
de trabalho, das 6 Vi ás 10 horas da noite, é um dos espectá-
culos mais interessantes que o espirito philosophico de um pen-
sador pode observar.
«Aquelle vasto estabelecimento, ilIumina<lo por centenas de
bicos de gaz, onde para mais de mil alumno^ bebem a largos
haustos a instrucção artística, scienriScá e litteraria, semelha-se
a uma enorme colmeia regorgitando de abelhas, túmida de fa-
vos, d''onde apenas se escapa um zumbir continuo e vago, que
é o respirar d'aquellas centenas de pessoas, ás quaes o regula-
mento do lyceu mal permitte algumas trocas de palavras, de
alumno para alumno, em voz tão baixa, que mal se percebe a
pequena distancia.
cNa verdade, uma das coisas mais dignas de apreciar-se
n^essa escola nocturna é a disciplina que alli mantém na mais
restricta observância centenas de individuos de tão diversas pro-
cedências».
Se a influencia moral que semilhante espectáculo, repetido
todos os dias, exerce n'uma grande cidade é incalculável, o que
será quando o lyceu tiver montado as suas oficinas, que a es-
tas horas talvez este^m já a funccionar?
A concessão do antigo edifício da typographia nacional
foi feita expressamente para a montagem das officinas que o
regulamento antigo do lyceu já pedia no artigo 10, capitulo iit
Dos Estudos.
D'ahi em diante as reclamações a favor das offidnas tor-
nam-se cada vez mais instantes, obtem-se o edifício citado, mas
i55
faltate os nieió^ pára a reconstracçSo, compra de instrumentos e
machinas: uns ^6 cotítos^ qiie ao Jornal dó Commercio do líio
parecem facds de obtef» E recomeça a campanha) toda a im^
prensa se move e agita; trata-se da creação das ófficinas^ que
são o futuro do estabelecimeatô.
«Bastaria o lyceu poder, ao menos, montar umas bÉct-
nás de esquadria (carpintaria) de gravura em madeira, fundi-
ção de typos e encadernação, mandando vir da Europa, ou do$
Estados Unidos, mestres competentemente habilitados nas três
ultimas profissões, para dentro em pouco tirar do producto d'es-
sas oficinas o necessário, não só para a manutenção de todo o
estabelecimento, como até para o augmento progressivo da parte
pratica, creando proporcionalmente outras officínas de eguaes
resultados, taes como: de fundição de machinas, de marcena*
ria, esculptura em madeira e gesso, pintura de ornato<^, impres-
são typographica e lythographica, de chromos, etc. (O Lyceu^
1881, pag. 3i),»
O plano para o desenvolvimento da secção destinada ao
sexo feminino não é menos vasto :
cVenham pois, e quanto antes, as aulas de desenho de
ornatos, de figura, de dores e de animaes, de noções de botâ-
nica e de anatomia para o sexo feminino. Ensine-se á mulher
a trabalhar, não esse trabalho commum de costura, de cro-
chet e de bordado grosseiro; mas d^essas artes nobres e eleva-
das que inspiram e engrandecem. E seja o lyceu de artes e of-
ficios que descortine essa nova senda de prosperidade para o
paiz. Para a realisação doesta idéa de que se precisa? Apenas
de uns cincoenta ou sessenta contos, talvez? Pois é isto quan-
tia que se não pos3a obter das almas grandes e generosas, que
toilos os dias estão dando exemplos de amor á caridade e á re-
ligião, com avuhados donativos para egrejas e hospitaes?
tNão é menor obra de misericórdia — ensinar os igno-
rantes— , e os donativos ao lyceu não só preenchem esse fim,
como concorrem para o progresso e aperfeiçoamento das artes
industriaes, fontes inexhauriveis de riqueza, que entre nós jazem
inexploradas». {Ibid, p. 47).
A' parte o que o autor, snr. F. Ferreira, diz dos traba-
lhos de agulha, e que elle applica talvez só ao abuso praticado
com esse instrumento, ao dressage da mulher para esse fim ex-
clusivo, não podemos deixar de applaudir as suas idéas. Elle
diz, mais atraz, no mesmo opúsculo :
«A mulher, no Brazil, principalmente nas grandes cida-
des, só sabe governar a casa, quando a governa; desoccupada
i56
-o - - ,».,,' ^ * ■ ■ ■ . . ■■-
iDteiraipieQtc». oão podendo, muitas vezes, dar conta de traba-
lhos pesados por falta de robustez e mesmo de saúde, sobrecar-
regando, por isso mesmo, o marido com o aluguel de uma aia-
/da, apenas resta-lbe a costura vulgar, da qual tira bem mes-
fiuínhos proveitos, e, ainda assim, nem sempre encontrando
para quem trabalhe» (pag. 37}.
Depois passa em revista as occupações que poderiam dar
pão ás mulheres no Brazil, mas qualquer d'ellas exige o empre-
go de desenho, e quem sabe desenho? quem cuida d'isso? São
outras tantas perguntas que podian:os repetir em Portugal. Es-
tamos surdos e cegos, verdadeiramente cegos, a reformar aca-
demias, que andam ha cincoenta annos, desde a sua fundação,
á volta d'esse problema, em circulo vicioso, sem nunca o re-
solverem.
O snr. Rozendo Moniz, dizia no seu discurso inaugural
das aulas do sexo femenino:
cHa vinte e cinco annos (isto é em i856) que da altura
da sua competência artistica disse o illustrado Porto Alegre :
«Os espíritos vulgares consideram o desenho como arte
de luxo, ou passatempo agradável ; porém os homens que pen-
sam» as intelligencias superiores, o encaram como uma necessi-
dade para a civilisâqão, porque elle é uma revelação do pensa-
mento, a escripta universal da linguagem das formas» {Inaugu-
ração, etc» p. 26).
Pois doze annos antes (1844) doestas phrases de Porto-
Alegre, já Raczynski dizia a respeito da academia de Bellas-ar-
tes de Lisboa (que elle conhecia tão bem I):
cSe eu tivesse de propor os meios para levantar as artes
em Portugal, do seu abatimento, recommendaria simplesmente
o seguinte : Na academia, que deveria chamar-se escola de de-
senho; ensinar-se-hia o desenhem {Les c/lrts, pagina 260.)
Passaram depois d^isto quasi quarenta annos, gastos-^no
que ahi se vê.
Concluiremos com algumas palavras a respeito da parte
do edifício que foi destinada ao sexo feminino. Apesar da área
ser considerável, é impossível a frequência diária de todas as
alumnas matriculadas, que são divididas em dois turnos, em dias
alternados. A entrada no edifício é separada, e os trabalhos es-
colares executanv-se com perfeita independência para os dois
sexos.
Primeiramente encontrannos um pateo de entrada de 35
metros quadrados, depois \tmà sala de 49 metros quadrados,
que é destinada ás senhoras que acompanham as alumnas. Se-
i57
goe-se a sala de musica, medindo g8 metros quadrados, com
capacidade para .lao alumnas; depois ha duas. salas^ de 3i^ e
outra de 43 metros quadrado!^ para as aulas de gr^ttfn^k^tíi;^^
arithmetica. Ha ainda em outra direcção a aula| áé^ííòi^Aigíièiz
còoí 89 metros quadrado^, a aula de desenho pát^ál*cò^^<fò
gesso com 3g metros quadrados e, finalmente, a gi^arme^ aátá
de desenho efementar disposta em trez salas, que teeÁi '^de' áíijá
z^ metros quadrados, com capacidade para Soo alutiltiàs^^^i
] A disposição gerai das salas, corredores, etc, apropria-
díssima, é obra do fundador e architecto, snr. Bettencourt' ák
Silva. Entradas e saídas, tudo está regulado. Todas as sala^^
quer de espera (iamos esquecendo a dos homens com 42 me-
tros quadrados), quer de aulas, são servidas de reservados è
toiUties, de modo que âs alumnas nâo. precisam passar de uma
a outra sala. A mobilia foi construída expressamente e obedece
a todos os preceitos da sciencia ; foi presente dos beOfifeitòres,
assim como as pastas da aula de desenho, o harmonium da
sala de musica^ etc. A ornamentação é modesta, mas significai-
tiva, dísticos e sentenças poéticas, máximas moraes, retratos de
bemfeítores, incluindo a família imperial, que nunca abandonou
o fundador na sua campanha de vinte e cinco annos. O impe-
rador é visita regular do lyceu; apparece sem ninguém estar
prevenido, senta-se em um banco, ouve uma, duas lições e
sae com um simples aperto de mão ao professor, sem ceremo-
Dia, como entrou. O snr. Bettencourt da Silva, falla-lhe n^uma
linguagem que honra em extremo, e por egual, o cidadão cora-
joso e o chefe do estado.
O seu discurso de 3i de janeiro de 1880 diante da corte
— duas paginas e meia — é simplesmente admirável; a phrase
é singela, clara e eloquente, mas por entre as linhas transpare*
ce a profunda commoção do orador, que dias antes acabava
de dar a demissão do seu cargo. A resposta do snr. Noronha
Feital e o protesto em nome do corpo docente contra a demis-*
são do querido director, lido também diante do imperador e^ do
ministério, que a havia provocado com as suas ipprudencías,
é mais uma clara prova da independência de caraaer das pes-
soas que dirigem o lyceii. Nada de feMchismo, nada de ambi-
guidades.
Trinta e sete professores desaggravam-se perante o impe-
rador de uma iniustiça commettida pelo ministério contra o hr-
ceu — e o ministério, reconhecendo o erro, não só o emenda,
roas augmeota a dotação do lyceu em 5o por cento. E toda esta
scena passa-se n^uma sesslo magna, diante do próprio ministe*
»i58
rio, da corte, e da melbor sociedade do Rio de Janeira Se isto
succede^se entre nós, que enorme escândalo!
ff A sociedade propagadora' das beilas artes do Rio de Ja-
neiro sabe que ante o throno de vossa magestade iniperial se
tem curvado muitas vezes a hypocrisia e a adulação, para, na
baixeza do. vilipendio, beijar a mio de que espera o beneficio;
mas sabe também que vossa magestade, inteliigente, como é,
saberá distinguir d^es^a miséria a veneração e o respeito, o
amor e o sacrifício que ihe rendem os homens livres que a
constituem e representam, operários e artistas, que, em qual-
quer parte do mundo, aqui ou aili, podem encontrar o largo
chão onde lavrem e recolham a succulenta messe do pão quo-
tidiano» (Bettencourt da Silva, discurso cit.)
Devemos concluir, evidentemente, que n^este homem o ca-
racter esta á altura do talento, da energia e da acção.
Com semelhante director o lycen imperial de artes e of-
ficios irá até onde quizer ir; e da sociedade propagadora de
beilas artes, fundadora d^^esse lyceu, dirá a historia: que ella
honrou a pátria.
IV
Depois da longa exposição que fizemos antecedentemeote>
dos serviços prestados pelo fundador^ seria injustiça não recor-
dar os nomes das pessoas que mais eficazmente teem auxiliado
o snr. Bettencourt da Silva, na sua longa campanha de 25 an-
nos, a favor da sociedade propagadora de bellas-artes e da sua
escola.
Por maior que seja a energia de um reformador, por
maior que seja a sua independência e força de caracter^^ náo
pôde, comtudo fugir á acção do meio social; e esse meio favo-
receu-o.
O exemplo vem de cima, já o dissemos, e repeumol-o. O
imperador tem nos essumptos da sociedade propagadora, nas
questões do lyceu de artes e officios opinião própria ; vê e jul-
g4 do que vê; não se fia de informações, quer convencer-se
e trabalha para isso. Não se coniqnta com repetir os togares
communs, que tal ou tal ministro lhe estende diante dos otbos
na véspera de um discurso ; vae ás lições da escola, como em
tempos ia el*rei D. Pedro v ás lições do Curso superior de letras,
e senta -se no banco dos discípulo^.
A princesa imperial tomou parte activa na^foiídação das
aulas para o sexo feminino^ parte muito: sa^púiey sêguadp affir-
'i59
ma a Gaveta dct^ Tarde^ do Rio (A Imprensa^ pag* 4?]. Apçsar
das tendências ultraipontana»', que alguns attribuepi a essa se-
nhora, foi cUa qt)€in mais ajudou na. tundaqSo do futuro lyceu
para mulheres^ plantado e inaugurado no curto peripdo de sm
Um alliado de primeira ordem encontrou o fundador na
imprej^sa do Rio, como já dissemos; na questão da creação
das aulas para o sexo^ feminino disdnguiu-se principalmente a
Ga:itta de Noticias^ onde mais de 4ima penna elegante tra-
çou com enthusiasmo o elogio de Bettencourt da Silva e dos
iUustres professores que o acompanham com tanta abnega-
ção (snr. Guimarães Júnior). E' de justiça citar porém os ou-
tros jornaes : o Jornal do Commercio, o Cruieiro^ a Gaveta da
Taráey o Diário Qfficial, a Estação, o Globo, a Revista Illus-
trada^ etc. etc.
Depois do fundador, temos de mendonar os seus colle-
gas na direcção da sociedade propagadora : o presidente, sena-
dor Euzebio de Queiroz Mattoso Camará, fallecido; o dr. Do-
mingos Jacy Monteiro, 1.^ vice-presidente; o conselheiro Zaca-
rias de Góes e Vasconcellos, successor da Gamara ; os quatro
ou cinco ministros que citámos nas revistas anteriores ; os dois
secretários do lyceu snr. Barros e Quirino; os dois secretários
da sociedade propagadora ; o seu tbesoureiro snr. Roberto Dun-
lop, etc. etc, emám, um grande numero de bemfeitores da clas-
se commerdal do Rio de Janeiro.
Diga-se, ãoalmente, que tanto a sociedade propagadora
de Bdlas-Artes, como o Lyceu de artes e officios tem guardado
a mais absoluta reserva em assumptos políticos, abstendo-se de
tomar pane nas discussões e nos interesses dos partidos, que
teem perturbado mais de uma vez, profundamente, a marcha
dos negócios do império»
Uma instituição que está em contacto diário e íntimo
com centenas de operários, cairia no caos^ e cavaria rapida-
inente a sua ruína, envoivendo-se em questões politicas, que di-
videm immediatamente as forças e semeiam a disco^-dia por toda
a parte. As pesooas que main eloquentemente teem defendido os
ioteresses da sociedade propagadora e do Lyceu, são exacta-
mente as mesmas que accentuano, com maior energia, a impor-
tância £a pitai das. reformas pedagO|.ictas, em opposição áqueQes
que sá vêem, q salvaterio do paiz n# rbetorica parlamentar, e
nas reformas politicas de que essa, rlietorica ,está sempre prenhe.
o!. «Haiiccsicamínhos que- conduzem á felicidade domestica,
da q(íaAj|fiat9[>jdqfíndeia.^aadefa de uioii i^açãoj três. grandes
l '460
entradas, qaasi inoakns eatre úós, mal trilhadas pct* uHs e igno-
radas por muitos ; esses três caminhos são os que ooodusem i
*^ escola -^á officma — e á caixa ecotíoorica.
cEnstnae a criança a ler, ao adolescente a trabalhar e ao
mancebo a economisar, e tereis formado am cidadão «til a si,
i família e á pátria.
c Debalde tentareis inculcar idéas novas em um povo igno-
rante, debalde procurareis, com flores de rhetorica, levadlar do
abatimento em que infelizmente jaz uma grande nacionalidade ;
antes de creardes e preparardes uma geração de homens ins-
truídos, laboriosos e económicos^ nada conseguireis.
«O que pretendeis obter de um povo, cujos filhos só as-
Eiram a emprqgos públicos, isto é, o trabalho methodisado pela
ora do ponto, e quasi sem estímulos, o ordenado fixado pelo
pagamento mensal, seja pouco ou muito o serviço, e a aposen-
tadoria contada pelos dias de comparecimento á repartição?
«Como quereis chamar para a lucta honriens que nunca
luctaram, cujas difficuldades vencidas consistiram na obtenção
das cartas de empenho, cujos grandes embates se cifram nos
indeferidos dos ministros ? Não, não são esses os homens de
que careceis para as grandes reformas que meditaes, não são
esses os legionários que hão' de fazer as gloriosas conquistas a
que aspiraes» (Snr. Feliz Ferreira, O Lyceu, etc. 1881 pag. 45J.
A convicção que se traduz n^estas palavras do historiador
do lyceu é geral no corpo docente. Em uma publicação official,
do lyceu, que commemora especialmente a inauguração das au-
las para o sexo feminino, diz se o seguinte, depois de se haver
fallado das reformas da ordem moral e intellectual.
cPara tanto, porém, não basta o açodamento vertiginoso
de reformas politicas e administrativas, culturas precárias em
terreno mal disposto, edificações colossaes em mesquinhos ali-
cerces. De que serve o direito do suffra^o,* sem a independên-
cia das classes ?
cOnde haverá classes independentes sem a equitativa or-
ganisação do trabalho ? Antes de tudo, governo e povo se al-
fiem para debellar a ignorância e a miséria, os dois tjrrannos
que, na phrase incisiva de Laboul^ye, tem produzido todos os
outros tyrannos da humanidade. Para que seja completa a vi-
ctoria, distribua-se indistínctairente o pão do espirito per am-
bos os sexos, dividíndo-se o trabalho conforme a apadão de
cada um.
tNão se illumine o cérebro sem que se forme <o coração ;
eosíne-se a mulher a sentir e o homem a pensar; esié instrua e
f^t
'3a6i
acudia edoiqae». (Snr. Rozeddo Maniz^im noaie da SòciedAde
I^opamdora).
Estas palavraa tiveram écco sympatico na ass^nbléa:
aear homens, educar cidadãos , formar cearacteres, porque o ca-
racter é fdtura da educat^So (Ibid. p^. 59).
Em quanto o lyceu de artes e officios continuar no respeito
doestas doutrinas, alheio ás tentações da politica e cuidando ex-
clusivamente da educação do homem e dia mulher ignorante-—
para fazer d^elle um operário instruído e morígerado, e d^lla
oma companheira segura, um alliado no trabalho domestico, e
na luaa da vida externa — ; em quanto o lyceu persistir n'este
caminho que o tem levado ao grau de prosperidade em que se
acha, não haverá a receiar nada do futuro. Crises passageiras
soffrem-n^as qs instituições mais seguras. A questão grave é a
dos princípios, a questão da convicção, e a questão do methodo.
Ha ou não caracter nos individbos que dirigem um estabeleci-
mento de educação? Ha ou não sciencia segura e clara nos pla-
nos de estudo ?
Ha ou não imo^.ediata relação com a vida pratica, com
as neces^dadea do meio social ?
Se a critica quizesse responder imparcialmente, desassom-
bradamente, a estas perguntas a propósito de uma serie de ins-
tituições que reclamam do orçamento do estado pesados tribu-
tos para differentes ramos do ensino publico, haveríamos de
ouvir sentenças severas. Em parte, ellas já foram traçadas e
documentadas.
A opinião publica vae pedindo contas, á proporção que
a critica vae desfazendo os mythos. Nós estamos aqoi n^este
logar tomando uma pequena parte na árdua tarefa, por isso te-
mos insistido n'esta questão do lyceu de artes e officios do Rio,
fundado por uma sociedade particular.
O Brazil multiplica os ensaios.
Temos conhecimento de um outro lyceu em Pernambuco,
que vae seguindo o grande modelo da capital. Outras terras se
apromptam, seguindo as indicações do snr. Bettencourt da Silva,
que já em fevereiro de 1880 reclamava, mesmo na capital,^a
oi^nisaçSo de novos cursos, em face da excessiva accumolação
de ahitnnos no lyceu; era evidentemente, diida elle ha- três an-
no6) a neceasidaxie da creação de mais estabelecimentos de ins-
trocçSo profis^onal, os quaes, embora não tenham a complexi-
dade de aulas que possue o lyceu, ensinem ao menos o desenho
indastrial fe a^eomefria appltcada ás anes ateis. >
' . N6s coatitii^aQOS de* braços crusados diame d'esta trans"
íG2
fonna^&>, cujjos effekos já se fazem sentir em Portugal Confia-
mos sempre que os nossos irmãos de além^^mar não deixarão
de adquirir, por mero patriotismo, os productos portuguezes,
embora elles se apresentem em condições inferiores diante de
um publico que começa a abrir os olhof.
Nós acabámos em i852 com uma instituição similhanteá
do Rio. Cá chamava-se Conservatório das oArtes e OJícias.
Viveu uns dezesseis annos, de 1 836-1 852, e ninguém deu por
tal. Nin^euem soube o que havia de fazer com isso. A própria
gente official que o creou foi a mesma gente que o sepultou,
cobrindo-o ainda em cima de ridículo. Succedeu isto em Lis-
boa. A mesma scena foi repetida no Porto com o Conservató-
rio Portuense de Artes e OJicios (iSSy); novo enterro e novo
ridículo.
Uma commíssão official dizia em i858 do conservatório
de Lisboa : instituição esta que nunca chegou a ser uma rea*
lidade».
Que tal? Os orçamentos do Estado de i8^-i852 affir-
mam o contrario, sob o ponto de vista dos gastos.
A' mesma voz official, que negava em i858 a vida á
criança, e até o nascimento, veiu juntar-se no mesmo anno, ou-
tra voz official, que dizia o seguinte :
cO Conservatório das Artes e Officíos apenas teve um
simulacro de existência. O artista Gaspar José Marques, que
foi nomeado seu director, além de ser então homem muito já
quebrado de forças, para poder organisar um estabelecimento
doesta ordem, carecia, apesar da sua aptidão especial (sic Ii?)^
dos conhecimentos indispensáveis para lhe dar o impulso mais
conveniente. Quando o governo mandou annexar este estabele-
cimento á Escola Polytechnica, encontraram-se algumas machí-
nas quebradas, sem nenhum valor intrínseco ou artistico. Foi o
3ue se obteve das promessas do relatório que procede o decreto
a sua creação, quando affirma que se vae erigir um monu-
mento de duradoura gloria para o reinado de S. M., pelos in-
calculáveis interesses, que d'elle provirão á nação» (Silvestre Ri-
beiro, Historia dos estabelecimento» scieníif. voL iv, pag» 38&>)
Manuel da Silva Passos fundou os dois Conservatórios
de artes e officios de Lii^boa e Porto decerto com a mesma
convicção sincera e honrada com que recommendára a creaçlo
das duas Academias de Bellas cartes. Vieram os instrumentos,
os homens e estragaram tudo. Depois de dezeseis annoSv^hou-
se apenas um grande rombo no thesouro t ãlqumas machinas
quebradas. A Commisião ofikial de inquérito diz «qtie scfidga
4B3
* ^fMsnsada^ (sic) de recordar a tmte hisiorfa doeste estabdeoi-
mento» . • . Pedra em tudo, e sempre mysterba 1
Que cutpa tinha Passos Manoel doesta vergonhosa derrota
Ae d^esseís annos? A linguagem pomposa do relatório, que
precedia o decreto da fondação, era a expressão de. am; idea-
lismo que dourou a existência de um dos maiores patriotas ; e
este homem foi em tudo um modelo de abnegação, de sinceri-
dade 6 de trabalho.
«O que faltou ao fundador do conservatório foi o tncon-
tfar um homem de prestigio, dotado de energia bastante, para
▼encer a inconstância e a impaciência dos seus compatriotas,
-e capaz de. tomar em realidade um pensamento civilisador.»
(Sor. Silvestre Ribtiro vol. vi, p. 386J
Estamos perfeitamente de accordo com o illustre escríptor:
btHive uma idéa, mas faltaram os homens para a executarem de
um^ maneira condigna.
E queiram dizer-nos: depois de mudarem o rotulo, de-
pois de fazerem dk dois Conservatórios de artes e ojfficios dois
Institutos indusiriaes^ acaso conseguiram crear um bom ensino
profissional, uma geração de operários instruídos, de luctadores
valentes contra a invasão- de productos estrangeiros que atulham
as nossas alfandegas ?
Terenx» de voltar atraz, como em 1862, depois de terem
passado novamente mais trinta annos, sobre os dezeseis que ha-
víamos então perdido ?
Teremos de mndar outra vez o rotulo ?
Parece que sim.
Joaquim de Vasconcellos.
P. S. — Para as pessoas que queiram ínformar*se mais
drcomstanciadamente do Lyceu de artes e officios do Rio e da
Sociedade propagadora de delias- c/írtes, pomos aqui os títulos
das prindpaes publicações que consultámos:
i.^ — ®o ensino prcjissional — Lyccu de artes e offi-
cios por Félix Ferreira, Rio de Janeiro, 1876, 8.*^ de xiii, iSy
pag. Na segunda metade doeste volume encontra o leitor os
Estatutos da sociedade propagadora, o regulamento e regimen-
40 do.Iycen« . - '
i «,<».»^ Do mesmo autor. O Ijrcea de artes e officios e^as
-^das de flesetika paraio fe^coj^mi/jno. Rio.dcXaneiro, 1881, 16.®
/
x64
r^
3.^ — Guilherme Bellegarde. O lyceu de artes e officios.
Rio de Janeiro, 1881. Typogr. Nac. 8.*
4.^ — Po/^â/iMM^MMWMmi^íMdainauguraç^^ das au-
las para o sexo feminino do imperial lyceu de artes e officíos.
Rio de Janeiro 1881, 8.® gr. de 1 19 ftfig. £d^IoJfestiva de 3oo
ez. com grande numero de collaborador^s.
5.^ — Inauguração das aulas para o sexo feminino no
imperial lyceu, etc. Kio de Janeiro )S8i, 8.^ Pubtkaç& ofiEi-
dai do lyceu (60 pag.)
6.° — A imprensa e o lyceu ^ etc. Aulas para o sexo fe-
minino. Rio, i8oi« gr. déiv-48-n pag. Confimemora o 25.^ aii-
niversario da instituição da Sqciedade propatfadora de Bellas^
Artes.
7.® e 8.* — Relatórios do imperial lyceu de artes e of^
fidos apresentados á sociedade propagadora de Bellas^Artes.
Rio, 1879 e 18S0, 8.« gr. de 40 e 64 pag. ^
g.® — A educação da mulher. Notas coUígidas dè vários
autores, por Feiix Ferreira. Rio 1881. Edição commemorativa
da inauguração das aulas do sexo feminino.
CATALOGUE DES INSECTES DU PORTUGAL
(OontlnnAçlo, yld. pag. 186)
ChnmB TBOGOPHLOBUS HAKNBBHBIX
627. T. menmonlus Er.
Pauv, Faun, G, Rh,y p. i5i.
Espinho I, Monchique! (C. v. Volxem!}.
628. T. oortioinus Grav.
Fauv. Faun. G, Rh.^ p. i53.
Vizella I.
629. T. pnnotlpexmls Eiesw.
Fauv, Faun, G. AA., p. i56.
Faro !.
i65
Ctanmp AHOTBOPBOBIIS XSAAtS
630. A. faun FauT.
Fauv. Fatm. G. Rh., Caí. p. n.
Porto f .
HOMALINI
QtWMtm ANTB0PHAQU8 QBAYBSHORffr
631. A. presnstos Mull.
Fauv. Faun. G. Rh,, p. ii5.
Bragança!.
Qmnm IiBSTEBA XiATBBILLB
632. L. longelytrata Ooeze.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 204.
Coaunun au Douro !, Guarda !•
GnsB LATHBIMEUM BBIOHSON
633. L. imioclor Mars.
Fauv. Faun, G, Rh,f p, gS.
D'après Erichson cette espèce qu'il a décríte sous le nom
L. luteum appanient à la faune portuguaise.
Gbvbb HOMALIUM aBAYBNHOBST
634. H. rivulare Payk.
Fauv. Faun. G. Rh., p. 78.
Elspinhol, Leça!.
635. H. oaestun Grav.
Fauv. Faun, G. Rh., p. y3.
Serra de Rebordaos!.
(66
636. A. atmm Heer.
Fauv, Faun. G, Rh., p. 36.
Guardai.
637* A. obsoletam Sr.
Erichson. Gen. et Sp. Staph.^ p. 89a.
D^après Erichson il se trouve en Portugal.
638. A. torquatnm Marsh.
Fauv. Faun. G. Rh.^ p* 41.
Guarda!.
639. A. nlgrloeps Fauvel.
Fauv. Faun. G., TJA., p. 41.
Guarda 1
PROTINI
Quaa PR0TINU8 LATBBILLV
640. S. braohypterus P.
Fauv. Faun. G. Wi., p. 3i.
Bussaco !.
GuTRB PHLOCOBIUH ERIOBSON
641. o. aypeatnm Mali.
Kraatfjl Nat. Ins. Detif., 11, p. io33.
Coimbra !.
í^
PflLOGOGHABINI
Gmbb pseudopsis newuan
642. P. suloata Newm.
Fauv, Faun. G, Rh,, p. 23.
*
J^ai trouvé ce curieux staphylín à Coimbra sous les détri-
tus des végécaux.
Dans le continent ebropécn on ne Tavait trouvé qu'en
France, mais il existe aussi dans Ia Grande Bretagne.
PSELAPHIDiE
, Qbvbx OTBNISTES beichenbach
643. o. palpalis Reloli.
Reitter Nat. Ins. Deut., in, p. 2.«, p. 23.
Je n'ai jamais pris qu^un seuI individu.
«
Gmejb EMOPTOST(MilQS WOLLASTON
644. E. Aubei Bos.
Rosenh. Thier Andai,, i856, p. 62.
Mentionné du Portugal dans le catalogue de Harold.
Gbvbb TYOHUS LEACH
645. T. oorsicus Reitter.
Reitter Best, Tab., v, p. 73.
Vizella!, Espinho.
Je possède un individu de Vizella avec la coulcur rouge
<Ies élytres três réduite.
Gbbbb BBTAXIS LEACH
646. B. dentiventris Sauloy.
Reitter Best. Tab., y, p. 26.
Estarreja!.
i68
647. B. oeltlberioa Sanloy.
Rêitter Best. Tab., v, p. 25.
D^après une lettre c^ue mon ami Mr.l^ v. Heyden vieot
de m^écrire il a été trouve à Lisbonne.
648. B. Soliapi>6ll Anbô.
Reitter Best. Tab., v, p. 3i.
Trouvé dans la Serra d'Estrella par Mr. Ehlers, d^après
une lettre de Mr. L. v. Heyden.
649. B. Janoonim Leaob.
Reitter Nat. Ins. Deut.y in, p. a.% p. 49.
Vizella !, Espinho !.
Commun.
650. B. sangroinea L.
Reitter Nat. Ins. Deut., m, p. a.>^ p. 38.
Coimbra !.
Qwanm BTTHIKUS LBACR ^
651. B. mynnido Reitt.
Reitter Best. Tab., v, p. 42.
Espinho!.
652. B. troglooerus Sanloy.
Reitter Best. Tab., v, p. 5i.
Cea (Ehlers!). D*après Mr. L. v. Heyden.
653. B. peninsularis Sanloy.
Reitter Best. Tab., v, p. 5o.
Bussacol (Ehlers I), Coimbra I, Estarreja!, Vizella I, Es-
pinho!.
J^aí pris une femelle â Coimbra et une autre à Espinho
avec la couleur bien moins foncée que dans les autres.
J
lôg
mt. fci
654. B. LnsitánioTis Sauloy.
Reiiter Betí. Tab., y, p. 52. . .
Serra d^Estrella (Ehlers !), Bussaco !, Coimbra I;
865. B. ncusteorals fifettdey.
Eeitter BesL Tab., v, p. 36: ^' *
Gerez (L. v. Heyden I).
656. B. Ehlersi Reitt.
ReiUêr BesL Tab., v^ p. 58.
Bussaco! (Ehlers!), Coimbra!.
«■■BK PSELAPHUS BSBB8T ,
657. P. Helsei Herbet.
Reiiter Nat, In$. Deut,, in, p. 2.«, p. 91.
Coimbra I. Rare.
658. P. Piooliardi Saulcy.
L. V. Heyden. Ent, Retse, etc, p. 86.
Mr. Piochard de Brulerie et L. v. Heyden ont prís un
mâle (Vune femelle dans Ia Serra do Gerez e je viens de le
prendre à Coimbra.
Qmnm EUPLEOTUS UUíOB
659. Eupleotas nanas Reioh.
Reitter Nat. In$, Deut , in^ p. 2.^, p. i23.
Bussaco (L. v. Heyden!).
660. E. afer Reit.
Reitter Best, Tab.y y, p. 87.
Bussaco !.
Qbvsx TRIUIUH AUBá
661. T. brevioome Reioh.
Reitter J^at. Ins, Deut., iii, p. 2.«, p. io5.
Bussaco!.
UVISTA DA SOGIKDAOB DB mSTBUGÇÃO DO PORTO. 11
170
662. T. imitatnm Reit.
ReUter BêsL.Tab., v, p. 95.
D^après Mr. Reitter il se trouve dans le sud du Portugal.
GLÂVIGERIDiE
Qmnu OLAYIQBB PRfiTBSLBR
663. O. Lusltanioas Sauloy.
Rettter Best. Tab., v, p. 8.
Serra do Gerezl (L. v. Heydenl.)
II se trouve en compagnie du Lasius emarginatus Lat.
SCYOMENIDifi
Qbvrb OBPHBNNIUM UULLBB
664. O. fúlviim Sohaum.
Reitter Nat. Ins, Deut., iii, p. 2.«y p. io5.
Espinho!.
665. O. atomarltun Sauloy.
Reitter Best, Tab., v. p. 114.
D^après Mr. Reitter 11 est particulier à notre faune.
Gkvrb NEURAPHES REITTER
666. N. solitarius Reit.
Reitter Best, Tab., v, p. 116.
Serra d^Estrella (Ehiers!).
667. N. EUersi Reit.
Reitter Best. Tab., v, p. 121.
Bussaco (Ehlersl).
668. N. oedioems Sauloy.
Reitter Best, Tab,, v, p. i23.
Cite du Portugal par Mr. Reitter.
lyi
Q*nm SOYDMiBNUS LATRBILLS
669. S. protervus Ooq.
Reitter Best. Tab,, v, p. 129.
Coimbra I.
670. 8. oordioollls Eiesw.
Reitter Best, Tab., v, p. i3i.
Bussacol.
671. S. angustior Sauloy.
L. V. Heyden. Ent. Reise, etc, p. 90.
Serra do Gerez (L. v. Heyden !).
672. S. Lusltanions Sauloy.
L. V. Heyden. Ent. Reise^ etc, p. 90.
Serra do Gerez (L. v. Heyden I).
GnsB EUGONNUS THOMSON
673. Heydenl Sauloy.
L. y. Heyden. Ent, Reise, etc, p. 91,
Cea, Serra d*Esirella (Heyden !).
674. E. li89inatodes Sauloy.
L. V. Heyden. Ent. Reise, etc, p. 90.
Serra do Gerez (L. v. Heyden!). Bussacof.
675. E. latioeps Sauloy.
L. y. Heyden. Ent. Reise, etc, p. 91.
Serra do Gerez !, Bussaco ! (L. v. Heyden !).
676. E. distingruendus Sauloy.
L. V. Heyden. Ent. Reise, etc p. 91.
Serra do Gerez (Heydenl), Bussacol, Coimbra I. *
1 Le E. Navaricus Saulcy d'aprés une lettre de mr. L. y. Heyden
«st mentionné à tort du Portugal par mr. Reitter.
174
OVBB ICASTiaUS LATRBILLB
677. U. palpalls Latr.
Reitter Best. Tab. v., p. 147.
Commun partout prés de Teau.
678. M. prolongatoB Oory.
Reitter Best. Tab., v, p. 147.
Commun dans le nord particulièrement dans les mon-
tagnes.
SILPHID-E
SILPHINI
Qmmmm OATOPOMORPHnS AUBA
679. O. pUosus Muls.
Fairm, et Lab. Faun, Ent. Fr.^ p. 3o5.
Azambuja (J. Antunes!).
ChnmB OHOLHYÁ LATRBILLB
680. O. angostata F.
An, Nat. Bist,, xvui^ i856, p. ia.
II n^est pas rare dans le nord du Portugal.
681 . O. transversostriata Murray.
An, Nat. Hist,, XYin, i856, p. 3x6.
Mr. Murray dans sa monographie du genre Catops men-
tionne cette espèce de la collection de Dejean oà elle portait
rindication de provenance du Portugal.
QnrRB PTOMAPEAGUS HBLLWIG
682. P. tristis Panz.
An. Nat. Hist., xviii, i856, p. 144.
Bussaco!, G)ímbral.
173
I
683. P. olatbratlB Perris.
An. Soe. Ent, Pr,, 1864, p. a8i.
Bragança!, Bussacol.
On trouve toutes les transitions de couleur depois le brun
JQsqo^au fauve.
(OMtaáa). Manoel Paulino de Outeira.
ESTUDOS
•OBKB A
HISTORIA DAS SCIENCIAS EM PORTUGAL
(Oontiaiiatio, ▼. ptff. 90)
A BOTÂNICA
PARTE I
(DA OONSTITXnçÃO DA MONAROHIA À BBFORMA POHBALIKA)
JSnúno da botânica : Mosteiro de Santa Cruz— Universidade— Creaçáo das
bharmacias. Litteratura botânica : Século XYI— Apreciação do estado da
botânica no extrangeiro — Portugal : Pedro Hispano, Valesco, Amato
Lusitano, Thomé Pires, Garcia da Horta, Christovam da Costa, os histo-
riadores do descobrimento da índia — Sec. xvii — Vista de olhos sobre
os trabalhos extrangeiros — Portugal: decadência do estudo das scien-
cias — Isidoro da Barreira, Gabriel Grishy, trabalhos inéditos. — Século
XYin — A botânica em paizes eztranhos — Portugal: João Vigier, Manoel
Gomes de Lima, Domingos Vandeili. Real Jardim Botânico da cájuda.
Foi O século XVII fenil em botânicos de toda a importaticia
€ consideração. A Itália deu-nos em Fábio Colonna, Paulo Boc-
coni, Thiago Zononi, Aldini e Ferrari observadores distinctos,
d'eatre os quaes o primeiro merece uma menção muito espe-
ciaL A Ff anca concorreu poderosamente para os progressos da
botânica com Pierre Magnol, Gui de la Brosse, Philippe CoF'
ou, que estudou a Flora Canadense, Jacques Barretier e so-
bretudo com Tournefort que, como bem diz Hoeffer, coroou a
obra dos botânicos classificadores do século xvii. As suas nu*
merosas viagens, feitas no intuito de se instruir, fizeram -n^o
reunir um cabedal de conhecimentos enorme, que nos trans-
mitiu nas suas obras ; e a elle se deveu o estabelecimento de um
systenaa de classificação das plantas que durante mais de um
século reinou absolutamente na sciencia e cujos elementos taxo*
nomicos foram sobretudo extrahidos das modificações impor-
tantes da coroUa, que teem certamente um duvidoso valor. Na
Í74
entretanto, apesar do pouco valor da base da classificação, estabe-
leceu numerosas famílias verdadeiramente naturaes, como são
as labiadas, as cruciferas, as iiliaceas, as umbelliferas e as papiU
lionaceas.
A Inglaterra foi distinctamente representada por um gran-
de numero de botânicos, d'entre os quaes occupam logar mais
Íreeminente John Parkinson, Robert Morison e sobretudo John
[ay. Ehte explorou, não só toda a Inglaterra, mas a Hollaoda^
a França, a Allemanha, a Suissa e a Itália, e o resultado does-
tes enormes trabalhos, consignado especialmente ca sua Histo-
ria geral das plantas^ é digno de toda a consideração. A sua
classificação foi estabelecida sobre os caracteres dos fructos, mas
modificou- a depois, convencido da sua pouca importância, roas
convencido egualmente de que a flor nao tinha maior valor para
o estabelecimento das famílias botânicas.
A Allemanha tomou uma parte importante no movimento
da botânica descriptiva. Joachim Jung, Jun^ermann, Volckamer,
Hermann, Knaut, etc. mas sobre todos o pnmeiro, merecem con-
signação especial na historia; devem*se a Jung^ estudos espe-
ciaes sobre as flores compostas, cujo valor ninguém pôde con-
testar. Os Paizes Baixos pouco produziram de importante:
Rysch e Commelyn, que trabalharam no catalogo das plantas
do jardim botânico de Amsterdam, são os mais notáveis dos
botânicos que possuiram n>ste século.
A Suissa concorria no entretanto coií) os mais importan-
tes botânicos que anteriormente a Tournefort appareceram : os
irmãos Bauhin, dos quaes um« João, reuniu a descripçao de
cinco mil plantas e mais de três mil desenhos na sua obra, ao
passo que o outro, Gaspard, na continuação dos trabalhos de
seu irmão, apresentava os primeiros indicios de uma classifica^
çSo verdadeiramente natural *.
O século XVII foi para a peninsula de verdadeira esterili-
dade em trabalhos botânicos. D''entre os individuos que na Hes-
panha fizeram convergir a sua attenção para esta ordem de
estudos a custo podemos apresentar alguns dignos de consi-
deração.
Francisco Ximenez, Jeronymo Huerta, Bernardo Cien-
fuegos e Ildefonso Sorolla são os únicos que merecem men-
ção especial e doestes ainda o único que sobresae é Genfuegos,
cuja Historia das plantas em 7 volumes ficou manuscríptt q
Vid. Hoeffer. op. cit pag. 14? e seguintes— Brotero, op. dt.
1.75
existe n^uma das bibliothecas de Madrid. Esta obra é um vasto
repositorío de descripções das plantas encontradas por elle nas
suas excursões atravez do território hespanhol ^.
Ao mesmo tempo que a botânica descriptiva ia fazendo
os progressos de que demos noticia^ o estudo da anatomia e
physiotogia vegetaes ia começar a fazer-se, graças á descoberta
de um poderoso instrumento, o microscópio.
Aromatarí, um medico de Veneza, comparava o embrySo
de semente com o vegetal desenvolvido e o amido que o cerca
com a albumina do ovo. Thomaz Brown era o primeiro a fa-
zer notar a frequência do numero cinco nas sementes e invólu-
cros floraes. Digby, Mayor e R. Boyle as&ignalavam pela pri-
meira vez a influencia de oxigénio nos phenomenos da ger-
minação e respiração, e Merret demonstrava a absrrpção da
humidade do ar pelas plantas. Nath. Henshaw descobria os va-
sos respiratórios das plantas (tracheas) e Kooke examinava os
vasos iaticiferos que julgou serem providos de válvulas exacta-
mente como as veias.
No entretanto, os estudos sobre a anatomia e physiologia
vegetaes só tomaram o incremento que deviam tomar pela sua
importância, depois da apparição de Grew e Malpighi que bem
podem ser considerados os seus fundadores.
Grew, no seu livro c/lnaiomy ofPlants^ dá uma ideia com-
pleta da evolução do vegetal desde a semente até á constituição
do individuo adulto, e as suas doutrinas, bem como as deno*
minações dadas ás dififerentes partes do embryão, conservam-se
ainda hoje na sciencia. Deve-se ainda a Grew a determinação
da verdadeira natureza das flores compostas, demonstrando que
os flosculos \ considerados como estames até ahi, eram verda-
deiras flores.
A histologia vegetal deve a Malpighi estudos profundos
sobre o tecido cellular, que demonstrou ser composto de peque-
nas cavidades, a que deu o nome de utriculos, d'onde o de utri-
cular dado por elle áquelle tecido. Ao mesmo tempo annunciava
a analogia que ha entre as vesiculas pulmonares dos insectos e
as tracheas dos vegetaes, e sobre a germinação apresentava
ideias que hoje se tornaram clássicas. As denominações por elle
apresentadas para designar dififerentes partes do iructo e do em-
bryão são ainda conservadas também.
^ Miguel Colraeiro op. cit.
* £' II tradução adoptada por Brotero para a palavra feurons de
que se servem os auctores franceses.
176
Comquanto, pois, ninguém, mais que Grew e Malpighi,
profundasse os estudos sobre a estructura das plantas, faltou-
Ihes a determinação do sexo ; essa parte importante da physio-
logia só começou a ser conhecida depois dos trabalhos de Za-
luzanio, de Robert, de Camerario etc.
Finalmente Perrault, Dodart e Mariotte accrescentaram
notavelmente o pecúlio dos cenhedn tentos sobre a physiolo^a
vegetal ; o primeiro reconheceu a circulação da seiva, o segunlo
mostrou a importância dos gomos considerando o vegetal como
uma reunião d'estes órgãos, e Mariotte attribuiu á capillaridade
a marcha da seiva, demonstrando que esta circula em vasos
differentes d^aquelles em que circulam os suecos corados da
planta.
Apezar dos progressos feitos no estrangeiro, Portugal coo*
servava-se eitranho ao movimento que lá ia. Ninguém ignora os
factos que determinaram tal abatimento e por esse motivo ape-
nas fazemos uma rápida menção das suas causas. A expulsão
dos judeos e o estaoeleci mento da inquisição são com certeza
dous dos factores mais importantes da decadência dos estudos.
Os judeus eram muito dados ás letras e sciencias e d^entre os
que nasceram no nosso paiz, muitos houve que sobresairam
por merecimentos notáveis. Decretada a sua expulsão, muitos
abandonaram o território portuguez, emquanto outros, ou por-
que os seus interesses o pediam, ou porque a própria consciên-
cia o reclamava, abjuraram e entregaram-se á pratica do
christianismo.
Já dissemos n^outra parte que a guerra que depois lhe
moveram o povo fanatisado e o clero corrupto é um dos espe-
ctáculos mais odiosos que o século xvi em seu meado nos of-
ferece. Essa lucta afastou do nosso território indivíduos que
deveriam concorrer para os progressos das sciencias entre nós ;
e, apesar das suas aptidões manifestas, leis rigorosas embaraça-
vam os christãos nopos de se entregarem aos estudos no nos-
so paiz.
Ao estabelecimento da inquisição ajunta-se a intervenção
dos jesuítas no ensino. E' exaggerada a opinião dos que os
apontam como os únicos causadores da pobreza intellectual
que n^essa epocha nos affligiu, mas é certo que elles, apode-
rando-se do ensino univerbitario, por multiplicadas refc rmas
que n^^elles fizeram, aproveitaram a sua influencia para paraly-
sar toda a tentativa de progresso e re^iovação. A philosophia
aristotélica que elles mais que todos concorreram a conservar
177
nas escolas influiu também desastrosamente nos estudos, e d'ahi
talvez a razão porque as sciencias naturaes não foram cultiva-
das com esmero n^esta épocha.
Outras causas se vieram sommar a estas, augmentando
ainda o nosso abatimento. O desastre de Alcacer-Quibir, a do-
minação castelhana, as guerras que se seguiram á proclamação
da nossa independência, e a mortífera passagem sobre o nosso
solo de três epidemias assoladoras são outros tantos factores da
nossa ruina,sem que seja possivel marcar que parte caiba a cada
um no resultado final a que nos conduziram.
Nas condições que especificamos, poucos trabalhos pode-
mos apresentar como representando o estado dos conhecimen-
tos botânicos d'essa epocha entre nós. Demais, alguns dos que
os nossos bibliographos nos apontam, ficaram manuscriptos e
nSo se sabe onde hoje existem, se é que o tempo os não des-
truiu completamente.
Dos que ficaram impressos, cumpre especificar o f Tracta-
do das significações das plantas, flores e fructos que se referem
na Sagrada escríptura ^9 que Fr. Isidoro da Barreira deu á luz,
em 1622. Este livro, que não tivemos occasião de ver, é, no di-.
zer de Colmeíro, uma obra em extremo curiosa pelos conheci-
mentos que mostra o auctor na interpretação dos sentidos figu-
rados que tem as plantas ua Bíblia.
Gabriel Grisley, um medico allemão que no reinado de
D. João iv veio estabelecer-se em Portugal, publicava em i656
o seu c Desengano para a medicina», que é uma verdadeira
flora medica do nosso paiz, accommodada aos poucos conhe-
cimentos do vulgo, sendo as plantas designadas pelos seus no-
mes vulgares, e acompanhados d'aquelles porque eram conhe-
cidas na sciencia. Estas plantas estão distribuídas em três
canteiros, dos quaes o primeiro contem vinte espécies botânicas,
o segundo quarenta e o terceiro vinte e sete; mas esta classifi-
cação nada tem de scientifico e basea-se apenas na maior ou
menor frequência dos seus usos em therapeutica. E', como
demais se deixa ver, bastante defficiente, mas como primei-
ra tentativa d'um commettimento que só nos nossos tem-
^ O titulo completo ó, segundo Innocencio : Tratado das significa-
ções das plantas^^ flores e fructos que se referem na Sagrada Escriptura.
Tirados das divinas e humanas lettr.as com breves considerações — Lisboa
por Paulo Crasbeeck 1622 e Lisboa por Manoel Lopes Ferreira 1698.
.178
pos vingou ser realisado, e esse ainda em relação a uma parte
muito restrícta do nosso paiz, merece-nos elevada conside-
ração ^.
Pouco depois, Grisley publicava o seu cViridarium lasi-
tanicum» que, ao que elle próprio diz no prologo, era o fructo
do trabalho de quasi trinta annos, durante os quaes tinha ex-
plorado o paiz em toda a sua extensão, tendo-se demorado de
preferencia em certas regiões que como o Bussaco. Serra de
Portalegre e Serra da Estreita deviam ser férteis em curiosas
producções vegetaes.
Comquanto seja extremamente díffi^:!! aquilatar o mereci-
mento d'e>ta obra, por isso que a sua interpretação é por ve-
zes insuperável, resulta dos trabalhos a que se entregou Van-
delli, redu7Índo-a ás espécies de Linneu, que são 1618 as
plantas descriptas n^este pequeno livro e que muitas d'ellas o
foram pela primeira vez. O abrotanwn femina montanum, a
acetosa annua minor^ a acetosa laciniata amara^ o aconitum
flore coeruleo, o adiantum álbum primilium e tantas outras que
julgamos desnecessário apontar, devem a Grisley a sua primei-
ra descripção *•
A therapeutica exótica continuava a dominar no nosso
paiz. A esse facto se deve a publicação de um aMemorial de
vários simplices que da índia Oriental, da America e d'outras
partes do mundo vem ao nosso reino» de que não me é pos-
sível dar outra noticia^ por isso que não pude ver exem-
plar algum, como tinha acontecido a Innocencio Francisco
da Silva.
Tal era o estado di botânica entre nós, tal qual é possí-
vel avaliaUo pelos documentos impressos que nos reatam, mas
o que prova que no vseculo xvii os estudos botânicos tinham to-
mado uma certa latitude é o haver noticia de alguns manus-
criptos, hoje naturalmente perdidos, dando conta das hervas
e suas propriedades. Eram d'este numero as obras de Fr. Fí-
lippe da Silva ^, de Gregório Lopes ^, Ignacio de Brito No-
1 Intitula-se : Desengano para a medicina ou botica para todo Pay
de Famílias — Lisboa, officina de Henrique Valente de Oliveira x656.
s Nâo vimos a edição original publicada, segundo se diz, em i66z.
A que nos serviu foi a de Lisboa de 1789— dada á luz e melhorada por Do-
mingos Vandelli.
> Commentarios aos dous tomos que compoz Fr. Isidoro de Bar-
reira das swniticações das plantas e tlores — MS.
A Tratado das propriedades das hervas — MS.
179
gudra ^ e Pedro Serrão * de que nSo temos outra noticia além
d^aquella que nos deu Barbosa Machado, na sua Bibliotheca
Lusitana. >
comifaite.) Maximiano Lemos Júnior.
PREPARAÇÕES ZOOLÓGICAS
(OontIniMçlo, T. rol. d, p»c. 86)
X
D£SCAKNAÇÃO D^AVES
Depois da ave estar morta e disposta, como já indicamos^
procede-se á descarnação, operação melindrosa, porque da per^
feição d'ella, depende o bom resultado de todos os trabalhos.
Para isso estende-se a ave n'uma meza, de costas, com a cauda
voltada para o preparador, a cabeça em sentido contrario, as
azas estendidas o mais possivel, e faz-se-*Ihe uma abertura na
peile, para por eila se poder extrahir todo o conteúdo, isto é,
carne, ossos, etc. O lugar doesta incizão pôde ser nas costas,
DO lado ou no peito, segundo o gosto do preparador e sobre-
tudo da posição que depois quizermos dar ao specimen.
A abertura nas costas, .^ó é conveniente quando se qci-
zer montar uma ave, de azas abertas e suspensa do tecto d'uma
sala, ou algumas espécies de aves aquáticas, que teem a attitu-
de vertical. Excrpto n'estes casos, não vulgares, a fenda nas
costas é prejudicial, visto que as pennas dorsaes, ainda que lon-
gas, não se prestam a encobrir completamente a abertura.
Alguns amadores praticam- na sob a sza direita, mas um
specimen assim preparado fica sempre defeituoso, pela dema-
siada distenção da pelle do lado por onde se descarnou. Resta
pois a descarnação peitoral, que e a melhor, visto não ofTerecer
os inconvenientes dos outros dous processos. Afóra a variante
de logar, a descarnação quer seja pelas costas, pelo lado, ou
pelo peito, faz-se sempre do miesmo moc^o. Collocada a ave,
como dissemos, desviam- se horisontalmente as pennas, desde
dcs-MS.
^ Virtudes das hervas e plantas e suas qualidades — MS.
* Das plantas e hervas mais conhecidas, suas virtudes e qualida-
i
ito
o esterno ao meio do ventre, até ficar a descoberto uma pe-
quena linha da pelle. Algumas aves, especialmente as aquáti-
cas, tem sob a primeira camada de pennas, uma outra muito
fina que impede o descobrimento da pelle>; n^^este caso, depois
de desviadas as primeiras pennas, arrancam-*se cautelosamente
as segundas, com os dedos, ou melhor ainda, com a pinça, e
corta-se a pelle no seguimento da linha traçada, pnncipiando
no esterno e tendo por limite o principio do ventre, podendo-se
em algumas aves, em que esta abertura fique demasiadamente
pequena, prolongal-a um pouco mais sobre o ventre. Devemos
sempre ter cautella em não furar os intestinos, inconveniente
que só se pôde remediar introduzindo bocados de algodão por
o sitio onde houver trasvazamento de escrementos.
Depois de cortada, agarram-se as duas extremidades da
pelle com uma pinça, se a ave é pequena, ou com o pollegar
e o Índex da mão esquerda se é de tamanho regular, e sepa-
ra-se dos dous lados do peito até á aza. Esta separação pôde
fazer-se nas pequenas espécies, introduzindo o cabo do escal-
pello entre a carne e a pelle, e nas grandes com ajuda dos dedos.
Alguns preparadores costumam empregar gesso em pó ou
farinha triga, quer para chupar o sangue, que muitas vezes se
principia a derramar, quer para cobrir a espessa camada de
gordura de algumas aves, especialmente das aquáticas, e a qual,
espalhando-se exteriormente, prejudícajia a futura belleza do ih-
dividuo. Mas, se o derramamento é considerável, a farinha ou
o gesso converte-se n'uma massa viscosa, que cahindo nas
pennas, de tal modo as prende, que difficilmente as podemos
limpar, sendo necessário até arrancal-as. E* preferivel, a medida
que se vae operando, ir introduzindo pequenos fragmentos de
algodão entre a pelle e a carne ; o algodão impede o rápido
derramamento, sem causar nem um sô dos inconvenientes do
gesso e da farinha.
Deve também prender-se ás extremidades da fenda, um
pedaço de panno fino de linho, para impedir a tendência na-
tural que as pennas teem de se envolverem pira o lado interno
da pelle, ennodoando-se com o attríto dos tecidos, especialmente
se são brancas ou muito claras. Este pedaço de linho deve con-
servar-se-lhe atéá total descarnação.
Separada a pelle dos dous lados da carne, faz-se o mes*
mo para a parte inferior, até ao meio do ventre, e para a su-
perior até á base do pescoço.
Esta operação, especialmente nas pequenas aves, deve
ser feita com muita cautella, para lhe não rasgar a pelle ; mas
i8i
acontece ao principiante, por mais vagar e perfeições que em^
pregue no seu trabalho, fazer oriíicios na pelle, quer com o es-
calpello, quer com a demasiada distensão, mal este que se re-
medeia facilmente, cosendo as soluções de continuidade, ha-
vendo, comtudo, a cautella de não prender as pennas. Corta-se
em seguida o pescoço, duas ou três vértebras acima da sua in-
serção no peito, rassa-se-lhe uma segura laçada de fio e sus-
pendesse a ave n um qualquer gancho, fixo na parede. E' con-
veniente envolver o pescoço em tflgodáo, para que não manche
as pennas que no decorrer da operação, o chegam muitas ye-
263 a envolver completamente. Desviase, então a pelle o mais
Eossivel, até ao encontro da aza, e logo que ella está a desco-
erto, corta-se na articulação do^humerus com a omoplata, re-
f)5e-se no primitivo lugar, e repetese a mesma operação do
ado cpposto^ volta-se depois a pelle sobre as costas, conti-
nuasse a separação até ás coixas, que se desarticulam na junc-
ção da tibia, e prose^jue-se parando somente nas vértebras cau-
daes, que se cortam junto ao coccix.
Chegado aqui, está o esqueleto completamente separado
da pelle, restando somente libertal-a da caine que ficou nas
pernas, azas e cabeça.
Estende-se a pelle, de costas, na meza, em posição idên-
tica áquella em que a collocamos para iniciar o nosso trabalho,
com a mão esquerda a^arra-se a extremidade cortada da tibia,
emquanto que com a direita ajudada do escalpello, se separa a
pelle doesta parte da carne; pára se n^esta descarnação quasi no
fim da tibia, um pouco antes da sua inserção do peroneo.
Limpa-se a tibia de toda a carne e tendões que lhe estão
á volta, dá-se-lhe uma boa camada de preservativo e enrola-se-
lhe algodão ou estopa em forma de fuso, até tornar a restituir
á perna a primitiva espessura, guiando-nos n'tste trabalho pela
outra que ainda está por descarnar. Dá-se preservativo na pelle
da coixa, que se faz entrar no seu logar, puxando exteriormente
pelo tarso, e em seguida, e do mesmo modo, prepara-se a ou-
tra perna.
Antes de se passar ás azas, limpa-se o coccix de todas as
substancias que o cobrem e que se substituem por algodão em-
bebido em sabão arsenical, caiando interiormente toda a pelle
com uma espessa dissolução d'este mesmo preservativo. Du-
rarte todos estes trabalhos, deve ter-se sempre p cuidado de
não molestar as pennas, especialmente as da cauda, inconve-
niente de grande alcance, visto que da perfeição d^ellas depende
uma grande parte da belleza do exemplar.
i8a
Faz-se nas azas uma operação semelhante i já feita nas
pernas, somente com mais precaução, para que as pennas gran*
des das azas se não separem da pelle. Impellem-se as azas
para dentro, até que esteja a descoberto o humerus e pelo me-
nos uma grande parte do radius e cubitus, tira-se toda a carne
que os envolve, dá-se-lhe preservativo e colloca-se-lhe muito
pouco algodão, ou mesmo nenhum, se a ave é de tamanho me-
diano. Ibto que á primeira vista parece um contra senso, tetn
muita razão de ser, por isso que a ave, quando viva^ tem de
cada lado do corpo umas pequenas cavidades chamadas fottas
peitoraes, que servem de alojamento ás azas.
Sendo descarnada e depois cheia, não é possivel deixar*
lhe essas cavidades, e por isso é mister recorrer a outro expe-
diente, que consiste em tornar as azas mais delgadas, de modo
que a perda da sua espessura corresponda ao augmento do
peito. Se a aza é muito corpulenta, e se houver inconveniente
en) a descarnar doeste modo faz-se-lhe então, na parte inferior
entre o cubitus e o radius, uma abertura por onde se extrae
toda a carne, se dá o preservativo preciso e se enche de algo-
dão ou estopa, cosendose em seguida com o máximo cuidado.
Preparadas e dispostas as azas no seu logar, passa-se á
limpeza da cabeça, a parte mais difficaltosa para o principiante,
visto que n^esta operação precisa de haver muita cautella, plk'a
se não rasgar e estragar a pelle que a envolve.
Os defeitos na cabeça e pescoço são de remédio quasi
impo^^sivel, em razão de estarem muito á vista e não haver
pennas sufficientes para os poder disfarçar. Agarra-se com a
mão, a parte que ííct^^u do pescoço e puxando, volta-se a pellé
sobre eiie, e vae-se desligando cautelosamente para evitar al-
gum rasgão; nos ouvidos desliga se a espécie de saco formado
por uma ténue membrana, levantando-o com uma pinça ou
ponta de escalpello, e segue se até aos olhos, dos quaes se corta
a membrana piscante, com muita precaução, para não ofiTend^r
as pálpebras, o peor de todos os contratempos, visto ser irre-
mediável, e termina-se na descarnação junto da base do bico.
Em seguida com a pinça, arrancam-se destramente os olhos das
orbitas, para impedir que elles rebentando, produzam um pre-
judicial extravazamento de liquido, e dá-se com um pincel uma
camada de preservativo por toda a orbita, que se enche com-
pletamente de algodão.
Corta-se então o pescoço junto á base do craneo, e alar-
gasse n'este, o orifício occipital, o sufficiente para por elle se ex-
trahir a massa cerebral, que se substitue por algodão bem em-
i83
bebido em sabSo Becoeur; arranca-se a língua, límpa-se toda
a carne que esteja unida ao craneo, sem nunca quebrar nem
deteriorar a caixa óssea. Feito isto, dá*se por toda a cabeça
uma boa camada de preservativo e faz-se entrar no primitivo
lugar, voltando a pelle até que o bico esteja a descoberto e pu-
xando pelo fio qoe lhe atravessa as narinas; tendo se segura
pelo bico, sacóde-se então methodicamente durante alguns se-
gundos para as pennas voltarem ao seu lugar.
Cobre-se interiormente a pelle, d^uma boa camada de
preservativo, e se se nâo quer montar a ave n^aquella mesma
occasiSo, introduz-se-lhe algodão em todos os vazios, mas com
cautella, para não alargar demasiado a pelle, e cose-se a aber-
tura. Collocam-se as pálpebras em boa posição, isto é, arredon-
dando as e dando-lhe a forma natural ; mas o mais conveniente
é introduzir-lhe n^esta mesma occasião os olhos àrtiíiciaes, o
que se faz, levantando d'um lado a pálpebra e operandc^ d'um
modo idêntico ao da introducção d^um botão de vestido na casa
que lhe é própria, e dispondo em seguida a pálpebra como em
vida do animal. Vê-se se o olho de vidro está á altura sufB-
ciente, e no caso contrario torna-se a tirar e introduz-se ou
subtrae- se-lhe algodão; enchem-se também as narinas e a cavi«
dade do bico, de algodão embebido em sabão arsenical.
Alguns preparadores costumam conservar as pelles das
aves penduradas pelo bico, mas esse uso é sempre prejudicial,
em razão do peso do corpo, actuando sobre o pescoço o dis-
tender demasiado. O melhor é estender a ave de costas, sobre
uma pequena camada de algodão. Se se quer conservar a ave
em pelle, para seguir viagem e ser montada posteriormente,
collocam-sé no seu lugar todas as pennas que estiverem arripia-
das, ]untan>se as patas por meio d'um fio, enrola se um papel
á volta do corpó^ para unir as azas ao peito, encolhe-se ou
alonga-se o pescoço segundo necessitar e ata-se o bico com um
barbante. Deixa-se seccar depois a pelle, que disposta doeste
modo, se pôde acabar de montar d'ahi a annos.
(Omtiiiéa). Eduardo Sequeira.
L'ENSE1GNEMENT SECONDAIRE DES JEUNES HLLES
Ha cerca de um anno, no dia i de julho de 1882, come-
çou-se a publicar em Paris a primeira revista franceza, desti-
nada a advogar a causa do ensino secundário para o sexo fe-
3
i84
minino, com o titulo que serve de epigraphe a este artigo. O
redactor, Mr. Camille Sée, tem tomado parte activa na politica
do seu paiz, já como secretario no ministério do interior e sub*
prefeito de Saint Denis, já como deputado. O diário das ses-
sões da camará citou frequentes vezes o seu nome nos últimos
tempos, principalmente durante a época de 1877- 1880, tornan-
do se então mais conhecido pela apresentação de um projecto
de lei (que depois recebeu o seu nome) em beneficio da instruc-
çSo secundaria da mulher. Em i88o apresentou o mesmo de-
putado até um projecto de lei sobre a capacite citrile de la femme.
Collaboram com Camille Sée na citada revista um grup^
po de senadores e membros da Academia franceza, que formam
um comité consultatif^ na redacção. Devemos citar especial-
mente os seguintes snrs.: Germain Sée, tio de Camille, profes-
sor de medicina na Universidade, official da legião de honra e
escriptor laureado em assumptos médicos ; o celebre historia-
dor Henri Martin, auctor da Histoire de France; Carnot, antigo
ministro dMnstrucçâo publica e C. Legou vé, homem de letras
ue se tem occupado especialmente, e com verdadeiro interesse,
a educação da mulher, como o provam os seus escriptos: His-
toire morale des femmes (ò.* edição), e La femme en France au
XIX siècle (1864); seu pae deixou também uma obra intitulada:
Le mérite des femmes. (Paris, i838).
Estes nomes são já garantia segura dos intuitos da re-
vista, da competência e seriedade com que são alli tratados
os assumptos correlativos. O seu íim é inspirar verdadeiro in-
teresse a todo o paiz n'uma questão de tanta magnitude, con-
verter os adversários, e de dar o ultimo golpe nos preconceitos,
confessados a custo, de tantas pessoas que se dizem illustradas ;
informar os adeptos á cerca dos progressos que a causa vae
fazendo, sem deixar também de moderar sabiamente o impulso
d^aquelles que são arrastados por um enthusiasmo excessivo
(n.® 5 de 1882): Importance de Véducation des jeunes filies por
Louis Bauzon.
Em concordância com este programma achamos no pri-
meiro fascículo — julho de 1882 — uma rápida revista em que
se apreciam os primeiros resultados, alcançados desde a promul-
gação da lei, e que não corresponderam plenamente á especta-
tiva dos partidários mais ardentes, porque o terreno estava in-
culto. Faltava tvido : edifícios próprios, pessoal docente habilitado
e, alem disto, a experiência que só se adquire com o tempoi
O próprio autor do projecto, mesmo, não se deu por satisfeito,
completamente, porque as suas propostas soíFreram no Conseil
i8S
supérieur um corte, que modificou as suas intenções, tanto no
que dizia respeito á duração dos estudos, como á sua extensão
[v n.® 2, 1082). Comtudo, é justo confessar que a França deu
um passo notável no novo caminho, como se pode reconhecer
pela leitura de uma minuciosa e lúcida memoria de Mr. Gréard,
que forma supplemento ao fascículo de novembro, (analysada
no Litterarisches Centralhlatt de 24 de fevereiro) e na qual o
autor historia as tentativas anteriores.
Ha mais ainda. A extraordinária rapidez com que por
toda a parte se levantam os instituitos de instrucção secunda-
ria para o sexo feminino {colides et lycées), cuja descripção e
analyse occupa vários artigos da nova revista, prova que
tanto o estado como as communas tomam a reforma a serio,
e estão resolvidos a executar a lei com toda a promptidão.
A' maior diíficuldade com que se luctava era a falta de
mestra*', por isso se fundou o seminário de Sèvres (Directora
M.™* Jules Favre), cuja organisação está completamente termi-
nada (n."' I, 2, 3, 7 de 1882 e n.** 2 de i883). O programma
de ensino é analysado detidamente, em toda a sua extensão
(n.« 4, 7 de 1882; n.^ 1 e 2 de )883, e continua); os exames
são annunciados e depois dá-se conta, tanto das exigências fei-
tas aos candidatos, comp dos resultados obtidos. Outros arti-
gos tratam do desenvolvimento physico das raparigas (n.^* i,
2, 7); outros passam em revista antigos methodos de educação
e ensino, como termo de comparação. São* interessantes, a e3te
respeito, os eitudos Léducation des jeunes Jtlles à Vort-Ro/al;
Léducation de SM. de Sévigné, e sobretudo o artigo Le meti-
leur système d''w$truciion publique (n.° 3 de 1882); n^este ul-
timo apresentam*se extractos de uma memoria sobre a educa-
ção feminina de M.*"® Marie Casimire-Ladreyi, de Boston,
premiada no concurso Pereire.
A revista occupa-se também com a analyse dos institutos
do estrangeiro (des lycées de jeunes filies en Italie; les instituís
féminins en Russie et les dames de classe par C. Hippeau * ; au
Japon; le discours d^ouverture de ranuée académique à Liège
^ Celestín Hippeau é autor das seguintes obras, que publicou como
fructo de uma serie de missões officiaes de que foi encarregado pelo go-
verno frarcez : Uinstruction publique aux États-Unis (1869), en Angleterre
(1872), en Qéllemagne (1873), en Italie (1874), en Norwège, Suède et Dane-
mark (1876). Sobre a sua actividade CQmo pedagogo e a de sua mulher Eu-
génie Hippeau-Delacour, veja-se o Dictionnaire des Contemporains de Va-
pereau. Paris, 1880. *
BBVI8TA DA SOCIBDADBDE INSTRUCÇÃO DO PORTO. 18
i86
etc.) figurando as escolas d'AIlemanha, já se vê, em logar proe-
minente (Une lettre cTo/lllemagne par Paul Dupuy; Vicole
Charlotte à ^erlin) e do mesmo modo as revistas especiaes de pe-
dagogia (Lesjeunes Jilles allemandes et leurs lectures, traducção
de um aitigo da Zeitschrift ^úr weibliche Bildung de Elberfeld.)
Juutem-se ainda noticias bibliographicas e críticas sobre
as revistas nacionaes e estrangeiras de pedagogio, documentos
officiaes sobre o ensino, vistas e planos de varias escolas, in-
cluindo até duas chromolithographias, que representam o traje
escolar das jovens pensionistas de Montpellier, e far-se-ha uma
ideia da variedade dos assumptos que enchem as paginas da
revista de Mr. C. Sée.
A publicação é mensal, em fasciculos de 4 folhas em 8.®
gr.; o seu preço i franco por numero, em França. E' editor
Leopold Cerf, Paris, rue de Médicis, livreiro conhecido pela
sua Houvelle collection illustrée.
O que ha especialmente a louvar n'esta publicação é o
modo imparcial e objectivo como o programma tem sido cum-
prido. Nos artigos de caracter menos especial ha ainda uma
qualidade particular, que interessa a massa, a linguagem franca,
o tom sincero e convicto, que vera do fundo da alma e que fixa
a attenção de um leitor mesmo leigo na matéria. Por todos estes
motivos nos apressamos a recommendal-a cordialmente a todos
os amigos da instrucção em geral, e em especial a todos aquel-
les que se empenham pelos progressos da educação do sexo fe-
minino.
Berlin^ março de i833.
Bertha von der Lage.
A EXPOSIÇÃO DE CERÂMICA*
I
AZULEJOS HISPANO PORTUGUEZES
E* um capítulo quasi em branco este de que vamos tra-
tar. O conde de Raczynski deu em 2846 uma pequena notida
de Rivara e uma memoria do visconde de Juromenha. Rivara
^ A pedido de vários sócios, e de accordo com a redacção, publica-
mos novamente estes artigos, que )â sahiram no Cammercio do Porto de
i87
via muito á pressa a que havia em Évora, e viu mal, portanto^
•como provaremos. Évora é precisamente uma das cidades de
Portugal mais ricas em azulejos de varias epociías é estylos.
Um artigo recente do snr. Gabriel Pereira, ^ de Évora, ofFerece
muito mais do que Rivara e prova novamente a necessidade de
estudos locaes,.â urgência que ha em organisar commissões pro-
viodaes para a investigação minuciosa, in loco. Nós mesmo,
percorrendo o Alemtejo e o Algarve, conseguimos fazer uma
serie de descobertas de azulejos datados que escaparam ao exa-
me de pessoas das localidades, aliás curiosas, e não indifferen-
tes a estas antiguidades.
Ora o azulejo datado é precisamente uma preciosidade,
mormente quando os assumptos que eile representa se relacio-
nam com a vida nacional, com os factos da historia, com as
tradições e lendas religiosas, com os usos e costumes do nosso
po7o, porque ha de tudo. Geralmente suppõe se que o azulejo
serviu apenas para illustrar a historia sagrada, a paixão de
Chrisío, a vida da Virgem, o martyrologio dos santos. O va-
lor da obra seria, n^estes casos, secundário, porque não é difí-
cil provar que esses assumptos representam muitas vezes có-
pias mais ou menos disfarçadas de gravuras allemãs e flamengas
do século XV] a xviii. Basta citar os livros de devoção editados
sob a influencia dos jesuitas nas ofScinas de Antuérpia (Planti-
niana) e Augsburgo, que deram largo contingente para os azu-
lejos peninsulares da epocli^ citada K As scenas da vida pro-
novembro e dezembro de i8S2..A1em do material comparativo das notas^
que é todo inédito, ba ainda bastantes modificações e aditamentos no tex-
to, que justificam a reimpressão. O assumpto é alem d'isso novo, entre
nós, e exigiria talvez ainda mais amplo commentarío do que aquelle que
offereceraos em as^ notas, as quaes indicam o caminho a quem desejar fa-
•zer estudos mais completos.
^ Vid. o jornal de Évora O Manoelinho de X2 de julho de i88f .
* Vejam-se as seguintes obras muito características e profusamente
^Ilustradas.
Regfia via crucis auctore D. Benedicto Haestena Antverpiae ex offi-
dna Planunian^ Balth. Moreti i735. 8.« pcq. com 37 grav. cm cobre. Ha
uma trad. hespanhola d'esta obra : Camtno real de ia Cruif, que tem varias
edições; vimos a 3.* Madrid, por Blas Roman. Anno de 1785. i6.« em
3 vol., com cavaras imitadas.
Antoni Sucquet e Societate Jesu. Via Vitae cetemae Iconibus illu-
strata per Boetium a Bolswert. Autverpiae x6ao. Vimos a 7.* edição Ibid.
a73o^8.» com 3a gravuras cm cobre.
Vita^ doctrtna, passio Domim nostri Jesu Christi symbolicis fíguris
•ezpressac. . . per P. Codcstinuib Leuthner. Augustac Vindclicorum, 1733
i88
fana, as grandes caçadas, as touradas, a& merendas ao ar livre,,
os encontros galantes, as batalhas de terra e mar, a vida dos
ofBcioF, tudo forneceu elementos ao artista peninsular.
O visconde de Juromenhj, deu, com o escrúpulo e a in-^
telligencia que o distingue, noticias muito interessantes a Rac-
zyn^ki, sobre as quaes o snr. Ádolphe de Ceuleneer construiu
recentemente uma memoria mais extensa, em que trata dos
azulejos peninsulares. O author belga soccorreu-se também aos
trabalhos he^paphoes dos snrs. José Maria Asencio e Riano^
nSo esquecendo também a memoria especial do barão de Da-
villier sobre as faienças hif^pano arábigas de reSexos metallicos^.
Investigaç6t:s próprias, dados novos, são muito raros no
opúsculo do nosso erudito amigo ; é esta a verdade. A única
data positiva, que cita, relativa a Portugal, refere-se ás grandes
composições de António de Oliveira, na igreja dos Loyos, em
Évora (171 1), data já conhecida de Raczyn.-ki*. E, não obstante^
8.^ peq. com 100 grav. em cobre, e 3oo composições symbolicas^ grav. por
Klauber. Podíamos citar mais obras; estas edições que indicamos pertencem
á nossa bibliotheca.
^ Visconde de Juromenha. cA^ulejos; em Raczynskf Les art$ en
Portugal pag 429-433; e uma nota de Rivara pag. 434.
A. de Ceuleneer. Z.e Portugal. Notes d*art et d'arch<5ologie: Congrès^
(Varchéolosie préhiitoriqut de Ixsbonnt — Azulejos— Grand Vasco. Anvers,
i88a. 8.<» O capitulo azulejos abrange as-pag. 40-60^ sendo três pag. sobre
Pprtugal.
José Maria Ascncio. Azulejos de Triana na revista La oácademia-
Madrid, 1877, ^^l. n. Fez- se uma tiragem á parte d'este estudo^ em pou-
cos exemplares (i3 pag.)
J. F, RiafH). The industrial arts in S;?âin. London, 1879 edit. pelo
Museu de South Kensington. Pottery and porcelain pag. 143-227.
Do mesmo. Sobre la manera de fabricar la antigua lo^a dorada de
Sl^anises. Madrid, 1878; na collecçâo de Documentos históricos publica- ,
dos na Re>ista de archivos^ bibliotecas y museos.
Barão Ch. Davillier. Histoire des/aiences hispano^ntoresques à refleís
métalliques. Paris, 1861. 8.»
Poderíamos accresccntar á lista do snr. A. de Ceuleneer ainda :
Barão Ch. Davillier. Les arts décorati/s en Espagne au mojren ãge
et à la renaissance. Paris, 1879, pag. 79 e seg. E sobretudo :
M. Borrell. Tratado teórico y vráctico de dibujo con avlicacion a las
artes y a la industria. Madrid, 1860-1875. Três vol. em fot; e continua.
Obra indispensável para o estudo da arte peninsular.
^ Esta mesma data está errada, por um lapso singiilar. E' x7ii e
nâo 1746, como o diz o snr. Ceuleneer, copiando Raczynski {Dictiort, pag.
2i2) que se exprime confusamente em outra passagem (Les arts pa^. 434).
Da me Fm a fonte copiou o snr. Ceuleneer outro erro. dizendo aue a assignatura
de António de Oliveira está no collegio dos Jesuítas, quanao ella existe na
egreja do convento dos Loyos, da congregação de S. João Evangelista. No
169
uma lista que apresentaremos, indica qurnze, desde 1584 .até
1748, pertencentes' a monumentos da Extremadura, Alemtejo
e Algarve ^. Não havendo dados positivos, não admira que as
conclusões a que chega o^nr. A. de Ceuleneer sobre os azule-
jos portuguezes do século xvic, por exemplo, sejam duvidosas^
e que os trabalhos do século immediato não lhe mereçam at-
tenção. Sobre os hespanhoes haveria ainda a consultar os tra*
baihos de Borrell, que esqueceu, citando as pobríssimas indica-
ções de Jacquemart, que calcou as suas noticias simplesmente
sobre Davillier. Damos estas rápidas informações ao leitor como
simples iniciação no assumpto e iio conductor nas fontes de es-
tudo, lembrando sempre com sincero reconhecimento, que uma
vulgarisaçào do assumpto, como a emprehendeu b snr. A. de
Ceuleneer n^uma lingua universal, é um serviço que devemos
todos agradecer. De resto (e n^isto fazemos ainda justiça), o au-
tor bel^a poderá perguntar o qje escrevemos nós, desde a pu-
blicação da memoria do snr. visconde de Juromenha. Nsula,
alem do artigo do snr. Gabriel Pereira, é a resposta.
Na exposição de arte ornamental de Lii»boa, aonde se po-
deria e deveria ter reunido abundante material para o estudo
dos azulejos peninsulares, estavam apenas onze quadros, pe*-
quenos, e só em parte peninsulares. Existiam então em Lisboa
não só os noventa e dous quadros grandes com perto de 2000
azulejos antigos do snr. J. M. Nepomuceno, que deslumbram
na nossa exposição, mas também os dez quadros do muzeu da
Real Associação dos Architectos e Archeologos Portuguezes;
comtudo nem uns nem outros foram expostos. Um critico es^
trangeiro, commissarío do governo francez junto da exposição,
perguntava, e com razão, como é que estávamos reduzidos a
sioiilhante pobreza? >.
Sendo o azulejo, por sua natureza, um elemento essen-
cialmente decorativo da habitação humana, desde os palácios
de Ninive e Babylonia até á casa de campo de nossos avós,
diremos mesmo até á casa de nossos dias, como é que foi quasi
CoUegio dos Jesuítas está a data i63i, na capella mór; as datas 1746 e
1^47 de Raczynski não estão em parte alguma, nem nos Loyos, nem no
V)liegio de Jesus.
^ Já foi publicada n'esta revista vol. ni pag. 74. Cerâmica portU"
gueza. Documento xui- Azulejas nacionaes datados. A lista será continuada.
> Ch. Yriarte. Lexposition rétrospective de Lisbonne, em três logares.
No jornal Le Tmnps de 12 de 4ibrii de 1882 ; na Revue des deux mondes de
jaaho de 1882 e nz^ía^ette des Beaux-Ârts de maio a >uVho de 1882.
igo
esquecido n^uma exposiçlo peninsular, com caracter eminente-
mente decorativo ou ornamental ? E^ por isso mesmo, por causa
d'este lapso singular que a Sociedade de InstrucçSo folga em po-
der apresentar pela primeira vez em publico a collecção do snr.
J. M. Nepomuceno. Tendo nós visto o que a Hespanha possue
n^este género em Madrid e nos seus muzeus provinciaes, e o
pecúlio dos muzeus de South-Kensington, Louvre, Cluny, etc.^
ousamos affirmar,/sem receio de prova contraria, que a collec-*
çSo nacional do snr. Nepomuceno é única na península e na
Europa pela variedade, pela ligação ininterrupta das series his-
tóricas, e pelo bellisbimo estado de conservação. O especialista
poderá notar talvez o desequilibrio em que estão as epochas
representadas : extrema abundância de typos do século xv e xvi,
muito menor numero do século xvii, e menor ainda do século
seguinte.
Lembraremos, comtudo, que os azulejos das epochas an*
teriores a 1600 são precisamente os mais raros, os mais per-
feitos sob o ponto de vista da factura e do eifeito esthetico, da
applicação decorativa, porque o azulejo representa, segundo o
eminente escriptor Semper, ^ padrões de uma antiga industria
têxtil, extincta, e em toda a antiguidade foi applicado sempre
como um tapete, destinado a cobrir materiaes de inferior qua-
lidade (tijolo), em regiões onde faltava o mármore e outras pe-
dras de menor valor.
No fim do século xvii e principios do século xvui o azu-
ejo perde o caracter decorativo; affasta-se do seu destino
natural; em lugar de tapete temos quadros pretenciosos, de
f|randes dimen&õe^ e nem por isso augmentam os recursos ar-
tísticos. O desenho peiora ; a invenção é fraca ; as scenas repe-
tem-se ; os typos, a physionomia humana perde o caracter indi-
vidual, immobilisa-se, torna-se stereotypica. Em lugar da esplen-
dida polychromia do século xv e^xvi temos a monochromia ; em
lugar da variedade de cores, a monotonia do eterno azul, de
um azul opaco, sem transparência e sem graduação, a aiaior
parte das vezes ; em lugar da pressão em relevo e dos bellos re-
flexos metallicos que se formam dentro das cavidades das laça-
rias alicatadas, temos as superfícies lisus, onde a luz se quebra^
^ Der Stil in den technischen und tektonischen KUnsttn. Munchen,
i863, vol. líy Keramikpag. 1-187. S 97- S 107. Die dekorative Q/íusstatíung.
No vol. I o capitulo *2jas Trín^ip der Bekleidung in der Baukunst, subor-
<linado á Textile Kunst pag. 217 e seg.
191
igualmcDte, sem efPeítos iríados. Só nos últimos annos do sé-
culo xviii é que a fabrica do Rato (quadros d.^' 89 a 92) volta
á polychromia, no azulejo, mas os seus azulejos de figura são
raros, roais raros do que as suas louças ^.
Desde já lembramos ao leitor que deve, na collecçSo do
snr. Nepomuceoo, abstrahir dos quadros n.^ 59 a 6j, azulejos
de figura, em azul vivo, que são composições sacras de fabrico
hoUandez, importado no meado do século XVII ; formam, com
a sua côr intensa, o seu fundo branco, de brilhante esmalte, o
seu desenho largo e seguro, um contraste com os visinbos por-
tuguezes. Note«se ainda a tenuídade da chapa ; são azulejos mui
delgados, mas resistentes. A scena da fugida para o Egypto po-
deria ser pintada por um discípulo de Rubens; é. um episodio
de família, puramente flamengo. O S. Jeronymo, extrahindo o
espinho da pata do leão, nada tem do ascetismo da imaginação
peninsular, como também nada tem de {)ortuguez ou de hespa*
nhol o quadrinho n.^ 5^ de quatro azulejos, com episódios rús-
ticos á feição dos pequenos mestres flamengos ; as qualidades
technícas e attisticas são idênticas ás dos quadros mencionados :
uma grande facilidade, um technicismo superior, emfim : aquelle
ar de ampla liberdade com que se deleita a vista e o coração.
Vieram do paiz que creou os Geusen^ aquelles heróicos «pobre-
tões», que quebraram os ferros hespanhoes em mil pedaços, e
que ainda hoje podem zombar dos descendentes de Luiz xiv
(jue affrontou os seus artistas com o titulo de fagots. E' preciso
ir 8 Lisboa ver as grandes composições em azulejo, de proce-
dência hoUandeza, existentes na Madre de Deus e copiadas tal-
vez sobre cartões de Rubens, para se avaliar bem a relação
do nosso azulejo grande com o typo grande estrangeiro. Pou«
^ J- No clalistro do convento de S. Francisco de Estremoz (hoje quar-
tel militar) encontrámos azulejos bellissimos; que nos parecem ser do Kato,
revestindo os quatro lados em alizar, e a escadaria que conduz ao andar
superíor. Representam arabescos graciosíssimos, foritaados de grinaldas de
flores e plumas (cores : azul, amarello^ branco^ violeta e verde) e medalhões
com figuras^ tudo no estylo Luiz xv. Estão perfeitamente conservados, e
podem considerar-se de primeira ordem. No interior da egreja de Santo
Amaro ha uns azulejos exactamente do mesmo estylo, e que não duvida-
mos classificar como sendo do Rato. Os dois medalhões (entre grinaldas de
flores) representam milagres do Santo ; á direita um grupo efe homens e
muiberes com muletas, subindo a escada da ermida de Santo Amaro, phan-
tasiada. O átrio semi-circular d'esta egreja de Santo Amaro está revestido
de notáveis azulejos em estylo da Renascença (rótulos e pendurados) do
flm do sec. xvi a prindpios do século xvii. V. o que dissemos atraz pag.
76 nota 2.
192
cas são as composições que reúnem como as de António de
Oliveira, em Évora, qualidades superiores de fabrico e de fa-
tura artística^ de grande estylo histórico.
O snr. Nepomuceno poderia ter duplicado a coUecção que
enviou, tal é a abundância de elementos de que dispõe. A sua
casa em Santo António da Convalescença é um muzeu de ex-
traordinário valor; salas grandes, quartos espaçosos, gabinetes;
o pateo, as paredes e os alegretes extensos do jardim e quinta,
tudo está revestido de azulejos, especialmente de typos do sé-
culo passado, dos que menos abundam na exposição. A froo-
taria da espaçosa casa (quasi um palácio) está vestida de alto a
baixo de azulejos dos três últimos séculos, que a cobrem como
se fosse um esplendido tapete. A extensa parede do lado direito
apresenta principalmente os typos lisos, mas polychromicos do
século passado; a parede opposta, lado da quinta, ainda não
tem revestimento, mas não tardará a cobrir-se. Tudo isso é
portuguez de mão de obra, e portuguez de lei pela intenção,
pelo elevado interesse do proprietário por tudo o que pertence
á arte nacional.
Architecto do governo, distincto, e portanto, muito occu-
pado em cargos públicos, chefe de numerosa familia, dedicado
aos seus e aos amigos, o snr. Nepomuceno soube ser fiel a uma
idea durante trinta annos, porque trinta annos se gastaram em
ajuntar aquillo que nós vemos commodamente em poucas ho-
ras, não pensando, nem sonhando os cuidados, as vigilias,
os sacrifícios de toda a ordem com que se paga n'este paiz a
audácia de ter uma ideia generosa. Na mesma casa hospitalei-
ra, que se tornou o asylo da antiga olaria portugueza, ha uma
primorosa collecção de livros portuguezes raríssimos, de ma-
nuscriptos preciosos, de bellos quadros antigos e de singulares
gravuras portuguezas. Cada rehquia tem alli a sua historia, o
seu registro de vida ; cada cousa é uma lembrança ou uma pia
memoria, guardada por um coração portuguez.
Possam estas linhas, rapidamente lançadas no papel, di-
zer ao generoso e erudito coUeccionador o quanto^ a Sociedade
de Instrucção agradece da fundo do coração a annuenda ao
seu pedido, e quanto o publico do Porto estima os poucos por-
tuguezes, que nos dias em que vivemos, pensam que nem tudo
se deve pesar a ouro, que nem tudo se deve vender ao es-
trangeirou
A collecção do snr. Nepomuceno não está isolada ; acom-
pananham-n^a uns preciosos quadros pertencentes ao Muzeu
do Carmo (Real Associação dos Architectos e Archeologos Por-
ígi
toguezes), que abrangem os séculos xiv a xvii ; e ha aindd três
series de fac-similes de exemplares das igrejas de Coimbra, dis-
postos em três quadros grandes. O processo de reprodacção,
escolhido pelo snr. António Augusto uonçalves, foi a aguarella,
e deve-3e confessar que o resultado é brilhante; já mais de
uma pessoa se illudiu com aquelles quadros, suppòndo-os com-
postos de verdadeiros azulejos. O brilho dos esmaltes, a trans-
parência da côr, a intensidade d'ella, os reflexos da luz, em
summa : a caracterisação do efieito decorativo, nada falta n^esta
obra que a Sociedade, conhecedora do talento do snr. Gonçal-
ves, lhe encommendou. Com mais tempo e n^^ais pincéis de
igual força a Sociedade teria apresentado um enorme álbum
de padrões, porque tudo está inédito, tudo está por collec-
cionar.
Ainda assim, a direcção continuará occupando o lápis do
snr. Gonçalves na colleccionação dos padrões de azulejos dos
nossos templos.
As aguarellas téem uma ligeira coberta de verniz, ctrcum-
stancia que tem feito suppor a muitos visitantes que ha alií pin-
tura a óleo.
Em duas grandes vitrines que ladeiam a fonte da nave
central e estabelecem a ligação com as grandes linhas do vasi-
lhame que enchem a mesma nave, estão ainda numerosos azu-
lejos soltos de vários expositores: snrs. A. Luso, Sequeira, M.
de Azuaga, novamente o Museu do Carmo, e alguns poucos
do signatário doestas linhas. O que ha a concluir de todas- es-
tas riquezas ? E^ tudo nacional ?
E^ tudo igualmente bom como fabrico (matéria prima) e
como modelo de estylo ? Ha ahi ordem, ha ahi possibilidade
de uma classificação racional, de estylos e de datas ? Vamos-vêr.
Segundo os melhores autores o azulejo é velho na penín-
sula ; o quadro foi composto primeiro de fragmentos de vidro,
introduzidos na parede, que compunham o desenho, isto é, se-
gundo a processo do mosaico; depois viçram os fragmentos de
barro, e por ultimo a chapa inteira, de desenho imprensado,
iiDitando o mosaico. Foram estes os três processos de execu-
ção, com a matéria prima ; adiante veremos o processo da or-
namentação. As datas correspondentes a esses três processos
são podetn íixar-se senão aproximadamente : século x a xi ; sé-
culo XII ; do meiado do século xni em diante só apparecem imi-
tações de mosaico. Os specimens do primeiro e segundo pro-
cesso são muito raros : vimol-os em Córdova, na grande mes-
quita e alguns poucos de mosaico de barro nos jardins do
194
Alcazar Viejo, muito maltractados ; e temos noticia de outros
do mesmo género no museu de Tarragona. Na exposição não
ba senão specimens do terceiro grupo, imitações do mosaico em
laçarias alicatadas.
Veiam-se os n.^* i -4 do snr. Nepomuceno e fragmentos
dos quadros n.^ 5 e 6; Muzeu do Carmo, n.*** i-3; snr. A.
Luso e quadro n.® i do snr. Gonçalves. Os specimens do pri-
meiro expositor appareceram libados a edifícios de data ainda
anterior, isto é, n.^ i nas ruinas da parochia de S. Bartholo-
meu, cuja fundação data de 1168; o quadro immediato é da
mesma igreja; o terceiro é da parochia de Santa Marinha (1222)^
e o quarto da parochia de S. Lourenço e particularmente da
capella da Santa Victoria (1271), tudo em Lisboa. Os dous nú-
meros seguintes (5 e 6) representam duas miscellaneas de pa*
drões de i3oo a i6oo. Não obstante estas datas, somos de pa-
recer que na exposição não ha azulejos anteriores a i3oo, o
que não deve admirar, porque os edifícios árabes da peninsula
revestidos de verdadeiros azulejos não são muito mais antigos.
A Alhambra de Granada foi principiada em i2ã8; o Al-
cazar de Sevilha foi restaurado completamente por D. Pedro,
o Cruel, de 1 353- 1 364, e o palácio intitulado tCasa de Pilatos»,
da mesma cidade, é obra do principio do século xvi, do devoto
D. Fradique de Rivera, primeiro marquez de Tarifa, o qual, vol-
tando de uma peregrinação á Terra Santa, quiz ter em Sevi-
lha uma imitação fiel da casa de Pilatos em Jerusalém. Este
f>alacío é célebre pelos seus esplendidos azulejos, que não va-
em menos do que os outros, mais antigos, de Sevilha e Grana-
da; o leitor pôde admíral-os n'uma serie de magnificas photo-
graphias da casa Laurent, de Madrid, que estão collocadas pre-
cisamente debaixo dos quadros do snr. Nepomuceno, que
representam o mesmo estylo, diremos até os mesmos padrões^
como o leitor poderá reconhecer confrontando os exemplares.
Ha alli ainda photographías de outros monumentos ára-
bes, que dão uma ideia do effeito -total que produz a ornamen-
tação árabe no estuque, vasàdo em estalactite; na madeira
embrexada; no azulejo de laçarias, sahindo de^todas estas com-
binações um effeito decorativo in descri ptivel, uma obra de fa-
das que só o artista oriental podia inventar. O segredo doeste
effeito está no arabesco^ como vulgarmente se diz, posto que
este termo se applique também á arte da Renascença. O ara*
besco é o resultado da combinação de poucas figuras geométri-
cas ; toda a infinita variedade se reduz pela analyse a um mui
pequeno alphabeto. Authores notáveis hespanhoes, o snr. Bor«
igS
reli priDcipaimeme, analysou no seu magnifico tractado de de-
senho, a theoria da ornamentação árabe com a maior clareza,
o que Jião admira, porque Diogo Lopes de Arenas, já a havia
exposto em Jò33 n'uma obra mui notável ^. Os artistas e arti-
fices bespauhos tiveram sobre os nossos, em todos os tempos, a
vantagem incalculável de possuirem excettentes tratados theo-
ricos, uma tradição naci* nal no ensino, uma ligação nunca
completamente interrompida. Em historia da arte, isto é, na
disciplina que resume syntheticamente os resultados d''esse en-
sino e os coordena, tiveram desde antiga data também uma
serie de escriptores, cuja erudição e cujo critério merece igual
elogio. Bastará citar os trabalhos de primeira ordem de Palo-
mino, Capnianny, Cean-Bermudcz, Ponz, etc. *, no século pas-
sado, com os quaes se tem enfeitado simplesmente os moder-
nos authores estrangeiros que se occuparam da arte hespanhola,
salvo raríssimas excepções.
Dizemos isto, desde já, para que o leitor não supponha
que nós vamos resolver todas as duvidas históricas que a expo-
sição lhe suggeriu na parte respectiva. A base de qualquer es-
tudo histórico é a exploração dos archivos; e este trabalho es-
tava feito em Hespanha em fins do século passado no assumpto
de que tractamos. Entre nós só o snr. visconde de Juromenha
se dedicou a esse trabalho, de que se aproveitou o conde de
Raczynski; pôde dizer-se que elle coordenou apenas os mate-
riaes do snr. visconde. Depois tudo se callou ; e nem por isso
^ Breve compendio de la Carvinteria de lo blanco y ir alado de ala^
W/es. ScTÍlla por Luiz Estupifian, io33, 4.0 Reproduzido na Biblioteca de
Él Arte en Espana vol. iv, com o mesmo titulo. Madrid, 1867-4.° e accres-
centado com o Suplemento ó adiciones ao mesmo compendio por Santiago
Rodrigues de VillafaSe^ impresso em Sevilha em ilil,
' Recordaremos apenas de Palomino o Museo pictórico. Madrid^
J715-1724. Dous volumes in foi. com copiosíssimas e boas noticias. Cap-
nanny Memorias históricas sobre a marinha, o commercio e artes de Bar-
celona (Madrid, 1779-92 em 4 vol.), importantissimas para toda a Hespa-
nha . £. Larruea Memorias politicas y económicas sobre los frutos^ Jabri'
caty minas (^Espana. Madrid, 1789. Até á morte do autor (x8o^) unham
sabido 48 volumes 1 Cean-Bermudez, o V.asari hespanbol : Diccionario his-
tórico dos artistas hespanhoes. Madrid, 1800^ 6 vol. Do mesmo. Noticia
de los arquitectos de Madrid, 1820 em 4 vol. Ponz, Viage de Espana, Ma-
drid, 1786-54 em 18 vol. Por ultimo citaremos a obra capital do Padre
Henrique rlores La Espana sagrada^ começada em 1747. e continuada até
i832 em 45 vol. 4.*' ; e o trabalho similhante, mas de menor valia, de Jaime
Vílianueva. "Viage literário a las iglesias de Espana. Madrid, i8o3-i852
em 22 vol. Que temos nós que se possa comparar com este grupo para o
estudo da historia, da arte e da industria nacional^
196
se deixa de exigir do estudioso que elle seja historiador, critica^
paieographo, etc, cousa que ninguém se lembraria de pedir
em outro paíz ^.
Emquanto não fôr feita uma reforma radical na Tome
do Tombo; emquanto nao houver, como em Hespanha, um cor-
po de archivistas e paleographos, bem organisado e rasoavel-
mente pago, nem os estudos de arte, nem qualquer outro ramo
de estudos históricos poderá dcsenvolver-se plenamente, en-
tre nós.
Não obstante, aqui mesmo provaremos que sempre é pos*
sivel, com algum trabalho, preencher algumas lacunas na des-
curada historia da cerâmica portugueza. Já vimos o que nos
dizem as datas dos quadros da exposição, mas além das que
citámos, ainda ha outras. Temos como certas as que se refe-
rem ao século xv (quadros n.^ 8- 18); a laçaria alicatada, a
combinação geométrica já não predomina exclusivamente, como
no século antecedente; o ornato vegetal vai se introduzindo pouco
a l^ouco, até prevalecer, até ficar só em campo. Do principio do
século XVI em diante, até fim (n.^ 19^4^ e 5i a b4) operasse a
transformação citada, completamente, e ainda se dá outro phe-
nomeno: o relevo do azulejo vai desapparecendo, ficando as
superfícies lisas; o schema das cores conserva-se o mesmo,
desde o século xiv até meado do século xvi; são cince cores
typicas: verde, castanho cKro, turqueza, côr de vinho e ftui-
dos brancos, frequentes vezes com reflexos metálicos de grande
vigor. Depois, as cores vão diminuindo para o fim do século xvi :
quatro, três, duas, até ao azul único, na segunda metade do
século XVII. Não se repare em alguns quadros de uma só côr
verde, mais antigos ; são excepções raras '. Ha alli um magnifico
^ E' íusto mencionar aqui o nome do Bispo Conde Fr. Francisco
de S. Luiz, aepois Cardeal SaraivA e Patriarcha, que explorou muitos do»
oimentos da Torre do Tombo (Vide Obras completas Lisboa^ 1872 1880,
9 vol) para a historia da arte. Outros elementos estão muito dispersos nas
obras de J. Pedro Ribeiro, António Ribeiro dos Santos, Visconde de San-
tarém etc.
* Ha-os também de côr azui escuro, lisos (Nepom. n.« 58 e Doe. vni);
o azul escuro lavrado, com padrão, não o ternos encontrado. O verde liso,
só, não figurava na exposição, mas estava lá o Hvrado (Nepom n.* 7) e o
bellissimo espécimen de Thomar, de grande formato (Museu do Carmo n.*
54). O azul claro (turqueza) com branco, em /aixa, esteve representado em
peças soltas (Ojc. viii), e a faixa verde e branca em o n/" 26 (Nepom) ; o
escaque verde e branco em os n.«" 8, 26 e 36 da coliecção Nepom ; o es-
caque azul e branco faltava.
197
espécimen do século xv, padrão geométrico com esmalte verde
apagado, das capellas da certa do extincto convento de Santa
Cruz de Coimbra (n.° 7); vimos outros com lavores do e&tylo
do Renascimento em Evqra, e também de uma só côr verde K
O quadro composto de romboides verdes e brancos (n.<^
8) é dos paços de S. Chribtovão (1457), e antigo producto das
Caldas da Rainha. E' fabrico da mes^ma localidade o azulejo
do quadro n.<> 26, que pertenceu ao convento da Madre de
Deus: superfície lisa, enxaquetada de verde e branco em banda
e contrabanda (i5io).
Temos, emíim o n.° 24, que é muito curioso, porque é
azulejo dt pavimeuto, do presbyterio do mesmo convento, e da
lne^ma época; é uma superfície lisa enxaquetada em palia e
fieiixa a quatro cores. São raros os azulejos de pavimento ^;
quasi sempre veem-se em alizares, que revestem as paredes até
á altura de um a dous metros ; chamavam a isto precintar de
a;ulejo: pôr cinta. No palácio real de Cintra ha azulejos de pa-
vimento na celebre sala de triste memoria, em que esteve en-
carcerado D. Aflbnso vj; e já que estamos faltando de Cintra
len)braremos que o palácio é um verdadeiro muzeu de azulejos
de alto relevo, dos mais raros e mais antigos que possuimos ;
a este respeito rivalisa com a Sé velha de Coimbra.
Do que fica exposto terá o leitor apurado facilmente o se*
guinte: Sob o ponto de vista do fabrico ha três processos : pseudo-
azulejo em duas variedades : mosaico de vidro e mosaico de
barro; azulejo imitando mosaico, de chapa inteira.
Sob o ponto de vista da ornamentação: laçaria geomé-
trica, que pode ser formada de linhas rectas (mais archaico) ou
curvas até fins do século xv; intervenção do elemento vegetal no
^ Foi isto no outomno de 1882^ entre o entulho de umas obras que
se andavam a fazer na torre da cathedral. O coruchéu do lado esquerdo
estava revestido de velhos azulejos, que foram arrancados, em grande parte.
Acbámos depois o mesmo padrão, mas polychromico, na Sé velha de
Coimbra. Representa uma* albarrada com flores.
' No refeitório do collegio particular, estabelecido hoje no antigo
convento dos Loyos de Évora, encontrámos no pavimento um mosaico (n«
gura estrellada), composto de tijolos amarellos e vermelhos, de bellissimo
effeito. A acura é muito semelhante á que se encontra a pag. 129 da obra
de Gerspacb. lia mosaique. i.** padrão á esquerda. Comquanto não' se)aa^u-
lejo^ citamos aqui este mosaico de tijolo bichromico, como um espécimen
único, que conhecemos, applicado ao pavimento. O tijolo teve outr'ora ecn
bastantes cidades do Aiemtejo e Algarve (Évora, Beja, Estremoz, Villa Vi-
çosa, Tavira, Loulé), uma applicaçao muito artística, comoehemento deco-
rativo da architectura externa.
\
198
principio do século xvr, pela influencia da Renascença e expal-
sâo graduai da combinação geométrica até fins do mesmo sé-
culo. Colorido: as cinco cores typicas, diminuindo o numero,
da segunda metade do século xvi em diante (cerca de i58o)
até ficar reduzido a uma côr única, o azul, no fim do século
XVII. O esmalte é sempre composto sobre base de estanho;
d^ahi o brilho e a transparência das cores. O e^itylo n'esta epo-
cha é^ naturalmente, o estylo geral da arte contemporânea : ba-
roque^ caprichoso, exagerado, com pretensões a novidades grotes-
cas; vemos surgir então as molduras, os escudetes, os rótulos
extravagantes, enfeitados de pesadas grinaldas de ílôres e fruc-
tos; a'^ enormes cornucopias, os génios e os anjos papudos, es-
te.idendo-se perguiçosamente por cima das cornijas; tudo tem um
ar de cansaço, um aspecto pesado, trivial. Ha excepções eapon-
tal-as-hemos no paiz^. Os quaJros da exposição com figura hu-
mana não são muitos, nem distinctos. Citaremos como typos os
^ Apontaremos p. ex. Em Estremo^ç^ os bellos azulejos do con-
vento dos Congregados fundado em 1698, (hoje camará munidpal) com
scenas da vida de S. Felipe Nery ; em Setúbal na egreja de São Julião, a
historia do Santo, do menino Celso e da sua mãe, azulejos muito notáveis,
de intensa côr azul, com inscrípções portuguezas ; o desenho dos quadros
fa? lembrar as estampas de Wierx; tendo sido a egreja arruinada pelo ter-
ramoto de 1755, não podem os azulejos ser anteriores a esta data. Setubaly
na egreji de Santa Maria da Graça, quatorze painéis com scenas da vidada
Virgem, em azul, com moldura polychromica (2> metade do sec. xvni).
No convento dos freires de Palmella formosos azulejos de tapete, da pri-
meira metade do sec. xvir. Em Tkomar, no convento de Chrísto (corredo-
res internos) composições notáveis em tinta violeta (manganez), côr rara, en-
tre nós, talvez fabrico hollandez; outro espécimen raro em violeta, no con-
vento de S^nta Cruz de Coimbra (claustro da Manga). Em Guimarães, no
convento de S. Francisco, quadros da vida d'esie santo e de Santo Antó-
nio, muito curiosos e de bom lavor, sec. xvm. Em BarcelloSy no convento das
freiras de S. Bento, grandes composições de muito merecimento sobre a
historia da ordem ; mesma época. Braga na capella de S. Giraldo, cinco
Quadros da viJa do Santo, trabalhos muito distinctos, que se asseme-
mam no estylo ás grandes composições da egreja dos Loyos de Évora (i.*
metade do sec. xviii). Na mesma 5é de Braga, os azulqos da capella de
S. Pedro de Rates, assignados por António de Oliveira Bernardes, da famifia
dos Oliveiras de Evora>(v. adiante Documento xiii, continuação). Braga, no
convento de Nossa Senhora da Piedade, vários assumptos sagrados, em pai-
sagens muito notáveis (mesma época). Faro, na e^^reja de S. Pedro, no in-
terior, do lado direito: grande composição architectonica com scenas do
Juízo íinal. Faro, na cathedral, capella de Sâo Francisco de Paula, com sce-
nas correspondentes. Silves, na Sé, quadros da vida de Moysés ; Louléy na
matriz, scenas da vida de Nossa Senhora, erc Isto só com relação aos azu-
lejos mais notáveis, não datados, porque já fallajQos dos azulejos com
data (v. retro pag. 74-83).
199
t).*** 87 e 88 (J750-17Ò0). Muito melhores, mas convendonaes na
expressão são os quadros n.^ 80 e 81 com a Circumcísão do Me-
nino e a Natividade da Virgem. As figuras da Fé, Esperança e
Caridade (n/* 84 a 86) não inspiram nem fé, nem esperança, nem
caridade a ninguém. Também não se pôde dizer que os qua-
dros das batalhas de Alexandre ^n.^' 62 a 71) sejam uma tra-
dução apropriada da relação de Plutarcho; aquelles gregos e
aquelles persas são em caracter, em expressão, nos trages, no
amnamento, etc, uma verdadeira mascarada (]65o). Ha alli,
{lado direito, á entrada) azulejos em padrões de tapete polychro-
mico, da mesma epocha, que provam claramente que os artis-
tas estavam n'esse género tradicional muito mais á vontade.
Finalmente, chamaremos a attenção do leitor para os qua-
dros n.®' 89 a 92, que terminam a serie. São da antiga fabrica
do Rato e representam cartouches de estylo rococo e ornatos
graciosos: aves brincando no meio de grinaldas de flores, e gol-
phinhos nadando por entre plantas e arabescos. Estes azulejos
do Rato são raros, como dissemos. A pintura é polychromica,
nas cores tradicionaes, bem segurasse de bello esmalte ; o de-
senho firme e fácil, a um tempo ; em summa, o effeito deco-
rativo completamente satisfactorio. Fechamos esta rápido exame
que daria um volume, sendo minucioso, lembrando uns qua-
dros, cuja falta o leitor terá talvez notado. São os n.^' 44 a 49,
que procedem de fabricas de Talavera (riespanha), segundo a
tradição, e pertenceram ás casas dos Albuquerques, em Azei-
tão. O estylo é da Renascença, mais flamenga do que italiana:
creanças brincando, caçando e tomando banho; outros quadros
são puramente de groteschi^ motivos de ornamentação vegetal,
com animaes de per melo. E^ ainda he.^^panhol o quadro n.° 77,
que tem a assignaturá do artista, Gabriel dei ^arco, f. lôg^:
representa uma dama da epocha com uma rede cheia de — co-
rações. E' escudado dizer o que significa.
Esteve este azulejo em Lisboa, na casa dos condes da
Ponte, ao Calvário, em um palácio celebre, onde se caçaram e
^ perderam, com effeito, muitos corações.
II
LOUÇA ANTIGA PORTUGUEZA
A fabrica do Rato, fabricas de Estremoz; fabricas de Vianna doCastelIoe
de Barcellos ; fabricas do Porto e Lisboa.
Até ha pouco tempo apenas se fallava da fabrica de faiença
4o Rato, em Lisboa, como a única digna de menção no século
200
passado. A presente exposiçSo veio revelar a exbtencia de va«
rias fabricas concurrentes, cujos productos entram agora em
campo. A região septentrional do paiz, principalmente, apresenta
um? ^'e^ie de exemplares dignos da maior attenção, com marcas
novas, e é natural que agora appareqam mais espécimens da
mesma procedência, de que não se fez caso até hoje. Queira
cada um procurar bem em casa, entre a louça velha que deitou
a um canto, mais ou menos damnifícada, e não ter receio de se
envergonhar com ella; para o estudioso, para o historiador, um
simples fragmento com uma marca, com um signal qualquer, é
muitas vezes o fío conductor n'*um escuro labyrintho, e a his-
toria da nossa cerâmica não tem muita luz, como é notório.
Ninguém sabe, por exemplo, até hoje, o que é feito da louça
portugueza, do vasilhame do século xv e xvi. Só do século se-
guinte é que temos alguns exemplares, que pertencem ao rei-
nado de D. Pedro ii.
Os dous boioes de botica do snr. G. Tatt (n.^ 140 e 141)
sSo do reinado anterior de D. João iv, e trazem ambos uma
preciosa data: 1641 por debaixo das armas reaes portugue*
zas; mas peças d^e^ta ordem são raríssimas. ^ E' a data mais
anitga que até hoje se tem descoberto em peça de vasilhame
portugueza.
Rhtão perfeitamente conservados ; a sua pintura é um la-
vor de arabescos d? estylo baroque, em tinta azul clara, sobre
um esmalte branco de bõa qualidade '.
{Continua.) JoAQUIM DE VaSCONCELLOS.
1 A Sociedade de inslrucção possue hoje um outro exemplar (3.o)
com as mesmas armas e a mesma data de 1641, dadiva do consócio snr.
dr. Brandt.
' Eis a nossi descri pção no catalogo da Exposição (Documento x,
Louça antiga portuguesa),
N.o 140 Boião alto, excepcional 0,27 Vi ^' ^^ frente as armas reaes
que teem em baixo a data — 1641 — No verso um cavalleiro em trages da
época, pescando ao anzol sobre umas rochas que servem de base a uma for-
taleza. Em baixo, no mar, dous navios á vela, e um bote, movido a remos.
Pintura azul claro, a largos traços. Sem marca.
N.<> 141. Outro exemplar com aa mesmas armas e data; No verso
uma paisagem: uma corça, saltando por cima de uma ponte: em baixo
três patos grandes, na agua .
3.« ANNO
I DE MAIO DE i883
N.-5
a
O presente Discurso de Duarte Ribeiro de Macedo foi
escripto em Paris em 1675, mas ficou inédito até ao principio
d*estc século. A edição mais accessivel era a de A. Lourenço
Caminha ^, de que nos servimos, mas já é hoje rara. Explica-
remos em poucas palavras as razões que determinaram esta
reimpressão.
Em primeiro logar, o escripto de Macedo é o único que
possuimos, em lingua portugueza, em que se reflecte o movi-
mento de reforma do ensino das artes industriaes e dos oificios
em geral, qne Colbert iniciou em França, marcando uma nova
época na historia do seu paiz e na historia geral da industria
europêa. Ribeiro de Macedo teve occasiâo de estudar esse mo^
vimento no próprio centro da acção, em Paris, durante o tempo
da sua enviatura. Dotado com raro engenho e talento de obser-
vador reconheceu logo todo o alcance das medidas de Colbert.
O primeiro edital com que o grande ministro inaugurou o seu
systcroa de educação nacional é de 23 d^agosto de 1666 sobre
as manufacturas da Normandia '. Em 166 1 tinha o ministro
occupado o logar de Fouquet e em 1675, anno em que Ribeiro
de Macedo redigiu o seu Discurso ainda a reforma não estava
completa; Colbert morreu só em i683, trabalhando sempre.
Pôde dizcr-se pois, mais uma vez, n''este caso como em muitos
outros, que Portugal foi bem servido e a tempo, que não faltou
na grande crise politica e económica do reinado de D. Affonso
VI um espirito lúcido, um homem de profunda sciencia, capaz
de comprehender o que fazia um dos maiores reformadores do
stc. xvii e de adivinhar todo o alcance de uma incalculável re-
forma. Resta só averiguar se confiaram a esse homem a acção,
se o deixaram curar o doente. Não, é a resposta. Só o Marquez
^ Obras inéditas de Duarte Ribeiro de Macedo etc. Lisboa, 1817.
&* peq. O Discurso occupa as pag. 1-X02; não se encontra na edição das
suas obras completas em 2 vol., adiante citada.
• Freiherr von Dumreícber. Ueber den franzosischen National'
Wohlstand ais Werk der Er^iehung, Erste Btucíie. Wien, i87o pag. 69.
Ahi mesmo as razões porque se marca esta data, postoque Colbert orde-
nasse anteriormente outras medidas. ^
VÈXJSTk DA SOCIUDABB DB INSTRUCÇÃO DO POaTO. U
202
de Pombal é que começou a ensaiar o plano.de Macedo oitenta
annos depois de elle o ter escrípto ^. As medidas do ministro
teem, sob o ponto de vista da organisaçâo da industria, tanta
originalidade como as leis sobre a reforma do ensino. De um
lado encosta-se a Ribeiro de Macedo, do outro ao medico e
pedagogo dr. Ribeiro Sanches. O primeiro despertou a 5ua at-
tençâo sobre as medidas de Colbert *; o segundo forneceu-lhe
o plano para a reforma da Universidade e para a fundação do
Collegio dos Nobres. A reimpressão das canas do dr. Sanches
que se fez n''esta Revista^ devia ser accompanhada de uma nova
edição do discurso de Macedo ; os dous trabalhos completam-
se aqui, e sobre a fnesa do grande Marquez estavam decerto
um ao lado do outro; Caminha assegura que fez a sua edição
sobre o manuscripto autographo de Macedo, que pertencera a
Pombal '. E' escusado dizer que não nos passa pela mente a
ideia de diminuir o merecimento das reformas do ministro; a
iniciativa foi d^^elle; foi elle que convenceu o rei, expondo-se a
todos os ódios e a todos os ataques. Confessado isto, não nos
levarão a mal que púnhamos debaixo da assignatura do Mar-
1 As medidas do Conde da Ericeira D. Luiz de Menezes, Vedor da
Fazenda na regência de D. Pedro ii, roram neutralisadas pelo tratado de
Methwen (i7o3), e talvez ainda mais pelas descobertas das minas do Brazil
/1693), que produziu uma nova loucura, semelhante á do século xvi, apoz a
descoberta da índia. «O Brazil não dava tantas riquezas a Portugal, como a
producção e a manufactura das sedas á França^ e ao Piemonte» (Neves.
Noções, pag. 5).
' O ministro, mandando á Direcção da Junta do Commercio a me*
Ihor obra de Colbert, a CoUecç.io dos Regulamentos geraes^ e particulares,
concernentes ás manufacturas^ e fabricas de França (Paris, ijSo^ em 4
Yol.), acompanhava a remessa com as seguintes linhas muito significativas
«o qual riivro) ^tiro da mmha livraria^ para que depositando-se perpetua-
mente soDre a meza, em que se fazem as conferencias no Real Collegio das
Manufacturas nacionaes, possam os mesmos livros servir não só de instruc-
ção aos directores actuaes, e futuros ; mas também à utilidade publica,
para os guiar ao acerto, e adiantamento dos negócios, que fazem o objecto
aesta direcção, na qual poderão ser vistos em todos os casos occorrentes
para o melhor acerto, e deliberação doestes estabelecimentos ; recomcnen-
dando V. S.* da minha parte, que os directores os leiam todos, e que este
q4víso se fegístre na contadoria, lan^ando-se os mesmos livros em lem-
brança no inventario dos papeis mais recommendaveis d* esta direcção^
para que nunca d'ella possam ser extrahidos debaixo de qualquer pretexto
que seja (29 de maio de 1773) ; apud Neves. Noções históricas, económicas
e administrativas (sobre a fabrica das sedas e annezas) Lisboa, pag. 88 nota.
8 «Recolhidas da melhor fonte original que possuiu o Ilíustrísãmo
e Ezcellentissimo Marquez de l^ombal, Sebastião José de Carvalho e Mello»
pag. I do Prologo.
203
quez a dos seus coilaboradores, o que tem sido esquecido ainda
pelos mais modernos e conscienciosos historiadores nacionaes ^.
£' um aao de justiça que nos gloriamos de praticar, e que tal-
vez estaria já saldado, se os dois escriptos de Sanches e Macedo
oSo fossem infelizmente tão raros.
No momento presente em que tanto se falia da reforma
do emino profissional, que tomamos a liberdade de traduzir
mais claramente em: «retorma das condições da aprendizagem
nos officios manuaes», a publicação do Discurso de Macedo
parece-nos ter ainda a seu favor o merecimento da opportuni-
dade. E' escusado dizer que uma parte das ideias económicas
do autor teem hoje apenas valor histórico; escreveu-as quando
éramos ainda uma potencia colonial. A organisação dos officios
baseava-se então sobre uma serie de privilégios; tudo isso pas-
sou, mas o que pudemos e devemos ainda estudar é a questão
do methodo, a relação que existe entre o presente e o passado,
em summa: quaes são os elementos tradicionaes das industrias
portuguezas e t^asear a nova reforma sobre esses elementos.
Nenhum paiz faz, impunemente, taboa rasa sobre o seu passa-
do, sobretudo em questões que se relacionam intimamente com
o ensino publico, com a educação nacional, que se transforma
só mpi lentamente. A França, mesmo, teve de o reconhecer na
questão especial que pretendemos analysar: a reforma da apren-
dizagem nos officios ^. Apesar dos seus incomparáveis recur-
sos, apesar da energia e elasticidade do génio francez, dos rer
cursos pecuniários da nação e da incalculável vantagem de ter
iniciado a moderna reforma do ensino technico, industrial e ar-
tístico, achou-se vencida em nossos dias, primeiro pela Inglaterra
e depois péla Áustria. Os seus pedagogos ja confessam grave
perigo perante um terceiro concorrente : a Allemanha ^.
O metbodo que esses paizes puzeram em pratica é, pre-
^ Citaremos apenas o snr. Latino Coelho. Historia politica e militar
de Portugal desde os fins do xvm século até 1814. Lisboa, 1874 vol. i. Nem
uma palavra das cartas de Sanches, nem uma palavra do discurso de Ma-
cedo. Neves^ que tanto elogia o conde da Ericeira D. Luiz^ nem sequer cita
o nome de Macedo no volume das Noções ; apenas refere a anecdota da
Condessa de Vimioso, e uma outra noticia avulsa nas Variedades.
* Vid. as provas em K. Biichner. Lehrlingsfrage und gewerbliche
Bildung in Frankreich. Eisenach, i878.
' Maríus Vachon. Nos industries d^art en péril . Un musée mtiníct-
al éTéludes dart industriei. Paris, 1882. 8.^ gr. Vid. a analyse d*este traba-
bo em as nossas Revistas de Bellas Artes e Artes industriaes, publicadas no
JormU do Commercio de Lisboa^ março e abril de i883.
l
204
dsaroente, aquelie que apontamos, e temos advogado ha bas^
tantcs anoos. A Sociedade de instrucçâo do Porto começou já
a executar o projecto de reforma, pelas exposições espeda^
pelas conferencias, pelos congressos, pelas vhgens de estudo dos
seus delegados dentro do paiz, peia propaganda diária na im-
prensa ; amanhã terá a escola com as suas officinas, o campo
pratico que procura, e de que precisa indispensa^elmente, para
provar aos incrédulos que não vive de phantasias.
As notas que accompanham o texto de Ribeiro de Macedo
são nossas ; a edição de António Lourenço Caminha não tem
nenhuma. O leitor julgará do merecimento d''ellas no fim, de-
pois de conduido o texto, quando recapitularmos a doutrina do
autor. O nosso intuito, ao fazeUas, não foi &õ escolher o fru-
cto entre as folhas, distinguir o que tem valor retrospectivo e
prospetivo, mas pôr es observações do autor em relação com
as dos poucos escriptores portuguezes que se occuparam com
as questões do ensino technico, industrial e artistico, até á ex-
tincção dos privilégios dos officios ^.
Na era nova, na era da liberdade, só um homem tratou
seriamente da reorganisação da aprendizagem. Foi Fradesso da
Silveira, mas ninguém deu por isso ^. No mundo official houve
uma tentativa para a solução practica do problema; os contem-
porâneos não a entenderam ; seria talvez cedo. Os Conservató-
rios das Artes e Officios, creados cm i836 em Lisboa e Porto
por Fassos Manoel foram, cfiScialn^ente, cobertos de ridiculo em
i852 e supprimidos, (v. retro pao. 162). Os Institutos indu-
striaes, qce os substituíram, nada fizeram em benefício do proble-
ma; & ofRcina continua a ser o que era — um cahos, aggravan-
do, dia a dia, a situação da ciasse operaria e annunciando um
futuro prenhe de todos os perigos da questão social.
Concluímos com alguns traços biographicos de Duarte Ri-
beiro de Macedo.
Nasceu em Lisboa em 1618, sendo filho de Fernando
Duarte c D. Maria de Abreu. Os seus estudos superiores prin-
cipiados em Évora, onde recebeu o grau de Mestre em Philoso-
phia na Universidade, (oram concluídos em Coimbra, alcançando
alli o grau de Bacharel em Direito cesáreo. Entrou depois na
magi>tratura, desempenhando, cem vantagem, os togares de Juiz
de fora em Elvas, corregedor da Torre de Moncorvo e Senador
^ Obras de Neves, Noções e Variedades: Ratton, Recordações, etc.
^ Estudos. Lisboa, 1872. Estudo iii . oís ojicinas-escolas de Flandres.
2a5
da rdaçSo do Porto, d^onde passoa á casa da SapplicaçSo a i%
de junho de 1666 e a Dezembargador dos Aggravos a u de
de feverdro de 1668. A sua vida diplomática começou tarde,
quando tinha quasi cincoenta annos, indo como Secretario na
embaixada do Conde de Soure D. João da Costa, enviada por
D. A£Fonso vi a Luiz xiv. Tendo chegado a Paris a 4 de junho '
de 1659 teve pequena demora ; a i3 de Novembro do anno se>^
Íuíflte estava de vòlca em Liiboa, partindo segunda vez para
Tança em março de 1668 como Enviado ordinário. Esta se«
gunda residência durou nove annos (1668-1677). Não é aqui o
logar próprio para recordar os serviços que Ribeiro de Macedo
prestou ao paiz na corte «de Paris, onde tudo eram promessas
e palavras vãs, tendo o cardeal Mazarin apenas em vista ven-
der aos Castelhanos a exclusão de Portugal no ajustamento da
paz pelo mais alto preço que podesse ^. A sua missão como En*
viado foi mais agradável, mas não menos difficii. De 1660 a
a 1668 tínhamos, é verdade, ganhado as batalhas do Ameixial
(i663, 8 de junho], de Castello Rodrigo (i664« 7 de julho) e de
Montes-Claros (i665, 17 de junho); a 31 de março de 1667 as-
sígnavase a liga oifensiva e defensiva com a França, precedeu-
doa o casamento de D. Affbnso vi com M«"* de Nemours, a le-
viana parenta de Luiz XIV (junho de 1666). Passado um anno;
o irmão D. Pedro ii rouba-lhe o throno, e um anno depois a
mulher; isto foi a 2 de abril de 1668 e a i de maio era Duarte
Ribeiro de Macedo apresentado a Luiz xiv, como Enviado de
Portugal. A paz com a Hespanha fizera-se a i3 de fevereiro
do mesmo anno, sendo reconhecida a nossa independência, mas
as questões coloniaes com a Hollanda, que dependiam da in-
tervenção da França, ainda exigiam todo o cuidado. Macedo,
apesar de estar nomeado para a corte de Madrid em janeiro de
1675, só em fevereiro de 1677 é que se dispunha a partir (San-
tarém op. cit. pag. 648 e 653); a 20 de junho de 1677 estava
novamente em Lisboa. Os serviços que havia prestado á coroa
^ Visconde de Santarém, Quadro elementar das relações politicas e
diplomáticas de Portugal. Paris, 1S44, ^<>^- ^ P^g* G^i- ^ Conde de Soure
levava amorisação para offerecer ao Cardeal dous milhões de cruzados,
pagos em dous annos, e o Arcebispado de Évora pela inclusão de Portugal
xu) tratado. Obras do Doutor *Duarte Ribeiro de Macedo. Lisboa, 1767. 4.^
vol. I p. 20. O visconde de Santarém falia só de um milhão (pag. 446).
Foi Macedo que redigiu todas as memorias íusdfícativas, publicadas pela
Embaixada de Portugaí, e que se encontram na' edição supracitada das
suas çbras.
206
foram reconhecidos pela sua nomeação de Plenipotenciário ao
Congresso de Nymwegen (junho de 1679), cargo que não acceitou.
Pouco tempo se demorou cm Madrid poraue, sendo despachada
para a corte de Sabóia morreu no caminno, em Alicante, a 10
oe julho de 1680, comando apenas 62 annos. Assistiu aos seus
últimos momentos o clérigo D. Raphael Bluteau seu confessor^
padre virtuoso e grande sábio, que tau bem concorreu sob a
influencia de Macedo com os seus trabalhos para o melhora-
mento de uma importantíssima industria nacional K
Joaquim de Vasconcellos.
SOBRE A INTRODUCÇAO DAS ARTES
n'este reino
. (i67«)
Discurso
PRIMEIRA PARTE
Diz-me y. S.* que está lastimoso o Commercio do Reino;
porque as nossas Mercadorias, por falta de valor, não tem sa-
nida, e que os Estrangeiros para se pagarem das que méttem
no Reino, levão o dinheiro. Mal he este, que pede remédio
Srompto ; porque se continua, perder-se-hSo as Conquistas, e o
Leino. As G>nquistas, porque a sua conservação, he depen-
dente do valor dos fructos, que nellas se cultivão, e se não tem
valor, não tem gasto, nem se podem commutar pelo infinito
número de géneros, de que os moradores delias necessitão : o
Reino, porque o dinheiro he o sangue das Republicas, e suc-
cede no Corpo Politico com a falta de dinheiro o mesmo que
succede no corpo physico com a falta de sangucSem dinheiro,
e sem Commercio, poderão viver os homens; mas da mesma
sorte que vivem os índios no Brazil, e os Negros em Africa,
dos fructos rústicos, e naturaes ; mas sem Sociedade civil, que
^ E' d'elle a primeira obra em portuguez sobre a críaclo do bicho
da seda j Imtrucçáo sobre a ctdtura das amoreiras e creaçâo aos bichos da
seda* Dirkida á consenração e augroento das manufacturas da seda, etc.
Lisboa, 1079; edições posteriores em 2728 e 1769.
207
he o qoe os distíngue das feras. Estes princípios não neccssitao
de prova: passemos de examinar a natureza do mal á dos re-
médios.
Dizem os Politicos, que o mal procede do luxo, e das
modas introduzidas no Reino, dos gastos supérfluos da Nobre-
za nos vestidos, los adornos das casas, nas carroças^ e no ex*
cessivo número dos creados; e que praticando as Leis sum-
ptuarirs as prohibições contra os gastos supérfluos, não mettêrão
os Estrangeiros no Reino mais que o necessário, e não sabirá
do Reino o muito dinheiro, que por aquelle cano continuamente
sahe. ^ He muito boa razão esta, e foi praticada em todos os
Reinos, e Republicas bem governadas. He doutrina derivada
das fontes de Platão e Aristóteles, seguida, e approvada de to-
dos os Authores, e sobre que se fundarão várias Leis, que
achamos no Direito Civil.
A Lei Papfa regulava em Roma as cores, que as Damas
honestas podião vestir, e taxava a quantidade de joyas, com
que se deviam adornar. A Lei Fábia limitava o custo dos ban-
quetes, e a Lei Femiiia o número dos pratos, com pena, pela
transgressão, não só a quem convidava, mas também aos con-
vidados. A Lei Júlia ordenava, que %e não fechassem as por-
tas, e as janellas das casas, em que se davão os banquetes,
para que pudessem ser vistos, e examinados pelos Censores,
cujo Supremo Tribunal foi creado para a execução das Leis
sumptuárias. He conveniente., e justo, que se pratiquem entre
nós ; mas o nosso mal he de qualidade, que não basta este re-
médio para curar-se.
Dizem os Mercadores, que procede este mal dos excessi-
vos direitos que tem nas nossas Alfandegas as drogas do Bra-
zil, e ainda as dó Reino, que os Estrangeiros levão, e argu-
mentão desta sorte : Os Estrangeiros não ganhão nos géneros
que levão de Portugal, senão nos que méttem, e hão de pagar-
^ Passando em claro as leis prohibitívas contra o luxo nos sec. xv e
XYi, recordaremos emente a Pragmática de aS de janeiro de 1677, orde*
nada dois annos depois do Discurso de Macedo t, talvez, já em resultado
das suas informações. Entre muitos outros géneros de luxo prohibiu o uso
de todo o pannOi e chapéus que não fossem fabricados no reino. «Esta pro*
hibiçáo, diz Neves (Variedades vol. 11 pag. 32o), faz suppor, que se julgava
serem sufiBcientes os productos das nossas fabricas doestes géneros de ma^
nufacturas> para o consumo do paiz ; mas nem a Pragmática faz menção
do estabelecimento de taes fabricas, nem o seu objecto parece ter sido ou*
tro, que o de cohibir o luxo, e ella mesmo declara ter sido promulgada em
conseiiaencia de representações dos povos, juntos em cortes».)
so8
se defles, oo em fazendas, oa em dinheiro : be também certo^
que levâo aquillo, em que menos perdem, e qoe levSo o dí«
nbeiro, porque perdem menos nelle. Com que se diminutssein
os Direitos nas Alfandegas, perderíão menos nas fazendas, e as
levarião antes que o dinheiro. Esta razão he muito boa ; por-
que he certo que se os Mercadores perdem, por exemplo, vitite
6 dnco por cento no dinheiro, e vinte e quatro por cento nas
fazendas, hSo de levar antes as fazendas, que o dinheiro. Não
reprovo esta razão, antes me parece digna de attender-se; mas
tenho por certo, que não procede o mal deste princípio, e estes
ambos remédios não serviráS mais do que de entreter o acha-
que sem o curar : cortaremos os troncos ; mas como fica a raiz,
ha de produzir os mesmos effeitos.
Commummente grítão todos, que se executem as Leis,
que prohibem a extracção do dinheiro: que se visitem as Náos
que sahem do Reioo: que se castiguem capitalmente os culpa-
dos neste deUao; mas este remédio he inútil. A experiência o
tem mostrado assim, e também a razão o mostra ; porque os
Mercadores Estrangeiros hão de pagar-se em fazendas, ou em
dinheiro, e se as fazendas não bastão (como provarei) hâo de
levar o dinheiro, apezar de todas as prohibiçoes, diligencias, e
castigos : e daqui nasce, que deste único remédio, não faço ne-
nhum caso.
O primeiro remédio das Leis sumptuárias curaria o mal,
se o dinheiro que nos levão fora só o pagamento do que nos
méttem supérfluo; mas como he certo que nãò he só do supér-
fluo, mas do necessário, não são aquellas Leis o remédio do
mal, além de que: Que Leis destas vemos observadas? Se a
vaidade dos homens se curara, fácil execução terião aquellas
Leis; mas como he guasi impossivel aquella execução, esta he
a razão porque Tibério no Senado reprovava a publicação das
Leis que só servião de descobrir a impotência das Leis contra
aquelle vicio de muitos annos introduzido, como refere Tácito.
O segundo remédio de diminuir os Direitos nas Alfande*
gas, e o preço das drogas do Brazil, curaria o mal, seellas fos-
sem bastantes, para pagar aos Estrangeiros o preço de todas as fa«
zendas, que recebemos delles; como por exemplo: se recebemos
oito milhões, e temos só quatro que dar em troco, necessaria-
mente havemos de pagar o resto em dinheiro. Não he com tudo
para desprezar este meio, por duas razões : primeira, porque se
os Estrangeiros perdem mais em levar fazendas, do que em le-
var dinheiro (como affirmão os homens de Negocio) levão me-
nos em dinheiro, tudo o que levarem ' de mais em fazendas, e
909
drogas. A segunda razão he, porqne a falta do consommo dos
nossos açacares nSo procede da carestia delles somente, mas das
Fábricas que os Inglezes, Hollandezes, e Francezes, tem nas
Uhas da America, e a diminuição dos preços dos nossos, junta
com a sua bondade, lhes facilitava a sabida, sendo o seu infe^
rior, e custoso; e por esta razão ouvi a muitos Estrangeiros,
que por facilitarem o gasto dos seus açucares, os misturavam
com os nossos.
CAPITULO I
Qual he a cama da sahtda do dinheiro do Reino?
O Commercio se faz, ou por permutação, ou por com-
pra, e venda, trocando fazendas e fructos por fructos e fazen-
das, ou pagando a dinheiro. Deste principio sabido em Direito,
se seguem três estados de Commercio; primeiro, rico 'segundo,
mediocre; terceiro, pobre. O rico, he quando hum Reino tem
roais fazendas que dar, de que os outros necessitão, do que tem
necessidade de receber; porqce pelo valor em que excedem as
fazendas, e fructos, que dá ás que ha de receber, necessaria-
mente recebe dinheiro. O mediocre, he quando tem fazendas,
e fructos que dar em i^ual valor aos que recebe ; porque nem
se empobrece dando dinheiro, nem se enriquece reeebendo-o.
O pobre, he quando necessita de mais fazendas, e fructos, do
que tem para dar; porque necessariamente paga o excesso do
dinheiro. ^
Nós estamos neste terceiro estado de Commercio, e está
he a única causa, porque os Estrangeiros tirão o dinheiro do
Reino : elles o confessão assim. O Marquez Durazo, Presidente *
de Génova, em Paris me disse, que o seu Commercio com Por-
tugal se perdia; porque, mettendo em sedas, papel, e outros
géneros muita fazenda, tiravam em açucares, tabacos, em maior
quantidade do que podião gastar : donde se seguia, terem os
armazéns cheios doestes géneros, e se vendião em Génova a
mais baixo preço, do que em Portugal ; o que os obrigava a
levar dinheiro com risco de lhes ser tomado pelas nossas pro-
bibições.
Os Inglezes só em três géneros, baetas, pannos, e meãs de
^ A differença da iúiportação sobre a exportação ainda era em 1777,
no anno em que acabou o governo;de Pombal de i "492, 3 1 5^0 1 5 réis. V. ArU
e Diccionario do Commercio, e economia portuguesa. LisboB, 1784, Prologo.
> Deve lér-se, provavelmente. Residente,
210
seda, e lã, deixando outros de menos conta, méttetn no Reino
buma somma inestimável. Só em meãs de seda, me disse bum
Inglês prático, que gastava Portugal oitenta mil pares, que a
quatro cruaados cada par, fazem trezentos e vinte mil cru-
zados. ^
O que tirão do Reino são azeites, que também levam de
Itália, e sal, supposto que do de França se servem para o uso
das cozinhas, e mezas: fructa de espinho, açúcar, ainda que
com pouca conta, pelo muito que fabricão nas suas Colónias da
America : tabacos, com a mesma pouca conta, porque o culti-
vão nas mesmas Colónias : páo Brazll, e outras cousas de me-
nos consideração. Dizem que tudo o que tirão, lhes não paga
duas partes do valor do que méttem : e d^aqui se segue, que
oão sabe Náo Ingleza do Porto de Lisboa,, sem levar grande
somma de dinheiro.
Os Francezes méttem grande numero de tafetás, estoffos
de seda, e lã. Samersão he huma Ilha junto á Rochella, onde
se fabricão sarges, e estamenhas ; vivendo deste trabalho mais
de dez mil pessoas : e toda a sua extracção he para Portugal :
chapéos, e ntas de toda a sorte, em quantidade incrível, e che-
ga isto a tanto, que até aos nossos alfayates, e çapateiros, ti-
rão o sustento, mandando çapatos, vestidos feitos, telizes, botas,
e até saltos de çapatos. Não fallo de um grande numero deba-
^ Como é sabido^ foi o tratado de Methwen que abria os nossos
portos aos pannos e mais estofos de lã mglezes, em troca de uma reducção
de direitos sobre os nossos vinhos. O texto do tratado, que consta só de
três artigos em vinte e seis linhas pôde lôr-se em Neves (Variedades vol. n
pag. 324). AssignoUy pela Inglaterra, o diplomata John Methwen e por Por-
tugal D. Manoel Telles da Silva, marquez de Alegrete. A Hollanda, depois
de reclamar contra este accordo, obteve egual favor pelo tratado de com-
mercio de 7 de agosto de 1705. Tudo isto se fez apenas 29 annos depois
das primeiras leis (1676) que inauguraram a nova época das fabricas nado-
naes, sendo a primeira a de D. Pedro 11 e a segunda a de D. José, segundo
Neves. Pois o mesmo príncipe (|ue iniciou o movimento, o aniquilou. Os
in^lezes já tinham tentado illudir a lei de 9 de agosto de 1686 que probibia
a importação dos pannos de lã estrangeiros^ introduzindo os droguetes, Res-
pnnaeu- se-lhes com nova prohibição pelo Alvará de a8 de setemoro de 1688
e depois apertou-se mais o rigor com os Alvarás de 14 de novembro de
1698 e 21 de julho de 170a para — se esquecer tudo no aono seguinte. A
fabricação das sedas do Rato chegou a ter depois i63 teares de meias de
seda; a importação estava reduzida em 1777 a i5:3p8 pares de seda, na im-
portância de 26:149^000 réis, e dé lã 69:588,140 réis. A produção da real
nibrica em tecidos de seda e galões de ouro e prata representou de 1789- 1826
a somma de 5:010,047^554. (Neves, Noções).
211
fdtellasy de que não he o menor, as obras de pedras falsas, ca-
elleiras, relógios, caixas, espelhos, etc, ^
Tirão de Portugal páo Brazil, açúcar, tabaco, com ames*
ma pouca conta que os Inglezes: algum azeite, porque tem muito
em Languedoc, e Provença : lãs, particularmente depois da guer-
ra com Castella, e outras cousas de menos conta, como são fru-
ctas de espinho, cheiros, madeiras do Brazil, doces da Ilha da
Madeira, marfim, çumagre: e também he boa droga para ou-
tras partes. Elles mesmos dizem, que tirão algumas cousas,
mais por necessidade, que por interesse, não lhes sendo possí-
vel levar tudo em dinheiro; e me consta que não vem embar-
cação, nem se retira Francez de Lisboa, sem trazer a maior
parte do. seu cabedal em dinheiro. Ha poucos mezes, que des-
embarcou hum na Rochella, e levando á Alfandega algumas
caixas de açúcar, de huma delias tirou, á vista de todos os Of-
ficiaes, vinte mil cruzados em dinheiro. Hollanda, Suécia, e
Hamburgo, méttem em dinheiro,' todas as cousas necessárias
para a fábrica das Náos, como são pólvora, bailas, ferro, co-
pre, bronze, artilheria, e todas as obras de arame. Hollanda
introduz grande quantidade de sarges, estamenhas, duquezas,
particularmente grans, e o que mais lastima, as drogas da ín-
dia : também da sua mão nós vem huma grande quantidade de
obras de madeira, como são, armários, e toucadores, as arma-
ções de Flandres, e as pinturas, e outros communs adornos das
casas. '< De cousas que servem para sustento, nos méttem queijos,
^ O quadro é verdadeiro, e a prova está nas fabricas d'esses obje-
ctos, que só muito depois se fundaram : de relógios, em Lisboa, em 1765
por Cláudio fierthet, sendo successor António Durand ; de pentei de mar-'
jim^ caijcas de papelão e vernij em 1764 por Gabriel de la Croiz ; de chã'
rôes em 1774 por José Redler; de botões de casquinha de praia t outros
metaes em 1706 e tentativas anteriores em 1760; fabricas de lacre, de va-
rias bijouterias^ fundições de metaes e obras vasadasetc. Madame d'Aulnoy
g')ojrage d! Espagne, escripto de i678-8o) admirou-se da abundância de jóias
Isas jque viu em Hespanha nas damas mais nobres e opulentas^ que des-<
presavam os seus magníficos adereços históricos pelas verrines du TempUj
só porque tinham pedras muito grandes {de la grosseur d*un oeuj vol. in
pag. 120 da edição de i7ott).
' Já apontamos acima para o fatal tratado de 1705 com a Hollanda.
A importação de pólvora de Hollanda era em 1777 de cerca de três contos;
armas de fogo i8:36o^oo róis; em latão e bronze importávamos perto de
Í\ contps; em ferro 289 — 290 contos etc. Na exposição retrospectiva de
isboa estavam alguns moveis hollandezes do sec. xvii; temos visto outros
dispersos pelas províncias, quasi tudo do sec. xvii. Guícciardini Descrittiane
de Mti i paesi iassi (1567) documenta a importação por miúdo. v. c4rch'
artist. fase. iv pag. 5a. A importação de comestíveis retrata va-se em 2777
212
manteigas, e arrôz, etc. e os Francezes, e Inglezes, bacalháo;
t nos annos esteriles no^ vem de França, huma grande somma
de trigo, e cevada.
A Hamburgo temos que pagar com sal, que hé o fructo
que lhe damos de melhor conta, açúcar, tabaco, ejructa de es*
pinho; a Hollanda pagamos também com sal, drogas do Bra-
zil, e çumagres, azeites, e estes annos, levarão alguns vinhos
do Porto, ^ e outras cousas de menos conta. A Flandres paga-
mos com alguma pedraria, que para Anvers especialmente ae
extrahe a que temos; mas he certo, que não temos com que
commutar tudo o que recebemos: são com tudo os HoUande-
zes tão senhores do Commercio do Mundo, que ainda que seja
com pouca conta, tómão tudo o que lhe damos, porque dão
extracção a tudo por meio da Navegação.
Também entre as cousas que nos méttem, he hum grande
número de Livros de Lyão, Olandas, C^mbrais, Ruões, e ou-
tras muitas cousas, de que os nossos Mercadores darão conta
mais individualmente. '
Entendo que Castella nos ajuda a pagar huma grande
parte do dinheiro que sahe, porque he certo, que toda a Moe-
da Castelhana, que entra pelo ger\ero que sabemos, sahe para
as Nações Estrangeiras, e se busca, e troca a toda a dihgencta
nas seguintes cifras eloquentes : Manteiga: i5Q,683f ^oo: queijos 73:072^480
sendo mais de 61 contos da Hollanda; bacalhau cercã ae 4.60 contos, tendo
nós descoberto a terra de onde elle vinha em i5o7, e tendo os commer-
ciantes de Aveiro lá carregado ainda em i55o uns 7o n«vios d*elle« «O ba-
calhau nos estragou as nossas pescarijs» {Dicc. do Commercio pag. 57). Até
D. João I nunca importámos cereacs; foi este príncipe que concedeu a pri-
meira licença para a importação durante as celebres festas do casamento
de seu filho em Évora (1490). Em i777 )á pagávamos porém o tributo de
338:143^393 réis por grãos e farinha.
^ É' curioso que Ribeiro de Macedo não falte da exportação de vi-
nho para Inglaterra (v. supra), citando a de Hollanda ! Gomo se trata^ de
avaliar as tristes consequências do tratado de Methwen, daremos a seguinte
nota do movimento dos vinhos do Porto. A primeira cifra conhecida é a de
408 pipas em i678; os três primeiros decennios dão o seguinte: i678-i687
— 632 pipas por anno; 1688-1697 — 7,668 pipas; Í698-I707 — 7, 188pipas;
apesar do tratado de Meihwen (i7o3) ha diminuição I i7o8-i7i7 — 0,644 pi-
pas etc. James Forrester. Portugal and iti capabtlities. London, i86o, 4.*
ed. pag. ioo.
' A importação de oannos de lã era em 1777 de i:363,i3645oo réis ;
pannos de linho 657,643^658 réis; {Dicc. pag. 159); tecidos de seda
203,272^^50; propunha-se então, como remédio, o uso de pannos de algo*
dão, vindo a matéria Arima das nossas colónias, porque a lã produtida no
reino não dava hiais de um quarto do necessário.
2l3
em Lisboa, porque lhe achSo melhor conta que ao nosso dt*
nheiro.
Finalmente a melhor prova do muito que excede o que
introduzem no Reino ao que tirão, será o exame que cada hum
de nós pôde fazer em si mesmo. Qual ha de nós que traga so-
bre si alguma cousa feita cm Portugal? Acharemos (é não ain-
da todos) que só o panno de linho, e çapatos são obras nossas.
Chapéos, )á se desprezão os nossos, e não se chama homem
limpo o que não traz chapéo de França,^ não digo já a Nobreza,
e os Seculares, a que o luxo, e estimação errada, que se faz das
cousas estrangeiras podia fazer desprezar as naturaès, mas os
mesmos Religiosos se servem commummente todos de sarges,
e pannos de fábricas Estrangeiras. Feito este reparo, veremos
facilmente que não temos drogas, fructos, nem fazendas, com
que commutar esta prodigiosa consumpção que fazemos no Rei-
no, e nas Conquistas.
CAPITULO II ^
Este he o mesmo damno, em que tem cahido,
e com que se tem empobrecido Castella
Fiz observação particular entre as riquezas de França, e
a pobreza de Castella, discorrendo que França sen? minas está
riquissima, e que os particulares que tem somente dois mil es-
cudos de renda, são pobres; os gastos das mezas, os adornos
dos vestidos, e das casas, e o fausto das carroças, passão a hum
excesso incrível. El-Rei tem quarenta milhões de renda; paga
na guerra premente \6c'fiooo infantes, e 40f$ooo cavallos. Hcs-
panha tem minas, e recebe frotas carregadas de praia todos os
annos, e está sem gente, e sem dinheiro, e necessita de que a
Europa toda se arme para defende-la de França. Isto não he
-^ «O Decreto de 7 de março de 4690 mandou que se não podessem
comprar, nem vender chapéus de castor, bigunia, e chamorro (que eram as
três qualidades de chapéf» que vinhão de fora) não sendo fabricados no
reino, e marcados com dous sellos em lacre com as armas Reaes; por não
serem bastantes as duplicadas ordens, que se tinhão passado para a execu-
ção da Tragmatica (1677) e se achar vulnerada esta lei, em razão de se
oáo poderem conhecer c a que eram de fora, e os fabricados no Reino, pela
semelhança que tinhão l uns com os outros. Esta semelhança he huma prova
de que os nossos fabricantes iguala vão perfeitamente os estrangeiros». (Ne-
ves^ Variedades vol. ii pag. 323). O fabrico de chapéus só recomeçou em
março de i759 pela fabrica da villa de Pombal; seguiu-se a de Elvas, fun-
dada por Ratton etc.
214
cousa que a Historia nos deixasse escrípto, he um facto que te-
mos diante dos olhos.
A razão desta differença he a do ComcnerciO) e nao ha
outra. França métte em Castella mais de seis milhões todos os
annos em fazendas, e os retira em dinheiro, oiro, e barras. Só
de roupas brancas de Bretanha, e Normandia dizem os Fran-
cezes que méctem em Castella oito milhões de libras. Depois
desta observação fiz este argumento: Todo o G)mmerdo do
Mundo se faz por commutação de humas fazendas por outras,
ou por cotr.pra, e venda, pagando a dinheiro o que se recebeo-
em fazendas, e drogas: Françâ manda a Castella seis milhões,
de cruzados em fazendas, e não necessita das drogas, nem das
fazendas de Castella: logo faz o contracto por compra, e venda,
recebendo dinheiro, e daqui nasce a riqaeza de França, e a po-
breza cie Castella. ^
Achei hufn Tratado Hespanhol, intitulado Restauracion
Politica de Espana, composto por D. Sancho de Moncada,
Cathedratico de Escriptura em Toledo ^, offerecido no anno de
1619 a Filippe ni., o qual me confirmou nesta opinião co.n
provas tão evidentes, e com huma tão lastimosa relação das
misérias de Castella, que cuidei que se tivéssemos a industria
^ Neves já dizia em 1827 que o Brazil não dava tantas riquezas a
Portugal, como a produção e manufactura das sedas á França, e ao Pie-
monte {Noções pag. 5) e mais adiante accentua a funesta influencia que a
descoberta das minas do Brazil (IG^i) exerceu sobre o destino moJerno de
Portugal. «O mais notável he que acabarão (as fabricas) no tempo^ em que
a f jrtuna deparava a Portugal hum novD agente, que augmentanJo prodi-
giosamente o nosso capital, devia pôr a nossa inJusirhi na maior actividade.
Este agente era o oaro das minas do Brazil, aue se descobrirão por esse
tempo, e pouco depois as dos diamantes; porem correndo apoz desta ri-
queza de convenção, desprezamos os nossos bens reaes; o reino despo<-
voou-se, as fabricas perecerão, o commercio aoiquilou-se, e Portugal, na-
dando em ouro, vio-se pobre, quando Ibe foi precizo entregar este mesnao
ouro á Inglaterra e ás outras nações industriozas para nutrir, e vestir os
seus próprios habitantes com géneros de produc^ão estrangeira, negocia-
dos por estrangeiros, e conduzidos em embarcações estrangeiras*. (Neves,
op. cit. pag. 23).
' Restavracion polilica de Espana, Ocho discorsvs dei doctor S. de
M. Madrid, I6Í9-4.0 Contém : l.» Riqueza firme y estable de Cspafía ; l.«
Poblacion y aumento numeroso de la nacíon espaãola ; 3.« Espafia con nao-
neda y plata ; 4.*» Aumento perpetuo de las reatas reales de Espana; 5.<* Ma-
danza de alcabalas, útil ai rei N. S. y á Elspana * 6.* Fin y estincion dei ser-
vicio de millonesy útil ai rei : 7.<* Censura de las causas á aue se carga el
dano general de Espana — Espulsion de los gitanos; 8.» NTuevà y impor-
tante universidad en la corte de Espafia. Ha 2.* edição da mesma obra, Ma-
drid,:i746. 4.'
2l5
de DOS prevenir (á vista delias), e de acudir com remédios aos
mesmos damnos, que começarão a maltratar-nos, e caminhão
a pôr-nos no mesmo estado, pudéramos justamente exclamar
com aquelle verso.
Félix, quem faciunt aliena pericula cautum.
Referirei algumas das Observações deste Tratado, e que
servem a este discurso. Diz o Author, que no anno de 1619,
em que escreve, tinhão entrado em Castella, cento e vinte mi-
lhões de ouro, de que não havia oitenta. Sommas ambas in-
críveis, a que ficou por pequena, e a que entrou por grande:
e examinando a causa, refuta a razão dos que attribuem esta
frande diminuição ás despezas com as guerras de Flandres, e
talia, porque prova que até áquelle anno se tinha despendido,
conforme as remessas, e assentos, Soo milhões; concluindo em
fim, que valem mais as Mercadorias Estrangeiras, que entrão
em Castella, que as que sahem, 3o milhões, todos os annos.
Farei menção de hum só exemplo dos muitos, que aponta o
dito Author, que não serve pouco a este Discurso. De vinte
lavadeiras de lãs, que diz havia naquelle tempo em Castella,
sahiao 5oo arrobas, que a três cruzados, importavão em mi-
lhão e meio; e mettião os Estrangeiros em differentes manufa-
cturas de lãs sete milhões e meio : de sorte, que só neste gé-
nero, excedião seis milhões no que metiião ao que tiravão.
Da ultima consideração que fez no Capitulo passado, tira
hum argumento infallivel. Não ha pessoa nenhuma em Cas-
tella, que ao menos, nâo ^aste todos os annos seis cruzados em
Mercadorias Estrangeiras; e havendo em Hespanha (não de-
clara se comprehende Portugal) seis milhões de a!mas, fazem
trinta e seis milhões todos os annos de gasto só com as fazen-
das, que servem ao uso de vestir: e elle confessa (e eu o creio)
que diz pouco em dar a cada pessoa seis cruzados de gasto
somente.
Seria conveniente que Sua Magestade mandasse fazer a
conta do que entra no Reino de Fazendas Estrangeiras, e o
valor delias, e do valor dos géneros, e fazendas, que os Estran-
geiros tirão, com distinccão particular, para averiguar a ver-
dade infallivel deste Discurso.
2l6
CAPITULO m
Este damno não he antigo no Reino
A Primeira, e mais visível objecção, que se offereoe a
este Discurso, he que se do Reioo saliem todos os annos co-
piosas sommas de dinheiro (como parece que prova o que fica
referido) nos acháramos já sem ouro, nem prata, porque no
Reino não entrão em quantidade que iguale a somma que sahe
em hum só anno; mas como não estamos ainda nestes termos^
não deve ser esta a causa, nem deve sahir do Reino tanto di-
nheiro, quanto suppõe este Discurso,
A resposta não he fácil, e cuido que ella confirmará o
que temos provado. He necessário considerarmos três tempos
no Reino. Primeiro: antes que passámos á índia. Segundo:
em quanto somos senhores do Commercio delia. Terceiro: de*
Eois que o perdemos, que começou na perda de Ormús, e aca-
ou na de Ceilão.
No primeiro tempo não houve este damno, porque naquella
idade, a que podemos chamar de ouro, não entravão no Keino
Fazendas Estrangeiras, especialmente das que dependião da
Arte; e como o Reino era mais abundante de fri^ctos, e dro-
gas, de que os Estrangeiros necessitavão, tinha muito mais que
dar, do que delles recebia ; e ainda que os preços erão vis, com-
parados com os presentes, com tudo, a moderação daquella
idade os fazia grandes; havia dinheiro para sumptuosas Fábri-
cas, para grossas armadas, com que passarão á Africa os nos-
sos Reis, e para sustentarem grandes exércitos.
He certo que então não entravão no Reino Fa7endas Es-
trangeiras, porque nos vestíamos com pannos finos de Portu-
gal \ e as Sedas (que não se fabricavão ainda) tinhão tão pouco
^ Não sabemos da existência de semelhantes pannos finos de Por-
tugal, n'essa época, isto é no sec. xv ; temos encontrado só pannos finos de
Segóvia e Valência, não faltando nos de França e paizes de Randres. D.
João in e D. Manoel publicaram uns artigos das sizas Dos pannos e marca'
rias, cujas datas correm de 21 de fevereiro de 14^ a 6 de março de l5o9 ;
mas falla-se alli sobretudo de pannos estrangeiros de Castella, bretões, fla-
mengos e inglezes; apenas os capítulos xlvi a XLViil, isto é: três entre cin-
coenta e seis mencionam pannos do Reino (pag. 57 dos Artigos das Sijas,
novamente emendados. Lisboa^ 1749. foi.). O capit. xxxvi dos Artigos das
Sizas de D. Affonsò v (27 de setembro de 1476) a que allude Neves (Varie-
L.^dades, vol. ii pag. 311, sem reparar nos que citamos) falia, é verdade, átpan»
217
uso, que El-Rei D. Manoel, no primeiro anno do seu Reinado,
escreveo huma carta a Évora ao Conde de Vimioso, em que o
reprehendia de haver consentido que a Condessa sua mulher
SC vestisse de Veludo, e dá a razão nesta*? palavras — Porque
o Veludo, Conde, hepara quem he. — Os adornos das casas erão
cabides de armas, sempre luzentes, e promptas para o exercício
da guerra. A maior despeza erão bons cavailos; nem coches,
nem liteiras conhecia aquella idade. As Rainhas marchavão em
mulas. Com este apparato recebeo a Rainha Dona Leonor a
Prínceza de Galles, quando trouxe a Lisboa seu filho para se
receber com a Infanta Dona Brites, que depois foi Rainha da
Castella. Todos ouvimos a nossos Avós, que o uso commum
erão botas, as da Corte mais polidas que as do campo, e a este
uso attribuião não se conhecerem naquella idade alguns acha-
ques, que hoje se padecem. Destes exerriplos estão cheias as
nossas Historias, e tem copiosa noticia a Tradição.
{Oomtínúa.) DuARTE RiBEIRO DE MaCEDO.
CERÂMICA PORTUGUEZA
subsídios históricos
DOCUMENTO XIII
(Contlnoaçio, t. pag. 74)
Posteriormente á publicação do nosso estudo de fevereiro
achámos em os nossos cadernos de viagem mais as seguintes
Doticias inéditas:
i525. Tianna. (do Alemtejo, a par d^ÂIvito). Egreja matriz;
noi de lã meirinha «fabricados em alguns, lugares destes Reinos, depois do
dilo Artigo feito por El Rei D. João nneu avô»^ mas não cita os taes
lugares. Nos autores do sec. xvi achamos só pannos de Alcobaça e mantas
do Alemtejo (Gil Vicente) e outros pannos baixos. Em compensação, temos
noticias mais antigas sobre as sedas, apesar do que aflirma Ribeiro de Ma-
cedo. Jorge Ferreira de Vasconcellos ceiebra a seda e o velludo de Bra-
gança. Sabe-se por documentos do sec. xiii que a creaçâo do bicho da seda
era notável em Traz-os- Montes e nas côitcs de Coimbra e Évora de 1&72
e 1473 os povos alludiam á riqueza do reino de Granada devida á industria
da seda, pedindo providencias a D. Affonso v.
BIVISTA DA S0GI8DADB DB I5STaUCCÃ0 DO PORTO. J5
2l8
primeira capella da nave lateral, á entrada^ do lado
esquerdo. Esta capella, comem a sepultura de Vasco
Godinho, cavalleiro do conselho d^CI-Rei D. Manoel,
fallecido em 1 525, como se lê n^uma inscripção do altar,
forrado na frente com magníficos azulejos de relevo;
estão divididos em três peças, formando tapete ; duas
de forma octogonal e uma peça ciicular no meio. E*
um espécimen muito notável, e muito raro ; conhece-
mos apenas mais um altar de azulejos da mesma época
c lavor, na egreja de S. Pedro da villa de Ceia (Beira-
Alta); e dois altares menores (i m. 41 c.) na crypta
da egreja do convento de Jesus de Setúbal ; os azule-
jos doestes últimos são porém muito mais pequenos (0,7
cent. contra 0,1 3) e de um único padrão. Trataremos
com mais vagar dos azulejos de Setúbal.
1647. Alvito. Egreja matriz. Bello azulejo de tapete, liso; pintu-
ra azul e amarella. Na capella mór o azulejo forma ta-
pete, não com arabescos ou ornato vegetal, mas sim
com faixas, imitando mosaico (enxaquetado em banda
e contrabanda (capella mór do convento de Jesus de
Setúbal ; S. Braz de Évora etc.) As paredes que se^
param a nave central das naves íateraes são cortadas
por quatro arcos grandes, revestidos de azulejo até
considerável altura ; por cima da volta estão distri-
buídos os seguintes painéis de azulejo, que inter-
rompem o lavor do tapete. Não pudemos medil os,
porque estão muito altos, mas não devem ter menos
de 1, 5o X o^So., Representam os seguintes assump-
tos. Nave do lado direito : Uma custodia^ no estylo
da época; Nossa Senhora do Rosário; Nossa Senho-
ra da Conceição; o archanjo Gabriel. Lado esquer-
do: Uma custodia; Nossa Senhora do Rosário; San-
to António; S. Sebastião. Em a nave lateral do lado
esquerdo os quadros 6\ Joã da m.*" (sic, S. João
da Matta) ; Nossa Senhora com o menino ; lado di-
reito S. Feles (Félix) e Nossa Senhora do Rosário.
Na capella do Santíssimo lê -se a data 1647, por de-
baixo do conhecido monogramma I. H. S. Data iné-
dita.
1657. Porto. Egreja do antigo convento de Nossa Senhora do
Carmo (chamado Carmo de baixo). Foi o bispo D.
Rodrigo da Cunha que lançou a primeira {>edra a 5
de maio de 1619, inaugurando-se a 3 de junho de
219^
i622 (D. Rodrigo da Cunha. Catalogo dos Bispos do
PortOf 2.* ed. pag. 241 da Parte 11); o convento é,
actualmente, quartel da guarda municipal ^. No cruzei-
ro, do lado esquerdo, ha uma sahida lateral, que con-
duz a um corredor (antigo resto do claustro ?), ornado
de varias capellas do sec. xvii ; no ponto em que este
corredor se bifurca (indo o outro lance para a sacris-
tia) vê -se um pequeno altar forrado de azulejo liso, den-
tro de um nicho também azulejado. Uma inscripção
do lado esquerdo que começa: «Esta capella e sepul-
tura mandou fazer o capitão João Corrêa Serv.^ (Ser-
veira) para si e seus herdeiros» . . . tem a data 1657,
e diz no fim que são administradores da capella
Feliciano Guedes Carneiro e sua mulher Marsarida
Corrêa Serveira. O azulejo simula um bello Pontal
de altar, que finge um rico bordado de estylo orien-
tal, tendo no centro o brazão dos Serveiras (uma águia
com escudo enxaquetado sobre o peito); o fundo repre-
senta uma paisagem com arvores floridas, sobre as
quaes adejam dous pavões ; em baixo vários coelhos e
lebres, brincando por entre as hervas. A pintura é
azul, amarella e verde sobre fundo branco, que alter-
na com fundos amarellos, fortemente carregados ; o
desenho é elegante, e recorda o estylo dos frontaes que
vimos nos altares da antiga sachristia do convento de
Nossa Senhora da Graça de Lisboa. N'este ha alguns
remendos posteriores, mal applicados. Por debaixo do
escudo lê-se o nome do artista, em azul : Silva. O azu-
lejo que reveste o nicho apresenta um arabesco miú-
do, nas mesmas cores, e de desenho bastante elegante.
No corredor das capellas, a que já nos referimos, exis-
te outro altar com frontal de azulejo da mesma época,
e no mesmo estylo, diante de uma imagem de S. Gon-
çalo de Amarante; não tem assignatura, mas está in-
tacto. No frontal assignado falta a data, é certo ; mas
não temos duvida em marcar a de 1637 que é a da
inscripção, porque o estylo do azulejo corresponde
perfeitamente á época. Sobre o altar, dentro do nicho,
^ A egreja do Carmo de cima, pertencente ao hospital da Ordem
terceira, foi coastruida só em 1756.
4»
220
1700.
n
• •
vê-se um painel guarnecido ainda pela moldura origi-
nal do meado do sec. xvn.
u Na Sé, n'uma das capellas da charola em que
e^tá sepultado o arcebispo D. João Annes (fallecido a
3 de m2Ío, era de 1 440). A sepultura do prelado não
tem nome, 'ndica só a data; no fundo da capella,
dentro de um rotulo de estylo rococo a inscrípcão:
FECCE NO A I NNO | 1700 | . Composições* sa-
cras. Pintura azul sobre branco.
Temos nota de uma outra data: 1706, na capella
de S. Sebastião pertencente á charola, a qual está
também ornada de azulejos; não podemos porém as-
segurar que seja no próprio azulejo, porque perde-
mos uma nota avulsa, que tínhamos tirado a este res-
peito.
Braga. Na Sé, capella de S. Pedro de Rates (pertenceis
te ao cruzeiro, lado do evangelho) encontram-se vá-
rios painéis de azulejos, muito notáveis, (azul sobre
branco) que representam scenas da vida do Santo, na
seguinte disposição:
á esquerda
á direita
6
7
•
I
2
8
9
10
3
4
5
I • o achado das cinzas de S. Pedro de Rates ; o
esquife cobre-se milagrosamente de flores.
2. O corpo é transferido de Rates para a cathe-
dral de Braga com toda a solemnidade.
3. O santo celebrando missa.
4. Porta fingida de azulejo.
5. Uma figura que symbolisa o Silencio.
6. Uma formosa paisagem com um castello, em
estylo da Renascença, e varias figuras, assistindo á
predica.
7. O martyrio de S. Pedro em Rates.
8. Uma figura que symbolisa o Silencio; corres-
ponde ao n.^ 5.
221
g. Porta fingida de azulejo; correspondente ao
n.^ 4.
10. O Papa Gregório xiii entregando ao arcebispo
D. Frei Bartholomeu dos Martyres o breve que con-
cede á capella altar privilegiado. A concessão está es-
cripta em portuçuez sobre o breve. Na parte inferior
do quadro n.® 3 Je-se a seguinte inscripção, em cursivo :
Ani.^ d'oliu,^ ^ernJ^f. (sem data). Àssignatura iné-
dita. Confessamos que este nome Oliveira^ que en-
contrávamos pela terceira vez em azulejos nacionaes
do sec.xviii, despertou vivamente a nossa curiosidade.
Já em o numero de fevereiro (retro, pag. 78, nota)
aventámos a hypothese provável do parentesco do
Oliva de Vianna do Gastello com o de Évora. Agora
a prova. Fomos novamente a Braga, e tivemos occa-
siao de verificar a notável semelhança em estylo, com-
posição e desenho dos azulejos da Sé ^ com os cele-
bres quadros da £greja dos Loyos de Évora, assigna-
dos Antonius ab oliua fecit ijii (retro, pag. 77).
Approximando estes dous Oliveiras com o Policar^
pus oliua dos azulejos da Misericórdia de Vianna do
Gastello, chegámos a resultados surprehendentes ; te-
mos uma verdadeira filiação, graças á descoberta do
segundo appellido: Bernardes^ em Braga. Não sofire
duvida para nós que as assignaturas de Évora e Bra>-
ga são do mesmo artista, citado já por Gyrillo Vol-
ckmar Machado * como pae do pintor, scenographo e
/
^ Devemos declarar que os azulejos da capella de S. Giraldo com
quadros da vida do Santo, tdm tanta ou maior semelhança com os de
Évora, como os da capella de S. Pedro de Rates. Infelizmente não pude-
mos encontrar alli nenhuma assignatara, nem data ; são talvez superiores
aos deS Pedro e representam os seguintes assumptos: Lado do Evange-
lho : O voto dos pães de S. Giraldo ; o menino offerecido no altar de S.
Pedro; o noviço recebendo as ordens. Lado da epistola : S. Giraldo é sa'
grado arcebispo, no fundo vistas de Roma e Braga, com os competentes
dísticos; o Santo presidindo a um concilÍ9 dos prelados suffraganeos em
Palencia, A' esquerda e á direita da porta dã capella. em face do altar mór^
ha doas paizagens em azulejo, de bellissima côr azul carregado, e de ezcel-
ioite desenho. Alguns dps painéis teem inscripções em latim, cujos erros de-
nunciam a procedência nacional do artista que os pintou, p. ez. : Pro ve^í-
4andisfratrtbus deligitvr etc.
> Collecção de Memorias relativas ds vidas dos pintores etc. Lis-
boa^ 1823 pag. ^2. Gyrillo diz que o avô, Manoel Rodrigues, era natural de
Bejã^ «mas nascido casualmente em Moura. António de Oliveira entrou na
322
architecto Ignacio de Oliveira Bernardes. Cyrillo lá
traz o nome por extenso : oAntonio de Oliveira Ber^
nardes. O Policarpo de Oliveira lá está também, co-
mo irmão de Ignacio e por tanto, filho de António de
Oliveira Bernardes. A geneologia construe-se do se-
guinte modo.
António Rodrigues, pintor
António de Oliveira Bernardes (azulejos em Braga e
Évora), casado com Francisca Xavier, filha de um
pintor.
Filhos e discípulos
Frei José de Santa Maria, pintor (i 700-1 781).
Policarpo de Oliveira, id. (azulejos em Vianna)
1695-1778.
Ignacio de Oliveira, pintor e architecto (1 695-1781).
Filhos de Ignacio
João Pedro de Oliveira, pintor (nasc. 1752).
D. Michaela Archangela Romaneti, pintora (1740-
i8i5).
1707. Hossa Senhora do Cabo. (perto de Cezimbra). Ermida
. da ^Memoria; tem no interior dez quadros de azule-
jos com a historia da lenda da Senhora do Cabo ^.
Pintura azul sobre branco.
i.° quadro. — A senhora entre resplendores sobre
um monte^ e dois velhos, cada um do seu lado, dor-
mindo; com este letreiro: ^ Sonham dois venturosos
velhos que apparecia a Senhora neste logar.^
Irmandade de S. Lucas a 7 de Agosto de 1684. Policarpo a 19 de Outa-
bro de 1728; José a 21 de Outubro de ]73i, sendo ainda secular; «os dois
primeiros servirão lugares na Meza, e António de Oliveira foi juiz em
1679 (sic)». Como é então que este António só entrou na irmandade em
1684 ? Notaremos também que o mesmo António teve dois filhos, Ignacio
e Policarpo, nascidos ambos em 1695. Ignacio foi o artista mais notável da
famiiia e pensionista de D. João v em Koma (v. Cyrillo).
^ Apud Dr. J. Ribeiro Guimarães. Summario de varia historia^
Vol. I, pag. 204.
223
2.® quadro. — Os dois velhos caminhando por en-
tre mattos; — letreiro: — fuPôem-se a caminho para
se certificarem da pet^dade, onde se encontram^ e com-
municam entre si os sonhos. i^
3.** quadro. — A senhora com o menino nos bra-
ços, sentada sobre uma jumentinha, um anjo guiando
esta á rédea, e outro anjo seguindo a Senhora com
as mãos postas. Defronte a velha de joelhos com um
braço estendido, em modo de admiração, e o velho
prostrado por terra adorando a Senhora ; — letreiro :
— « Chegando a este sitio^ vêem com admiração subir
a Senhora pela rocha. n
4.® quadro. — Nossa Senhora sobre o monte ; va-
rias romeiras com alforges ás costas vem caminhan-
do, e outras já estão em adoração ;— letreiro : — Pu-
blicada por ellas a maravilha, vem outras em sua
companhia para admirarem' o prodigio.*
5.^ quadro. — Muitos homens trabalham na edifi-
cação de uma ermida : — letreiro : — ^Edificou-se esta
ermida para os primeiros cultos.^
6.® quadro. — A edificação de um templo ; veem-se
as paredes já levantadas, e os operários trabalhan-
do ; — letreiro : — t Com a concorrência das gentes se
fabrica outra, no logar onde hoje se vê a magestosa
egreja.ii
7.** quadro. — Um pequeno templo, e em frente,
varias barracas e povo, na forma de arraial; — le-
treiro:— ^Fórma do arrqyal d'aquelles primeiros
tempos. 1^
8.® quadro. — A edificação da magestosa egreja em
que actualmente é venerada a Senhora do Gabo ; vê-se
o mestre da obra determinando os trabalhos aos ope-
rários ; — letreiro : — <iDdse principio á magestosa
egreja, em IJ07 ^.»
g.'* quadra. — A egreja actual, e o arraial, em cuja
construcção trabalham vários homens, e os romeiros;
— letreiro: — €Fa:{-se o novo arrayal.vi
t A magestosa egreja é q templo de Nossa Senhora do Cabo, le-
vantado pela Casa do Infantado no prmcipio do sec. xviii ; em 1707 foi a
milagrosa imagem transferida para o dito templo, havendo grandes festas
nos aias 7, 8 e 9 de julho, ás quaes assistiu o Infante D. Francisco, filho de
D. Pedro u e senhor da casa do Infantado.
224
io.° quadro. — A perspectiva da egreja e do ar-
raial ; vem entrando um cirio, trazendo adiante mu«
sica de clarim e timbales, e depois a bandeira; —
letreiro: — € Entrada de festeiros no novo arrqyal.i^
lySõ. Villar de Frades. Convento extincto dos frades Lioyos.
Na capella das almas, á direita. Grande composição
de azulejos que representa do lado direito, Santa Rita
subindo ao ceu ; por debaixo, formando alizar, uma
tourada, que esta assignada: Nicolau de Freitas, a
Pintou (sem data). Assignatura inédita. Na parede do
lado esquerdo: o martyrio de Santa Quitéria; por
debaixo uma caçada á raposa. N^este quadro le-se
em baixo : ^artholomeu Antunes a fes em Ux (Lis-
boa) no anno de ijSõ. A ultima cifra está meio en-
coberta pelo sobrado, que reveste uma parte do pa-
vimento. A execução do azulejo tem muito mereci-
mento, sobretudo nos alizares. Pintura azul sobre bran-
co, como nos seguintes. Assignatura e data inéditas.
1742. Villar de Frades. Mesmo convento. Na capella de Nos-
sa Senhora da Conceição; mesmo lado. Duas gran-
des composições, que representam, á esquerda, o nas-
cimento de Christo ; á direita a adoração dos Magos.
N^este quadro lê-se: Bartholomeu Antunes \ a fes em
Lx.^ nas olarias \ no anno de 1J42 \ . Assignatura e
data inéditas.
1764. Villar de Frades. Primeira capella, do mesmo lado, vin-
do do cruzeiro. Varias composições sobre assumptos
sagrados, assignadas : Joannes \ Ferreira | Lima \ me
fecit Brachara e 1764 \ . Assignatura e data inéditas.
Alem doestes azulejos, todos notáveis, ha em outra ca-
pella do lado direito (São Bento) e em duas do lado esquerdo
(Senhor dos Passos e São Lourenço) azulejos de inferior qua-
lidade, também nacionaes, com inscripções portuguezas, mas
sem assignaturas, nem datas. A capella de S. Bento tem á di-
reita a figura de São Lourenço Justiniano e á esquerda a do Papa
Gregório, com as seguintes inscripções, que podem servir de
amostra das que se acham nas outras capellas :
Noso P. S. Lovrenso \ justiniano patri \ arca de Veneia.
I hpm dos nosos \ fvndadoresde S. | Jorge em alga \ em Italta.
Gregório 42. Spm \ mo pontífice chama \ ao antes angelo
cois. I hv dos pr.^ fundadores | da nossa congregação \ de S.
Jorge d'alga em \ Veneia.
225
Nas outras capellas (lado do evangelhoj encontram-se
as seguintes figuras, com extensos letreiros :
Capella do Senhor dos Passos.: T). António Corart\ Car-
deal Osttensi^ e o TPadre oAffonso Nogueira, Bispo de Coimbra
e Arcebispo de Lisboa.
Na capella de São Lourenço : o V. P.® António da Con-*
ceiçãOy fallecido em Lisboa em 1602; e o P.® João Roi\^ con-
fessor'd'El-Rei D. Aflbnso V, que resignou a mitra de (-oim-
bra. Estes retratos em azulejo são de uma execução muito
inferior, comparando-a com a dos quadros das outras capellas.
Joaquim db Vâsconcellos.
DOCUMENTO XIV
AZULEJOS NACIONAES
(Sobre a influencia da arte italiana)
A arte de fabricar azulejos veio, como já temos dito e
accentuado em varias partes d'estes estudos, do Oriente, se-
guindo nós até ao principio do sec. xvi, fielmente, o principio
esthetico que o oleiro oriental havia estabelecido para esta arte,
eminentemente decorativa. No principio da Renascença penin-
sular houve algumas tentativas de emancipação d'esse principio,
ensaiando-se os oleiros em grandes composições, tiradas da
historia sagrada, e pretendendo transformar assim o tapete mu-*
ral em quadro religioso, para substituir o fresco, onde o clima
húmido não permittia o emprego d'^este processo, ou a appli-
cação do panno de raz. Esses quadros, devidos á influencia de
artistas italianos são, porém, muito raros na peninsula. Conhe-
cemos apenas diías grandes composições, uma no Alcazar de
Sevilha, no chamado «Oratório dos JReis Catholicosi e outro
em Lisboa, que foi da Capella de Nossa Senhora da Vida na
egreja parochial de Santo André.
A composição de Sevilha é evidentemente obra de um
italiano, porque está assignada : nicvloso Francisco | italiano
ME FEciT. ] ^ Representa um grande retavolo de azulejo sobre
^ A assignatura está no retábulo aos pés da Virgem, e já foi de-
nunciada pelo snr. Borrell, Tratado de dihujo vol. ni pag. a3a. Ahí se en-
contra uma gravura fiel do frontal.
226
um altar também revestido de azulejo. Este altar está todo for-
rado de azulejo de tapete, em três lados, e no quarto (frente) repre-
senta um frontal historiado: duaschimeras sustentam um meda-
lhão cercado de Sores que representa a Annunciaçio de Nossa
Senhora ; por cima as armas grandes dos Reis Catholicos, ten-
do á direita um escudete com a inicial F, coroada, e á esquerda
a inicial Y, também coroada (Fernando- Vsabel). Como se isto
não bastasse, nas extremidades superiores do frontal veem-se
ainda dous escudos emblemáticos como os usaram os Reis Ca-
tholicos, á direita um doble jugo y cqyundas^ com a lettra ttanto
montai, e á esquerda um ha\ de flechas *. O mesmo emblema
ainda se acha repetido dos dois lados do retábulo, em ponto
maior, dentro de duas coroas de louros. O retábulo, própria*
mente dito, que está mettido n^um desvão, todo forrado de azu-
lejo, representa a Visitação de Nossa Senhora^ composto n'um
estylo á Perugino ; na moldura pintou o artista, Jesse e os reis
seus descendentes : David, Salomão, Roboan etc. Estas figuras
estão dentro de elegantes arabescos em puro estylo de Renas-
cença, que revestem ainda em bellissimo desenho todo o desvão
até á altura do primeiro nervo do artezoado da abobada gothica.
Esta capella, que é muito pequena, foi construída cerca de
ibo4, e é tradiqão que ahise recebeu em i526 Carlos vconn a
imperatriz D. Isabel, filha d'El-Rei IJ. Manoel ^
O artista Francisco Niculoso de Pisa ' ainda apparece
em outras obras d^arte notáveis, p. ex. n'um sepulchro da egreja"
parochial de Sant'Anna de Triana, bairro de Sevilha, onde
1 O emblema é invenção do celebre humanista António de Nebrija^
e foi interpretado por uns como Tanto monta (t. é vale) Isabel como Fer-
nando; outros referiram a divisa á historia do nó gordio de Alexandre^ e
ás victorias dos Reis catholicos: «Tanto monta dominar a los enemigos
é imponerles el yugo sujetando-se elios mismos de grado, que sujetarlos
por la fuerza de las armas» v. Marchesi. Catalogo de la *I{eal armeria pag^
96; nota.
s «This cinquecento A^iulejo is quite Peruginesque, and perhaps is
the íinest Christian specimen in Spain». Murray, Handbookfor travellers in
Spain, Londop, 1845 vol i pag. 2SS, o qual indica as seguintes dimensões em
pés inglezes i5 por 12; a altura do retábulo, incluindo o altar, será de i5
a x8 pés. Borrei {loc, cit) diz que Francisco Niculoso executou a obra de
Í492 a i5o4. Tivemos occasiâo de admirar este trabalho n'uma demorada
visita que fizemos a Sevilha no verão de i87i e em 1882 patenteámos na Ex«
{>osiçâo de Cerâmica (secção de azulejos antigos hespanhoes da casa de Pi-
atos, da Alhambra etc.) uma grande photographia do altar e retavolo do
Âlcazar .
8 £' o snr. Asencio que indica esta naturalidade no seu estudo da
Qâcademiãf pag. 6 da tiragem especial.
227
já etn i549 ^^^ grande a producção cerâmica ^. O snr. José
Maria Asensio descreve assim o objecto: c Forma el sepulcro
un arco embutido en la pared, que só!o se levanta cosa de un
metro sobre el nivel dei pavimento, y desdeia recta que forma
cuerda hasta la clave dei arco estaba en hueco, sin que poda-
mos asegurar lo que allí habia, por haberse rellenado y enlu-
eido posteriormente aquel vano. La lápida está formada por
treinta e dos azulejos, y en ellos dibujada la orla, inscripcion
y figura con la firma dei artista. La inscripcion dice as(:
ESTA FIGURA — Y SEPVLTVRA. ES.
DE INIGO LOPES
EN EL ANNO DEL S MIL CCCCCHL —
«Despues dei apellido Lopez hay un claro, faltando una
^ «Hay cuasi cincuenta casas donde se hace, y de donde se lleva
para muchas partes» Grande^^as y cosas memorables de Espana por Pedro
de Medina. Sevilla, 1549. O mesmo autor diz n*outro logar. «Asi mismose
haze azulqo muy polido de muchas diferencias, labores y colores. Y asi
mismo muy hermosos bultos de hombres. De este azulejo se labra mucha
^antidad que se lleva á muchas partes»; apud Asensio, pag. 4. Notaremos
Que ainda hoje o bairro de Triana é olbco da industria cerâmica de Sevi-
Ina. A capitai 4e Andaluzia leve no sec XYi uma importantíssima colónia
de portuguezes; e houve alli uma feitoria da coroa de Portugal, que acom-
pannava com attenção o grande movimento do commercio com o Novo
Mundo. Severim de Faria Noticias de Portugal (3.* ed. de 1791 vol. i p. 17)
escreve «que muitas pessoas afiirmavão, que a quarta parte dos morado-
res de Sevilha erão nascidos em Portugal, e que em muitas ruas d'aquella
cidade se fallava a nossa lingua, e não a Castellana. Quasi o mesmo se po-
dia dizer de Madrid, e por toda Castella a Velha, e Estremadura he notó-
rio, que os mais dos mechanicos erão naturaes d'este Reyno^ os quaes pòr
não terem cá em que trabalhar, hião lá ganhar sua vida.t Toda esta pas-
sagem se refere á época antes da Restauração de I640, como Severim de<
Faria expressamente declara. Parecerá haver exagero; no entanto, com re-
lação a uma arte, á musica, já a passagem está amplamente documentada ;
V. Quadro dos compositores portuguexes existentes em Hespanha no sec.
XY a XVII, em Ensaio critico sobre o Catalogo da livraria de musica d' El'
Rei D. João iv. Porto, 1873 ; são uns vinte compositores nos logares mais
proeminentes das mais celebres cathedracs de Hespanha. Sobre a emigra-
ção de pintores portuguezes na mesma época v. Cyrillo (pag. 20). Jorge
Ferreira de Vasconcellos falia muito das maravilhas de Sevilha Áulegra-
vhia, pag. 77. De Sevilha vieram muitos azulejos para a Sé Velha de Coim-
Dra, encommendados pelo Bispo D. Jorge de Almeida. Alem do documento
bistoriccr, que comprova a importação, (Simões de Castro, Guia pag. i38
da 2." ed.) ha um argumento intrínseco, que se tira da confrontação dos
padrões da Sé Velha com os da Casa de Pilatos, á qual procedemos na ul-
tima exposição de cerâmica do Porto.
228
palâbra, que se hízo desaparecer saltando el esmalte cuando
se descubrió el sepulcro. Esa palabra decia esclabo, y se bor-
ro por temor á las hablillas dei vulgo ^
«Yace, pues, alli enterrado un esclavo desde el ano i5o3;
y si se repara en la ropa amarilla, en el gorro morado que cu*
bre su cabeza, y hasta en Ia sencilla cruz que tiene sobre ei
pecho, se encontrará algo de particular. Un esclavo con sepul-
tura es cosa rara ; pêro se dice que aquel esclavo fué asesinado,
que el matador costeó el sepulcro... tradiciones ó consejas
cuya exactitud no hemos podido comprobar.
ccEl azulejo e^ de gran mérito. El colorido es bellísimo y
armonioso ; y hay gran prolijidad en los detalles, tanto de la
figura, como de la orla. En esta sobre la cabeza de la figura
hay una cartelilla que dice :
NICULOSO FRANCISCO
ITAUANO ME FECIT.
<Y esta firma, unida á la fecha de i5o3, aumenta la im-
portância de la obra, y son datos apreciabilisimos para la his*
torla de la industria. El celebrado artista introdujo grandes ade-
lantos en la cerâmica y en el esmalte. Sus obras se distinguen
de todas por la conposicion, por el adorno y por el diseiío;
pêro más aún por la brillantez y variacion dei color. Antes de
el, en la alfarerfa de Triana apenas se fijaban otros colores que
el verde, el violado y el azul, prodigándose con exceso de ama-
rillo. Niculoso introdujo el uso dei negro, combinando rebajos
y medias tintas para dulcificar los tonos; preparo fondos per*
didos que sin quitar armonia á sus cuadros daban realce á los
primeros términos, y le permitieron degradar las figuras colo*
cándolas en diferentes planos por la intensídad de las tintas
para dar mejor efecto á las composiciones.
«Aprovechando sus artísticas innovaciones pudíeron es-
maltarse las grandes cacerias que se conservaron hasta hace
muy poços anos en el claustro bajo dei convento de Madre de
Dios, y que no sabemos si se han salvado de la destruccion.»
Fizemos esta extensa citação, de propósito, em vista da
importância do artista Niculoso, cujos trabalhos começam a ap-
parecer em Portugal. Na Exposição de Lisboa via-se um pe-
queno quadro de azulejo com o mesmo assumpto do retavolo
1 O snr. Asensio explica a lenda que anda ligada ao sepulcro.
229
dc Sevilha : A Visitação de Nossa Senhora^ e assignado nícv-
Loso iTi^LiAN.® I MH FECiT *. A sccoa passa-se n'um pórtico de
estylo do Renascimento, com uma paisagem ao fundo. N'uma
outra sala, a grande distancia ^, estava um segundo quadrinho,
composto de seis azulejos,^que representavam a Anuwiciação de
Nossa Senhora \ o acto passa-se tamisem dentro de um apo*
sento ornado no mesmo estylo do quadro anterior. A execu-
ção é menos acabada, parecendo-nos ser o quadro de Évora
uma imitação muito interessante de algum discípulo portuguez
ou hespanhol de Niculoso ; em todo o caso, a sua influencia é
evidente alli.
Convém agora examinar a composição da Capella de
Nossa Senhora da Vida^ que se pode attribuir também á in-
fluencia italiana, posto que a data seja bastante mais moderna
do que a do retavolo de Sevilha. Os azulejos de Lisboa não
têm data, mas não são posteriores a i58o, como veremos^ fican-
do quasi ao par das formosas phanta^-ias de Francisco de
Mattos, assignadas em São Roque em i584 (v. retro pag. 76).
A egreja parochial de Santo André, á qual pertencia a
dita capella, funccionou até i835, passando então a sede para o
templo da Graça, onde se recolheu também a parochia de Santa
Marinha; ambas as egrejas permaneceram fechadas até 1845,
sendo então denrolidas. Algumas pessoas curiosas salvaram
amostras dos preciosos azulejos de tapete d'estas duas antiquis-
Simas egrejas .parochiaes de Lisboa, que figuraram abundante-
mente na nossa exposição ^ Entre esses raros amadores é justo
especialisar o faliecido architecto José Valentim^^^o antiquário
mais erudito dos nossos tempos em todos os assumptos d'arte
relativos á velha Lisboa ^. Sabendo que a egreja de Santo An-
1 O catalogo official (pag. 252) traz a inseri pção inexacta : Nicoloso
Jtalian me/ecit. O quadro foi reproduzido na est. n.o 23.
> S^la L, ficando o outro exemplar na sala F da ala opposta ! O
Catalogo descreve este quadro no seguinte estylo característico: «Moldura
contendo seis azulejos, cujas pinturas se combinam para representar uma
peça architectonica e a Annuncia jão da Virgem. Século xvi. Convento de S,
aentOy Évora» (pag. 236). O objecto está hoje na Bibliotheca publica da
mesma cidade, na sala dos MS.
a Veja-se a collecção exposta pelo Museu do Carmo e a do snr.
Nepomuceno ; esta tinha azulejos das seguintes parochias : S. Bartholomeu,
Santa Marinha, São Lourenço, Santo André^ Sao Pedro de Alfama e Nossa
Senhora da Ajuda.
^ O architecto Valentim falleceu em 1870 com 79 annos. Quem ti-
ver a curiosidade de ssber pormenores da vida d' este artista benemérito,
dré ia ser demolida, fatiou nos preciosos azulejos ao architecto
da camará, Malaquias Ferreira Leal, e depois de se obler ia-
forme do professor de escuiptura da Academia, Assiz Rodri-
gues, baixou uma portaria do Ministério das obras publicas,
mandando arrancar e conssrvar os azulejos da grande compo-
sição, o que se executou em janeiro de 1845, assistindo ao acto
o próprio Va'entim- Oj azulejos estiveram encaixotados nas
Obras publicas até iSbi, e lá estariam ainda se um inglez não
tentasse compral-os n'e5sc anno. O Intendente das Obras pu-
blicas. Fava, informou logo Valentim, e este acudiu á casa
de Francisco Martins d'Andrade, então conservador do gabi-
nete de medalhas e antiguidades da Bibliotheca Nacional. An-
drade avisou o Bibliothecario-mór Mendes Leal a 14 de Março
e este conseguiu que a reliquia fosse entregue á Bibliotheca por
oâicio de 6 de Abnl. Fassaram-se ainda quatro annos até
os azulejos serem collocados no logar que hoje occupam, e que
não é muito próprio. Poucas pessoas os conhecem, mesmo em
Lisboa •.
Os azulejos formam um retavolo, cujo assumpto central
é a C/íiorjfio dos 'Tastores; ladeiam o quadro quatro colomnas
connthias, festonadas de era, duas de cada lado, apparecendo
nos respectivos nichos os evangelistas S. João e S. Lucas.' A
Virgem é accompanhada d^: S. José e de vários 4)astores, e a
sceoa passa-se, segundo a escnptura, entre as ruinas de utn
velho edifi:io. O frontão setnicircutar assente sobre um friso
de elegantes arabescos, está cortado por um vácuo, que corres-
pondia a uma janella, e no cjiial se coilocou uma inscripqão mo-
derna, comm-juorativa *; a direita d''ella no tympano, está o
1 O snr. A. Ji; Ceuleneer não viu esies azulejas. Estão em um dos
oorredoreí internos do lado sul do edifício. O Snr. Silva Tullio desejava
goltoc''^^ "" ^'^P'' '^'^ '"'' '^°^ lanços da escada, mas o espaço não chega-
ni para o quadro, que é de grandes dimensões : 4 metros 82 c. de altura
Mf 4 m. e 65 c. de largura, segundo o Dr. Guimarães. {Swmmario vol. n
«UE. 106], o qual indica as proporções do seguinie modo : O soco o,Ba ; o
Mpo principal z m, S3; e o froniao 1 m. 6i ; islo prefac 4 m. gg c. e não
.gj O soco nada tem de particular; finge lavor de cantaria faceteada.
* ' I Diz dh: "Este painel pertenceu á capella de N,'"[S," da
Vida, erecta no século X7i por | Barlholomeu Vaz de Lemos, na parochial
M S. I André desta cidade. Demolida a egreia I em I84S, o requesilou ao
Averno [ o Coaservadar d' esta Bibliotheca j F. M. de Andrade | e aqui foi
e restaurado [ em i865>. Do pobre José Valentim nem palavra t
^gfiO e restaurado | em 11
23 1
archanjo annunciando o mysterio da Encarnação, e á esquerda
a vinda do Espirito Santo. Renrata o frontão, guarnecendo-o,
utn fesrtSo de folhagem. As proporções do retavolo são muito
consideráveis, como dissemos, mas nem por isso a execução é
menos cuidada. Ha algumas irregularidades no desenho, que
prejudicam o effeito, e como as restaurações tentadas no acto da
collocação foram mal executadas, com azulejos modernos, or-
dinários, e remendos de estuque pintado, o aspecto geral é
pouco satisfactorio hoje. Ainda assim, não conhecemos no pai?,
outro retavolo superior a este, pelas dimensões e pela mão de
obra; as cores são variadas, predominando o amarello e azul,
verde e roxo, em varias graduações, isto é: habilmente som-
breadas. Esta arte de graduar as cores constitue, segundo os
autores Asensio e Riafio ^ uma innovação introduzida pelos ar-
tistas italianos no começo do sec. xvi, porque até alli os olei-
ros peninsulares applicavam as cores sem meias tintas. Repa-
re-se p. ex. no bellissimo effeito do desenho do friso do retavo-
lo: arabescos amarellos, vigorosamente sombreados, sobre um
fundo côr de castanho. E^ muito para sentir que não salvassem
o quadro da mesma capella, que ficava fronteiro a este, e que
tinha a data i58o; diz-se que era de desenho mais incorrecto
e de inferior colorido, ' o que pouco importava, porque essa dif-
ferênça poda até ser muito característica e ajudar a reconhe-
cer a mão de obra nacional. No convento do Paraizo em Évo-
ra existe um retavolo 4)equeno de azulejo, que é o segundo que
conhecemos no paiz ; reverte o fundo de um nicho onde está
sepultado Dom Manoel da Costa, fallecido em i532. Um bello
pórtico em estylo puro da Renascença, com as datas ]535 e ib36
reealça a entrada da sepultura. Parece-nos porém, pelo estylo
do retavolo, que não será anterior ao fim do sec. xvi, ou prin-
cipio do sec. XVII. Representa nossa Senhora entregando o ro-
sário a São Domingos, o qual tem dos lados um cavalleiro com
uma vela na mão, e uma freira da ordem ; as figuras são de ta-
manho quasi natural; na pintura predominam grandes massas
de amarello; o desenho é pouco correcto. Quem comparar este
retavolo com o da capella da Senhora da Vida ha- de notar
grande dijfTerença na execução, e inclinar-se-ha a considerar
logo o prioreiro como obra de artista estrangeiro; reparando
^ Asensio Op. cit, pag. i3 ; Riano Op. cit. pag. 169; v. também Bor-
rell Op. cit. vol. iii pag. 226 e seg.; e 490 e seg.
' Dr. Ribeiro Gaimarâes. Sumrnario vol. 11 pag. 106.
2Z2
porécn nos formosos azulejos de Sao Roque, assignados por
Francisco de Mattos em i584, suspenderá o seu juizo até po-
der julgar sobre niateríaes mais abundantes. Os azulejos de São
Roque, não -representam, é verdade, composição de grandes
figuras, mas quem desenhava o arabesco no estylo da Renas-
cença com talento tão distinao, podia compor também um qua-
dro como o da capella da Vida.
A influencia da arte italiana sobre a nossa cerâmica do
stc. XVI não está estudada ; é esta a primeira vez que se chacxiá
a attenção sobre o assumpto, juntando materíaes desconhecidos.
A comparação é indispensável n^estes casos. Podemos citar
ainda outros exemplares muito notáveis do meado e fim do
sec. XVI e principio do sec. xvir, e todos no estylo do Renas-
amento, p. ex. os azulejos da antiga sacristia da egreja de Nos-
sa Senhora da Graça de 1 570- 1 58o, no mesmo estylo dos de
S. Roque e não menos notáveis, mas muito maltratados ^; os
magnifícos exemplares de' Villa Viçosa, pertencentes ao meado
do sec. XVI ; os do palácio dos Albuquerques, (Conde de Mes-
quitella) em Azeitão *; e finalmente os grupos, já bastante carre-
^ E' preciso notar, ampliando o aue dissemos (retro pag. 76) que
na antiga Sacristia da Graça ha azulejos de três épocas muito distinctas.
Primeiro^ a traz da porta que communica para a egreja, os mais amigos, a
que temos alludtdo (cerca de i37c-i5So) muito mal tratados; depois, ou-
tros no mesmo estylo do Renascimento (rotuios e pendurados)^ que reves-
tem os vãos de dous altares, os altares (formando bellos frontaes) e dois
nichos com as sepulturas de dous prelados. Este segundo grupo pertence á
primeira metade do secxvii; o desenho é, quanto ao arabesco, bastante in-
ferior ao do primeiro grupo; o azulejo de tapete é porém magnifico. Final-
mente, circundando a grande porta da entraJa para a Sicristia Nova,
veem-se azulejos da época de D. Jc>âo v; sobresahem duas figuras, a éMagni'
ficencia e a Liberalidade^ matronas um tanto pesadas, despejando a segunda
uma grande cornocopia cheia de pintos e dobrões portuguezes. O resto do
espaço é preenchido por uma grande chantasia decorativa de estylo rocóco.
As figuras parecem alludir á excepcional generosidade com que o diploma-
ta Mendo ae Foios Pereira (1643-1708) construiu a nova sacristia; a)li |az
sepultado em um magnífico mausoléu de mármore e bronze (v. o/írchtvo
Pittoresco^ 1864 pag. 181, com artigo do snr. Vilhena Barbosa, que não diz
porém cousa alguma dos azulejos). Sendo a sacristia nova conduida em
1707, data que vimos no tecto, ó licito presumir que o azulejo será d'essa
época, tendo-se em conta, como argumento intrinsico, o estylo d*elle. Da-
remos pormenores sobre esta sacristia velha, totalmente esquecida, aban-
donada e suja, no artigo sobre os «Azulejos não datados».
> Representados na coUecção Nepomuceno por seis quadros n.^ 44
a 49, e attríbuidos á industria de Tala vera, que representava em Hespanha
a influencia italiana, segundo Borrell e Riano. Este ultimo autor apresen-
ta documentos que provam a importação de cerâmica de Talavera para
233
gados no género baroque^ do átrio da egreja de Santo Amaro
em Lisboa, do G)lIegio dos Jesuitas eoi Évora e da egreja de
São Mamede da nnesma cidade. Os do paço de Villa-Viçosa
mereciam um estudo especial, porque as duas pequenas amos-
tras que appareceram na exposição de Lisboa ^ não represen-
tam o que ha de melhor n^aquelle edifício. Nas salas, que cha-
maremos de David e Golias, de Medusa e Theseu (pelas pintu-
ras que as ornam) vimos azulejos com deliciosos desenhos em
arabesco e grutesco, e finissimas tintas, em camaíeu^ predomi-
nando o azul, amarello, verde e branco; a composição forma
pequenos taboleiros, executados em ponto diminuto, mas com
um pincel lar^o, com verdadeira virtuosidade. São os exempla-
res de estylo italiano mais perfeito que temos visto em Portu-
gal. Ficamos hoje por aqui, convidando os amadores de anti*
^uidades a prestarem alguma attenção a este ramo das artes
industriaes, porque d^aqui a dez annos talvez hajam desappare-
cido os restos de utna industria na qual occupámos um logar
muito distincto, como temos provado n^estes estudos.
Joaquim de Vâsconcellos.
CATALOGUE DES INSEGTES DU PORTUGAL
(OoDtlnvftçio, Tld. pag. 1T8)
Oam PHOSPHUGA LBAOH
684. P. atrata L.
Fairm. et Lab. Faun. Ent. Fr., p. 297.
Pai pris un seul individu dans la Serra du Gerez.
Portuga], localidade que fornecia não só a península, naas as índias Occi-
dentaes (Relaciones topográficas de los Pueblqs de Espana hechas en i5j6)
No inventario da infanta D. ioanna^ irmã dè Felipe u e mãe de D. Sebas-
tião apparecem productos de Talavera (1373). Na coUecção de cerâmica
hespanhola do Museu de South-Kensington, existem duas peças notáveis
com as armas de Portugal (n.« 486 — 46; e n." 104—^9 com as armas de
Portugal e Sicilia) sendo a primeira do aec. xv.
^ Catalogo pag. 18^ n,^^ 100 e iii. Já estiveram na exposição uni-
versal de Paris de 1867^ como dados por El-Rei O. Luiz á Academia de
Lisboa (Aragão, Description etc. pag. 142). Pelo Catalogo de Lisboa ve-
mos agora que elles voltaram á posse da casa real. A pag. 76 (retro) disse-
mos que os azulejos de Villa- Viçosa nos pareciam ser talvez da escola italo-
hespanhola; referiamo-nos aos que foram expostos em Lisboa; os das
salas de David e Theseu terão a mesma origem ; os da Graça represen-
tam o estylo da Renascença flamenga.
BSVISTA ttA SOCUDADB de mSTRUCCÃO DO POHTO. 2S
234
685. P. retionlata F.
Fairm. et Lab. Faun. Ent. Fr., p. 296.
Gommun dans le nord du Portugal.
Omnm THÁNATOFHILUB LBAOH
686. T. rugosus L.
FairtH, et LcUf, Faun. Ent. Fr., p. 294.
Serra do Marlo !.
V. ruficomis Kust.
Du Portugal d'après Deyrolle.
687. T. sinuatus F.
Fairm. et Lab. Faun. Ent. Fr.-, p. 294.
Braga I, Serra do Marão!, Espinho!, Guarda!.
Qbrb aiIiPHA LIKNÉ
688. S. tristis Hl.
Fairm. et Lab. Faun. Ent. Ft\ p. 296.
G>imbra !, Guarda !, Azambuja !.
689. S. nigrlta Oreutz.
V. ambígua Graells.
Graells, Mem. Map. geoL, i858, p. 57, pi. 2, í. iz.
Gerez (L. v. Heyden !j.
690. S. punotlooUls Lao.
Luc. Expl. Atg., p. 2i3^ pL 21, f. I.
Faro !, Penamacor (J. M. Rodrigues !), Serra do Gerez
Coimbra!. Rare partout.
235
OuBB NBOBOPHORUS FABRIUS
691. N, vespillo L. '
Fairm, et Lab. Faun. Ent. Fr., p. 291. '
Espinho!^ '
692. N. vestlgator Hersoliel.
V. interruptus ^rullé.
Fairm. et Lab. Faun. Ent, Fr., p. 292.
Guarda!, Espinho I, Leiria (Dr. A. Vieira!}.
Je n'ai jamais trouvé le type de Tespèce.
t
I
693. N. interruptus Steph.
Stephens III Br. m, p. 18, pi. x6, f. 2. .
Serra do Gerez!.
ANISOTOMINI
Gbsbb AN180T0KA ILLIQEB
694. A. dubla Kugel.
Fairm. et Lab. Faun. Ent. Fr. p. 314.
Coimbra !.
Gbsbb AGATHIDIUM ILLIQEB
695. A. Iffivigatum Er.
Fairm. et Lab. Faun. Ent. Fr., p. 325.
Coimbra!.
CLAMBID^
CYBOCEPHALINI
Gbbbb OTBOOEPHALUS BBI0H80M
696. O. Reitteri vhagon.
An. Hiti. Nat. Esp., vui, p. 190.
D'après une lettre que je viens de recevoir de Mr. L. v.
Heydea 11 a été pris dans la Serra d^Estrella.
336
CLAUBINI
■ OLAMBDB
697. O. armadillo Deg.
lacq. Diw. Gen. Col., pi. 38, £ ii
Bussaco (Heyden !}■
TRICHOPTERYGIDiE
PTILINI
OmnB PTEHIDiniC BaiOHSON
698. F. evanesoeiís Marsh.
Abeille Vol. xyiu, S^n. Trick., p. 9,
Coimbra I, Bussaco!, Alcafache!.
TBICHOPTERINI
QuH TRIOHOPTKKYZ EIBBY
699. T. grandlooUls Man.
Ãb^U Vol, -vnn, Syn. Ttich., p. 49.
Coimbra!, Espinho!.
SCAPHIDIID^
Quu SCAPBIDIUH 0U7IBB
700. S. 4 maoulatmn Oliv.
Fairm. et Lab. Faun. Ent. Fr-, p. 343.
Serra do Gerezl, Bossacol.
HISTERID^
Onai BOLOLEPTA PATEtJU.
70i. H. plana PusBly.
An. Soe. Ení. Fr. i853, p. 143, pi. 4, f. i.
DaDs soQ voyage en Portugal Mr. C. v. Volxem a pris
^ exemplaires.
237
Ctana PLATT80XA IiBAOR
702. P. depressnm F.
iifi. Soe. EnL Fr. i853, p. 271, pi. 7, f. i6.
Mentionné parmi les histerides que Mr. C. v. Vblxem a
reooltés en Portugal. ^
Var. A. 1. c^ p. 27a.
Serra do Gerez!.
Var. B. L c, p. 272.
Bragança!.
703. P. oblonsram F.
An, Soe. Ent, Pr., i853^ p. 275, pi. 7, £ 19.
Bussaco (C. V. Volxem !).
704. P. lineare Er.
Ân. Soe. Ent. Fr. i863, p. 278, pi. 7, f. 22.
D^après Mr. Marseul il se trouve en Portugal.
705. P. angrustatum HofEte.
Ân. Soe. Ent. Fr. i853, p. 259, pK i, f. 9.
Mafra (C V. Volxem !).
706- P. fllifonne Eí.
An. Soe. Ent. Fr, i853, p. 876, pi. 7, f. 20.
Du Portugal, d^après Mr. Marseul.
Ga«BB MARGÁBINOTUS MÁKSEUL
707. M. Bcaber F.
Mentionné du Portugal par mr. Marseul.
Gbtbb hister Lunnâ
708. H. major L.
An. Soe. Ent. Fr. i854| p. 173, pi. 16, f. 4.
Dana tout le Portugal.
709. H. ineqnális Ottr.
Sem de Mcctesicho !, AzairbL;a J. Atittiti
710. H. 4 macnlatns L.
ilj|« &c. JBwr. Fr., 1854, p. 204, pL 6, £ X4.
Azambcja (J. Antunes !j.
1^. 7. 1. c, p. 2o5.
Bragança!.
Var. athiofi fíeer, l c, p. ao6.
Dans tout le Ponugal.
711. H. amplicoUifl Er.
An. Soe, Ent. Fr,, 1854, p. 20S, pi. 7, C 26.
Du Portugal d'après Mr. C. v. Volxcm.
712. H. grandicoUifl OL
iljr. fioc. J&i/, Fr. 1834, p. 209, pi. 7> f. 27.
Je possède deux indívidus du Portugal.
713. H. udoolor L.
An. Soe. Ent. Fr. 1854, p. 261, pi. 8, f. 64.
Gerezl (L. v. Hcyilen!).
714. H. oadaverinus Hofftai.
An* Soe. Ent, Fr. 1S54, p. 291^ pi. 8, f. 87.
II a été trouvé en Portugal par Mr. C. v. Volxcm ciji»
pris aussi uo individu.
715. H. terrioola Oerm.
An* Soe. Ent. Fr. 1854, p. 294^ pL 8, f. 89.
Pris par Mr. C. v. Volxem en Portugal.
. 239
716. H. Unotatos Er.
An. Soe Ent. Fr» 1854^ p. 3o3, pi. 9, f. 96.
Guarda !, Alcafache !.
La 4.* et 5.* strie tantôt est presque insensible, tantôt elle
se prolonge jusqu'au tiers des élytres.
717. H. flmetarius Herbst.
An. Soe. Ent, Fr. 1834, p. 528, pi. 9, f. 102.
, Pris par Mr. C. v. Volxem en Portugal.
718. H. tmoostriatus Mars.
An. Soe. Ent. Fr. 1854, p. 532, pi. 9, f. io3.
Coimbra!, Azambuja (J. Antunes 1).
719. H. IgnobUis Mara.
An. Soe. Ent. Fr. 1834, p. 332^ pL 9, f. 106.
Cannas de Senhorim I, Douro!, Azambuja (J. Antunes!).
720. H. ventralis Mars.
An. Soe. Ent. Fr. i834| p. 556, pi. 9, f. 108.
Serra do Gerez!.
721. H. rofloomls Orim.
Sttet. Ent. Zeit. i852, p. 222, nigellatuã Mars. An. Soe. Ent. Fr
1854, p. 338, pi. 9, f. no.
Serra do Gerez I.
722. H. purpurasoens Herbst.
An. Soe. Ent. Fr., 1854, p. 336, pL 9^ f. 109.
Coimbra I, Guarda!, Cannas de Senhorim!.
Var. Elytres rougeâtres (brunneus Hbst) 1. c, p. 338.
Coimbra !, Espinho !.
Var. Elytres noires sans taches, 1. c, p. 338.
Serra do Gerez!, Mouraz (A. Freire!.)
Var. Toute rouge-chatain,
Coimbra I.
Jm. Sue, £^ Jk \SÊS^ ^ 5^ ?i- 9b ^ iir*
Serra <ie R^fccrdaoB ?.
Je pQS5éie an iiuií^liia dn Doaco avcc Ia s&ie aoblnmié-
raie coerae proiocgésv mncham presque PcztréDDÍt£.
T2Í. H.ifniitMiIL
Jm^ isr. EM, fr. iA^ p. 533, pL 9^ 1
Coounan data toat Ic PòrtugaL
ilif. Sac, Eêí, Fr, íèS^ p. 56o« pL 9^ £ ia5.
Bragança!.
La Jtríe latcrak externe da proootum o^arri^e pn an
726. H. fkmestas Br.
Am. Soe EM. Pr.j 1854, p. Sji, pi. g^ t x35.
Je poftsèik on senl incfivido dn Pòrtogd.
727. H. UMextsiatoB F.
An. Soe. Ent. Fr., 1854, p. 5rJ^, pi. 9» f. i36.
Bragança !, Serra de Rebordaos !.
728. H. flordidiis Aubé.
ilii* 8o€. Ent. Fr. 1861, p. 349, pL 14, f. 39.
Foya (C v. Volxcm I).
729. H. Mmaoolatna L.
Án. Soe. Ent. Fr. 1854, p. 582, pi. 10, f. 141.
Coimbra !.
Yar.
Tavira (C. v. Volxcm I).
341
730. H. 12 striatus Sohrank.
An, Soe, EnU Fr. 1854» p. 386, pL lo^ f. 145.
Coimbra I, Tavira (C v« Volxem !).
731. H. oorvinus Gtorm.
An. Soe. Ent. Pr. i854, p. 388, pi. 10^ f. 147.
Bragança I, Douro!, Azambuja (J. Antunes I).
Obmbb SPIEBU8 BmOHSON
732. E. oomptos Hl.
An. Soe. Ent. Fr. 1834, p. 699, pi. 10, f. 20,
Pris par C v. Volxem !•
i
{(imiháa). j)n^ Manoel Pauuno de Oliveira.
FETOS LUSITANICOS EM GERAL
E DOS SUBÚRBIOS DO PORTO EM ESPECIAL
(OoBtlBiutçlo, T. Tol. ni, pag. 86)
V— WooDWÁRDiA. Swariz.
(Aidm chaiBAdo do noma da Mr. Woodward, botanioo Inflas)
Este género comprehende um numero limitadíssimo de
espécies, de apparencia muito differente, tendo as frondes pin-
nadas, estendendo o seu crescimento de o,°°3o a i)°*9o. Os veios
reticulados, livres próximo da margem. Os soros oblongos ou
linear-alon^ados, dispostos em uma serie única e immersa, so-
bre os veios transversaes do reverso da fronde. O indusium
dobrado sobre si, e o rhizoma rasteiro.
Possuimos uma espécie única do género, tal é a que se
segue.
WoODWAaDIA BADIGAN8. Sw&TtZ.
{W. cftaia «f« nrfsM, palu mvitu plaatu Tlvlpar^ qoe lança nu eztremidadas daa frondêi)
Synonimos — ^lechnum radicans, Linneu.
Woodwardia biserrata, Presl.
9 spinulosa, Martens e Galleotti.
9 stans, Schkuhr.
242
Nome volgar — ?
Descrípçâo — Tem caia espécie, como as mais que cons-
tituem o género, as fronde;» pinnadas, compostas de pinnolas
oblongas lanceoladas, pecioladas, pinnatifidas, com alguns seg-
mentos lanceolados, a margem e^pinulosa serrulada, o vértice
ponteagudo. Junto da extremidade de cada uma das frondes
se origina uma nova planta, a qual aninge no local de nasci-
mento um desenvolvimento considerável, sendo vul^r o encon-
trarem se frondes sustentando plantas com seis folhas (frondes)
de cerca de o,"3o de comprimento, a alimcniarem-se da fronde-
mãe. As frondes terminaes enraivam próximo do vértice. A côr
das frondes é verde-claro. O seu comprimento chega, nas plan-
tas forte*", a medir mais de dois metros. Estas teem os veios re-
ticulados; os soros dispostos em uma só serie occupam o re-
verso das frondes. O indusium tem quasi a mesma forma dos
soros. A estipe bastante encantadora, e as escamas grandes e
de côr parda. O rhizoma rasteiro.
Habtta — Caldas do Gerez e outro** logares do nortQ do
paíz, vegetando nas fendas das rochas. E' pouco abundante.
Cultura — A ordinária dos fetos rústicos em geral.
IV— LoMAHiA^ WiildenoYe.
E' este um dos géneros mais interessantes; não obstante
a simplicidade das suas frondes simples, pinnatifídas ou pinna-
das ou. bipinnatifida?, sendo as tstereis mais desenvolvidas e
mais conirahidas as férteis. Os veios das primeiras simples ou
forcados e os das ultimas quasi ou totalmente obsoletos.
As frondes, que por vezes (nos logares menos húmidos
e menos sombrios) aão chegam a medir o,"i5^ nas margens dos
rios e nas proximidades das fontes, quando cobertos taes^ sitios
por arvoredos, chegam a ter comprimento superior a o,™5o nas
nossas províncias do norte.
Este género de fetos tem os esporangos reunidos em so-
ros lineares, contínuos, repetidos e cobertos de indusio, margi-
nando de cada um dos lados e parallelamente a nervura me-
dia dos lóbulos da fronde, e prolongando-se quasi até ao extremo
d^^ella. O índusio membranoso e continuo, abrindo-se do lado
da nervura.
Comprehende este género um crescido numero de espé-
cies, das quaes só possuímos uma, que é a de que nos vamos
occupar.
243
LOMARIA SPIGANT. LÍDk.
Lm de Loma^ "b^ão^ em Tlrtnde da dUpotiçio dos eiporangoa nai fraodet, e ugicant,
de êficart, pfçar, emvar,
i
SyDonimos— Acrosikhum nemorale, Lamarck.
» spicant. Weiss.
Q4splenium » Bernhardi.
Tilechnum boreaíe. Schkuhr e outros,
» spicant. Roíh.
Lomaria borealis. Link.
Ovoclea spicant. Hoffman.
Osmunda borealis. Saiisbury.
» spicant. Linn.
Spicanta borealis. Presl.
oteg-ama » R. Brown.
Struthiopteris spicaut. Scopoli.
Nome vulgar — ?
Descripção — E^ta espécie de fetos, como outras mais do
género, teem duas espécies de frondes, sendo uma de frondes
férteis e outra de estéreis. Estas são de forma linearlanceolada,
em tufos, erectas as yezes, porém em geral estendidas ou pros-
tradas e lisas, e os lóbulos obloqgo-lineares; aquellas ordinaria-
mente erectas, pinnadas, contrahidas, tendo as pinnulas agudo-
lineares, com as margens reflexas, isto é, recurvadas, mais com--
pridas os foliolos muito separados, lineares, estreitos e com o
reverso coberto de soros. Estes são cobertos de indusio, dispostos
em linha, ao longo de cada lado da nervura media, abrangendo
quasi a totalidade das pinnulas contrahidas. O indusio estreito
e linear; as estipes das frondes estéreis, curtas, muito escamosas
próximo da base, e muito mais compridas nas frondes férteis, e
tanto n^umas como n^outras de côr entre purpura e preto.
Apresenta esta espécie ordinariamente curiosas variedades^
e são n^ella vulgares as frondes bifurcadas; cristadas, ramosas,
muldfurcadas, lancifoliadas, etc. Na nossa collecção possuimos
uma variedade ramoza muito singular. Junto da base da fron-
de, que é curta, estendem-se para um e outro lado duas como
frondes pequenissimas formando urra cruzeta, e similhando os
copos de um cabo de punhal. Este phenomeno predominava no
maior numero de frondes do pé abortivo. Ousamos denominar
este raro e curioso aborto var. irifotiata.
H abita -— Porto e seus arredores, e quasi todos os loga-
res húmidos do paiz, sobretudo junto ás na^centes daiBgua.
244
Cultura — Terra das beiras da agua, cooservando-a sem-
£re bastante húmida, e com muita drenagem. Exposição som-
ria.
3.* Familia, das Xsplenieas. Smith. — São distinctivo
doesta vasta familia dos fetos os caracteres seguintes: soros
alongados, simples ou binnados, dispostos obliquamente ao eixo
medio da fronde, sendo esta forma especial de disposição dos
soros o que distingue esta familia de fetos da das Pterideas^ as
quaes, como é já sabido, teem os soros parallelos ao eixo mé-
dio das frondes ou ás margens das mesmas.
G>mprehende a família das Asplenieas diversos géneros,
dos quaes se encontram no nosso paiz os seguintes, representa*
dos em varias espécies: Asplentum, Ceterach. e Scolopen"
drium.
I — AsPLXifiuM. Linnea.
Este género de fetos foi assim denominado, por lhe haver
sido attribuida a propriedade de combater ou curar a melan-
cholia.
As suas frondes, cuja grandeza varia desde o," lo a i,*o,
são simples, pinnadas ou bi tripinnadas, com os veios bifurca-
dos ou pinnados, e os soros lineares, oblongos ou alongados,
unilateraes, simples, com um indusium linear, chato ou cylin-
drico, dispostos obliquamente á nervura media.
DVste género possuímos as espécies de que vamos em
seguida occupar-nos.
i.* AsPLKinuic PALMATUic. Lamarck.
(Harrft da BMlasoolU, d« ftnna MpAlnutda)
Synonimos — Asplentum hemiontlis, Brot.
Nome vulgar — ?
Descripção — As frondes d'este feto, que pela sua forma
lhe deram o nome com que se distingue a espécie, attingem até
Of^^iS o máximo de comprimento, e são ligadas a um rbiaoma
grosso e rasteiro; são além dMsso simples, membranosas, de
uma cõr verde brilhante, quinquelobadas, agudas com o ló-
bulo medio mais comprido do que qualquer dos outros, e a
base cordiforme. As linhas de fructtficação são extensas, muito
ténues e abundantes, os soros profusos situados no reverso da
fronde; a fructificação perenne tem logar em julho e agosto.
Habita — Serra de Cintra e outros logares das províncias
24b
meridionaes, em sítios pedregosos e sombrios. Não se encontra
no Porto nem nos seus subúrbios.
Cultura — Terra de monte de mistura com pedras ; hu-
midade constante.
(oomtMá). M. J. Felgueiras.
PROJECTO DE LEf
Senhores. — Se, para ()ue nada se desperdice n^um paiz^
convém que as energias individuaes todas se harmonisem e re-
ciprocamente amparem, não ha comtudo associações de tanto
préstimo como as associações promotoras da instrucção.
Saber é poder; por isso só são fortes as nações instruí-
das. A ignorância, eis a crusa de todas as misérias; dos em-
baraços financeiros, da penúria económica, do amollecimento de
costumes ; a ignorância para tudo empobrece o homem : torna-o
fraco operário, incapaz de sustentar com vantagem ou sequer
com igualdade a lucta da concorrência; torna-o mau cidadão,
que regateia ao estado as suas dividas de sangue e de dinheiro;
finalmente arranca-lhe uma a uma as virtudes moraes com que
os povos fraternisam na cohesão de uma mesma familia. Toda
a nação doente é ver que é uma nação ignorante; e não existe
therapeutica efficaz, qu(e não disfarce apenas a moléstia, que a
cure de raiz, nenhuma senão á instrucção.
Porque é que o programma politico da nossa regeneração
material principalmente bem merece os applausos públicos ? Por-
que, ao passo que foi abrindo o caminho dos mercados aos
géneros de cada região, ao nre>nno passo tem approximado os
indivíduos mais distantes ; e dVta vida cm commum formou-
5e uma escola de mutua aprendizagem.
Mas é obvio que tal aprendizagem é rude, e se torna por
vezes violenta, que os ensinamentos que se adquirtm, bata-
lhando pela existência, se pagam frequentemente muito caro;
e hoje então, que não só communicâmos rapidamente uns com
CS outros, nós portuguezes, mas que de todos os lados o paíz
se franqueia aos trabalhadores estrangeiros, não ha só que re-
ceiar alguns desastres individuaes por entre a prosperidade pu-
blica, é até mesmo para temer que o nosso atrazo scientifico nos
arrisque a uma ruina social. Que importa levantar barreira nas
alfandegas ás correntes dos productos peregrinos, se o saber e
a habilidade do productor estranho entram com elle livremente
CO paiz, e esses são os nossos mais terríveis concorrentes ? O
%4P
-prr^jtzá-rústà. lógico de^a eaípcccr-Ibe tamben o wcctv^tK O re-
»^iiJo é oa qse o indjstnii forasteiro iera piri a mie patha
o» leo-::nos Ijcrof con qje livena^f de rctnja-rar-!he a soa
\jp^'>r:ia1e, c pouro a p^jco o caDÍti! d> n->ssa patrímooío
«^ exnajre; oa, qianio e.ie se esiab^eçi d-naiãvaiicaic entre
n6\ om a sua nqjez^, qjc a herden porta^jczes no nasâ-
mento mas nl) nis irad çoi*; c se no pr.naro caso cmpobre-
ceiíos no sc^jnio dísiarioni isamD-nos.
Dl ambos os mae< paiecenj*, mis sobretadD do es-
quecimento dos bon« e dos mus dids di nossa terra. Nio é
mister qje pis^en mjitM annos, e tjJo, a:nJi os mais glo-
rioso» nome'», ^e apagi; as nossas c'asses msn^s incaltas sabem
de cór as nocabi idaie« fmcezis, repetem as phrases dos scas
d»>C'jrsos, os seus versos, c p^aqji-isimos de nós ainda lecm
Girrctt, de ojtro dia, poucos aiidi lêem Joio de Díjs, qjeé
áz hoje mc^^mo! Assim vimoí sendo conqjistados pelo saogae
c pelo espirito estrangeiro, nós qje tivemos espirito bastante
para sonhir novo* m-jados c singae para empalhar por to-
dos elles.
N'e^te estado só a instrucçáo nos pôde valer, e qaem
mais instruir o paiz maior serviço lhe prestará.
Assim pensa^^am alguns patriotas portuenses, e fundaram
em fevereiro de i83o a Sociedade de Instrucçáo do Pono.
Bastariam os intuitos doesta instituição sós de per si para
nos alentarem esperanças de restabelecimento inteilectual c so-
cial^ porque elles demonstram que não é irremediável o nosso
mal estar. E', pois^ certo que nt:m por toda a parte andam
obliteradas as faca'díides de comprehender e de sentir a fra-
que/1 do organismo nacional, e que ne r todos ji perde nos a
hombridade para combater \s suas c^u^as, para lhes contrapor
a energia das nobres d-ídicaçõ-s. E' feli-cment^ certo. Quem
attent^ir bem no paiz verá que nós não estamos pari aqui uni-
cammte a descansar das labutações commerciaes .lo Brazil, go-
sando e.ste bello clima e desentorpecendo-nos em veleidades
eleitoraes e nobítiarchicas; sente-se de todos os lados um es*
tremecimento de viJa, temos impâtos de também cá traba*
Iharmoi na no-^^d^ terra, de trabalharmos pela sua grandeza
moral.
Que diremos então do que no estreito decurso de três
annos commetteu e realisou a Sociedade de Instrucçáo do Porto!
Não é tempo ainda de medir o completo alcance da sua
acção;- essa acção tem se diffundido pelas camadas sociaes tão
largamente e tão profundamente qie só o futuro patenteará
247
toda a importância dos seus serviços ; mas o que pódé asseve-
rar-se desde já é que ha muito que entre nós não appareceu
exemplo de mais ardente e indomável patriotismo.
Esta sociedade tem agitado na sua revista mensal, nas
discussões do seu conselho scientifico, em congressos, em con-
ferencias, em manifestos, varias das mais interessantes questões
da actualidade, e em espedal as questões de interesse português ;
dos seus consócios alguns teem colligido novos materiae^ para
o progresso dos estudos, — ainda agora um d^^elles e distinctis-
simo, o medico Gomes da Silva, anda herborisando em Macau ;
mas o que mais que tudo releva na ot^ra da sua pujante acti-
vidade são os actos do seu amor á causa popular. t
A Sociedade tle Instrucção do Porto reconheceu com ex-
acção que, se necessitamos melhorar o ensino em todos os graus
desde a escola até á universidade, as reclamações do trabalho
oão podem todavia aguardar que essas necessidades fiquem sa*
tisfeitas ; é urgente applicarlhe forças immediatas, — e a nossa
restauração mental ainda ha de levar muito tempo,^ não se vê
mesmo por agora quando a instrucção publica chegará a dis-
tribuir desde o alto do ensino superior quantas idéas são preci -
sas para impulsar todas as rodagens das nossas industrias.
E^ dupla a instrucção popular; comprehende a instrucção
primaria, que a todas as classes sociaes serve, e a instrucção
chamada profissional, que não tem o inteiro significado d'esta
palavra, que se limita ás artes mechanicas, nas quaes o esforço
manual do homem toma sempre parte considerável, que é pro-
fissional, mas profissional contigua á primaria.
Para fornecer uma e outra a Sociedade de Instrucção ce-
lebrou expo>içõeM exposição dos modelos de gesso do lyccu
do Porto, em julho de 1881, exposição de historia natural cm
outubro do mesmo anno, exposição de camélias em Lisboa em
março de 1882, exposição de pedagogia froebeliana em abril
immediato, exposição de industrias caseiras em maio, e expo-
sição de cerâmica nacional em outubro do meámo anno; e,
para que a consulta doestes grandes documentos vingasse todos
os seus proveitos, a sociedade animou as suas exposições com
trabalhos práticos de rendeiras de Villa do G>nde, Vianna do
Castello e Peniche, de oleiros do Porto e seus arredores, etc,
de modo que o visitante entre a matéria prima e o artefacto
encontrasse o processo. Ella celebrou centenários : o centenário
de Frederico Froebel em 22 de abril de 1882, o centenário de
Pombal. E não contente ainda de ter ministrado as noçõ)es das
cousas e dos officios nas suas exposições e as noções não me-
248
DOS .úteis dos homens e do civismo nas soas commemoraçSes;
entendendo que importava tornar permanentes as ezpoá^es,
accumulou collecções scientificas, collecções artísticas e indus-
triaes e collecções pedagógicas, ás quaes só falta casa para coas-
títuirem um magnifico museu; e, entendendo que importava
perpetuar as memorias illustres, começou por abrir uma sub-
scripção para se levantar um monumento ílo infante D. Hen-
rique.
Não é tudo. Formou uma bibliotheca, promoveu a crea-
;So de um curso de desenho e de modelação para os oleiros
lio Porto, auspiciando-o logo com a promessa de prémios para
os alumnos operários distinctos, espalhou indicações e conse-
lhos acerca da organisação, dos methodos e dos livros do en-
sino primário e primário technico; e finalmente propoz-se ella
mesma a fundar a escola elementar de artes e officiòs e a es-
cola primaria inicial, o jardim da infância.
Snrs. deputados: E^ para a sociedade, cujo prodi^oso
desenvolvimento mal esboçámos, e em cujo futuro estão ja ex-
pressamente interessados o municipio e o districto do Porto, é
para a sociedade que El -Rei e o governo já reconheceram de
poderosa iniciativa para a prosperidade da nação, que nós te-
mos a honra de vos propor o seguinte projecto de lei :
Artigo I.® E' concedida a Sociedade de Instrticção do
Porto, para a fundação dos seus institutos, a área dos terrenos
ao nascente do quartel de infarteria lo da mesma cidade, per-
tencentes á fa/enda nacional, que o governo julgar necessária
e fizer demarcar.
§ único. Evta concessão caduca por mudança na sua ap-
plicação ou por xlíssolução da sociedade.
Art. 2.^ Fica revogada a legislação em contrario.
Sala d&s sessões, 4 de abrii de í883.=»Bernardino Ma-
chado=F. J. Patricio= Joaquim (António Gonçahes=fjcimo
Pinto Leite=Gonçalpes Crespo=T)iogo de SMacedo=We/iceS'
lau de Lima.
A morte já levou um dos signatários d'este Projecto de
lei, o snr. Gonçalves Crespo, a quem guardaremos uma grata
memoria pelo serviço prestado a esta Sociedade.
A Redacção.
3.» ANNO
I DE JUNHO DE i883
N.o6
SOBRE A INTRODUCÇAO DAS ARTES
n'este reino
(ContiniiAçio, Tld. pâ^. SlT)
•
No segundo tempo, que he o das Conquistas (glorioso
sim, mas em que se perdeo a moderação dos primeiros séculos)
abrimos as portas ás riquezas do Oriente, que fizerao o Beino
abundante, e rico ; e seguio-se o luxo, companheiro inseparável
da riqueza. Passou a ser desprezo a pobreza antiga, e foi ne-
cessário que a Casa de Vimioso vestisse de Veludo as creadas,
que de primeiro fora condemnado na senhora. Trocárao-se os
cabides em pannos de raz, e as mulas, e cavallos em coches.
Abrimos também as portas ás Fazendas Estrangeiras, e mettê-
rão os Estrangeiros neste Reino tudo o que a arte, e luxo ti-
aha descuberto nos outros K Ainda assim nos não levaráõ di-
nheiro, porque como éramos senhores de todas as drogas, e
riquezas do Oriente, tinhamos muito mais que dar, do que re-
cebiamos; e daqui nascia ser Portugal o mais rico Reino, e
Lisboa a mais rica Praça do Mundo, e andarem no Commer-
cio delia oitenta milhões no anno em que El-Rei D. Sebastião
passou á Africa K
1 Basta consultar só no Cancioneiro de Garcia de Rezende as Tro-
vas para se saber vestyr ff tratar no paço e as outras sobre as desordeens
que aguora se costumam em Portugal (1516). A condessa de Vimioso, a
que se aliude aqui, seria a altiva D. Joanna de Vilhena, fallecida em 1549,
segunda mulher do primeiro Conde, D. Francisco de Portugal. A lapide se-
puíchral de mármore, admiravelmente lavrada, que cobria os restos dos
cônjuges, está ho)e no museu municipal de Évora. Notaremos, entretanto,
que no primeiro anno do reinado de D. Manoel (1495) não existia o titulo
Conde de Vimioso, que só foi creado em 1516. (Histor. genealog. Provas
Tol. Y p. 632) ; n'esse anno de I495 também duvidamos que D. Francisco
já fosse casado com sua primeira mulher D. Brites de Vilhena.
* Não discutimos a cifra ; mas é certo que a Feitoria de Portugal
em Antuérpia, a nossa agencia financeira internacional, suspendera os seus
pagamentos já em ISSy v. oãrcheol. artis\ fase. iy pag. 51. Em 1344 tra-
tava D. João III de levantar um empréstimo no paiz para pagar as usuras
de Flandres (Carta a João d'Evora em J. P. Ribeiro Dissert, vol. iii, parte
n, pag. 154).
REVISTA DA SOGISDADB DB mSTRUCCÃO DO PORTO. 17
25o
o terceiro tempo, que he depois do Commerdo da índia,
foi o em que contrahimos a enfermíilade moral, que hoje pa-
dece o nosso Commercio; porque nós necessitamos de todas as
cousas, que introduzirão as riquezas da índia, com que as pa-
gávamos ; de que se segue, que pagamos em dinheiro aos Es-
trangeiros, e que excede o que nos dão ao preço das fazendas,
e drogas que nos levão ^.
f -<^<^i^ D. Sancho de Moncada, auihor citado, se admira com
razão de que haja dinheiro em Castella, porque assentando que
delia sahem todos os annos trinta mfHiões, e entrão só oito, ou
nove das índias, não devia já ter com que pagar ás Nações ;
mas a ra^So que acha, he o muito que linha entrado nos pri-
meiros annos daquelle Descobrimento, e he a mesma que po-
demos dar, fazendo a conta ao muito que tínhamos recebido, e
conclue que Castella se ha de esgotar, e perder-se por conse-
quência^. Oh! Queira a Providencia, que não seja castigo em
nós a dilação do remédio, assim como parece castigo nos Cas-
telhanos, e que nos livre da ruína que nos ameaça, assim como
nos livrou da sua sujeição ! *
^ A dominação hespanhola reduzíu-nos â miséria. Só de 1584 a
1626 tiraram os reis de Hespanha para cima de 200 milhões de escudos de
oiro; náo contamos as perdis das colónias contra a HolUnda e as prezas
maritimas. Na praça de Sevilha chegaram a juntar-se goo peças de ariilhe-
ria^ marcadas com as armas de Portugal^ etc.
s Moncada tinha razão; a quantidade de metaes preciosot, accu-
mulada em Hespanha, era enorme, mas esgotou-se. Madame d'Aulnoy, au-
tor fidedigno do meado do sec. xvii, descreve assim a baizella de ouro e
prata no inventario do duque de Albuquerque: 1:400 dúzias de pratos pe-
quenos; Soo travessas grandes, e mais 700 pequenas^ e tudo o mais em
proporção; acharam ainda 40 escadas de prata, que serviam para trepar
ao aparador, aue era um altar. Os escrivães gastaram seis semanas a fazer
o inventario d estes thesouros, trabalhando duas horas por dia. O duque de
Alba possuía 600 dúzias de pratos, 800 travessas etc, e não se tinha na conta
de muito rico (Op. cit vol. ii p. i73).
' O Brazil rendeu só a D. João v o seguinte: 13o milhões de cru-
zados; 100:000 moedas de ouro; 315 marcos de prata; 24:5oo marcos de
ouro; 7oo arrobas de ouro em pó; 39a oitavas de pezo e mais 40 milhões
de cruzados de valor, em diamantes. Além de tudo isto, o producco do im*
posto dos quintos e o monopólio do pau brazil rendiam aonualmente para
o thesomro cerca de milhão e meio de cruzados. (O. Martins. Hist. de Par*
tugaly vol. n pag. 122).
a£$i
CAPITULO IV
Qual pôde ser o remedia deste damno?
Stgundo a differença que foi dos tempos, que considerei
no Reino, parece que o remédio do mal do terceiro tempo, será
rcduEÍr o tempo ao pria?eiro,/Ou ao segundo; ou passar á mo-
deração, com que se vivia, antes do Descobrimento da India^
ou rêstaural-a. Não ha dúvida ser bom este remédio e também
fora chioiera propô-lo. Fora obrigar aos romanos, no tempo
dos Césares, a que se reduzissem ao tempo dos Curcíos, e dos
Fábios ; fora digno de rizo o remédio que nos havia de obri-
gar a calçar unicamente botas, e a vestir os pannos da& Serras
de Minde, e da Estrella.
A mesma impossibilidade parece que tem a restauração
da índia em tempo, que não podemos aprestar duas Náos para
aqoeile Estado, aonde mandão trinta, ou quarenta as Nações
bellicosas da Europa : esta grande obra fará Deos, quando o
merecermos, ou quando for servido, se nos tiver escolhido para
Restauradores, como he certo que nos escolheo para Descobri-
dores, e Conquistadores. O remédio não he facil ; mas não hs
tão difiãcii, como aquelles dois.
A Filippe III se deo por remédio, para não sahir a prata,
e oiro de Hespanha, subir a moeda, e augmentar o valor do
oiro, e prata, apontando as razões verdadeiran^enteapparentes^.
Primeira, porque sendo levados dos Estrangeiros, covão Mer-
cadoria, que vale mais na sua Pátria, que em Hespanha, âu-
bindo a preço que nao valesse mais^ não seria Mercadoria para
elles. Segunda, porque todas as Mercadorias, ainda metaes,
como cobre, que vem do Norte, valem mais na parte, aonde
se levão, que na parte donde sahem, por fazerem menos vinte
por cento de custo no transporte ; e que assim era conveniente
que valessem mais em Hespanha, donde se trazem, que no
Potosi donde se tirão ; mas e inútil este meio, porque como se
necessita de Fazendas Estrangeiras, os Estrangeiros são os Le*
gisladores dos preços, e sobem as fazendas que méttem, a preço,
^ l^ambem os nossos antigos reis usaram d'este expediente da alte-
ração da moeda — «a mor peste & perdiçam de hum regnoi segundo Da*
mtão de Góes (Chron, de D, Manoel, Parte iv, p. 438 ed. de Coimbra. V.
também: Simões d'Almetda. A casa da moeda pag. 39 e seg.
3
352
que iguale ao que subio na Moeda, e lhe fica com a mesma
conta para a levarem.
, A experiência o tem mostrado entre nós, porque depois
ue a necessidade da guerra nos obrigou a augmentar o valor
a Moeda, cresceram os preços de todas as fazendas, e paga-
mos com hunia pataca, que vale trinta vinténs, a mesma quan-
tidade que pagávamos com dezeseis, o que obra, ^quando o
Mercador tira dinheiro com a mesma conta que antes, sendo
só nossa a grande perda que vai de dezeseis a trinta.
A prohibiçSo, e as Leis que impedem a sahida do di-
nheiro, que já apontei, não ser remédio no Conselho de Cas-
tella, com humá razão apparente dizião, que se praticava assim
em todos os Reinos visinhos, donde he certo, que os morado-
res não tirão dinheiro, e que se não dá maior razão para que
estas Leis produzão o effeito para que forão estabelecidas nos
outros Reinos, e não em Hespanha; porém a razão da diffe-
rença he clara.
Os Estrangeiros tem fazendas, com que pagão todas as
Mercadorias de que necessitão ; o que obra, que as suas Leis
tenhão facil execução, e as nossas difficil, e impossível, porque
não temos com que commutar aquelle grande número das que
necessitamos, e somos obrigados a pagar o excesso a dinheiro.
Deste remédio usavão inutilmente os Castelhanos, porque pro-
hibião a extracção do dinheiro, com infinitas Leis, e Pragmá-
ticas reiteradas em todos os Governos, desde o tempo dos Reis
Catholicos, até o presente, e em huma que publicou Carlos v.
dá a razão nestas palavras cPor quanto los Francezes Uevan
el oro, y con el nos hazen la guerra.»
Finalmente o único meio que ha para evitar este damno,
e impedir que o dinheiro não saia do Reino, he introduzir nelle
Artes ^. Não ha outra idéa que possa produzir este effeito, nem
mais segura; nem mais infallivel.
CAPITULO V
Prova-se a infallibilidade deste meio
A Prova he evidente. As fazendas lavradas, que os Es-
trangeiros méttem no Reino, são as que unicamente fazem ex-
ceder o valor do que lhe damos em troco, como fica dito : pela
^ Esta é a tbese capital : instrucçâo, engenho e arte.
253
introducção das Artes, se evita a introdacção das fazendas, que
os Estrangeiros méttem no Reino, e teremos com que pagar as
fazendas, e drogas que entrarem, sem que seja necessário pa-
gallas.
Da maior, e da menor desta conclusão, se não pôde du-
vidar ; porém façamos mais verosímil a prova da menor. To-
dos sabemos, que a maior despeza, e gasto qae faz o Reino he
de baetas, sarges, pannos, e mêas de seda, e de lã, etc. Sarges,
Íastão quasi todas as Communidades de hum, e outro sexo do
leino. Só os mantos das mulheres bastão para o consummo
de huma grande parte deste género. Todos no verão nos ves-
timos communmente de sarges, e de baetas, e não só nos ves-
timos todos, e as usamos nos luctos, mas somos os únicos que
as gastamos em Europa. Mêas de seda, fica dito, que só á
Inglaterra gastamos SojSI pares. Pannos, he uso commum de
grandes, e pequenos em todo o Reino no inverno, e não só no
Keino, mas em todas as Conquistas. Estes são os géneros que
os Estrangeiros navegão, de maior custo, e que o uso commum
faz mais importantes no Reino, o que na verdade he cousa ver-
gonhosa para as Nações de Hespanha, e Portugal. Supponha-
mos que obramos o c|ue baste para o uso commum do Reino,
e Conquistas nestes cinco géneros ordinários : de sarges, baetas,
pannos, mêas, e papel ^, deixo á consideração de todos o que
pouparemos de dinheiro, cujo gosto nos empobrece, e enriquece
as Nações de quem as recebemos.
CAPITULO VI
Se he fácil no Reino a introducção das Aries
Os Authores reduzem as Mercadorias, que dependem de
Arte, a três classes, a saber: humas tem metade de obra, e me-
tade de matéria, como são sedas; outras tem huma parte de
matéria, e duas de obra, como são linhos, algodões, lãs, e obras
de ferro; outras tem todo o valor, pela fábrica, pelo pouco que
vale a matéria, como são algumas obras de madeiras, e parti-
cularmente papel.
Destas são as mais necessárias para a Republica as da
^ Do valor dos tecidos importados já falíamos (pag. 212 nota 2.*);
eram cerca de 2:282 contos em 1777; o papel importado valia 83:927^ l2a
féis. (Dicc. do Com, p. i63).
*H
scgonda e terceira citse, por doas razoes ; priaicira, porque sio
as do uso mais coauniim ; segunda, porque tendo todo o valor
na obra, dão nab gaobo ao Artífice, que o bom Governo deve
procurar que fique aos naturaes, e não passe aos Estrangeiros ^
Outra diff ereoça se considera nestas Anes : bumas são (adies,
e outras dí£BcuItosas de obrar; as mab faciles são as que oão
tem valor que iguale ás dífficets, como sâo pannos, sargcs, bae-
tas, etc* as mais difficeis sao sedas lisas, e lavradas, brocados,
tapeçarias, etc.
As do liso commum sSo as mais fáceis de obrar, e mais
necessárias ao Reino ; e as que inculco para o fim que se dirige
este papel. Não digo, que se procure a introducção, e fábrica
dos mais difficeis, e que façan-os logo Fábricas de brocados,
panei, e outras cousas semelhantes, supposto que fora uuKssima
a mtroducçSo de todas, ccmo montra este Discuno \
A .introducção das Artes, que sSo mais commum, he
mais fácil nas terras, onde ha materiaes, que nes onde faitfio,
por consequência mais fácil será entre nós, do que entre os Es-
trangeiros. Todos sabemos que no Reino, e nas Conquistas ha
grande abundância de )ãs, linho, algodão, e todos os materiaes,
e drogas que servem para tintas; porém não ha abundância de
seda, por falta de applicação ao seu cultivo, como direi em ou*
tro lugar K
^ £* um principio perfeitamente exacto, e que faz com que um prato
de estanho de Briot valha ás vezes mais do que uma baixella de prata; é
o principio da transformação do valor das matérias primas sob a influencia
da arte. Exemplo evidente : a cera mica, cuja matéria prima^ o barro, não
tem quasi valor algum.
• De 1734 á primeira invasão franceza (18o7) houve um movimento
multo notável na fundação de fabricas, que é conhecido só de poucas pes>
soas. Pôde estudar-se nas obras de Neves e de Ratton ; fizeram-se tentati*
vas em quasi todas as industrias e muitas com brilhante eyito. A invasão
franceza, com o tratado de 181o, a brutalidade, inveja e períidia dos ingle-
ses, que arrasavam tudo sob pretextos estratégicos, obrigaram-nos a come-
çar pelo principio, como em tempos de D. Pedro níi/ reforma das febri-
cas 1678- 1703). A fabrica de tapessaria de Lisboa íoi fundada em juibo
de 1771. Em Tavira estabeleceu-se outra em 1776.
* O autor faz a mesma promessa mais adiante (p. 43), mas não a-
I
1670), Soveral (I70I) Sabbatino Nirso (Í772), Almeida Osório (I773) Dr. Sá
^1787). Alguns d estes autores tiveram duas e mais edições. No presente
aeculo escreveram Neves (iSsT), Visconde de Santarém (1838), Tinelli {IX^}
« recentemente Fradesso da silveira, Guerra TenreirOi Conde da bam^
iSã
Cark>8 V, costumava dizer, que os Hespanhoes pareciSo
sisudos^ e erão doidos, e os Francezes appareciao doidos e erSo
sisudos. A razão desta differença he clara. Os Hespanhoes tem
lodos os materiaes, e desprezão as Artes ; e os Francezes não
tem os materiaes, e estimão as Artes. Os Hespanhoes tem IS
que vendem aos Francezes, e depois comprão as obras de lã
aos mesmos^ com mais dez partes de excesso do valor, do que
a matéria que venderão. Quem não dirá que esta Nação he
bárbara, e aquella civil ; esta louca, e aquella sisuda? .
Por onde se deve começar para a introducção das Artes,
he com a prohibição rigorosa de sahirem do Reino os materiaes
que se podem lavrar nelle; além de que a sabida das lãs perde,
iofatlivelmente, as poucas Fábricas que ha de panrK)s, por huma
razão evidente. He certo que a abundância das lãs as fará dar
a melhor preço, e a falta, as fará valer mais caras. Se es nos-
sos Arti6ces as acharem baratas, poderão dar os pannos a me-
lhor conta, e pelo contrario^ se não as acharem a bom preço:
daqui se segue que compraremos mais baratos os pannos aos
Nactonaes, do que aos Estrangeiros, e pelo contrario, faltando
aos Nacionaes o gasto do que obrão, deixão de obrar, e se per-
dem as F^ábricas, que he o mesmo que succedeo aos Castelha*
nos, como veremos.
Ponhamos o exemplo no panno de linho : este he o único
material que se fabrica no ^Remo, e não sahe delle, e daqui
vem, que temos panno de linho, não só para commum gasto
dáesy Moser etc. Sobre a erecção do bicho da seda )á ha providencias no
foral que o Arcebispo de Braga Dom Silvestre Godinho deu aos moradores
do couto de Ervededo em 1833. D. Aífonso y, Instado pelos procuradores
nas cortes de Í472 e I473 deu providencias sobre o augmento da plantação
das amoreiras^ que Já existiam em certo numero, principalmente em Traz*06-
Montes, Lamego etc. (v. Descripçáo do terreno em roda da cidade de Lor
mego duas léguas^ por Rui Fernandes em 1531-1632 nos Inéditos de historia
portuguesa Lisboa, Acad. vol.. y pae. 646 e seg., Indica a producção de
00:000 onças para a região citada). Coroo prova do nosso desleixo cita Bln-
teau o seguinte: que tendo-se recebido na corte uma certidão de terem sido
plantadas na provinda de Entre Douro e Minho 18:000 amoreiras n'um só
anno, porque as ordens de Lisboa eram muito severas, e indo elle, Blutean,
a essa província d'ahi a quatro ou cinco annos, chegou a Braga sem ter
visto uma só amorehra. Disseram então ao viajante «qme a dita certidão ae
Ibndara na successiva transplantação de huma só estaca, a qual correra toda
a província de horta em horta, & de campo cm campo com testemunhas,
dQe affirmavão ler visto plantar na horta deste & d'aque)le bvma amoreira».
Vàcalmlario portugu^ e latino, Lisboa, I71t, v<^. i piig. 349 sub. v. Âmó'
mra. £ no seu opúsculo: Instrueçáo soère a cultura das amoreiras «te.
Lisboa, l^7&y 3.* ed.
256
do Reino, mas para vender a Castella^ e para mandar ás Con-
quistas ^. Não sahir esta matéria do Reino, e gastarem-se as
obras que delia se fazem, hs causa de que toda huma Provín-
cia (Deos louvado!) se applique ás obras de linho. Isto mesmo
succederá com a lã, senão sahir do Reino, se houverem Artí-
fices para obrarem os géneros, que aponto, que necessária mete
hão de ter gasto, teremos não só o que baste para o Rdno,
mas para darmos a Castella, e mandar ás Ck>nquistas.
Já por uso, e Lei do Reino se dá Privilegio por dez an-
nos, isenção de Direitos a qualquer Artifice, que inventar al-
guma Fábrica nova. Lei justa, e utíl : e porque os Prémios, e
Privilégios tudo facilitão, depois de haver Artifices, será con-
veniente cuidar em premiallos, o que se pôde fazer gastando a
Fazenda Real mil cruzados nos primeiros annos de pensão aos
Artífices, que melhor obrarem este ou aquelle género ^, e orde-
nando Sua Alteza, que para os dotes da Misericórdia sejão
preferidas as moças que fiarem lãs, e obrarem mêas, e fittas,
etc. Também facilitará a escolha dos lugares abundantes de
aguas, e lãs, deixando para a Província do Minho, Comarca
de Lamego, e algumas Terras da Província de Tras-os-Mon-
tes, o trabalho do linho, e da seda, que nellas se continua. Deixo
paia outro lugar outros meios, que vi praticar em França.
^ Na 'Descripçáo de Lamego, supracitada lé*se a pag. 5!US que a
producçâp do panno de linho representava i8o:ooo varas* a estopa ven-
dia-se a Í2, i^, 15 ató 20 róis; o panno de linho de i5 até loo e I20 a vara
«e vende*se este pano a mercadores, e vae pêra Gastella muita soma, e pêra
lixboa, e pêra alenteio, e pêra o algarve, e pêra as Ilhas, e outro se gasta
na terra, e fitas em peças». O panno.de linno a ioo e 120 réis a vara fá
devia ser am tecido muito bom.
> Accursio das Neves }á lembrava em 182? as exposições publicas,
como «um dos meios mais adequados que a politica moderna tem inven-
tado para estimular o aperfeiçoamento das artes, e manufacturas» {Noçàet
pae. i33). A primeira Exposição industrial portuguesa foi a de julho de
i8^8, feita pela Sociedade promotora da industria ^nacional. Os prémios,
concedidos á industria, chegaram a ser muito importantes. O Alvará de
6 de janeiro de Í802 estabeleceu quatro prémios annuaes de i:6oof 000 cada
um, pagos pela Fazenda Real, sendo dous para Traz-os-Montes e Beira, e
dous para as outras províncias do reino, ás pessoas que mostrassem ter
plantado de viveiro maior numero de amoreiras, que transplantadas tives-
sem fructificado, e que houvessem vendido á Real companhia das sedas maior
quantidade de casulo que fosse producto da sua lavra. Neves, Op. óU
pag. 382) .
257
CAPITULO VII
Se tem inconveniente esta introducção das Artes
O primeiro inconveniente que se considera, e que he com-
inum entre os nossos Ministros, he dizer, que se introduzimos
as Artes, não terão sahída as nossas drogas, que os Estrangei-
ros buscSo a troco das suas Manufacturas, e perderemos as
Conquistas, que só com a sabida delias se conservSo, e a Fa-
zenda Real o Direito das Alfandegas : e anda tão attendida esta
razão, que se tem por odiosa a prática de introduzir as Artes
na opinião de muitos; mas deixando para outro lugar as feli-
cidades que com ellas se introduzirão no Reino, e suppondo
que pôde ter inconvenientes, respondo a elles.
1.® Que he necessário examinar qual he maior damno,
se continuarmos no estado presente, que nos esgota o Reino
de dinheiro, e nos deixa as drogas, ou diminuir a sahida das
drogas, pela introducqão das Artes, que he só o remédio que
temos para impedir a extracção do dinheiro, ouro, e prata do
Reino.
2.® Èu não digo q.ue introduzamos tantas Artes, que não
necessitemos dos Estrangeiros, supposto que sou de opinião
contraria ; digo só por agora, que introduzamos as mais neces-'
sarias, e as que tem uso commum, e bastarão as que ficam
para se commutarem pelas nossas drogas, e fazendas que te-
mos para dar. Por exemplo, se temos quatro milhões em dro-
gas, e fazendas que dar, e necessitamos de receber oito, intro*
duzamos as Artes que valhão os quatro, que he este, como fica
dito e provado, o único remédio, que temos para conservar o
dinheiro, e com esta conta, que não será dimcil, cessará a ra-
2ão do temor deste inconveniente, e se achará, que não só o
não he, mas que he muito necessária, para remédio do Reino,
a introducção das Artes.
3.® He falso o principio, que depende da falta das Ar-
tes a sahida das nossas drogas; porque se facilita, ou dífficulta
por outro principio mais natural, gue he a necessidade que os
Estrangeiros tem delias. Se necessitão delias, a abundância das
Artes não as ha de dificultar. O exemplo tem passado por
nós : ha alguns annos que o açúcar, e tabaco tinhão muita sa-
hida, porque só nós he que tínhamos abundância destas dro-
gas, e todos necessitavão delias. Fizerão as Nações Fábricas
de açúcar, e tabaco nas Ilhas da America, e faltou a extracção.
258
porque não tiverSo necessidade destas drogas; donde se vê,
que nem a falta das Artes foi a causa do muito gasto, nem
também a introducção das Artes, do pouco.
Outro principio ha também para faceitar, ou difficultar a
sabida das nossas drogas, que he o havellas em outra parte a
melhor preço, que he o meto de que usSo os Hollandezes em
toda a parte do Mundo, e com que se conservSo senhores do
Commercio.
Também a muita abundância destes géneros pôde ser a
causa, ainda que todos necessitem delles; porque se bastSe
para a Europa cincoenta mil caixas de aqucar, e nós lavramos
loofjíooo, necessariamente ha de faltar a sabida a òofiooo^ sem
que a introducção das Artes, seja culpada nesta falta ^. Isto suc-
cede commummente em todos os fructos da terra, em que ha
huns annos de maior abundarcia, que outros, como são as noS'
sas drogas, que em huns annos se gastão todas, e em outros
sobejão, porque ha mais do que se podem gastar.
4.* Se não tiverem sabida as nossas drogas, porque fal-
tarão os Estrangeiros a virem buscallas, ou pela introducção
das Artes, o que não poderá ser, ou porque as tem entre si,
nós as navegaremos aonde elles as navegão, porque, em fim,
nós lhe ensinámos a Arte de Navegar ; e assim supriremos a
£alta. de sabida para as nossas drogas, pelo excesso que levSo
na bondade ás dos Estrangeiros.
CAPITULO vm
Propã se que não tem inconveniente, pelo exemplo
das mais Nações da Europa
A Providencia Divina, cuidadosa da mutua cori^spoQ^
dencia dos homens, e da Sociedade Civil das Nações, não deo
a huma só os Bens da Natureza ; repartio por todas ellas a
^ Veja-se a declaração do Marquez Durazo (supra) sobre os anua*
zens de Génova, atulhados de assucar e tabaco, que os genovezes nos h^
▼iam comprado^ e que vendiam a mais baixo preço do que em Portugal,
' por falta de extracção. Bluteau, nas suas Insirucçôeê já citadas (1/ ed. ifT^
reproduz estes argumentos, que refutam os preteaatdos inconvenientes aa
introducção das artes sobre o commercio das drogas; dizemos: reprodui^
Sorque decerto foi Macedo que lb'os communicou, tendo já escripto o seu
Hscurso em 1675. Os argumentos de Bluteau são menos completos, e me-
ãos bem encadeados (pag. 3i5-3i7 da ed. de lyaS).
i59
producçSo pela diversidade dos climas, para que a necessidade,
que huns tem do que os outros produzem, facilite o Commer-
cio, e o Tracto entre os homens, levando huns, e trazendo ou-
tros, o de (jue necessitão todos.
Daqui se segue, que não ha Província tão abundante
que não tenha necessidade dos fructos alheios; e nenhuma tão
pobre, e tão estéril, que não tenha que mandar ás abundantes;
mas a Industria, e a Arte repartio igualmente a todas as Na-
ções, fazendo a todas capazes das Operações da Arte^ e se fal*
tão em algumas, he por falta do uso, e da Policia, e não da
capacidade.
Temos o exemplo em Alemanha, onde hoje ílorecem as
Artes, e que era no tempo em que escreveo Tácito, tão inculta,
e bárbara, como sabemos he hoje a America, e Ethiopia.
Daqui se segue, que será castigo, e não di^ posição da Pro-
videncia, a menor applicação que humi^s Nações tem, mais do
que outras, ao exercício das Artes Mechanicas : mas deixando
as moralidades, a que dava occa^ião este reparo, digo, que
aquella distribuição da Providencia segura entre os homens a
sabida de todos os fructos, de qjue tem abundância, pela com-
mutação dos de que tem falta ; e que as Artes, ainda que sejão
Communs a todas as Nações, não podem inr pedir, nem ser daro-
ncsas ao Gommercio. Esta he a razão porque todas as Nações
bem governadas procrrão ter abundância de Artes, sem que
nenhuma tema o receado damno, de que as Artes lhe serão
contrarias ao seu Conmercio. Vejamos o que ellas praticão.
Inglaterra, e Hollanda não tem sedas, porque a Natureza
negou esta producção aos seus climas, e assim* as recebem das
Terras que as produzem^ mas o que a Arte põe em obra, destas
matérias, procurão cuidadosamente ter em abundai cia; porque
se as fossem buscar lavradas para seu uso, custar-lhes-hião muito
mais do que valem as fazendas, e drogas que ccmmutão por etlâs.
França não tinha seda, mas era capaz de a produzir, vi-
nhãO'lhe de Itália as roupas de seda para seu uso. Henrique
ffv., não menos glorioso por esta obra, que pelas victoiias que
conseguio, fez plantar as Amoreiras, e criar os Bichos, e cha-
mou á França com grossos salários. Mestres Estrangeiros de
differemes parte;, introduzindo esla Fábrica em França, de sorte
que be hoje esta Arte huma das m^elhorea, e de que se tira huma
grandíssima utilidade ^ O Marquez de la Riviere, Residente de
^ V. adiante as notícias «sobre esta industria francesa.
26o
GeDova em Parfs, me disse, qae antes de haver as Fábricas de
seda em França, linha Génova dois mil teares, e que hoje tem
somente quatrocentos. Li em hum Livro impresso em Paris no
anno de i655 o Decreto de Henrique iv, sobre a introducçao
da Fábrica da Seda, e achei nelle todas as razões, em que se
funda este Discurso. As palavras são as seguintes, traduzidas
fielmente no nosso idioma :
aEl-Rei no seu Conselho, reconhecendo que a introducção
das Sedas nas Terras do seu Dominio, he o único remédio para
evitar a sahída de quatro milhões de ouro, que todos os annos
passSo ás Nações Estrangeiras pelas Sedas; que era neccessaria
esta Arte para o decoro publico, e para riqueza, e occupação
de seus vassallos, Ordena, etc.»
Oi Venezianos são tão cuidadosos de que tudo o que a
Arte acha de novo fora de Veneza se obre na sua Republica,
que no mesmo tempo prohibem a entrada das novas manufa-
cturas, e procurSo Artiíices delias, porque tem por felicidade e
riqueza, que os Estrangeiros não levem ao seu Estado cousa
alguma que dependa da Arte, e nelle possa fabricar-se. O ul-
timo exemplo são as cabelteiras, cujo uso prohibirâo, excepto
as que se obrassem em Veneza.
Em França ha hoje este mesmo cuidado. VierSo no meu
tempo a Paris humas rendas de Itália, a que chamão ponto de
Veneza; começarão a ser moda com grande despeza delia; acu-
dio o Governo com grande remédio, introduzindo a Arte a todo
o custo, e prémios a quem melhor obrasse, e prohibindo a en-
trada com tal rigor, que se queimavão em Praça Publica as que
se achavão nas casas dos Mercadores, de que resultou huma
frande utilidade e abundância, de sorte que sahem hoje de
Vança por Mercancia ^
^ E* propriamente a Colbert que a França deve a sua indastría
das rendas (von Dumreicher Op. cit. pag. 77). Apezar de alguma prodacçâo
em Paris, na Normandia e na Auvergne, as rendeiras luctavam com a mi-
séria em face dos productos de Génova, Venera e dos Paizes^Baixos, que
as classes abastadas favoreciam^ apesar de antigas ordens do rei d*esde
Luiz xui. Colbert não se contentou com prohibir: fundou pelo edital de
i665 as manufacturas do Voint de France, uma Madame Gilbert foi instal-
lada com trinta rendeiras venezianas n'uma das propriedades do ministro,
no chateau de Louvay, recebendo o enorme subsidio de i5o:ooo livres,
e privilegio por dez annos. Appareceram depois os estabelecimentos de
Chantiily, Gisors, Sedan, Charlevilie^ Argentan, Auxerre e Montargís; em
Reims fundou-se uma officina com 6 renoeiras venezianas, 22 flamengas e
3o francesas. Passados vinte annos havia na Normandia 22:000 reodetras»
201
Os Genovezes observarão ha pouco tempo que os pannos
de Inglaterra, e Hollanda lhe tiravão o dinheiro da Republica;
introduzirão uma Fábrica delles, emprestando a Republica aos
Officiaes e Mercadores, a quem a encommendarão i5o^ escu-
dos. Tiverão industria para tirarem obreiros de Inglaterra, e se
achSo já com tantos pannos, e tão iínos, que os navegão, com
grande utilidade, á Turquia.
A grande riqueza de França procede unicamente de que,
tendo muitos fructos necessários que dar ás outras Nações, pro-
curão ter todas as Artes que lhes íaltão, para que o dinheiro
que entra pelos fructos não saia pelas Artes, e jpassa este cui-
dado a tanto, que EI-Rei manda Francezes a Escolas de Pin-
tura e Escultura á Lombardia, e Roma dando aos Mestres que
os ensinão grossas pensões ^.
Grossio, Em>baixador de Hollanda em França, deo a El-
Rei huma Memoria, em que por miúdas addições do que met-
tião os Hollandezes, e do que tiravão de França, mostrava que
era tal o valor dos fructos que tiravão, que introduzindo muitos,
erão ainda assim obrigados a metter dez milhões de hbras em
dinheiro, porque nada, < u pouco do que depende da Arte, met-
tião; e perguntando eu como recupera vão aquella grande som-
ma, me disse, que com o grande interesse que tiravão de na-
vegar os mesmos fructos ao mar Báltico, e ao porto de Archangel
em Moscovía.
São infinitos os exemplos, com que pudera provar este
Capitulo , mas estes bastão para que perguntemos a nós mesmos,
como poderá serdamnoso ao Commercio o que serve de utili-
dade a todas as Nações, e (é) procurado cuidadosamente de todas,
como base fundamental de sua riqueza? Cuido que não achare-
mos razão contraria, e que veremos que o nosso descuido neste
particular he o damno único do nosso Commercio, que, como
febre hectica do Corpo da Republica, nos consomme, e perde.
Queira Deos que me engane !
e uma sociedade cl'esta industria fundada por acções em 1666 dava em 1669
trinta por cento de lucro; e depois deu ainda roais. Nós tivemos ainda no
meado do sec. xvin o point du Portugal, que desappareceu v. Histoire de
la dentelle^ por ro.»« Bury Paliiser, trad. fr. pag. 96.
1 Allude-se á fundação da Academia de França, em Roma^ insta]->
lada na Villa Medíeis por Colbert (Estatuto de li de fevereiro de 1666).
D. João V (1706-Í750) fundou iogo no principio do seu reinado^ em Roma,
a Academia de Portugal, cujas ruinas Cyrillo Volckmar Machado viu ainda
em Í776 (^Memorias pag. 93^ V. a nossa biographia de D. A. Sequeira no
Flutarcho poríugueç vou 11.
76%
Deixei para o fim da primeira parte deste Discurs# o ad-
vertir que 09 Estrangeiros eo tendem tSo claramente a perda
que terão da introdocçSo das Artes nesie Reino, que mandando
ea de Paris hum Mestre de Cbapéos de Castor a Lisboa, pitr
ordem do Marquez de Fronteira, o Cônsul de França the of-
£ereceo o perdão de hum delicto que tinha em França, mais
huma pensão de 200i$ réis, com o que o fez tornar para a sua
Pátria. Dõ mesmo modo succedeo com D. Francisco de Mello,
o qual pertendendo mandar de Londres hum tear de mêas de
seda, não pôde vencer as dificuldades e probibições, com qoe
o impedirão ^.
SEGUNDA PARTE
Parece que fica provada a grande^ e indispensável neces-
sidade que h), de introduzir, ao menos, as Artes necessárias
no Reino; que não he dífficil, esta introducçao; e que são er-
rados os inconvenientes que se lhe considerSo: mas se os gran-
des males, a que esta falta nos expõe, não bastarem a persua-
dir-nos a buscar-lhe os remédios, bastem as grandes felicidades
que se seguirão ao Reino, inestimável cada huma ao bem publico^
1.* Que a introducçao das Artes em commum evitarão
damno, que fazem ao Reino o luxo e as modas.
2.* Qje tirará a ociosidade do fieino.
3.* Qje o fará povoado, e abundante de gente e fructos^
e poderá, sem que lhe faça falta, ter gente para as Colónias e
para as guerras.
^ Estas noticias são authenticas, e confirmadas por outros documeo-
tos. Dumreichér (Op. cU. pag. 75) diz o seguinte : Um edital de agosto de
Í669 prohibia aos artífices francezes o acceitarcm serviços em paizes es-
trangeiros, sob pena de confisco de bens. Cm Í671 passou a Portugal o
£ad)ricante de pannos Lambert de Rouen para fundar aqui uma fabrica da sua
industria. Colbert reclamou a entrega do artífice pelo embaixador de França,
o que conseguiu com promessas e ameaças. Cm I679 tentou o embaixador
de Hespanha passar trinta artifices de seda, oriundos de Rouen, no seu sé-
quito, mas Colbert, sabendo do facto, mandou-os prender, até que o diplo-
mata partiu. Nos outros paizes fazia-se o mesmo. O embaixador de Fran*
ça em Veneza, respondia a Colbert, sobre um pedido de operários para
uma fabrica de espellios e cr^fstaes, que elle, contractador, se arriscava a
ser lançado ao mar, sem mais cerimonia. O conselho secreto de Veneza
punia toda a família do emigrado, com prisão, até que chegasse noticia de
ter sido assassinado pdos seus sicários, espalhados por toda a Curopa etc.
(Dumreichér pag. 81).
afô
4.' Que a FVmu^) mais qot a o«itra Nação da Europa^
he útil, e necessária a imroducção das Aries.
5.* Que as Rendas Reaes se augmentaráõ.
Cada huma destas cinco proposições, só per si executadas,
parece que bastará para £azer o Reino feliz; e sendo certo que
oom a introducção das Artes se executSo todas, quem não dirá
que das Artes depende a felicidade do Keino ? Vejamos as provas»
CAPITULO I
Que a Introducção das oArtes evitará o damno
do luxo e das modas
Em primeiro lugar desejo a moderação no uso de vestir,
e nos adornos das casas, e que nos regulasse ndies, nâo a abun-
dância e Vaidade mas o concerto e modéstia. Para esta mo*
deração dérSo preceitos os Phílosofos^ e Jurisconsultos, e, o que
inais para nós he, os Padres da Igreja Conselho; porém, como
a ambição e a vaidade são vícios quasi naturaes da nossa con-
dição, os Conselhos e os Preceitos obrão pouco com nosco. Da*
qui se segue, que o Reino terá grande interesse de que ainda
que haja luxo e gasto supérfluo no vestir e adornar as casas^
tiSo sem damnoso ao Reino.
O damno do Reino não consiste em que cem particulares
mal governados gastem o Património em adornos e vestidos,
se da fazenda que estes gastão, se sustentarem outras tantas fa-
mílias no Reino ; o em que consiste o damno, he em que a fa-
zenda, que o máo governo de huns consome e dissipa, seja
alimento, e utilidade dos estrsnhos. As Artes obrão, que aquelle
damno particular de huns seja utilidade de muitos no mesmo
Reino; e a falta delias, que aquelle damno seja communicavel a
todo o Reino. A razão he facil de achar. Se todas as manufa-
cturas e fazendas que consomme o uso immoderado dos ves-
tidos e adornos das casas são obradas no Reino, nelle íica o
custo delias repartido por tantas mãos, quantas são as por onde
correm aquellas fazendas até á Tenda do Mercador ; porém se
são Obras Estrangeiras, lá vai parar o dinheiro, e lá sustenta
aquelle grande número de gente com a riqueza que pudera ficar
no Reino.
Mais me atrevo a dizer. Em hum Reino rico, e com Ar-
tes, não só he hutil aquelle appetite, ainda que seja immodert-
do, de vestir custosamente, e adornar ricamente as casas, mas
he necessário e conveniente. Valério Máximo o tem por huma
264
espécie de liberdade : 0^/^ opus libertale, si polentibus luxa pe-
rire non liceL Liv. 2. Gap. 9. Provcrb.
O dinheiro nos Reinos tem a qualidade do sangue no cor-
po humano, que alimenta a todas as partes delle, e para isso
anda em huma circulação perpétua; de sorte aue não para,
senão com a total ruina do corpo. Isso mesmo faz o dinheiro^
porque tira das mãos dos pobres a necessidade, pelo appetice
e vaidade dos ricos. Pelas Artes passa aos Mercadores, dos
Mercadores a todo o género de Officios, e mãos por onde correm
08 materiaes, que põe em obra a Arte. Destas mãos ás dos La-
vradores, pelo preço dos fructos da terra, para sustento de todos.
Dos Lavradores aos Senhores das fazendas, e das mãos de to-
dos, pelos tributos, ao Património Real. Deste sahe outra vez
pelos Ordenados, Tenças, Soldos, Armas, Fábrica de Náos,
de Edifícios, e de Fortificaçi5es, etc. Quando esta circulação do
dinheiro se faz no Reino, serve de alimento a todo elle ; porém
quando sahe do Reino, faz nelle a mesma falta que o sangue,
que se tira do corpo humano. Este exemplo não tem nada de
ficção, nem de adorno ; he tão natural e visivel, como direi em
outro lugar.
Supponhamos que hum Príncipe enthesourou todo o di-
nheiro que lhe tributa o seu Estado; he certo, que em poucos
annos o esgota, e que faltará aos pobres e ricos com que o
tributar, e alimentar-se: esta he a razão porque os Políticos
aconselhão aos Príncipes, que não tendo em que gastar, e não
sahindo de Minas o seu Thesouro, fabriquem Palácios, porque
para o dinheiro entrar nas mãos do Príncipe, he necessário que
saia ^ A Providencia Divina também acudío a isto, e não quiz
que se accumulassem todos os bens em huma só mão; porque
^ D. João y tentou este caminho^ mas com pouco critério, poraue
lhe faltaram bons conselheiros ; isto é reconhecido principalmente pelos
diplomatas estrangeiros, residentes em Lisboa, que apreciaram o sea ca-
racter com mais imparcialidade do que nós ; v. Santarém, Quadro e/e-
mentar na introducçao ao vol. v. Gastou-se prodigamente, mas sem plano.
O que se fez em matéria de instrucção industrial, de organisação do ensi-
no technico, foi tudo fragmento, obra do acaso, ou do capricho ; trabalho
sem tenacidade, sem critério, meias medidas; um mixto de ideias apro-
veitáveis c de muitos absurdos. A Pragmática veio no fim, no penúltimo
anno do reinado I ! A Pragmática do reinado anterior f fevereiro de 1677)
não foi mais feliz, 'mas, ao menos, precedeu a organisação das novas fabri-
cas, o plano da reforma do ensino, que era o de Macedo, e tinha dado ex*
celientes frutos, quando o tratado de I703 o anniquilou, depois da febre
mineira de IGgí í (v. as Cartas do P.« António Vieira a Macedo, sobre a
Pragmática de Í677 vol iv pag. a53 e J74.
265
ordenou que se repartissem por muitos. Ordinariamente vemos
que o filho do avarento he pródigo, e que divide e dissipa este
o que ajuntou a ambição do pai.
Daqui parece que se segue que não são damnosos ao Rei-
no o luxo, e a vaidade dos gastos no vestir, e adornar as casas;
quando, as Fábricas, que servem a este uso, são obradas no
mesmo Reino, antes he utilidade; porque obra que o dinheiro
sirva de alimento a muitos.
(OnUkuia). DOARTE RiBEIRO DE MâCEDO«
A EXPOSIÇÃO DE CERÂMICA
(OoBttniuiçio, vid. pftg. SOO)
E^ evidente^ olhando se para a numerosa coUecção de
boioes exposta, que houve fabrico importante de faiença em
todo o século xvii, mas não ha vpriedade de formas ; sSo quasi
tudo peças de botica : boiões e potes mais ou menos bojudos.
E, comtudo, o louceiro popular antigo, cultivava uma grande
variedade de formas, como pôde verse nos quadros chamados
de Grão-Vasco, dispersos pelo paiz. Ha muito que estudar
n^essa mina desconhecida, que nos foi de grande auxilio em os
nosscs estudos sobre a antiga ourivesaria portugueza. N'esses
2uadros distinguese perfeitamente o que é louça rústica e o que
faiença importada allemã, flamenga etc.
Podíamos publicar aqui um curioso catalogo d'es5a louça,
conservada em desenho nos nossos quadros, e sem um guia
doesta ordem, ou outro parecido, não se pôde fazer luz. Além
doesta collecção pintada podíamos ter ouira real, effectiva, se
em nossos dias, ha poucos annos apenas — o que parece incrí-
vel—não a tivessem destruído em Lisboa. E' o caso: O snr.
Nepomuceno, que dirigia então (1874-1875) as obras de res-
tauração do extincto convento da Madre de Deus, tinha reu-
nido n'uma das salas grandes do edifícia toda a louça antiga
que as freiras haviam deixado ao estado. Era principalmente
louça popular das Caldas, do século xvi e xvii, de barro ver-
melho escuro, com esmaltes verdes, mais de um cento de pe-
ças raras e de formas curiosas. Demos os parabéns ao snr.
Nepomuceno quando vimos aquella riqueza; passados tempos
soubemos que este snr. já não dirigia as obras. Uma mudança
de ministério e de política produziu uma mesquinha vingança
BKVISTA DA SOCODÀDB DB INSTRUCÇÃO DO POBTO. 16
266
e o benemérito architecto, que havia salvado o celebre coo-
vento da ruína (um verdadeiro muzeu de todo o género de
objectos), foi tranbferido. A collecção de louças foi desbaratada;
cada um levou o que quiz^ e o resto quebraram -n^o em servi*
ço diário os actuaes inquilinos do convento, hoje Asylo D. Maria
Pia. Recordaremos, para citar só um exemplo, que o celebre
presépio foi dividido por vários indivíduos que nSo tiveram escrú-
pulo de exporem os fragmentos no ultimo certamen de Lisboa K
Vimos ha poucas semanas, %penas, o ultimo exemplar da
Madre ds Deus, uma bilha pequena, esmaltada de verde.
Não foi, porém, só louça popular que produzimos cos
séculos xvi e xvii. Um antigo autor^ portuguez, Nicolau de
Oliveira, escrevia em 1620 noticias curiosas sobre a industria
de Lisboa. Tinha a capital então: oito fomos de louça vidrada;
vinte oito de louça de Veneza (!) ; quarenta e nove de louça
vermelha e dezasois fornos de tijolo e telha. Elle acrescenta ain-
da o numero de oleiros de azulejo, que eram treze, tinda que se
faz muito nos fornos de louça de Veneza» *,
Um outro escriptor ainda mais antigo, Christovão Rodri-
gues de Oliveira (i55i) refere que havia 204 mulheres que ven-
diam louça (além de i5 que vendiam vidro) e nada menos de
206 oleiros, não contando 22 homens que faziam tijolo. A grande
Estatística manuscripta, que foi redigida um annno depois (iã52,
Bibliotheca Nacional) conta o seguinte: ccTem (Lisboa^ 70 ten-
das e casas, tudo junto, em cada uma d''estas fazem louça de
barro.» O pessoal subia «a 180 pessoas, com mais l'o queseoc-
cupavam em louça vidrada* e viviam em dez casas.
Por e>tas noticias se vê que no próprio officio de oleiro
havia divisa-^ do trabalho, e especialidades, como no otiicio dos
que lavravam o ouro e a prata, e faziam obras de cravação. E
não faltava ajuda e auxilio das outras artes, porque havia 47
debuxadores para dar os desenhos, e 76 pintores; nem podia
ser pouco o que se vendia de obras d^arte, porque na mesma
^ Vide o respectivo Catalogo na sala G, onde uma serie de gruppos
de figuras de barro são attribuidas a Joaquim Machado de Castro (I).
' Nicolau de Oliveira. Uvro das grandezas de Lisboa, Lisboa 1620;
nova ed. Ibtd. 1804. A obra de Christovâo Rodrigues de Oliveira iotitu-
ta-se: Summario em que brevemente se contem algumas cousas assi ecde-
siasticas como seculares que ha na cidade de Lisboa. Lisboa, i53i; nova
ed. Ibid^ 1755. Sobre estas obras, sobre a Estatística ms. de Lisboa e outras
fontes litterarias para a historia da capital, vide a nossa bibiiographta: Fon-
tes para a historta antiga" de Lisboa em áárcheot, artist. fase. vi.
267
tpocha (i55t) sustentava Lisboa dezoito homens, que vendíim
só retavolos. A arte do oleiro podia decahir depois^ mas nunca
deixou de ser alimentada ; as casas religiosas gastavam constan-
temente o azulejo, e onde havia fabrico de azulejo, devia haver
produção de vasilhame.
Quando Filippe iii veio a Lisboa em 161 g, os oleiros le-
vantaram-lhe um arco triumphal de custoso lavor, cuja des-
crípçSo se pôde ler na obra de Lavanha, ^ rivalisando os olei-
ros nesta festa e n^outras posteriores com os oíãcios mais ricos.
O tal arco ostentava varias legendas, que nada tinham de mo-
destas e que illustravam, com painéis adequados, as glorias
do ofiicio. Vale bem a pena ouvir a descripçto do chronista
official :
• . . «ao pee da mesma Padaria sae a Rua da Misericór-
dia, em cuja entrada fízerão os Oleiros sua representação, era
de hum Arco pelo qual se servia a Rua entre dous altos d lar-
gos pedestaes, sobre os quaes em duas peanhas estavão as Ima-
gens de vulto das Santas Justa & Rufína, mui bem ornadas cõ
seus vasos de barro nas mãos, d entre ellas levantada hua torre
sobre o Arco, insignia que com as Santas tem a bandeira destes
officiaes; nas ameas do primeiro andar da torre havia hua tarja
sostentada de dous mininos, na qual estava escrita esta oitava
fallando com sua Magestade.
Inda que tem de barro os fundamentos
Esta torre alterosa^ & levantada
Não teme a força de contrários ventos
Por vós nestas colunas sustentada.
Obra que arrima a vós os pensamentos
Nao pode facilmente ser quebrada
E o forte mais soberbo^ & roais bizarro
Contra o vosso poder será de barro.
aEm dous quadros que ficavSo nos pedestaes, no da mão
direita estava pintada a Natureza coroada de flores; tinha eoi
tiúa mão hu vaso de barro vermelho, d da outra lhe pegava
hum home meio sahido da terra, que significava o barro, no
pee estava este quarteto :
^ J. Baptista Lavafia, Viage de la Catholica Real Magestad dei
-Rn D. Filipe iii N. S. ai Reino de Portugal. Madrid» 1622 com grav.
pag. 29-30.
268
Para demonstração de mór grandeza
Na perfeição da terra aue pisais
Até o barro humilde da sinais
De quanto a quiz honrar a natureza.
«Encima deste quadro avia outro pequeno com hum Em*
blema, cujo corpo era duas mãos cheas de agoa, aludiendo (sic)
á que o rústico lavrador oífereceo nellas a Xerxes; dizia a
lettra :
ET TIBI PVRIOR, ET PVLCHRIOR.
Para nós mais pura^ & mais formosa.
f No outro quadro da mSo esquerda estava pintada a Arte,
a seus pees varies instrumentos mecânicos, d: entre eiles húa
roda de Oleiro, na qual ella tinha posta a mão esquerda^ & na
direita hu vaso de porcelana da que se faz em Lisboa contra-
feita da China, ao pee desta figura avia estoutro quarteto:
Aqui Monarca eicelso Soberano
Vos offerece a Arte peregrina
Fabricado no Reino Lusitano,
O que antes nos vendeo tam caro a China.
f Encima no quadro pequeno avia outro Emblema, era
hua Nao da índia da qual se descarregavSo barças de porce-
lana da China, d outros Navios estrangeiros que carregavão
da nossa & outros que já carregados delia, saião do Porto;
era a letra doeste Emblema.
ET NOSTRA PERERRANT
Também as nossas vão a varias Regiões. .
Rematava a torre com hua estatua de hum anjo, que ti-
nha na mão o escudo das armas de Portugal.»
Mas, apesar da legenda, a porcelana não foi inventada
em Portugal senão nos fins do século passado. Se a allusão se
referia á faiença, nem por isso era mais verdadeira, porque os
artífices árabes de Portugal, cuja influencia é muito visivel na
Extremadura e Alemtejo até ao reinado de D. Manoel \ não
valiam menos do que os hespanhoes, que haviam creado admi-
ráveis trabalhos n^esse género ; senão veja o leitor os três ma-
^ Não temos aaui espaj^ para documentar a affirmação^ que será
comprovada n*um estuao especial : Vestígios da aris mosarabe em Portugal.
269
'gniScos pratos hispano-arabes do snr. A. Luso, principalmente
t) n.° 169, e a photographia de Laurent com o celebre vaso da
Alhambra. O arco e o verso provam, comtudo, que a olaria
portugueza não se sentia nem fraca, nem envergonhada, no pri-
meiro terço do século xvii.
Que ella pedisse auxilio a algum artista estrangeiro, vindo
de Hespanha e Itália, é provável, mas não lhe faltava a geral
confiança. De resto, entre os productos hespanhoes e portugue-
zes, de faiença, não haveria lucta seria senão no meado do sé-
culo XVII, quando a industria de Talavera invadiu as fronteiras
e a nossa soffreu com a francjueza geral do reino.
Note-se porém que os nossos oleiros conseguiram em
pouco tempo imitar perfeitamente os artefactos hespanhoes. O
seguinte testemunho de Severim de Faria (i655), apesar de
muito precioso, tem passado completamente desapercebido. Diz
elle: cPoucos annos ha, que hum Oleiro que veio de Talaveira
a Lisboa, vendo a bondade do barro da terra, começou a la«
vrar louça vidrada branca, não só como a de Talaveira, mas
como a da China; porque na fermosura, e perfeição podem
competir as perçolanas de Lisboa com as do Oriente; e imi-
tando-o outros Officiaes, cresceo a mercadoria de maneira, que
não somente está o Reyno cheio doesta louça ; mas vai muita
de carregação para fora da Barra ^.»
A mdustria cerâmica da capital estava pois florescente no
meado do século xvii; já pouca gente comeria na louça dt pau^
de que faliam ainda documentos do principio do século ante-
rior K A inscripção do arco dos oleiros não faltaria, portanto, á
^ Noticias de Portugal^ ed. de 1791^ pag. 42. A mesma passagem
encontrasse ipsis verbis na ed. de i74o, pag. Í9 e na de 1655, pag. 20.
> Foral de Lisboa (agosto de i5oi) na ed. de Lisboa, 1700, pag.
39. «E isso mesmo se pagará dizima de lodallas escudellas, e gamelías, trin*
chos, tavoas d*espadas, formas de çapateiros, tonees, pipas, arcos, cestos,
canlstrees e canastras, e pentees de paao ; e de quaesquer outros vasos, ou
vasilhas de paao» etc; mais adiante falia de louça de paao, distinguindo:
-^E dos tonees, e pipas, e qualquer outra Ipuça de paao» ... O mesmo Foral
trata em outro artigo : da Telha, e louça de barro do ReynOy e do que ella
pagava, entrando e sahindo de Lisboa (8 réis por cento, pag. 49-So); e em
seguida, em dous Artigos : Mallega e azulejos (2 réis por cento, pag. 5o) ;
imalmente n'outro Artigo, intitulado Louça menciona a louça vidrada ou
por vidrar, do reino e de fora (mallega de Valença). Pagava 3 réis por cento,
e YÍndo de fora sempre a dizima, pag. 51. Os artigos serão transcriptos por
extenso no Doe. xv. O Foral do Porto (lo de junno de i5x7) também men-
ciona a louça de paao (pag. 22, na collecção dos Foraes da cidade do Porta
impressos por ordem da Ql."* Gamara constitucional. Porto, 1823).
270
verdade ; o que tem faltado é estudo e paciência para percorrer
todo o paiz, para investigar seriamente, porque, por via de re-
gra, Doestes assumptos d^arte nacional todos faliam e poucos
trabalham com methodo.
O achado de uma citação isolada, um documento de va-
lor duvidoso, communicado por um qualquer paleographo, é o
ba.stante para forjar uma theoria, e decidir, doutoralmente, sem
se ter sanido das quatro paredes do ninho paterno, das ques-
tões mais complicadas, que exigem a accumulação de i^m gran-
de material de estudo de gabinete e uma analyse minuciosa dos
monumentos do paiz, in loco. E quantos portuguczes ha que co-
nhecem bem as provincias do reino ? Já tivemos occas^iâo de mos-
trar, a propósito dos antigos azulejos, como se tem estudado a
hiitoria d'esta importantis^ma industria nacional : ^uem estudou
o antigo . vasilhame^ quem o coUeccionou ? Não e conhecido o
singular critério que presidiu á ultima Exposição retrospectiva
de arte ornamental portuguesa e hespanhola, o estado cahotico
(di?ia-se que era pittoresco) em que alli puzeram os poucos
productos que podiam ser estudados como nacionaes, faltando
series inteiras ? A Exposição de cerâmica da Sociedade de In-
strucção contribuiu cfficazinente não 5Ó para elucidar os proble-
mas que dizem respeito á industria actual e ao seu futuro pro-
gres5o, mas também para resolver certos problemas da historia
da arte portugueza. A no^sa industria cerâmica floresceu no sé-
culo XVI e nos dois séculos seguintes, apesar de todas as crises.
As luctas da independência com a Hespanha durante os reina-
dos dos dois primeiros Braganqas, as desordens intestinas no
reinado de D. Afíonso vi, a lucta com a Hespanha até D. João
v, que não terminou senão com a paz de Uitrecht (171 3), e
principalmente o fatal tratado de commercio de Methwen, as-
signado por D. Pedro 11, abalaram as industrias portuguezas
até á raiz. O marqcez de Pombal fez o que um homem de gé-
nio podia fazer: resuscitar uma sociedade semi-morta, uma
corte que não vivia senão de duas cousas: a missa e a opera,
a festa da igreja e a festa do theatro. Morto o marquez, essa
sociedade vegetou apenas até que os francezes a expulsaram ;
verdadeiramente, nem expulsão houve ; foi uma fuga, porque
ninguém se lembrou de resistir.
Cita-se a fabrica de louça do Rato, com razãoj como
uma das beilas creacões de Pombal ; era um elemento no meio
de um grtipo de fundações notáveis, reunidas em uma área con-
siderável (bairro do Rato). O mesmo benemérito escriptor por-
tuguez, que escreveu a historia da fabrica das sedas, deixou-oos
271
noticias muito curiosas da fabrica de louça, que parecem estar
completamente esquecidas K
Abstrahimos do que ellc diz da nossa antiga louça, ante-
rior ao século xvin, e da qual falia com pouca estima, porque
a não conhecia — bastava lembra r-se dos azulejos.
Admira que Accursio das Neves, pertencendo como depu-
tado á Real Junta do Commercio, e 5endo depois secretario
d^ella, não se lembrasse de consultar a Pauta do Consulado da
Casa da India^ onde encontraria a prova da actividade da in-
dustria nacional, muito antes da fundação da Fabrica do Rato.
Eis os productos que alli encontrámos e a taxa correspondente
que pagavam em 1 744 :
Azulejo de figuras, o« brutesco^ o milheiro . . 20^00 réis
Azulejo ordinário, o milheiro 8IÍ000 »
Louça pintada de sortes, charoada, de Génova. iS^ooo m
Louça dita por dúzias em pratos, dúzia . . . 36o »
Louça da terra fina, e cntre-íina, em pratos,
dúzia ^ 160
Louça da terra grossa, dúzia 80
Louça da terra á imitação da da China, pagará
pelo que valer.
Louça da Hollanda pagará conforme sua quali-
dade.
Louça da índia, pagará conforme sua quali-
dade.
Púcaros de Extremoz, ou da maia.
Telha, o milheiro 4#ooo
Tijollo, o milheiro á|ooo
Terra sigilata branca ou vermelha, arrátel . . 100 •
9
•
•
Estas cifras são, em extremo, curiosas ^ O direito muito
^^ José Accursio das Neves. Noções históricas, económicas e admi'
nistrativas sobre a producçáo e manufactura das sedas em Porfuga/e parti-
cularmente a Fabrica do Rato e suas annexas. Lisboa, Í827. O snr. Fer-
nando Palha, que escreveu especialmente sobre a secção cerâmica da Expo-
sição de arte ornamental de Lisboa, não viu esta obra, que é a única que
dá noticia desenvolvida da fabrica de louça do Rato ; contentou-se com a
citação de Ration ÇRecordaçòes, pag. iao]^, commentando-a do seguinte
modo : «Pois essas dez linhas contéem ainda hoje tudo quanto se sabe so-
bre a Fabrica Real.» (Carta apud Simões: A exposição retrospectiva, etc.
Lisboa, Í882, pag. i5i). Na obra de Neves, impressa em Í827, não são dez
linhas, mas sim treze paginas de noticias, um capitulo inteiro, que foi por
nós trancripto n*esta Revista^ vol. n, pag. 549-535.
' Pauta e Alvará de sua confirmação do Consulado geral da sahida
e entrada da casa da índia, feito com a assistência dos Escrivaens do
VJ2
elevado sobre o azulejo, confirma o que adiante dizemos sobre
a carestia d''este producto artístico, que sõ podia ser aproveitado
pelo proprietário rico. A importação da louça de Génova ex-
plica-se facilmente. Génova, então umi republica, sustentava
um commercio activo com Portugal. Duarte Ribeiro de Mace-
do ainda documenta essas relaçõss com referencia á segunda
metade do sec. xvii. D. Joae v encommenJou ás fabricas e
officínas particulares de Génova uma granje parte dos explen-
didos paramentos da basílica de Mafra, tanto tecidos como bor-
dados *. A importação tinha, porém, de luctar com a louça na-
cional, já classificada n^uma escala ascendente : grossa, enirefina
e fina, que imitava a cbineza, continuando a justificar a inscri-
pção do arco triumphal de 1619. A nota; pagará conforme
sua qualidade, é uni indicio claro de pezadissimo direito (China
e Holianda), como verificámos depois de um estudo minucioso
da Pauta de i744>
Ao lado dos púcaros de Extremoz, cuja fama é antiga,
como veremos, apparecem os da Maia, que não encontramos
espect alisa dos antes do meado do secul > passado * ; não pagavam
direito, ao que parece, carregando-se, em compensação, a terra
sigilata com cem réis em arrátel. Era duro, mas muito salutar,
porque a taxa corrigia uma loucura. As damas hespanholas co-
miam essa terra, um? espécie de barro muito fino, que ia de
Portugal, da região de l^xtremoz, obstruindo-lhes completamente
o estômago, já muito maltratado pelas comidas cheias de es-
peciarias e pelos hábitos sedentários da vida peninsular.
«Je vous ai deja dit qu^elles (as fidalgas h»panhol3s) ont
une grande passion pour cette Terre, qui leur cause ordínaire-
mente une opilation; TE^tomac & le Ventre leur enflent et de-
viennent durs comme une pierre, & elles sont jaunes comme
des coins. J'ai voulu tát»r de ce ragout tant estime & si peu
estimable; j^aimerois mieux manger du Grés.*
«Si 1'ont veut leur plaire, it faut leur donner de ces Bu-
in»mo Cansubda, Homens de Negocio da Mesa do Bem-Commuin os
mais peritos aic, que ha de ter princípio no primeiro de janeiro de 174i.
I,i»boa, na Re^. Offic. typogr. 1785. foi. com os Addil. de Í774, 75e7Í'.As
dilferentos verbas scbam-se a paa. 5, 40, 43, 5*, 65 e 67.
1 Fr. JoSq de S. Joseph do Prado. Monumento tacTo da fabrica 1
snlemnissima sagraçáo de Mifra. Lisboa, 175t; inventario do thesouro,
no fim.
mi peça de thealro (Comedia sem/ama : com o amor não ha
>a, I7ir ' --■- - --" ^- *' -■- " —
jomhar. Lisboa, Í7L3) encontrámos citado «púcaro da Maya ou de Estre-
"'ío sabemos de nenhuma citação anterior á região da Mais.
1
273
caros (sic) quVIles nommcnt Barros; & souvent leurs Confes-
seurs ne leur imposent point d^autrc Peniiencc, que d'êtrc un
jour sans en manger. L'on dit qu''cllc a beaucoup de proprie-
tez; elle ne soufFre point le Poison, & elle guerit de p'usieurs
maladies. J'en ai une grande Tasse qui lient une Pinte ; le Vin
n'y vaut rien, l'eau y cst excellente ; il semble qu^elle bouille
quand elle est dedans, au nioins on Pa volt agitée & qui fris-
sonne (je ne sçai si cela se peut dire) mais quand on Ty laisse
un peu de temps, la Tasse se vuide toute, tant cctte Terre est
poreuse; elle scnt fort bon ^
Em ootras parií*s da mesma obra diz-nos a celebre es-
criptora que os púcaros vinham de Portugal, e que a terra si-
gilata revestia ainda outras formas, exportando-se p. ex. grande
numero de figas de barro contra o mal d'ojos^ que era também
um veneno occulto *. Podiamos ir ainda mais longe nVstas
considerações, mas o que (ica dito parece que é o bastante para
a historia dos costumes da sociedade hispano -portugueza da se-
gunda metade do sec. xviii. A Tauta do Consulado prova que
a terra sigilata também se gastava em Portugal, e que havia
opilations^ superstições, tolices, etc, !á e cá.
Ainda, em aditamento ás noticias de Accursio das Neves,
recordaremos que Volckmar Machado menciona uma fabrica
de azulejos no tempo do Marquez de Pombal em que foi em-
pregado o pintor de figura Manoel António de Góes, pae do
artista Bernardo Antónia de Oliveira Gocs, discípulo do mesmo
Cyrillo 5. Seria esta fabrica a mesma do Rato^ ou outra ante-
^ Madame d'Âulnoy (Comtesse). Relation du voyage d^Espagne. La
Haye, 1705, vol. lí, pag. i43. Ai.» edição é de Í693. A amora escreveu
em Hespanha de i678-168o: a sua relação ó celebre pela abundância e au-
thenticidade das suas noticias.
• «Elle (a Duqueza de Terranova, Camarera^mayor da Rainha)
me donna aussi des Púcaros de Portugal ; ce sont des Vases de terre sigelée.,
Í;amis de Filigraret. Vol. 11, pag. i3^. — On m*a aussi donné de fort bel-
es coupes de terre sigelée ínas casas da nobreza), vol. iii^ pag. i2o. — Elle
(uma mulher da burguezia) portait son enfant sur ses bras^ 11 est d'une
maígreur afireuse: il avoit plus de cent petites mains^ les unes de geais, les
autres de terre ciselée (sic) attachóes á son col & sur lui de tous côtez.. .
mais le remede à cela, ce sont ces petites menottes qui viennent d'ordinaire
du Portugal. Vol. n, pag. 66 e 67 ; ahi mesmo o processo do esconjuro.
' Veja-se a lista dos azulejos datados e assignados, que temos des-
cuberto em as nossas viagens nas províncias de Í870-Í882 : Documento xill
da Cerâmica portugueza' são umas 20 datas e oito assignaturas inéditas :
Francisco de Mattos, 1684; — Silva, iôSy ; — Gabriel dei Barco, 169? ; —
António de Oliveira Bernardes^ em Braga, sem data ; — Polycarpo de OH-
274
rior no sitio das Olarias^ p. ex. aquella que occupava os artis-
tas Nicolau de Freitas, *Bartholomeu Antunes (1730 a 1742)
Polycarpo de Oliveira \ etc. ?
O que fica provado com estes apontamentos é a necessi-
dade de novos e conscienciosos estudos, feitos em todas as di-
recções, com tempo e paciência. Sobre o capitulo de Neves
passaram já quasi sessenta annos; temos pois obrigação de dar
alguma novidade, reconhecendo o que lhe devemos, e confes-
sando que as suas informações sobre a arte contemporânea são
summamente interessantes.
A fabrica do Rato foi fundada em 1767, e assignadas as
condições a 1 de agosto com mestre Thomaz Brunetto, natu-
ral de Turim *; era contra-mesire outro italiano José Veroli \
que, separando-se depois, foi estabelecer uma fabríra em Bel-
las, com pouco proveito, até que acabou, reinando D« Maria i.
D^^pois de fundada a do Rato, ievantou-se a de outro
italiano Paulo Paulete, em 1769. Um alvará de 21 de junho
concedia-lhe grandes privilégios, promettendo o fundador exce-
der ainda a louça que vinha de tora.
O movimento espalhou se pelas províncias. Domingos
Vandelli, o celebre naturalista e professor da Universidade, eri-
gia a fabrica de Coimbra em 1784, «na qual se fabricava a
melhor faiança que temos tido»; em 1787 ainda a fabrica ob-
teve novos privilégios pelo alvará de 7 de fevereiro, e Vandelli,
animado com estes favores, veio ao Porto fundar a fabrica do
Cavaquinho, do lado de Villa Nova de Gaya, que chegou a
usar do titulo de aReal», trabalhando com náo vulgar esmero
em louça de pó de pedra e faiença. Também alli se fez louça
[)reta, segundo o testemunho de Neves ce de diSerentes qua-
idades».
Náo faltam exemplares pretos na exposição, mas sendo
elles copiados de padrões estrangeiros e não tendo marcas es-
veira, em Vianna ; — Bartholomeu Antunes, nas OUias de Lisboa, i736-
Í742; — Nicolau de Freitas, sem data, ibidem; — João Ferreira Lima,176i,
em Braga.
^ CoUecçâo de Memorias^ pag. 318, na sua autobiographia.
' O seu monogramma, decifrado por nós, pela primeira vez, foi
Sublicado na nossa lista das marcas nacíonaes n.* i3; v. no texto, pag. 651,
[evisía, vol. 11 Sobre as marcas da cerâmica antiga portugue^^a, O n.« 12
parece ser antes um F. B. e concordar, por tanto^ com as marcas n.^ 1 e 2.
* A i5 de janeiro de 178o publicava*sc amda uma Resolução isen-
tando de direitos quanto aos productos e matérias primas a -fabrica de
275
peciaes, torna-se difficil classificalos, a não ser que se faça, an-
tes, a analyse chimica de um rasoavel numero de peças. Para
este fim seria útil que as pessoas que possuem objectos de
louça preta antigos, quebrados, os confiassem á commissão or-
ganisadora, cujos trabalhos recomeçam finda a exposição, por-
que não é com uma tentativa, nem com duas, que se resolvem
os problemas de que depende o' futuro da olaria portugueza.
Neves nSo falia com grande deferência da fabrica do
Rato:
«Nunca se aperfeiçoou esta manufactura, não passando
de louça vermelha, e de uma faiança ordinária, que é o que se
fazia na fabrica do Rato ; mas não deixou de ser um estabele-
cimento importante, pela novidade, e pelo grande consumo
doesta louça.» Elle diz que a louça fina continuava a vir da
Ásia, e alguma da Hollanda e França ; até a louça de fogo se
importava de paizes estrangeiros»-:— a esta situação desgraçada
não tornámos a voltar, felizmente !
Em 7 de setembro de 1770 a direcção da fabrica repre-
sentava á Junta do Commercio, pedindo novos privilégios, e
exclusivos; & questão do preço ainda não estava resolvida; a
faiença nacional ainda era cara. O governo concedeu novos fa-
vores em novembro, e apenas a louça amarella ingleza foi ad-
mittida nó reino, por não fazer empate á nacional.
Depois d^isso houve alterações de pessoal ; em lugar de
Brunetto entrou Sebastião Ignacío de Almeida '; a Veroli
succedeu o contramestre Severino José da Silva (agosto de
1771). Quatro mezes depois tomou Almeida a fabrica, de conta
própria, por 10 annos, mas logrou- a por pouco tempo, morren-
do no meio de um considerável alcance. O Thesouro retomou
a direcção em 1779, e em 1827, época em que Neves escre-
via, ainda a fabrica de louça do Rato andava ligada á das se-
das. O inventario carregado a Almeida representava já reis
i9:597i$336. O lucro reaiisado pela fabrica n^um período de 24
annos (desde 22 de julho de 1788 até 3i de dezembro de 18I2),
representava I9:632íjii9 reis.
De 22 de julho de 1788 até 3i de dezembro de 1792
houve de lucro: 2:983^9(421 réis.
De I de janeiro de 1793 a 3o de junho de 1797: reis
4:i8ii$544 réis de lucro.
^ Sobre o monogramma d'este artista temos o direito de repetir o
qae dissemos na penúltima nota v. loc, cU, pag. 631.
í
276
Dei de julho de 1797 a 3o de junho de 1801 : 8:079)!b22
reis de lucro.
De I de janeiro até 3i de dezembro de 18I2 um anno:
1:4271)664 réis de lucro.
A fabrica teve spenas uma epocs florescente depois d'cste
período, devida á administração de João Anastácio Botelho;
depois houve só falta de critério, experiências mal dirigidas e
falta de probidade *.
A producção do Rato nHo impediu o estabelecimento de
outras fabricas, como vimos. O marquez de Pombal acceitoii
iresmo os productos de uma fabrica do Porto (monogramma
F. N. PORTOy, porque um prato do snr. A. Moreira Cabral
(n." 14), tem as armas do conde de Oeiras. Neves cita ainda
uma outra fabrica perto de Lisboa, na Panasqueira, junto a
Sacavém, onde se fez louça de fogo delgada, imitando 3 de
Génova; era de José Anselmo de Aguiar. Um alvará de 4 de
outubro de 1776 deu-lhe o privilegio exclusivo por cinco annos,
com o fundamento de ser processo novo de fabrico — eiistii
ainda em 1827.
O nosso autor falia também das tentativas para o fabrico
da porcelana pelos nossos parricios; lembra-se do tenenie-ge-
nersl Bartholomeu da Costa «que chegou a fabricar mui bellas
Êeças d'esta louça, que foram apresentadas á senhora rainha
I. Maria 1, a qual náo progrediu por falta de auxilies *«. Em
seguida menciona a fundação de José Ferreira Pinto Basto, inicia-
da com operários da Saxonia, tecendo ao proprietário grandes
elogios ',
Sobre o general Costa não ha mais documento do que duas
peças de porcelana, que representam a estatua de D. José, com
' O pessoal da fabrica de louça compunha -se em i827 das seguin-
tes T)cssoa5: I caixeiro e escripiurario; i avaliador: i Rei do armazém;
I caixeiro e i servente na loja da Rua bclla da Rainha; 6 ofliciaes de pia-
tura ; K ditos de olaria ; 2 dos fornos; 4 de aviarncnto; 4 aprendizes; 4for-
neiros; 10 serventes e z carreiro;. Total 41 empregados. (Neves, Noções
pap. Jui"),
^ Esta expressão, 'ttiui bellas pe^as», rccorda-nos o serviço de cM
de porcelana com os relratos de D. Mana i e D. Pedro ni. que esteve n»
Kxposiçãi) V, Cat. n." io9 e tio, na Revista pap, 63!.
" A noticia é confirmada na memoria de Marques Gomes A Vista
Alegre- Porto, i883. pag. 27. O dono mandou vir três allemães, em 1816,
sendo o mais hábil José Scõrder; mas a descoberta do kaoliao íbi feita só
em 1S34, por um aprendiz oleiro, portuguez: Luii Pereira Capote, falle-
cido em 1870.
^
277
uma tnscripqSo segundo a qual Costa descobriria o segredo do
fabrico quando ideiava a fundição da estatua (1773).
Estas relíquias veem-se no gabinete de medalhas de el-rei
D. Luiz. Como obras de arte o seu valor é pequeno ^
Sobre a historia das tentativas de Bartholomeu da Costa
nada ha escripto; por isso talvez sejam Hdas, com interesse, as
seguintes noticias :
Ratton, faltando dos trabalhos da Estatua equestre de D.
José em Lisboa, conta o modo como o general Costa aprovei-
tou os elementos que existiam na corte, «o qual teve também
a felicidade de achar já no Arcenal Real do exercito hum forno
de reverbero, e de suflSciente capacidade, construído em 17Õ1
ou 1762 por hum Francez chamado Drouet, que por ordem do
Governo tinha andado pelas provindas em busca de argila re-
fractária até então desconhecida no Reino; pois que se usava
dos tijolos ordinários na construcção dos fornos de fundição,
com o inconveniente de ser preciso hum novo forno para cada
fundição.
«Esta argila foi descoberta junto do Rio Vouga nas visi-
nhanças de Aveiro; e al!i estabeleceo o dito. Drouet fornos e
fabrica de tijolos refractários, que já não existe, nem talvez ne-
nhuma das pessoas que nisso foram empregadas, pelo muito
tempo que tem decorrido. Eu me^mo mandei vir para meu uso
d^aquelle barro, e achei que dava exactamente os mesmos re-
sultados». (Recordaçoens pag. 3o8).
Esta noticia e outras que Ratton (cujo caracter honrado
e cuja illustração é conhecida) nos communica, lançam uma luz
pouco favorável sobre a pretendida descoberta de Costa, feita
cm 1773, onze annos depois dos trabalhos de Drouet em
Aveiro *. Só passados oitenta e tantos annos (1834) é quefoi
^ São, verdadeiramente, três espécimens: dous quadrinhos, (um
maior e outro menor) e uma medalha^ o,78 mill. Teixeira de Aragão não
descreve o quadrínho menor (52 mill. sobre 39; tem na frente as armas
reaes,e a inscripçâo Lisboa 1773; no verso, uma car/ouc/ie de escylo rococo
com a inscripçâo DESCUBER | TO PEkO | THEN.» CORO | NEL BAR |
TH JLOMEIu I DA COS | TA. Vide o oue dissemos sobre estas amostras,
retro pag. 73-74. Vide também a medalha de Rapozo^ Revista vol. 11 pag.
649, que nos parece ser uma das primeiras peças de ensaio da fabrica da
Vista Alejgre; em 1834 (data d*esta medalha de Rapozo, havia-se descober-
to o kaolmo da Vista Alegre (Vai Rico), Marques Gomes, Op. cit. pag. 20.
' «Foi o dito Drouet author de muitos inventos n'aquelle Arcenai,
como tornos para brocar, e tornear as peças horizontalmente, carros ro-
dando sobre vigas horizontaes, e levantados acima do chão, por meio dos
278
descoberto o jazigo de Vai Rico (concelho da Feira), ficando
esquecida a passagem de Ratton e as advertências de Vandelli,
que indicava em 1789 a lista dos ja/igos deargillas nadonaes!
Accursio das Neves também não teve conhecimento das
importantes descobertas de outro patricío nosso, nò BraziL
João Manso Pereira, professor régio no Rio de Janeiro,
não só fabricou no Brazil excellente porcelana, com perfeito
conhecimento do fabrico do material estrangeiro, mas obteve a
5 de settmbro de 1793 uma provisão régia com o privilegio
para o fabrico da obra de Saxonia e de Sèvres no Brazil, como
premio de experiências anteriores, e da descoberta de grandes
jazigOH de verdadeiro kaolino^ a que no Brazil chamavam Ta-
batinga *.
Esta argilla, de que Neves também não teve noticia, era
já muito conhecida de Vandelli, que diz o seguinte, {SMemorías
económicas da Academia. Lisboa 1789. vol. i pag. 2o5): «A.
argilla branca ou bollo branco {2/lrgiíía bolus alba) chamada
Tabatinga se encontra em varias partes do Brazil, e pnnci-
palmente no Pará, como também o Bollo encarnado».
•N'outra SMemoria diz o mesmo autor a pag. 179. «O
espato fusivel, ou Feltspat^ acha-se frequentemente em varias
partes da Serra da Estrella, do qual misturado com argilla
branca, mandei fazer amostras de porcelana bem transparen-
tes^ por ser este o mesmo material que entra na de Saxonia.»
Aqui temos pois uma referencia á Tabatinga de João
Manso Pereira, e uma affirmação muito positiva de se haver
feito porcelana em Coimbra !
Finalmente, a pag. 182 insiste o mesmo autor: «Também
são frequentes as argillas^ que preparadas servem para fa^er
^uaes se tiravão as peças dâscovas^.e se transportavfio a outros lagares
ae cujos inventos se aproveitou Bartholomeo da Costa, para tirar, e trans«
portar a estatua fora do Arcenal; mas intrigas entre Bartholomeu da Costa
e o dito Drouet desgostarão este ultimo ao ponto de se retirar para Veneza» .
E mais adiante, confrontando a sorte do esculptor e do fundidor: «He coiisa
digna de se notar que pertencendo a Joaquim Machado a invenção, dese-
nho^ modelo em pequeno, e em grande da dita' estatua^ e a Bartholomeo
somente a fundição em que íoi feliz, recahisse toda a gloria e até recom-
pensas n'este ultimo, como se vê da inscrípçáo que se acha no Pedestait
(pag. 309).
^ Descubrimos finalmente um producto do fabrico de Pereira. V.
retro a noticia sobre o camapheu do snr. dr. Pedro Dias pag. 73. A (SVe-
unoria de Pereira foi publicada integralmente no vol n d'esia Revista, assim
como a Provisão Regia de Í793, e uma extensa noticia bibliographica so-
bre os três volumes: a Arte do louceiro, de louça vidrada, e de poretíanã.
279
porcelana, algumas das quaes precizão do espoat que fusivel,
se acha em abundância na Serra da Estrelia. Em Soure, alem
de muita quantidade de bolo branco, e encarnado, temos argil-
las para fazer cadinhos, e outros vazos chymicos, e outra junto
a Coimbra para fazer louça, que resiste ao fogo». Ora foi pre-
cisamente nas proximidades de Soure (minas d^Alencarce) que
o snr. Francisco Lourenço Tavares de Ornellas descobriu ha
pouco tempo jazigos de excellente kaolino.
Todos estes trabalhos em pontos tão remotos, tn^ Lisboa
e Aveiro por Drouet, cm Lisboa por Costa, em Coimbra por
Vandelli, no Brazil por Manso Pereira, são consequências do
impulso que o Marquez de Pombal deu á industria nacional.
O beneficio era tão evidente, que até o governo reaccionário de
D. Maria i, inspirado pelos inimigos mais implacáveis do mar-
quez, se viu obrigado a continuar no caminho traçado pelo ce-
lebre estadista, como se vê pelo privilegio concedido ao intelli-
gente professor do Rio de Janeiro. Pereira publicou três annos
depois uma memoria muito interessante dos seus trabalhos, a
qual foi novamente impressa em 1806 na Arte da porcelana.
Tanto este compendio, como a provisão régia, estão sepultados
no olvido. Ambos os documentos (provisão e memoria) serão
reimpressos na • Revista da Sociedade de Instrucção», que dará
também uma noticia dos outros tratados portuguezes: Arte
do louceiro, Lisboa, 1804, e Arte^de louça vidrada^ Lisboa, 1806.
Tudo está esquecido ^ !
Como vimos, a fabrica do Rato não tinha o privilegio
exclusivo do fabrico de louca, nem o direito de usar exclusiva-
mente o titulo de Real ou Nacional, porque a qualquer das
duas denominações competiam importantes regalias. O fabrico
cspalhou-se por todo o paiz.
Na obra citada, Accursio das Neves menciona as fabricas
do Rato, de Bellas, da Panasqueira (Sacavém), Coimbra (Van-
delli), Cavaquinho (Villa Nova de Gaya) e a fabrica de Paulo
Pauíete (Lisboa), mas em outra obra apresenta uma lista de
trinta e três *. Como é que tudo isto se esqueceu ? Como é
que deixamos correr assim tudo, á revelia, todas as tradições
do trabalho nacional, tudo aquillo que podia inspirar á actual
1 Os documentos foram, com effeito, publicados. V. a nota anterior.
> ^Variedades sobre objectos relativos ás artes, commercio e manu"
facturas^ ètc. Lisboa. 1814-1817. 2 vol. A lista já foi publicada por nós.
Revista, voL n. Docum. ir.
28o
geração operaria o brio, o amor pelo officio e o amor pelo paiz ?
róis não é isto também uma genealogia ; não são isto também
citulos de nobreza ? Aonde se ensina a historia da industria
portugueza ? Quem diz ao operário o que elle fez, como elle
progrediu, e lhe explica os motivos porque tantos ramos d^essa
arvore cahem sêccos sobre o solo exbausto ?
Fazer exposições não basta; isso pôde ser muitas vezes,
simplesmente, a causa de enorme dispêndio, a causa de um
prbtundo desalento, quando ao lado das grandezas do passado
se descobrem as misérias do preseiíte ; então não ha conforto,
ha desanimo, mormente quando a sciencia dos sábios se con-
serva muda diante d*esses objectos, e ninguém decifra o enigma,
ninguém dá a chave para uma solução clara, quando, em sum-
ma, não ha lição. Ora ninguém p6de negar á presente exposi-
ção o caracter eminentemente prático, a utilidade immediata;
sobre i>to não ha senão uma opinião, no publico.
As analyses das matérias primas, a discussão no congres-
so, as conferencias, os modelos estrangeiros, desenhados pelos
maiores mestres -« tudo ha-de produzir luz ; os padrões emi-
nentemente nacionaes— a arte das aldeias; e os padrões da ci-
dade: a iniciativa mais ousada que nos ha-de libertar do ex-
plorador estrangeiro. As obras do passado, mesmo, estão alli
como um elemento indispensável de estudo, para orientação,
em boa ordem, em fileiras cerradas, e entre o passado e o pre-
sente uma ligação clara, ao menos, uma ligação de um valor
incalculável, a olaria rústica das aldeias; formas de uma pu-
reza admirável, uma variedade que parece não ter limites, uma
execução que deslumbra com os meios mais simples, com a
ferramenta mais modesta, mais pobre. O publico parece ter o
sentimento de que alli se faz alguma cousa de extraordidario,
porque se agrupa, se apinha em torno da roda do oleiro, em
crescente admiração.
E^ nossa convicção que esse oleiro ainda é capaz de fa-
zer tudo quanto os seus antepassados, no ofiScio, fizeram; os
azulejos deslumbrantes, as louças delicadas, as taças, pratos,
canecas e cestos de faiença. O que se vê nos cinco armários de
louça portugueza (A-E) é o producto de uma gereção apenas,
com excepção de poucas peças do século xvii. A assimilação
dos padrões estrangeiros, principalmente dos francezes, no sé-
culo passado, fez-se rapidamente. O operário portuguez imita
com facilidade; tem uma percepção rápida ; é applicado ao tra-
balho, e modesto, pelo rigor das circumstancias, porque nunca
chegou a medir aproximadamente as suas forças. Aquillo que
28l
as nossas fabricas do século passado fizeram, não é questão de
espanto. Já dissemos em outra occasião que o valor dos pro«
duetos do Rato tem sido muito exaggerado ; que esta fabrica
nunca passou de uma produção mediana, de faiença de se-
cunda ordem, e que ao lado d'ella ha outras fabricas que téem
Igual direito á nossa attenção. Esta opinião, formulada ha tem-
pos, foi plenamente confirmada na exposição.
iOm^néa.) JoAQDIM DE VaSCONCBLLOS.
CATALOGUE DES INSECTES DU PORTUGAL
(Confclnnaçlo, vld. paf . Sil)
(hatmm OA&CINOPS MAB8BUL
733. O. minima Aubô.
An. Soe. Ent. Fr. i855, p. 90, pi. 8, n. 12, f. 3.
Bragança 1, Coimbra!.
Qmnn PÂROKALt» 8BI0HS0M
734* . P. complanatus Paxiz.
An. Soe. Ent. Fr. z855, p. 109, pL 8^ n. 23, f. 3.
Un individu pris par Mr. C. v. Volxem.
735. P. parallellpipedus Herbst.
An. Soe. Ent. Fr,, i855^ p. 116, pi. 8, n. a3, f. 9.
Bussacol, Mafra (C. v. Volxem!}.
736. P. flaviooniis Herbst.
An. Soe. Ent. Fr. M5, p. 117, pi. 8, n. 23, f. 10.
Vlzellal, Bussacol.
GmniB TRIBALUS BRIOHSOH
737. T. soapliidiformis nilff.
An. Soe. Ent. Fr. i855, p^ iSy, pi. 9, n. 3i, f. 3.
Coimbra !.
BITISTA DA SOCIBDAOB DB INSTRUGCÃO DO PORTO. 19
/
282
Gnu SAPB1HU8 BRI0H80M
738. 8. omolatiis F.
Ân. Soe. Bnt Fr, iS55, p. 354, pl« i^i f- >•
Je possède un indívidu que jc crois le premier découvcrt
dana Ic contincnt européen.
739. 8. Bemlpiinotatas F.
An. Soe. BnU Fr. iB5S, p. 377, pi, 16, £ ao.
Faro I, Leiria !, Tavira et Villa Real (C. v. Volxcm f).
740. a niger Mota.
An. Soe. Ent. Fr. i86a, p. 45o, pi. ia, f. 11.
Azambuja (J. Antunes !), Tavira (C. v. Volxeoi !).
741. 8. detenus Hl.
An. Soe. Ent. Fr., i855, p. 396. pi. 16, L 35.
Marinha Grande I.
742. 8. nitidaliiB Payk.
An. Soe. Ent. fV., i855, p. 40a, pi. 17, f. 4a
Espinho!, Azambuja (J. Antunes I), Farol, Tavira et
Villa Real (C. v. Volxem !).
V. minor.
Espinho!, Lisboa (Heydenl).
743. S. oonoixmuB Uotsob.
An. Soe. Ent. Fr. i855, p. 400, pi. i7, f. 39 et 1862 p.453, pL iS, f. 14.
Espinho !.
744. S. subnitidus Uars?.
An. Soe. Ent. Fr. i855, p. 404, pi. i7, f. 4i.
Espinho 1.
J^ai pris un seul individu avec la strie humerale et sub-
humerale réunies ; la fosse laterale et inférieure des bonis du
corselet ne sont pas ruguleusement ponctuées. Malgré ces diffé-
^^^^- :- ^-ois qu'il appartient á cctte espèce.
283
745. S. Algerions Payk.
Air. Soe. Ent. Fr. i855, p. 405, pi. i7, í. 43.
Mentionné du Portugal par Mr. Marseul.
746. S. flirvas Er.
An. Soe. Ent. Fr. z855, p. 406, pi. i7, f. 43.
Du Portugal d'après Mr. Marbcul.
747. S. speotilifer Lat.
Ân. Soe. Ent, Fr. i855, p. 411, pi. I7, f. 47.
Guarda!, Espinho!, Coimbra (L. v. HeyJcnf), Azam-
buja (J. Antunes!), Villa Real*.
Un individu pris dans la Guarda possède une couleur
très-foncée.
748. S. aeneus F.
An. Soe. Ent. Fr. i833^ p. 4x3, pi. 17, f. 48.
Gercz (L. v. Heyden I).
Je possède un individu d'un vcrt métallique avec la base
de la troibième inter.Ntric as.^tz ponciuée ce qui le rapproche
du prasinus Er., mais la diver^^ence des strics prostcrnales ne
pernnettent pas de le séparer de Yaenetis F.
749. S. ohaloitis lU.
An. Soe. Ent. Fr. i835, p. 445, pi. 18, f. 7r.
Faro!, Villa Real!, Tavira et Portimão (G. v. Volxeml).
A Espinho pai pris un individu d^un noir de poix.
750. S. Uooquersli Mars.
An. Soe. Ent. Fr. 1862^ p. 489^ et i858 p. 687, pi. 19, f. 129 seus
le noro de aemulus Mars.
Indique du Portugal dans le Catalogue Stein.
751. S. spretolus Er.
An. Soe. Ent. Fr. 1862, p. 486» pi. i7, f. 43.
Cite du Portugal par Mr. Marseul.
284
752. S. aemnluB Hl.
An. Soe. Ent. Fr. 1862, p. 488, pi. 17, f. 45.
D^après Mr. Marseul il appartient à notre faune.
753. S. mflpes Payk.
^n. 80c. Ent. Pr. i855, p. 692, pi. 19, f. i33.
Tavira (C. v. Volxcml).
V. arenarius SMars.
L. c, p. 691, pi. 19, f. i32.
Je possède deux indívidus du Portugal.
754. S. oonjtmgens Payk.
An. Soe. Ent. Fr. zSSS, p. 694, pL 19, f. i35.
Tavira (C. v. Volxcm !).
755. S. maxitixiiiiB Steph.
S. sabuíosus Fairm. Q4n. Soe. Ent. Fr. i855, p- 7149 pi 20, f. i5o.
Leça!, Espinho!.
La ponctuation des élytres est souvent bien pios étendoe
que dans la figure de la monographie de Mr. Marseul.
756. S. orasalpeB Er.
An. Soe. Ent. Fr. i855, p. 717, pi. 20, f. i5a.
Espinho I.
757. S. mgifSroxis Payk.
An. 80c. Ent. Fr. i853, p. 721, pi. 820, f. 155.
Espinho I, PortimSo (C. v. Volxeml).
758. S. metallions Herbst.
An. Soe. Ent. Fr. i855, pi. 20, f. i56.
Du Portugal d'après Mr. Marseul.
285
759. S. aprioarius Er.
An. Soe. Ent. Fr. i855, p. 725, pi. 20^ n. 38, f. i58.
Espinho!, Leçal.
760. 8. dimidiatus lU.
Ân. Soe. Ent. Fr. i855, p. 73o, pi. 20^ f. 162.
Portimão (G. v. Volxem!).
QuBB GMATHONOUS DUVAL
761. G. rotondatiis Eug.
An. Soe. Ení. Fr. i855, p. 3o3, pi. 19, f. 119.
Gté du Portugal dans le Gatalc^ue de Haroid.
Qbvbb tbbbtrius briobson
762. T. piolpes F.
An. Soe. Ent. Fr. i856, p. i36, pi. 3, f. 4.
Du Portugal d^après Mr. Marseul.
OuBi ONTHOPHILUS LBAOH
763. O. ezaratuB Hl.
An. Soe. Ent. Fr. i856, p. 555, pi. ix, n. 40, f. 2.
Guardai, Bragança!, Leça!.
764. O. striatns Fouro.
An. Soe. Ent. Fr. i856| p. 560| pi. 11, a* 40, f. 5.
Coimbra !, Leça !•
GuEB AOBITUS LBOONTB
765. A. minutas Herbst.
An. Soe. Eni. Fr. i856, p. 6x4, pi. 14, n. 43, f. i3.
Coimbra!.
286
PHALACRIDAE
Qemkb PHALACBUS PAYKULL
766. P. oorrasous Payk.
ErLh. Nat. Ins. Deut. iii, p. no.
Coimbra!, Serra de Rebordaos!, ViaeUal, Bragança!.
GUKB TOLTPHUS ERIOBSOM
767. T. grsuitilatus Quer.
Gutr, Ic. 'Keg, a«. p. 315, pi. 5o, f. 6.
Coimbra!.
Gkiikk OLIBKUS ERIGUSON
768. o. oortioalis Panz.
Erkh, JSÍat. Ins. Deut. iii, p. !15.
Bra^nnca !.
769. O. aenesoens Kust ^
Kust. Kaf. Eur. 25, 6o.
Felgneirasl, Guaida (L v. HeyJenJ!).
770. O. aeneus P.
Erichs. Nat. Ins, Deut. ui, p. ii5.
Guarda!, Estarreja!.
771 . O. bicolor P.
Erichs. Nat. Ins. Deut. iii, p. 1 16.
Guarda (L. v. HeydenI).
772. O. bimaoulatus Kust.
Kust. Kaf. Eur. \\ 26.
Guaida! (L. v. HeydenI).
1 Jc dois à Mr. L. v. Hcydrn la dcterminaiion Jç ccitc espèce, de
Xatneus et Hquidus.
287
773. O. liquidas Er.
Erichs, J^at. Ins. Deui. m, p. 117.
Serra de Rebordaos!, Fcigueiral, Espinho!, Vizella!,
Aveiro (L. v. Hcyden !).
IIA. O. pygmaeos Sturm.
Sturm. Ins. Deui. ii« p. 84, pi. 32, f. 6.
Guarda (L. v. Heyden !).
«
775. S. geminas Hl.
Er. Nai. Ins. Deut. m, p. Í20.
Coimbra!, Espinho!, Estarreja!.
NITIDULARLE
BRACHYPTERINI
GuiBB OBROUS LATBEILLB
776. O. pedionlETias.
éMurray. £Mon. p. aSi, pi. 38, f. i.
Coimbra I.
GnniB BRAOHTPTBRUS KUQELAMN
777. B. pubesoens Er.
Murray. Mon. p. 240.
Guarda!, Valle d' Azares!, Felgueiral.
778. B. imioolor Eust.
Murray. éMon, p. 241.
Farol. -
779. B. Urttcae P. *
Murray. Mon. p. 242.
Farol.
^ Dans sen Ent. Qifise etc. Mr. L. v. Heyden mentionne de la
Guarda une espéce prochatne du Brachypterus linarw Steph,
288
780. B. TOBtitas KÍ68W.
An. Soe. EiU. Fr. i85i, p. 378.
Coimbra I, Bragança!.
781. B. oinereiís Heer.
Briche. Nai. Ins. Deui. lu, p. i3i.
CcdaesI, Douro I, Bussaco!, Serra d^CstreUa (L. v. Hey<
denl), Guardai.
CARPOPUIUNI
Qmmmn OABPOPHILUS LBAOB
782. O. bemiptertis L.
éMurray. Mon. p. 36a^ pi. 32, f. lo.
Coimbra!, Évora I.
783. O. blpostulatas Heer.
Murray. Mon. p. 364.
Coimbra !.
784. O. sexpustalatns F.
Murray. Mon. p. 386.
Bussaco I.
NITIDULINI
GnniB BPUBAEA EBIOH80M
785. E. deoemgattata F.
Ericks. Nat. Ins. *2>eut. m, p. 141.
Douro !.
786. E. tennixialis Mannli.
Bui. Mote. 1843, p. 95.
Vizella!, Serra de Monchique!.
(OHKiii^a). D,^^ Manoel Paulino de Oliveira.
289
CONFERENCIA SOBRE O SAHARA
o QUE É; o QUE foi; o que será
Diz-se que «o pensamento revolve o mundo*. E na ver-
dade depois que se deixou de assignar como causa suprema
de todo o phenomeno Deus ou a Natureza a propósito da qual
de Maistre fazia a seguinte e espirituosa pergunta: cQuem é essa
mulher?»; o homem abandonou os sonhos fetichistos, os dogmas
theologicos, as subtilezas metaphysicas e o espirito antigo, fra-
desço, retrogrado, encrustado nos Te-^eum e nos ^iserere^ ce-
deu o lugar ao espirito novo, audacioso, investigador, que estuda
a estructura do granito e da aza da borboleta, a composição de
um grão de poeira e do cérebro do homem, a génese cia flor
e da estrella, o mundo de seres vivos que encerra uma gota
de agua e os soes que abrange uma nebulosa.
Não ha 5o annos, diz Georges Hanno, que a Bíblia e os
Poemas de Homero eram os únicos monumentos que nos fal-
tavam do mais remoto passado. Dir-se-hiam dous pharoes iso-
lados que projectavam uma luz turva e incerta soore o vasto
mar da Historia. Em volta d^elles agrupavam-se vagas tradi-
ções, contos fabulosos ou mythologicos, que não passavam de
pálidos reflexos, imagens coloridas e deformadas das recorda-
ções dos tempos que já lá vão ^.
E nós todos acreditávamos piamente que Deus creou
Adão ; que uma costella doeste se metamofphoseára em Eva;
3U& nós descendíamos de Adão e Eva por Noé; e que este
lustre patriarcha tivera três fílhos, Sem, Cham e Japhet, o
primeiro dos quaes povoara a Ásia, o segundo a Africa e o
ultimo a Europa.
Esta concepção mosaica foi pela primeira vez abalada
em 1492 pela descoberta da America por Chistovão Colombo
e mais tarde pela descoberta da Austrália e das numerosas
ilhas da Oceania. Na America encontraram-se mesmo vestígios
de uma civilisação tão antiga que os próprios indígenas não
conservavam recordação alguma d'ella.
Como conciliar estes dados com a theoria mosaica? A
explicação era simples : Moysés não era forte em geojgraphía
e como conhecia apenas Europa, Ásia e Africa, o sabio legis-
Georges Hanno, Les viíles retrouvéeSy p. i63. i88i.
290
lador dos hebreus entendeu que bastava Noé ter três filhos,
para povoar estas três partes do mundo. Mas deixou-se esta
explicação natural, porque dizer que Moysés não sabia da exis-
tência da America e da Oceania era avançar uma heresia, im-
portava o mesmo c}ue affirmar implicitamente a ignorância de
Jehovah. Foi por isso que se inventou uma emigração, phan-
tasiou-se, chegou-se mesmo a traçar o caminho que seguiram
as tribus da Ásia na sua viagení para a America e para a
Oceania e admittiu-se, embora sem provas baseadas em dados
seguros, que ellas passaram para a America pelo estreito de
Benring quando era isthmo, e para a Oceania pelo archipelago
das ilhas de Sonda.
Um dia, porém, ChampoUion, apóz um esforço tenaz e
persistente, consegue decifrar os gerogliphos da pedra de Ro-
seta. E a chronologia do paiz das pyramidas faz a terra mais
velha do que suppunha Moysés. O estudo da litteratura da
índia e da China e da interpretação da escriptura cuneiforme
vem corroborar esta conclusão. Á theoria mosaica, porém, re-
siste a este novo golpe dizendo, não sem pisos de peraade^ como
affirma Lefèvre, que essa chronologia é falsa porque havia sido
dictada pelo sentimento da vaidade nacional.
Mas quando o estudo das sciencias physicas e naturaes
tornou o nosso espirito positivo e pratico, a biblia de Moysés
e os poemas de Homero perderam o valor, a importância, a
veneração que os antigos Ines tributavam ; e nós, em vez de
consultarmos o primeiro d^esses dous livros para sabermos a
genealogia do género humano, em vez de nos entretermos com
a leitura da historia cómica de Noé e da sua arca, em vez de
pararmos assombrados perante a magica separação das aguas
do mar Vermelho, ou a trágica queda das muralhas de Gencho
ao som da trombeta de Josué; — interrogamos as Palafittas
da Suissa e da Itália, os korgans da Sibéria, os Nuraghi da
Sardenha, os Cromlech de Du Thus, o Menhir de Lock-maria-
ker, a Gruta funerária de Grav' Innis, os Túmulos megalithi-
cos da índia, os Silex terciários de Thenay e do valle do Tejo e
até os restos da cosinha prehistorica da ^candinavia, a que os
sábios dinamarquezes dão o nome de Kjokenmõdings. E im-
mediatamente a origem, o berço, as crenças, as artes, a indus-
tria, os costumes, a vida social emfim, do homem contempo-
râneo do Mammuth e do Grande Urso das Cavernas— es-
cripta no silex, nos ossos, na argilla, no cobre, no bronze—
surgiu do seio da terra, d'essa biblia immortal, cujos gero-
gliphos antes de Boucher de Perthes ninguém havia podido deci-
291
frar, pois eram considerados como ludi naturae quando eram
verdadeiras revelações.
A coroa do ínnovador, meus senhores, disse Geofroy-
Saint-Hilaire, é a coroa do martyrio. E Boucher de Perthes
cingiu-a. Taxado de doido, abandonado pelos seus amigos,
ultrajado até pelos seus próprios parentes, Boucher de Per-
thes morreu, segundo a bella phrase de Victor Hugo, maldito
pelo passado e bemdito pelo futuro. E' que «junto a cada pro-
pheta que annuncia o porvir, ergue-se o magistrado que tem
a missão de conservar o presente é que persegue o propheta ;
junto a cada pensador novo ha uma associação que se declara
infallivel ; junto a cada reformador ha a eterna taçade cicuta !> *
A Boucher de Perthes seguiram-se Lartet e outros, para
não citar muitos nomes. Folheou-se a crusta terrestre e des-
cobriram-se filões de metaes preciosos e minas de hulha. Mas
qual não foi o espanto do geologp e do naturalista, quando
defrontaram com os cadáveres das faunas e das floras das di-
versas edades do globo? Aqui, troncos colossaes das sigilla-
rias, gigantescos fetos arborescentes, soberbas coniferas á som-
bra das quaes vivia nas pacificas aguas do lago o monstruoso
Archeçosauro. Além, nos terrenos de alluvião do Paraguay
um animal feio, medonho, de dimensões descommunaes, o Me-
gatherio. Em outra parte, nos terrenos cretáceos, o Mcgalo-
sauro armado de dentes de serra, terminados em ponta de
sabre, investia o Iguanodonte, o maior de todos os reptis,
herbívoro como o elephante, sem comtudo possuir a sua força
hercúlea .
Na época quaternária, e ainda nos fins da época terciá-
ria, vivia o homem. E' certo que não possuia as garras do
leão, nem as defezas do javali, nem a rija couraça do croco-
dilo; mas possuia uma arma mais poderosa do que tudo isto
— a intelligencia.
A rapoza e a panthera disputavam um dia o premio da
belleza; esta dizia ser mais bella do que a sua rival porque ti-
nha a pelle mosqueada, pintada de formosos arabescos ; a ra-
posa respondeu-lhe que também ella tinha essa pintura, não
no corf>o mas no espirito. E foi, meus senhores, esta pintura
do espirito que salvou o homem, que lhe deu a superioridade
sobre os outros animaes ; foi — graças a ella — que nós alcan-
í Emilio Castellar, Vida de.Lord Byron, p. 79.
2Q2
çámos a victoria na lucta pela existência, que nós conquista-
mos o sceptro de rei da fauna actual.
A terra appareceu então aos olhos dos sábios como uma
vasta catacumba, um riquissimo museu, uma immensa necro-
pole, uma bibliotheca collossal onde se achavam enth^soura-
dos, dispostos em camadas successivas, archivados e catalo-
gados por ordem os despojos de animaes e vegetaes extinctos,
como se a terra presentisse que estes documentos seriam as
medalhas, por meio das quaes se reconstruiria um dia o seu
passado, a sua longa historia.
E de toda a parte surgiram cidades, povos, raças que
sustentaram outr''ora uma lucta encarniçada com os ánimaes
ferozes e combateram o Mammuth e o Grande Urso das Ca-
vernas com armas de silex lascado ou polido, ou levaram nas
palafittas uma vida pacifica e industriosa.
Não ha muito que o snr. Florentino Ameghino affirmou
deante dos mais distinctos anthropologistas contemporâneos
que ctodo o centro da America se achava coalhado de cidades
populosas com grandes palácios, fortalezas, coUegios, cícros,
quartéis, estabelecimentos balneares, jardins, torres, calçadas,
templos, etc. Conheciam a escriptura gerogliphica ; tinham of-
ficinas metallurgicas, fabricas de tecidos, etc. etc. A agricul-
tura havia attingido o grau de perfeição somente comparável
ao da China e do Peru. D'esta civUisação não se encontram
hoje mais do que ruinas *>.
E recentemente Weisgerber e Badourin nos annunciam
a existência nos tempos prehistoricos de numerosas tribus se-
dentárias n'essa vasta região presentemente desolada da Afri-
ca— o^Sahara; e que as differentes edades de pedra dVsta
raça são caracterisadas por instrumentos de formas idênticas
ao das mesmas edades na Europa *.
Esta noticia impressionou-me profundamente e dirigiu
desde logo a minha attencão para o estudo do Sahara. Ulti-
mamente o capitão Roudaire tendo annunciado o seu projecto
de transformar uma parte do Sahara em mar, projecto que lo-
grou merecer a approvação de Fernando Lesseps, cuja compe-
tência em assumptos d'esta ordem é indiscutível, o problema
sahariano tomou-se d^uma flagrante actualidade.
^ Ferraz de Macedo, O Homem quaternário na Anterica^ p. ao. 1S82.
> Lucien Badourin^ Algérie et òahara. La question a/ricaine, étude
politique et économi^ue. Les ages dejpierre du Sanara centríd, PréhiUoire
et ethnographie a/ricaine, p. 160. 1882.
^93
Convidado para fazer uma conferencia no seio doesta
sympathica agremiação escolhi para thema da minha confe-
rencia o estudo do Sahara sob o ponto de vista geographico,
geológico e anthropologico. Mas depois, reflectindo bem na
difEiculdade da empreza, hesitei sobre se deveria ou não reali-
sar a minha conferencia e hesitei porque não possuindo dotes
de orador, nem se me ageitando a boca para dizer phrases bo-
nitas receei, permittam-me que eu o conlesse francamente, que
não conseguiria captar a benevolência da illustre assembleia
e até que mais de um de vós preferisse entregar-se aos braços
de Morpheu do que seguir a marcha de um raciocinio que eu
por ventura apresentasse. E não obstante resolvi-me pela af-
firmativa.
Effectivamente quando vejo um homem do valor de
Huxley fazer conferencias, em Londres, em um estylo simples,
claro, didáctico, conferencias populares com vivos aplausos da
Europa e da America que pensa e que estuda, uma grande
tristeza se apodera do meu espirito; sinto amargamente que
ninguém tenha até hoje tentado introduzir no nosso paiz a ma-
neira de fazer as conferencias á Huxley.
Vasando a minha nos moldes em que costuma vasar as
suas o sábio in^ez, não tenho a pretensão de me comparar
com Huxley, cu)o altíssimo talento é de todos vós conhecido;
mas os bons exemplos merecem ser imitados. Isto posto, eu
principio.
Agostinho de Souza.
ENSINO PROFISSIONAL
OS PENSIONISTAS DA INDUSTRIA PORTUGUEZA
(Representação a S« II. El-Rei)
SENHOR
A creação, por iniciativa particular, de associações de pro*
taganda instructiva, de natureza idêntica á da Sociedide de
nstrucçlo do Porto, que tem a honra de vir hoje á presença
de V. M., ha-de merecer sempre dos poderes do Estado, o
mais benévolo acolhimento e o mais eíficaz auxilio, por isso que
«94
é da máxima difuzSo de luz intellectuai, que hade sair poderosa
a rehabtiitação do pai?.
Náo carecenao, pois, de justificar se a razão de ser da
Sociedade de InstrucçSo, cuja ínstallação e exbtencia teem sido
geralmente applaudidas, é, comtudo, indispensável que se de-
monstre com que tíulos de competência ella se dirige ao espirito
recto e esclarecido do Rei.
A Sociedade de Instruc^ão do Porto, com o concurso
sincero e verdadeiramente desinteressado dos seus quatrocentos
associados, persuadida de que, por entre as diversas províncias
onde a sua acção era instantemente reclamada, urgia acudir de
prompto á educação industrial de um povo, cuja indole e hábi-
tos, prodigiosamente dotados, teem sido, não obstante, quasi
perdidos e esterei«, pela absoluta carência de noções scientiií-
cas, indispensáveis á sua conservação e desenvolvimento, deu a
preferencia ás seguintes exposições publicas que promoveu :
De modelos de gesso para o ensino do desenho no Lyceu
do Porto, em i5 de julho de 1881.
De historia natural, em 16 de outubro de 1881.
De camélias, em 11 de março de 1882.
De ensino elementar profissional (pelo systema de Froe-
bel), em 22 de abril de 1882.
De industrias caseiras, em 14 de maio de 1882.
De cerâmica nacional, em 22 de outubro de 1882.
Tomou a iniciativa na fundação de uma eschola de dese-
nho e modelação para os operarios-oleiros de Villa Nova de
Gaya em fevereiro de i883.
Tem, desde já, organisadas as commissões encarregadas
de realisar mais as seguintes exposições :
De ourivezaria em septembro de i883.
De tecidos em abril de 1884.
De marcenaria em outubro de 1884.
Se a Sociedade de Instrucção do Porto, por entre a serie
de attntos e dificuldades inherentes a instituições doesta or-
dem, tanto mais prestimosas, quanto mais ingrato é o terreno
em que tentam implantar-se, encontrou a natural desconfiança
dos industríaes, saturados de phrases mais ou menos sonoras e
de relatórios mais ou menos inúteis, mas sempre sem beneficio
apparente e sem resultado pratico { é certo, todavia, que logrou
a rara fortuna de conseguir em pouco tempo, que, no espirito
dos que a escutaram, se radicasse funda, a crença na lealdade
de seus intuitos e a confiança na honestidade de seus esforços.
Taes são os alevantados motivos que determinam esta
\
2g5
Sociedade a vir pedir a V. M. que os operários portuenses se-
jam sempre considerados por igual, em todas e quaesquer dis-
posições administrativas que tenham por fim educar e engran-
decer as industrias nacionaes.
Será necessário especialisar as razões que dão á industria
do Porto o lo^ar tionroso que a Sociedade de InstrucçSo tem
a gloria de assignalar-lhe n^este momento ?
• Não, por certo.
Sabe V. M. e sabe-o também o paiz que a cidade do
Porto é, desde muito, denominada sem hyperbole, a Manches-
ter portugueza.
O disiricto do Porto conta 80:000 industriaes e doestes
pertencem 40:000 á cidade invicta.
Esta grande actividade industrial faz mover 12:000 ca-
vallos de força.
Dá renda a 9:5oo contos de capital.
Produz valores na importância de i5:ooo contos !
SENHOR
No orçamento geral do Estado, que acaba de ser appro-
vado pelos corpos legislativos, foi inscripta a verba de seis con-
tos de réis, destinada a subsidiar operários portuguezes, que
vão, em paizes estrangeiros, estudar os progressos de suas res-
pectivas artes e industrias.
A Sociedade de InstrucçSo do Porto, a exemplo do que,
com tanta justiça, se pratica cem o& pensionistas de Bellas-Ar-
tes das academias de Lisboa c Porto, julga do seu dever im-
petrar do governo de V. M. que a metade do subsidio acima
referido seja destinado aos operários doesta cidade particular-
mente ; — do districto em seguida — e finalmente da região de
que esta terra é considerada capital, se por ventura apparece-
rem ahi individuou, que reunam condições especiaes de capa*
cidade.
Se a Sociedade de Instrucção do Porto tem affirmado,
de um modo absoluto e incontroverso, — a sua devoção peio
desenvolvimento intellectual do paiz — o seu esforço tenaz pela
vulgarização de doutrinas, exclusivamente attinentes ao melho-
ramento social — e o seu forte empenho em crear uma novA
musculatura vigorosa, que garanta a existência nacional :
— se, pelas relações estreitas com muitos dqs mais notá-
veis industriaes d^e&te districto, que são seus sócios, esta So-
ciedade merecesse a honra de ser ouvida pelo governo de V.
296
M. sobre a eleição dos indivíduos que houverem de ser ddega-
dos da industria fora do reino ; ella não só se consideraria ver-
dadeiramente lizongeada, mas poria ao serviço de escolha tão
delicada todo o zelo da sua bõa vontade de acertar — tarefa
que não é muito difficil para quear vive inteiramente fora do
dominio das paixões politicas, que tantas Vezes desvairam os
melhores espiritos.
A Sociedade de Instrucção do Porto não ignora qual seria
o procedimento do governo de V. M. n'este assumpto, índepeo-
dentemente da sua intervenção d'ella, pois conhece muito bem
qual a norma rejjular e justa que preside á gestão dos negócios
f>ablicos, mas, amda assim, pede a V. M. que acolha benevo-
amente esta representação, para que esta Sociedade possa de-
monstrar, de um modo claro e pratico, que, se instanteoieDte
convida — sollicita — e, até certo ponto, importuna os indus-
triaes, é, principalmente, em proveito d^elles que trabalha^ pois
que, desde que elles se empenham cordealmente em se illustrar
e aperfeiçoar, enriquecendo -se a si e engrandecendo a pátria,
será V. M. o primeiro a incorporar-se na primeira fila dos
que generosamente combatem pelo renascimento e pela rehabi-
btação da industria portugueza.
Q4ntonio M. Lopes Vieira de Castro.
Foi approvada, por unanimidade, na sessio do Conselho sdentífico
de 15 de julho de 1883.
o ■Mrelarlo gtrtl
Joaquim de VasconceUos.
3.» ANNO
I DE JULHO DE i883
N.« 7
SOBRE A INTRODUCÇAO DAS ARTES
N*ESTE REINO
(Ck>DtIiiiiftçÍo, yid. i«ff. 165)
CAPITULO II
Q/ís cartes eviiSo o ócio
A Ociosidade he o inimigo maior e o mais perigoso dos
Estados. Em Athenas condemnarão os ociosos com pena de
morte. O Imperador Valente com a perda da liberdade. Salus-
tio aconselhou, como primeira necessidade do Governo, buscar
em que occupar os homens. Cicero affirmava, que durou a glo-
ria de Roma, em quanto se observarão as Leis contra a ocio-
sidade. Marco António mandava que todos os homens trouxes-
sem sobre si hum signal da proiissaa que tinhão; e quem o
não trazia, era condemnado a servir nas Obras Públicas. Nação
houve entre a qual se não dava de cear aos moços que nâo
mostrassem o trabalho em que havião occupado aquelle dia.
Entre os Egypcios houve Lei que obrigava a cada hum dos
homens a mostrar aos Magistrados o de que vivera, e em que
se occupára aquelle anno.
Passou da antiguidade aos nossos tempos tão approvado
e^te modo de governo, que Filippe II condemnou os ociosos
a galés. Os Chinas não consentem hum só ocioso, e buscão
occupação até para aquelles homens a quem as enfermidades
podião isentar legitimamente do trabalho ; porque os que não
tem mãos, trabalhão com os pés, e os que não tem pés, traba-
lhão com as mãos ; até os cegos trabalhão, e de sete annos de
idade buscão em que exercitar os Meninos ^ A esta imitação ha
^ Estes factos são plenamente confirmados pelo celebre viajante
Mendes Pinto nas suas ^Peregrinações. Escolhemos apenas alguns: prohi-
biçâo de pedir esmolas (i, p. ^33), mas, ao mesmo tempo, uma intellígente
caridade (ihp. 76 e I09) obrigando a immensa população a trabalhar na
industria ; aliás não poderia sustentar-se, «se não fosse a grande ordem e
nVISTA DA SOCIBDADB DB INSTBUCCÃO DO PORTO. >^
29»
em Paris hum Hospital, em que recolhem os mendigos, e a
todos dão occupação. Em Am&terdâo são suspeitas, como des-
honestas, as mulheres ociosas, de qualquer qualidade que sejão.
Este he o vicio da ociosidade; e he para admirar que não te-
nha entre nós pena especial. Bem considero que ha entre nós
muitos ociosos, porque não tem em que trabalhar, especialmente
as mulheres na maior parte do Reino, e que a quem lhes con-
demnar a ociosidade, podep responder com os Obreiros do
Evangelho : Nemo nos conduxit ^. Com a introducção das Artes
não poderão dar esta resposta os ociosos, e a Republica, dando
occupação aos Vassallos, tem direito para castigar a ociosidade
delles.
Se toda a lã que ha no Reino se lavar no mesmo Reino,
dará sustento e occupação a infinito numero de gente, o que
facilmente vê quem lança a consideração ás nnuitas mãos que
se occjpão em cardar, íiar, tecer, e tingir esta matéria, que ven-
demos crua aos Estrangeiros e depois de fabricada aos muitos
homens, que se occupárão, e viverão do Contracto delia.
Já disse, que só em Samersão se sustentavão e vivião
da Fábrica das Sarges mais de dez mil pessoas, cujo gasto
passa unicamente a Portugal. Só de fitas ha em Farfs mil e
quinhentos Mestres, e alguns que tem a dez teares, porque os
Mestres não fazem mais que armar os teares; e contando seis
obreiros a cada Mestre, se acha que occupa esta Fábrica nove
governo que se tem no prover da gente mechanica, & no trato & officios cô
que os cõstrangetn a buscarem vida».. . (n, p. 26). Leia-se principalmente
o cap. cw\ do vol. 11, pag. io3. ^o provimento que tem com todos os alei-
jados ff gente desemparada, que foi, provavelmente, a fonte de informação
de Ribeiro de Macedo. O Padre Frey Gaspar da Cruz (Tractado das cousas
da China, escripto em i336) diz o mesmo : «porque comunmente nam ha
quem dee esmola a pobre, polo que se acertava algu pobre de pedir es-
mola a algtX português e ho português lha dava, riam-se os chinas delle»
etc, pag. 6S da ed. de IS29. A organisaçâo social e económica do império
no sec. XVI era tal que São Francisco Xavier cespâtado, assi destas cousas
como doutras muytas excellcncias que n'esca terra vio, dezia, que se Oeos
algQa hora o trouxesse a este reyno, avia de pedir de esmolla a el Rey
nosso Senhor que quizósse ver as ordenações^ & os estatutos da guerra & da
fazenda, por que esta gente se governava, porque tinha por sem duvida que
erão muyto milhores que os dos Romanos no tempo de sua felicidade, &
que os de tod v4s as outras nações de gjntes de que todos os cscriptores an-
tiguos tratarão (Mendes Pinto, vol. 11, pag. tia).
1 O mesmo podem repetir hoje, senão veja o leitor as confissões do
grande inquérito industriai de ISSi, na parte relativa ao ensino technico
nas fabricas, á organisaçâo da aprendizagem, etc; um sudário em cinco vo-
* C somos nós os pessimistas !
299
mil pessoas, sem contar os muitos Tendeiros que as vetidem,
e os muitos homen:» de Negocio, que as comprão para as man-
•dar a differentes partes.
O Padre António Vieira me disse, que conhecera hum
Mercador Genovez que dava seda em Génova, e pagava a
duas mil mulheres, que por sua conta fazião mêas de agulha ^.
Os Portuguezes he a Nação mais habil para as Anes me-
chanicas que tem Hespanha, e os Estrangeiros confe^ão que
são os que melhor, e mais facilmente os imitão. No Reino não
faltão officiaes daquellas Artes, cujas obras se não recebem dos
Estrangeiros, como são Pedreiros, e Carpinteiros, e outros de que
ha tanta quantidade, que hum grande número delles possa traba-
lhar e ganhar sua vida em outros paizes, e especialmente em
Gastella. Da mesma sorte haverá abundância de officiaes, e obrei-
ros em todas as Artes, que de novo se introduzirem ; e se oc-
cuparáõ nellas todos aquelles que a necessidade ou falta de
emprego faz sahir da sua Pátria.
CAPITULO III
qAs oArtes augmentarSo o número da gente,
e se povoará o Q(emo
O Número dos Vassallos, e a numerosa povoação dos Rei-
nos, he a maior felicidade delles e o fundamento mais sólido da
sua conservação ; como pelo contrario, tudo falta aos Estados,
onde falta gente. Esta he a felicidade que promettia Deos ao
seu Povo pela boca de hum Profeta : Dux ego convertar ad
vos, et multiplicabo in vobis; e pelo contrario, quando lhe pro-
põe castigos, lhe diz : Remanebitis pauci numero.
^ O Padre António Vieira andava muito interessado na reorganisa-
^o do commercio portuguez (e da politica do reino, em geral) coroo se vê
^elas suas numerosas cartas dirigidas a Duarte Ribeiro de Macedo, que
constituem o vol. ly da coUecçâo epistolar. O celebre jesuita empenhava-se
principalmente na creaçâo de duas companhias de tommercio, a oriental e
a Occidental, portuguesas, para segurar a índia e o Brazil com os capitães dos
christáos novos. Deviamos luctar, como elie dizia, arca por arca com os Hol-
landezes. Vieira tinha por Macedo uma veneração especial, que testemunha
a favor da alta capacidade do diplomata ; tanto na em preza da transplan-
tação das drogas da índia para o Brazil, (vol. iv, p, 2I0), cotno em outros
assumptos económicos de grande alcance, Tquestao da Pragmática, pag.
^3, 274, febre das Minas, pag. aii, a8i) havia perfeito accordo entre
t>s dois.
Soo
Roma e Âthenas entenderão que toda a sua grandeza
consistia na cópia numerosa de Cidadãos. Assim o lemos nas
Politicas de Aristóteles e Platão, nos decretos dos Imperadores,
e no Conselho de todos os Legisladores de huma e outra Ci-
dade.
He grande este único bem dependente das Artes; pôde
bastar por prova a experiência do q4)e vemos nos Reinos visi-
rhos. Hespanha he maior na extensão de terra que França, e
Igualmente abundante e fértil; mes na povoação he tão des-
igual, que no anno de 1620 contava Hespanha seis milhões de
almas, e França quatorze. Dirão que isto procede da fecundi-
dade das mulheres, muito maior nas terras quentes. Se isto as-
sim fora. Polónia, que he maior que França, tivera mais gente,
o que não he assim. A differença só consiste em que França
tem mais Artífices, e mais Artes que Hespanha e Polónia ^
Hollanda he huma pequena Provincia, cuja terra he s6
abundante de pastos, defendida contra as innundações com hum
contínuo trabalho de valias e diques, e possuida desta sorte,
como em precário ; mas he tão povoada, que se não acha outra
em igual distancia, com igual número de moradores, e quem
comparar nelles os Artifíces com os Lavradores, achará vinte
Artifices para cada Lavrador:
O pequeno Estado de Génova he a psrte de Itália em
que ha mais gente, em igual distancia de Paris, e commum-
mente se sabe que o seu mar não produz peixes, e os seus
montes nem lenha produzem, e são as Artes que a sustentão,
muito rica e povoada, de sorte que he esta a terra de lavor
tão celebrada pelos Authores Latinos, e tão abundante dos bens
da natureza ^
Ha sessenta e quatro annos que as Fábricas da Seda se
introduzirão em França, e no decurso delles crescerão mais de
^ Parece haver aqui um lapso^ na posição de latitude dos paizes ci-
tados, mas repare-se que Macedo cita apenas uma opinião commum, que
julga errónea. (Jm diplomata de tanto merecimento conhecia decerto a con-
figuração politica da Polónia depois da paz de Westphalia. Em tempos an-
teriores a influencia polacca chegou até ao Adriático^ pela estreita alliaoça
com a casa de Hungria. Maceoo refere-se porém ao temperamento, lem-
brando-se da precoce puberdade e da fecunaidade da mulher polacca e da
mulher peninsular.
• Macedo podia citar ainda Veneza' e, antes de Veneza, Pisa e Flo-
rença^ como grandes republicas que fundaram a sua grandeza na industria
e na arte.
3o I
metade do número de casas e moradores, as Cidades de Lião,
e Tours, as Villas de Sancto Estevão, e S. Chaumont ^.
Vemos, emãm, por experiência, que as terras que mais
florescem são as mais povoadas ; vejamos a razão :
Londres he buma das Cidades populosas da Europa,
mas a maior parte dos seus moradores são Artífices. No tempo
das suas guerras civis, quando os obreiros, aprendizes somente,
tomarão as Armas, formarão hum Corpo, a que se não podia
opp'ôr o resto dos moradores ^.
João Botero ^ pergunta qual será a causa porque huma
Gdade que começou, por exemplo, no anno de 600, com du-
zentos moradores, cresceo a dois mil até ao anno de 800 ; e
depois de oito séculos não passou de 2000 moradores. Parece,
segundo as razões naturaes, que havia de crescer em mil annos
a 20000 moradores, ao menos segundo o cálculo de em dois
séculos passarem de 200 moradores a 2ooo; mas esta expe-
riência em quasi todas as Nações do Mundo mostra o contra-
rio; a razão he porque as Cidades não crescem mais em ná-
mero de gente, do que o seu território pôde sustentar, e daqui
vem, diz o mesmo Author, que o Mundo^em mil annos depois
do Diluvio, teve tanta gente como hoje tem ; fatiando em geral
do Mundo, e não desta ou daquella Província.
Mas contra esta infallivel razão de João Botero parece
que está huma experiência também certa, e he, que vemos
muitas Cidades, como acima fica mostrado, de território fértil
^ Este calculo: ha 64 annos, daria a era 1610, e recuaríamos até ao
reinado de Henríque iv. A indicação ó exacta. Foi este príncipe que man-
dou plantar de amoreiras o Jardim das Tuilherias, como primeira expe-
riência^ apesar da fortíssima opposiçâo de Sully (Dumreicher, Op, cit., pag.
28). Vide o que Macedo adirma retro, Parte i, cap. viii. O livro, impresso
em Paris em 1635, em que elle viu o Decreto de Henrique iv sobre a intro-
ducçâo da Fabrica da Seda seria o tratado sobre a creação do bicho da
seda de Christovão Isnard, que serviu de base ao compendio de Bluteau ;
n'este caso deverá lér-se i665. Sobre as localidades citadas v. Dumreicher,
pag. 74. Foi muito conhecido até fíns do século passado o estofo de seda
gordetur (eros de Tours; como gordenaple — gros de Naples, etc).
' Os pannos inglezes finos apparecem com frequência em Portu-
gal, na segunda metade do século xv: Lomdres, Brystoll, etc, J. P. Ribei-
ro, Disserí, chronol,^ vol. v, passím; mais raros no sec. xiil, sob D. Affonso
lu ; Ley de i233 com a taxa dos preços.
^ João Botero, com o sobrenome BenisiuSy escriptor italiano (i54p-
1617] e diplomata. Escreveu, entre outras obras, puramente litterarias, as
seguintes poUUcas: Delia ragione di stato, refutação de Machiavelio; Delle
cause delia grandez^a delle città, a que Macedo allude, etc.
3oa
serem mais povoadas que outras de igual território ; mas este
Milagre obrão as Artes, porque o preço delias corre abundan-
temente á subsistência dos territórios visinhos, ou dos Reinos
estranhos, se he marítimo o lugar onde se fabricão.
CAPITULO IV
Continua a mesma matéria
Vejamos outra razão mais natural. O commum dos ho-
mens vive, ou da lã, ou das lavouras, ou do trabalho das Ar-
tes, de sorte que os meios geraes da subsistência dos povos são :
a cultura da terra, e a Fábrica das Artes, e assim, onde mais
se cultiva a terra ha mais Lavradores, e onde mais se fabrica^
mais Artiíices ; mas estes dois nreios de subsistência se ajudão
tão reciprocamente, que nao pôde haver muitos Lavradores
onde não houverem muitos Artifíces, e pelo contrario, ha muita
abundância destes onde as Artes ílorecem.
Os Lavradores cultivão a terra até tirarem delia os fru-
ctos que podem gastar, e de que podem tirar o necessário para
vestir suas familias, para comprar instrumentos de lavoura, re-
servando huma porção para tornar á terra, de modo que, ven-
dendo os fruaos, restituem o dinheiro ás Artes, pelas roupas
e instrumentos de que necessitão ; mas se estas obras de Arte
vem de fora, não são os Artifíces os que lhes gastão os fructos;
e o dinheiro, que lhes dérão por elles, passa a ser utilidade dos
Estrangeiros.
Mas supponhamos que se introduzirão as Artes na Cida-
de onde vivia este Lavrador, e que o número dos Artifíces
augmentou o número dos moradores de 2000 pessoas ; crescia ne-
cessari^amente o gasto dos fructos, e o Lavrador que, por exem-
plo, não lavrava mais que dez moios, porque só a esta quanii*
dáde achava gasto, procurará cuidadosamente tirar da terra
tpdos os mais fructos, cujo gasto lhe segura o maior número
da gente da Cidade.
Segue-se daqui, que o Lavrador, que se acha com mais
cabedal, o restitue ás Artes, porque veste mais limpamente a
sua famiiia e, crescendo na lavoura, compra mais instrumentos
para ella, e por consequência os Artifíces crescerão em número,
porque cresceo por este mesmo caminho o' gasto das Fábricas,
c se aperfeiçoarão no trabalho.
Fassemos mais adiante. O Lavrador que se vê com ca-
bedal, passa naturalmente db necessário ao supérfluo ; e venda
3o3
na Cidade as Artes e obras de que se contenta, servíndo-se,
por exennplo, de bancos até então, compra cadeiras, e igual-
mente todas aquellas cousas que servem ao ornato, e não á
necessidade ; e daqui na.<ce que achando huns e outros utilidade
oavidaquetem,e.«>eguraa sua subsistência no trabalho, se appli-
cSo a elie, e se animâo todos a ter famílias, e casar suas filhas.
Para confirmação destes argumentos, se não necessita de
mais prova. Baste lançar a consideração aos muitos Ariifices,
que entre as Nações Estrangeiras se occupão em lavrar as fa-
zendas e géneros de que necessitamos, e delles recebemos.
Supponhamos que ha hum milhão de pessoas que se sustentão
commodanrente no Reino ; se nellé se obrarem aquellas Fábri-
cas, crescerá o gasto aos fructos, sustentar-se-ha muito maior
número de gente, e o Reino logrará a grande felicidade de ser
muito mais rico e muito mais povoado K
CAPITULO V
A falta das Artes he causa da falta de gente em Castella
A prova maior dos Capítulos antecedentes he examinar
o damno que causão os Direitos com que se acha Castella. D.
Sancho de Moncada refere sobre esta matéria cousas que cau*
sio horror. Diz, que os Curas de Toledo dérão hum Memorial
a Ei-Rei, advertindo, que faltava naquella Cidade a terça parte
da gente ; porei aqui as mesmas palavras do Author:
tEn la carniceria se peza menos de la mifad dela carne,
que solia. Es cosa lastimosa, que de sessenta casas de Mayo-^
razgos de a três mil Ducados de rema, que sofía ter Toledo,
no quedan seis, y de toda Castilla, Andalusia, Mancha, Reino
de Valência, y asta Sevílla, todos son dei Pueblo. Y el Padxe
Fr. Diego dei Rscurial, refiere que IjC dixo el Obispo de Avila^
que de poço acà faltaban sessenta y três Pilas ' en su Obís-
pado. »
^ Estes dons capítulos, ni e rr, com as suas conclusões, reclama-
riam um longo commentario sobre as relações do lavrador e do industrial
(qo sentido restricto em que Macedo applica esta palavra). Stetson deduz
o predominio dos leading staies da grande Republica americana da condi-
ção de superioridade natural, oue resulta da transformação de um estado
agrícola em estado industrial. (V. o problema mais por miúdo em o nosso
estudo: Reforma do ensino de desenho. Porto, Í879, pag. xvn.)
^ f3eve entender-^se por pilaSt (pia baptismal) a parocbia, com o re^
^isto do movimento da população; as parocbias estavam desertas.
3o4
Este he o lastimoso estado de Hespanha, tSo fértil em
outro tempo, e tão abundante de gente, que refere Júlio Pacen-
se, que no tempo de Augusto (se) mandou cumerar os VassaKos
do Império, e se achavâo (sic) somente em Lusitânia cinco mi-
lhões e sessenta e oito mil pares de famílias ^. He observada en-
tre os Authores a fecundidade das mulheres Portuguezas, e os
frequentes partos de taes filhos.
As causas, que commummente dá o Mundo para esta
falta, são as Colónias das índias, a expulsão dos Mouriscos, e
as guerras de Itália e Flandres ; porém todas estas causas, oa
opinião do Author citado, são sem fundamento. Na expulsão
dos Mouros sahírão de Hespanha seiscentas mil pessoas, nú-
mero fácil de restaurar em poucos annos *. Ha vinte e cinco an-
nos que em Nápoles morrerão de peste duzentas mil pessoas, e
hoje se acha este numero restaurado.
Depois da Conquista de Granada até ao Reinado de Fi-
lippe III não houve guerras em Hespanha, e no anno de 1600
^ ^ Ha grande exaggero n'esta cifra, tendo-se mesmo em conta a ex-
tensão do território da antiga Lusitânia^ cujas fronteiras eram mui differen-
tes das actuaes de Portugal^ y. Kiepert, Atlas antíquus, x. A população de
Portugal no reinado de D. João i pouco excedia a um milhão ; duplicou até D.
Manoel, e estava reduzida á antiga cifra, pouco mais, na época dos Felipes
(i. 200:000). V. a oMemoria sobre a população e a agricultura em Forttir
gal (io^l'i'ò^o), por Rebello dà Silva. Lisboa, 1868. Parte i.
s Moncada não diz a verdade. Os Reis CathoUcos expulsaram uns
800:000 hebreus, de que o nosso D. João 11 se aproveitou, e que D. Manoel
destruiu. Depois Felipe m expulsou os Mouriscos (1609-1610), perdendo a
Hespanha mais algumas centenas de milhares de indivíduos íos cálculos
variam de 3 00 mil a um milhão), que formavam a parte mais laboriosa da
sua população; que tinham nas mãos a agricultura e as artes, precisamen-
te. Em paga, a terra augmentou em frades, em ociosidade e vicios. Note-se que
esses mouriscos pagavam só na provinda de Valência doze milhões de rea-
les de tributo; o seu trabalho dava para isto, e a sua economia ainda lhes
Eermittia juntar os thesouros com que se encheu Felipe m e o seu valido
erma. Restaurar o desfalque produzido pela perda de 600:000 almas po-
derá parecer iacil a Moncada, mas o queé irremediável é a perda completa
das tradições do trabalho nacional, desde a arte de regar um campo atóá arte
de tecer um estofo. Note-se, finalmente, que esta perseguição de I609 era a
segunda que soífriam os mouriscos, Goriija-se tudo o que diz Moncada
pela exposição de Lafuente. Historia de Espana* Barcelona, I879, voi. IM,
pa^. 258 e seg. Este ultimo conclue o seu eloquente capitulo com a se-
gjinte phrase : «Cierto, la herida que con ello recibio la riqueza publica de
spafia fuó tal, que no es dei todo aventurado decir que aun no ha aca-
bado de reponerse de ella». Veja-se Ranke, Die Osmanen und die spanische
Monarchie. (vol. xxxve xxxvi das Obras com pi.) Leipzig, 1877, pag. 298 e
seg.; pag. 4^3 e se^.; as consequências da intolerância liespanhola estão
alli pintadas em meia dtuia de paginas.
3o5
se começou a sentir a falta de gente. Em França houve qua-
renta annos contínuos de guerras civis, e não se conheceo no
ultimo diminuição nos Povos, donde se segue que a guerra não
pôde ser a causa da falta de gente em Castella, assim como o
Dão foi em França.
Também as Colónias e os Descobrimentos não são a
causa, porque, commummente fatiando, não sabe da sua pátria
para viver nas alheias quem tem subsistência certa na própria.
As innundaçoes de gente, de que temos tantos exemplos na
Historia, succedêrão como as innundações dos rios, que sabem
dos Canaes a alagar os campos quando as aguas não cabem no
caminho natural por onde corrião. Quando os Godos, Vânda-
los, Suecos, e mais Nações Septentrionaes passarão o Rhirn e
o Danúbio, não deixarão desertas as suas Pátrias, antes tão
povoadas como hoje as vemos. A nova França, a Virgínea, e
as muitas Ilhas, que tem as Colónias Inglezas e Francezas, não
diminuem a povoação de França, e de Inglaterra.
Outra causa commummente se aponta, que são as muitas
Religiões que ha em Hespanha, porque Navarrence affirma
que havia no seu tempo 70^ Frades; mas esta não pôde ^er a
causa, porque em França ha muito maior número de Religio-
sos e Conventos, sem que hajão de diminuir a povoação da-
quelie Reino ^. Todas estas causas podem concorrer para a falta
de gente, mas não são as eficazes. D. Sancho de Moncada re-
futa todas estas causas, com a razão de que são mais antigas
que a falta de gente, e conclue, que a falta das Artes he a
^ Moncada occulta mais uma vez a verdade. Precisamente no anno
da publicação do seu livro, em x de fevereiro de 16I9 o granJe Consejo de
Castilla apresentou a Felippe iii uma consulta que lhe fora pedida, e que
ficou celebre. O capitulo yi clama aos céos (apúd Lafuente, Histor. de ES'
pana, vol. iii, pag. 284) A Hespanha era sugada por milhares de funda-
S5es pias ; só conventos de freiras havia uns ^88, todos repletos ; só em
uas religiões: dominicanos e franciscanos, havia 32: 000 indivíduos; dous
pequenos bispados, Famplona e Galahorra, tinham de sustentar 24:000
frades e clérigos. Gonçalves Da vila, um notável escriptor e sacerdote, que
cita estas cifras, exclama : «Sacerdote soy, pêro coníieso que somos mas de
los que son menester.» Mas Felipe iii respondia a estas queixas que )á vinham
repetidas do século anterior : «No conviene que sobre esto se haga novc-
dad.» (Ranke, Op, cit., pag. 3ii). Pôr em parallelo o clero de Hespanha
cotn o de França ó um absurdo, sob o ponto de vista da sciencia e do tra«
balho, quanto mais do numero de habitantes. Em compensação, crescia a
invasão dos estrangeiros nos domínios da coroa; em 16 10 eram nada menos
de 160:000, sendo 10:000 genov£zes,que ganhavam 25 milhões por anno com
a peregrinação dos castelhanos para as índias, e a expulsão dos outros.
3o6
oníca causa dos desertos de Casielia, porque depois de se per-
derem as Artes, faltou a gente.
E>ta be a razão, e não pôde ser outra ; mas demos a co-
nhecer a causa natural deste effeito. Todas as causas, que ficão
apontadas, não podião despovoar Hespanha, porque ficarão os
muitos meios para se restaurar aquella falta, como he a feciip-
didade das mulheres, e o ter com que subsistir a gente. Logo
a falta das Artes tirou este segundo meio, e he a causa de se
achar Hespanha falta de gente. A menor desta cooclusão, fica
provada por todo e^te Discurso *.
CAPITULO VI
Qual he a causa de se perderem as Artes em Hespanha
Dirão que Hespanha sempre foi falta de Artes, o que he
falso, porque sempre teve as que lhe erão necessárias. Ainda
hoje em tod< s os Reinos da Europa, quando querem encarecer
por boa huma seda, dizem que he Granada^ e quando huio
bom panno, dizem que he Segopia. Sabemos que os Catalães
ti verão trinta Nãos, com que navegavão ao Levante manufactu-
^ Ribeiro de Macedo não quiz dizer tudo o que sabia ; de resto»
n'este capitulo sobre o estado de Castella^ elk dta apenas a opinião de
Moncada. Richelieu classificou a expulsão dos mouriscos, a empreza do ar-
cebispo de Ribera^ como um dos actos mais bárbaros da historia. Colbert
cortou por todos os privikf^ias, incluindo os do clero, para robustecer as
finanças do seu paiz, (Dumreicher). Severim de Faria, chantre t conexo da
Sé de Êvorãf clamava já em 1653 contra todos esses males e abusos, cuja
existência Moncada pretende negar. Este autor portugnez propunha ^ ai*
gumas das medidas que Macedo reduziu depois a systema, a um projecto
completo de reforma, sob a influencia dos modelos fraocezes. Noticias de
Portugal, Discurso i, pag. i-69 da ed. de I791.
Nas Propostas do Concelho do Porto para as cortes de 1697, os ar-
tigos 7- 16 pintam com negras cores o systema de exploração do clero; es-
távamos como a Hespanha de Moncada. Uma phrase só, do artigo 9. «Tem
a piedade Catholica dos Senhores Reys deste Reyno dado licença a diffe^
rentes Fundações : e he justo que se faça prezente a Sua Magestade, que
na estreiteza deste Reyno não cabe tão grande piedade» (apud.- J. P. Ki-
beiro, Dissert, ckronol,, vol. i, pag. 383).
Note-se que estamos na ópoca em que o Paço pedia aos dez e vtote
mil réis emprestados, para a despeza diária. (Cartas do Padre Vieira a Ma-
cedo, pag. x46 ; mas raros eram os conventos em que se não vissem ma*
Snificas obras e accresccnta mentos, segundo diz o Artigo lo das Propostas
o Concelho do Porto. A resposta foi fecharem as cortes para sempre, e de»
clarar D. Pedro 11 o poder absoluto.
3o7
ras Hespanholas, e hoje que não tem que navegar, não possuem
huma barca. Em Missina ha uma casa de Consulado, como
em Anvers outra, que conservâo o nome de Portugal ^.
Mas resta ver como se perderão as Artes em Hespanha,
que ao menos servirá para conservar as pouces que ha no
Reino, quando não cuidemos em introdiizillas de novo. Os
Descobrimentos das índias, as grandes Coloni&s, que naquelle
vasto Mundo se descobrirão, e a que foi necessário acudir, foião
causa de que se necessitasse de mais roupas, e de mais manu-
facturas do que os Artífices de Hespanha podião fabricar, e
por consequência que os moradores pedissem humas e outras
ás Nações visinhas, as quaes com a ambição do ouro e prata,
porque as commutavão, acudirão a Hespanha com mais cópia
do que se lhes pedia.
Como as Mercadorias Estrangeiras erão mais custosas,
ainda que na sub.^tancia falsas, e ?s davao a melhor preço do
que as podião dar os Artifíces de Hespanha, começarão a ter
grande gasto, não só nas InJias, para onde forão buscadas,
loas em Hespanha. Para isto ajudou o ordinário erro com que
entendemos que tudo o que vem de fora he o melhor ^. Com
este engano foi insensivelmente faltando o gasto a todos os gé-
neros que se fabricavão em Hespanha, e por consequência
perdendo-se os Ariifkes, porque não podião fabricar o que não
gastavão; e todos se passarão ás índias a buscar cutro modo
de vida •.
^ Houve as seguintes feitorias de Portugal no sec. xvi : em Malaca,
e Sevilha, não só pela importância d'esta ultima cidade, como empório
commercial das índias occidentaes, e pela grande colónia portugueza que
atli vivia, mas também por ^ausa do prompto provimento dos lugares de
Africa, com os cereaes da Andaluzia, ctc. A feitoria de Flandres esteve no
fim do sec. xv em Bruges, antes de se transferir a Anvers. Em França di-
rigia os negócios a feitoria de Rouen: a de Itfessina é menos conhecida. V.
os nossos estudos sobre a teitoria de Flandres em Arch, artist, fase. iv. De
Barcelona basta dizer que foi a cidade que creou o Consolai dei mar, o mo-
derno código marítimo das nações européas; o seu commercio dominava o
Mediterrâneo nos sec. xni e xiv. V. Heyd. Levantehandel., vol. i, pag. 368,
466, 523, etc. A industria de tecidos de Segóvia e Granada era um dos
muitos e preciosos legados da cultura árabe, continuada pelos mosarabes ou
mouriscos. Nas cortes de I472-73 os povos aHudiam ainda á riqueza de
Granada, produzida pela seda ; as medidas adoptadas por D. Aífonso v fo-
ram porém impróprias (v. retro, pag. 2Íj e 255, notas).
• Nore-se bem que se escrevia isto em I675 1 !
> Recorde-se, mais nnoa vez, que o trabalho, a experiência, o saber,
os segredos das culturas e dos processos de (abrico estavam na população
mosarabe, porque os trabalhos manuaes eram considerados como aviltante»
3o8
Não se reparou neste dam no, que pudera ter facil remé-
dio no principio, e ficou Hespanha sem Artes, e sem os mui-
tos homens que das Fábricas^ e uso delias, se alimentavão, e
dando ás Nações Estrangeiras pelas roupas, todo o ouro, e
prata que navegavão das índias. Quem não dirá quee^te foi o
ca>tigo das crueldades que os Castelhanos executarão nos in-
nocentes moradores daquelle vasto xMundo, e que despovoando
aqucllas Regiões de seus antigos moradores, cahio sobre elles
aquelle castigo— Remanebitis pauci numero ^.
CAPITULO VII
QiÂe a Vortugal, mais que a outra Nação da Europa, he uttl,
e necessária a Introducção das cartes
A introducção das Artes he útil, e necessária a todas as
Nações do Mundo, mas especialmente a Portugal, mais que a
nenhuma outra Nação.
1 ^ Porque a falta das Artes lhe será nnais damnosa que
a nenhuma outra Nação.
pela immeasa maioria dos bespaahSes.' Este preconceito ainda nio está hoje
destraido. De Valeacia, Murcia, Aragão, Catalunha, das doas Castelias, da
Mancha, da Estremadura, de todas as províncias (porque elles estavam es-
palhados por todo o paiz) vieram soUícitações da nobreza e das camarás, pe-
dindo para lhes deiíarem, ao menos, alguns poucos mouriscos que podessem
ensinar os christãos velhos ; mas esses poncos não conseguiram inspirar o
amor do trabalho a uma nação enervada pela ociosidade. Ainda assim, a or-
ganisação dos offlcios em corporaç5ds, confrarias ou mesteres, (que remon-
tam em Hespanha ao sec. \iv, e que era muito secara), ajudada pelas tradi-
ções antiqaissimas da technica oriental, traasmittídas pelos árabes, deu ainda
as artes índustriaes em Hespanha força sufflciente para sustentarem com a
importação estrangeira uma lucta tenaz, que vae em decrescendo até ao ad-
vento da casa de Bourbon (1701), a qual consagrou o triumpho da industria
e das modas francezas.
^ O reinado de Felipe iii, o soberano de Moncada, acaba assim: <Fe-
Hpe III, tan celoso católico como descuidado monarca, poblaba y enriquecia
los convientos, y dejaba eapobrecer y despoblar el reino. Ci^pulsaba los mo-
riscos, y mataba la industria y las artes : las communidades religiosas se
multiplicaban, y los labradores abrumados de tributos dejaban el arado y
pedian limosna. Felipe iii que por sus virtudes privadas hubíera sido un
particular aprecíable, como rey fué funesto á su pueblo. Acaso ganó para si
la gloria eterna, pêro las nacíones necessitan reyes que sepan ser algo mas
que santos varones.» (Lafuente, Op. cit., vol. in, pag. 285). Alargámo-nos
mais nas notas d'este capitulo para que se saiba também o que sodremos
nós, 03 portuguezes, com o governo d*estes Felípes ; as cifras estio retro>
pag. 250, nota i.
3o9
2 * Porque a abundância das Artes lhe será muito uti)
pela sua situação, e pela inconnparavel qualidade do Povo de
Lisboa *.
Quanto ao primeiro ponto se prova facilmente. A Nação
Portugue7a naturalmente bellicosa, e ambiciosa, não intentou
estender-se, e accrescentar o dominio da Europa, ou por guar-
dar a boa fé com os visinhos*, ou porque a de^tinou Deos, com.o
parece, para outros fins; e não cabendo nos limites deste Reino, ^
sahío a conquistar e descobrir o Mundo, primeiro em Africa,
depois na Ásia, e na America. Nesta ultima parte possue 800
iégoas de co.^ta, que achámos inculta e bárbara, mas sem dú-
vida a mais fértil e ricn parte do Mundo. Nella temos várias
Colónias onde, em poucos anros de pa?, crescerão em grande
número de habitantes, e ao me^ mo passo que crescerão, neces-
^ £' pena que Ribeiro de Macedo nao analyFaFPe a orgaDÍFação dos
oflBfios em corporações, D'esie reino. A corporação, confraria oo mester dava
08 socorros na doença, sustentava o ensino, recolhia todos os elementos úteis
da tradição, garantindo o trabalho honrado, velava pelos costnnr es dos ope-
rários; representava, em sumua, os ofiicios com te da a dignidade. Em Por-
tugal as coufrarias organisaram-se n uitissimo tarde, no princi^)io do sec.
ivi, e alguns officios só no século xvii e xviii é que trataram seriamente do
ensino, tendo-se limitado até alli a ministrar socorros em caso de dcença ou
morte, a festejar os padroeiros com missas e procissões. A esta ciicunístan-
cia, principalnente, á tardia organisação de um solido ensino nas confiarias,
e às deflcientes disposições dos nossos estatutos, n uito inferiores aos hespa-
nhoes, se deve attntuir a pobreza da nossa industria, a falta de caracter nos
productos da nossa arfe industrial, em continua £luctuaçF:o, obedecendo ás
influencias mais contradíctorias.
Conhecemos documentos do sec. xv, p. ex. um Begiwrnío dos cviive-
zes de 1472, e referencias avuUas aos cfficios, em outros papeis de 14f 2. mas
são testemunhos isolados. D. João r estabeleceu a casa dos Vinte e qfiatro. (Í383)
em cujo governo entravam os oflRcios, mas não ha docun enio que nos dé a
conhecer a organisação que elles tinham então. Em 15i7 (Begimenío da Pro^
ciísão de Corpvs Chrhíi em Coimbra) apparccem os ofRcios com suas ban-
deira?, e em iUbi vemo]-os em Lisboa arrvados, isto é, localisados, cada
oflleio em sua rua, separadamente. Sobre a organisação dos oflicios nada ha
escripto. além dos nossos estudos n*esta Bevista, vol. 11, pag. 173, 2H, e
Arte Porivgveza, pag. 46). Keves (Variedades, vol. i, pag. 96) pouco on
nada diz na sua Memoria sobre as corporações de ofícios, artes e commercio;
a questão começa, para elle, nos fins do sec. xvii. hebello da Silva, Eift, de
Portugal, vol. iv, pag. 496, conhece como documento mais antigo o Be^-
mento dos ofícios mechanicos de Lisboa, reformado por Duarte Nunes de Leão
em 1572 : nós encontrámos, porém, regimentos muito anteriores, na Biblio-
theca do Porto.
* Isto não é lá muito verdade; lembremo-nos das guerras de D. Fer-
nando, e de D. Afifonso v, do juramento de D. Manoel em Toledo, como her-
deiro de Castella.
3io
sitárão de todo o género de roupas e manufaauras da Euro-
pa, dando em troco tudo o que a cultura tem até agora desca-
berto, e todas as riquezas que o tempo e a industuia inven*>
tárão. Se as obras de que necessitarem forem Estrangeiras,
será dos Estrangeiros a utilidade, que a nossa indústria descô'
briu, e nosso trabalho cultivou \ e viremos a ser no Brazil bans
Feitores das Nações da Europa ^, como são os Castelhanos, que
para ellas tirão das entranhas da terra o ouro e a prata.
A experiência nos tem mostrado isto mesmo em Moçam-
bique, ou nos rios de Sena. Âquella vasta e riquissima R^iâo
que possuímos, sem a conhecer, necessita de roupas, pelas
quaes nos commuta ouro, e marfim, que por ellas recebemos;
e porque as roupas são da índia, para a índia vai todo o ouro,
c marfim, que por ellas se recebe. E por ultima conclusão: a In-
troducção das Artes ha de obrar, que sejamos Senhores úteis
do Brazil ; a falta delias, que seja aquelle Estado dominio útil
das Nações da Europa.
Este Reino tem pela introducção das Artes duas qualida*
des especificas, que não convém a nenhum outro Reino. i.*Quc
corre a el'e, por caminho mais natural, todo, ou a maior parte
do dinheiro que corre de Gastella para as mais Nações da
Europa ; porque cem légoas de continente, com que estamos
unidos a ella, serão outras tantas portas para entrarem as fa-
zendas lavradas, tanto mais commodamente, quanto se poupará
de fretes, câmbios, seguros, piratas, e riscos do mar. E os
Castelhanos tefn hum grande interesse nesta parte, porque hc
certo que os Estrangeiros lhe fazem a guerra com o seu ouro,
e que nós, sendo invadida Hespanha, acudiremos a defendella,
Tão cega hc a sua paixão, e tão mal entendida neste particular,
que defendem de nós com maior cuidado o seu Commercio,
que das mais Nações da Europa.
^ A segunda utilidade específica, que se propõe, he o porto
de Lisboa, o quil se reputa sem questão (entre os Authores que
tratão esta matéria) por hum dos melhores dois portos da Eu-
ropa, ^ue são: Lisboa e Constantinopla ; e por conseguinte estas
duas Cidades unicamente capazes de serem os maiores dois
Empórios do Mundo, e ambos igualmente grandes, e seguros.
^ E* o que estamos sendo hoje nas nossas possessSes de Africa. Os
que pretendem desviar a emigração do Brazil paraalli, esqueeem-se mia cas-
to u perto de quatro secalos a encaminhal-a para a America do Sol, e qoe
•essa ideia nâo nasceu para elles^ os sábios, senão ha meia dozia de annos;
o povo analphabeto precisa, natoralmente, de mais tempo.
3ii
Oinstantinopla e&tá entre dois mares, situada em Europa, visi-
nha da Ásia, e não distante da Africa ; porém a siuiação de
Lisboa he incomparavelmente melhor, porque está no Oceano^
e sessenta légoas ás portas do Mediterrâneo. Antes que do-
brássemos o Cabo da Boa Esperança, e antes que se descobrisse
a America, se poderia considerar Constantinopla em melhor si-
tuação a respeito do Mundo conhecido ; porém, ilepois que pe-
los mares se communicou o Occidente com o Oriente; depois
que se descubrio hum novo Mundo, Constantinopla he o me-
lhor porto do Mediterrâneo, mas Lisboa o melhor porto do
Mundo *.
Isto supposto, o Cofnmercio se faz, ou pelas Producções
da Natureza, ou pelas Obras da Arte. O Reino he abundante
das producções da Natureza, de quasi todas as espécies; mas
porque a Providencia as dividio pelos climas, Lisboa as pôde
receber de todos, e mandar de huns a outros mais fácil e com-
modamente. Se tiver Obras da Arte em igual abundância ás
Producções da Natureza, será senhora do Commercio do
Mundo.
Amsterdão he uma Cidade que está oito mezes no anno
cuberta de neve, e que tem quatro canaes e portos gellados.
As entradas necessitão de que se alimpem todos os annos, e se
abrão. Todos os ventos rijos lhe são contrários, e pouco bran-
dos e favoráveis ; porém iodos estes deffeitos naturaes suprio
a industria, e o trabalho dos homens, de sorte que Amsterdão
com as Artes e Commercio, que tem, se faz porto célebre c
riquissimo.
Londres tem huma Ribeira capacíssima, e he Corte de
h';m grande Reino ; mas o que a faz populosa são as Artes,
de sone que sem ellas seria huma Aldêa, em que assiste hum
Rei e a sua Corte.
Muitos entendem que a causa da grandeza de Parfs pro-
cede de ser Cabeça de hum grande Reino, e assistir nella a
Corre; mas vemos, que Madrid he Cabeça de hum grande
Reino, e assiste nella um grande Rei, e he comtudo huma Al-
deã, comparada com Amsterdão, Londres, e Parfs.
A riqueza e grandeza de Paris procedem de ser Univer-
sidade de toda a Europa. As Sciencias, as Artes liberaes e H>e-
chanicas se ensinão c obrão em Paris com tanta perfeição,
^ y. os estados do geographo Kohl sobre os fatoros destinos do
porto de Lisboa.
3l2
2ue nos Gollegios e Academias estudão e aprendem dois mil
.avalheiros das Nações visinhas, entre os quaes ha commutn-
mente Príncipes de Casa% Soberanas K Âs Obras da Arte são
tão estimadas, que eu ví fazerem-se carroças, paramentos de
camas, e adornos de casas para o Imperador, quando casou;
para El-Rei de Dinamarca; para o Duque de Brunswick; e pe-
direm-se sedas a Paris, para galla, em ca<(amentos dos Gran-
des do Reino, e dos Nobres de Génova. Estes são os grandes
effeitos que produzem o uso e a abundância das Artes mecha*
nicas. Se ajuntarmos em Lisboa as prerogativas da Arte ás da
Natureza, que bastarem a fazella huma das maiores Cidades da
Europa, será sem dúvida a maior do Mundo.
(ckmané). Duarte Ribeiro de Macedo.
A EXPOSIÇÃO DE CERÂMICA
(CoBtiDOftçio, T. pag. S81)
Temos de analysaro que se fez em Vianna e em Barcel-
los, em Extremoz, em Coimbra e no Porto, de 1770 em diante,
durante quarenta annos, até á estatistica de Neves ; e ella pa-
rece não ser completa. O nosso autor não cita, por exemplo,
nenhuma fabrica em Vianna do Castello, e a exposição offerece
productos nuníerosos e muito notáveis, com marca local, um V.
sublinhado. Não é provável que seja a inicial do nome de Van-
deili, que julgamos reconhecer em um magnifico prato da ex-
posição, pertencente ao snr, A. Moreira Cabral (armário B n.*
i3). Além d''isso a marca supra está em objectos que vieram,
sem excepção, de Vianna, e pertenceram a casas religiosas; a
^ Esta afflrmação é completamente exacta. Aquelles que imagiDam
que a omnipotência da moda franceza nos sec. xvii e xvrii foi só o resul-
tado do servilismo e da adulação das cortes europôas perante a poderosa po-
litica dos Bourbons, ouumaomiteraçàodosenso commam,enganam-se redon-
damente. A França imperava nataralmente, pela soperiorídaae do sen ensino
technico, da sna arte indastriai, das snas officinas, graças a um programma
de educação nacional^ que bavia passado pelas màus de três mestres: Ri-
ehelieu, Mazarin, Colbert, sem a menor solução de continuidade^ durante
sessenta annos. (V. Dumreieher, Op, cit., eap. iii. Der Golbertismns, e Hon-
necer. Kritische GegchicfUe der franzõsiscKen CtUtureinflusse in den 4etsten
Jahrhunderíen. Berlin, 1875, pag. 53-132^ obras que representam a luz e a
sombra d^essa begenrM)nia.
3i3
maior parte acham-se dispostos no armário C n.^* 65, 66 e 70
(pratos) 71 (areeiro hexagonal) no armado D está uma abun-
dante collecção de floreiras, n,^* 171-176 e 178-184, cuja simi-
Ihança de familia accusa a mesma procedência, quando as mar*
ras uniformes nâo bastassem para provar o próximo parentesco.
Nas Memorias económicas, publicadas pela Academia ^ citam-
se jazigos de argilla porcellana em Villa do Conde e de barro
de faiença em vianna. Além da marca apontada téem os pra^
tos grandes, n/* 66 e 70, as iniciaes H. C. na face; e ha ainda
mais marcas Jnéditas. É^ muito interessante a marca P entre
duas aspas, de um prato grande, n.^ gS do armário D, o qual
tem na face o nome «Possidonio». E' obra talvez do Porto.
Sao ainda do Porto, com toda a provabiiidade, uma >serie de
peças marcadas com um R especial, que se distingue dá mesma
inicia! da fabrica do Rato pelos seguintes caracteres :
O do Rato tem as hastes de grossura desigual; o toque
do pincel forma linhas agudas, cortantes, e voltas grossas. O
R do Porto tem hastes grossas, iguaes, e é de côr azul, varian-
do a côr do outro, que ora é azul, ora côr de vinho, ora áma-
rello, ora preto. E' muito curioso o resultado da comparação
dos RR de duas canecas, que estão no armário D, em boa vi-
sinhança ; são os n.** 97 (Rato) e 98 (Porto). E' possível que
alguém descubra ainda outras differenças calligraphicas ; a
questfío parece-nos digna de toda a attenção, e sentimos só não
poder acompanhar a descripção com os monogrammas, falta
que se ha-de remediar na Revista da Sociedade, na qual se fará
taínbem a descripção technica e artística das peças portugue-
^ Lisboa, I780; Yol. I, pag. 229. «Em varias partes do Reino, e das
Conquistas estão Argilias boas para a Porcelana ^ Fajança ^ para os Cadi-
lhos ' e outras qualidades de Ipuça ^, para as Telhas e Ti)olos : em muitos
logares não faltáo margas para fertilizar os Terrenos ^.» £ logo abaixo :
«Para as Fabricas de Vidro e vidrar as Louças, temos excellentes
Quartzos \ Arêas bem fuziveis 7, o Espato fuzivel para a Porçolana B.« Em
as notas citam-se as seguintes localidades :
X ArgUÍA Poraellana <slo). S. Pedro do Sol. VllU do Conde.
S Coimbra, Aveiro, YUnaft, Alcebaça, Caldai dft Kaloha, LUbo*.
5 Soure, Cordlnbfto.
4 Coimbra.
6 Argilla Marga : Coimbra, Torre Bella, Ll«boa, Oeyi ii3, Leiria.
6 Quarteam Hyaliiíum,
7 Arnui iiioMi»»albaade Goto, Leiria, Alfeite.
5 Geres, Sorra da Eetrolla.
RBVISTA DA SOGIKDADB DK mSTRUCÇÃO DO PORTO. 21
3i4
2fls, n*UTD catalogo especial K Entretanto diremos, dasde já, que
as differenças artísticas não são muito sensíveis; a louça do
Porto é de boa íhassa, bem cosida, com um esmalte- bastante
branco e muito brilhante ; o schema das cores é menos abaih
dante do que nas peças do Rato, mas é possível que, appare*
tendo mais peças, surjam cores mab variadas K
Temos ouvido fallar da faiença de Barceilos, mas a ex-
posição não nos apresenta typos que convençam. Accursio dia
Neves cita, em 1812^ á fabrica dos herdeiros de António José
Gomes Ferreira, na freguezia de Darque, ao pé de Barcellos,
que fabricava louça fina para o reino e exportava para fora,
segundo uma informação official do corregedor da comarca a
3o de novembro de 1812. No Porto citava em 1814 somente
as fabricas de Manoel Duarte Silva e Francisco da Rocha Soa-
res, que exportavam para fora, mas ambas em estado decaden*
te, devido por certo aos desastres da invasão franceza, porque,
posteriormente, a fabrica de Rocha Soares prosperou muito.
Neves não cita a denominação da fabrica, mas era sem duvida
a de Miragaya, fundada por João da Rocha em 1775, o qual
falleceu a 3i de dezembro de 1779 ^, tendo por seu successor
seu sobrinho José Bento da Rocha ; dVste passou a um sobri-
nho, que é o Francisco da Rocha de que tratamos.
Dez annos depois da informação official que dava a sua
fabrica como decadente. Rocha Soares tinha reorganisado o seu
negocio, corria as feiras das provincias (1824), e com tal êxito,
que teve de arrendar duas fabricas do Porto, a de Massarellos
e a de Santo António de Viila Nova de Gaya até 1829, anuo
em que falleceu ; seu filho, do mesmo nome, continuou o ar-
rendamento da mesma fabrica até i833 e o da segunda até 1844.
Em i836 el-rei D. Fernando-visitou a fabrica e conde-
corou a Rocha Soares, filho, com o habito de Christo. Os pro*
duetos eram bons, de roda e forma, imitando muito bem os
^ ToJas estas promessas foram cumpridas. Vide os documentos pi>
blicados na Revista, vol. n, numero de Dezembro. Para a verificação das
marcas deverá recorrer-se ás estampas e ao Índice d'ellas, publicado a pag.
649-6lfo-.
' Appareceram depois, com effeito, n*um prato do snr. Marciano de
Azuaga e em productos da Real Fabrica do Cavaquinho ; nas peças de
Vianna notámos qualidades eguaes, quando não superiores, á da louca do
Rato, pincel facll, expedito, abundância de motivos e excellente esmalte.
^ A il de junho de 1782 publicava-se ainda um alvará, isentando
de direitos de entrada as matérias primas para a fabrica de louça de Joio
da Rocha. (Latino Coelho, Hitt. de Portug., vol. 1^ pag. 297)*
3i5
typbs estrangeiros. As transacções a1argarà\n-se até ás colónias,
fandando-se varias agencias: em Lisboa (1S42), em Setúbal
^1844), no Funchal (1841) e em Lôanda (1839).
Em 1845 estabeleceu na rua da Esperança um deposito
de louça, onde estavam representadas seis das principaes f abri*
cas do Pjrto, mas o contracto de deposito terminou em 1848.
Nove annos depois morria Rocha Soares íilho, e a fabrica
vendia*se em hasta publica. Assim terminou uma firma notá-
vel, que desenvolveu grande actividade e á qaal é attribuída
precfsamente a marca, inicial R azul, de que filiámos, em op-
Ksição á marca do Rato. Nio é possível tratar as restantes
>ficas do Porto, no fim do secalo passado, com i;;ual desen-
volvimento; algumas ainJa fjnccionam, e então encontrar-nos-
hemos com ellas, quando passarmos em r^ivista os trabalhos
da actualidade. Temos sobre todas ellas interessantes noticias
históricas, fornecidas pelo snr. Francisco Gomes Pereira, ainda
próximo parente dos fundadores das fabricas de Miragaya, no*»
ticias que serão integralmente publicadas em outro lugar ^. No
emtanto, citaremos só qs títulos das restantes fabricas, os no*
mes dos fundadores e a data.
Massarellos, por Manoel Duarte Silva em 1 738, com privi-
legio de Real: por tanto, vinte annos antes da fabrica do Rato 1
Miraqaya, por João da Rocha em 1775.
Santo Qántonio de Palie de Piedade (Gaya), por Fran-
cisco Rossi em 178. . . (data incerta no ultimo alsjarísmo).
Do CaPãco (Gaya), por um parente do barão de Sar-
cnento em i^8... (data incerta).
E' mutto provável que seja a que Neves cita com o nome
de Cavaquinho e que foi, com) vimos, fundada por Vandelli
depois de 1787.
Na exposição universal dePariz, em 1867, esteve um prato
de faiença com a legenda pintada: Nã real fabrica do Capa-
fuinho. Era ornamentado a cores: azul, amarello, violeta e
verde, o schema do Rato ; nas quatro bordas ramos soltos, e
no centro uma fonte e um medalhão sobreposto, sustido por
dooft anjos, com a legenda citada. Ha na exposição (armário A
n.* i6o) uma molheira com a marca P Q picada sobre o es"-
fiialte, que pôde ser da mesma fabrica '.
* Vide Reviêta, vol. n. Documento v, pag. 859-563.
* Examinando depois, detidamente, esta peça pareceu-nos que era
porcelana e que a marca podia ser apocrypha ; em todo o caso é uma
ttiai-ca sBiq>eita.
3i6
Da Fervença (Gaya), fundada por Manoel Nunes da Co-
cha ecp 182.. .
Do Monte Copoco (Gaya), fundada pelo padre Goalter
da Piedade Queiroz ou Que^io^ nome de seu pai, que era ita-
liano.
^Do Carvalhinho (Porto\ fundada por Tbomaz Nanes da
Cunha em i83. . .
Da Bandeira (Gaya), fundador e data ignoram-se. E*
hoje de Gaspar G< nçaKes de Castro.
Do Senhor d* Alem \Gaya), idem. E' hoje de José Antó-
nio de Sousa Braga & Irnnão.
Do Alio da Pontinha (Porto), fundada por Manoel Joa-
quim Gonçalves & Irmão em i83...
Da Afurada (Gaya), ignora-se o nome do fundador e data.
Do Landal (Gaya), idem.
De Entre- Quintas (Porto), por Guilherme de Sou/a Reis
em ]8b. • •
Do Cavaco (bis, Gaya), por João Nunes da Cunha em
186...
Das Deveras. Muito conhecida, fundada pelo snr. Antó-
nio de Ainreída Costa.
Da Torrinha, por Manoel José Soares em 184. . •
Não se pôde, pois, dizer que a actividade do Porto, na
industria cerâmica, haja diminuído; pelo contrario, e a expo^
si<;ão o prova. Os productos do Porto estão em toda a parte;
encontrámol-os nos logares mais pequenos do Alemtejo e do
Aigarve. Ha mesmo um grande receio da concorrência do
Porto nas provincias do sul, que tem .^eu fundamento.
Em todo o Alemtejo não ha hoje uma única olaria de
faienqa, uma única fabrica de louça branca vidrada, e em todo
o Algarve ha apenas uma, em Olhão, que tendo promettido,
formalmente, concorrer á exposição, e dado a palavra ao signa-
tário, faltou com medo á industria do Porto, estatuto a traba-
lhar ha do7:e annos I O Alemtejo, uma das regiões mais ricas
e mais distinctas pelos seus celebres barros (Évora, Estremoz,
Yilla Viçosa, Redondo, Reguengos, Aldeia do Matto, Beja,.
Castro Verde, etc.)) abundantissima em material, em espécies
variadíssimas e preciosas — o Alemtejo não sabe produzir uma
boa coberta, um bom esmalte branco; apenas o snr. Arcádio
da Silva, de Villa Viçosa, o conseguiu ha. muito pouco tempo,
continuando com êxito os seus ensaios, dignos de larga pro-
tecção.
Esta penúria contrista, quando nos lembramos que el-rei
3i7
D. Sebastião não duvidou apresentar n^um grande banquete,
tlado ao cardeal -Lega do Alexandrino, os celebres productos
de Estremoz, no meio da su i baixella de ouro ^ Ainda no fim
do século passado a fabrica da Viuva Antunes produzia alli
faiença, que rivalisava com a melhor de Portugal, e pouco fi-
caria a dever á de França, a julgar por um pote de considerá-
veis dimensões, que vimos no pequeno muzeu da Camará Mu-
nicipal ; a pasta, a coberta, a modelação, a pinrura, tudo era
excellente.
A peça tem em lettras bem visiveis, na frente, o nome do
fabricante uiuua antunes. Uma outra fabrica muito notável de
Estremoz era a de frei Luiz Pernancho ; vivem ainda pessoas
que a conheceram, e essas apontam também as localidades de
mais quatro ou cinco fabricas '. E, comtudo, não ha hoje mais
de oito a dez oleiros em Estremoz, e nenhum produz faiença t
E' tudo barro vermelho, vidrado ou tosco. N'uma ca^^a parti-
cular ^de Évora descobrimos, além de varias peças do Rato,
mais uma marca nova : LoBo em um prato pequeno, de so-
bremesa, muito distincto pela sua modelação e com pintura
igual ás meihores peças que temos visto do R uo.
A commissão aguarda uma caixa com cerca de cincoenta
peças de antiga louça de Estremoz, que o signatário conseguiu
reunir na localidade e em Évora ^.
Não pára aqui a lista, a noticia de mil cousas esquecidas.
Quem nos sabe dizer o que é feito dos productos de treze fa-
bricas de Coimbra, existentes em i8i3 (além da de Vandelli),
da fabrica de Aveiro pertencente a Custodio Ferreira da Silva
á C* (1811), da fabrica de Alcoutim (Alemtejo, iSiS), da fa-
^ V. a Relação da Embaixada do Cardeal-Legado Alexandrino a
D. Sebastião no Panorama. Lisbon, 184 1 e 1842. tSobre a mv^sa estava
semcre um grande vaso de prata cheio d'3gua, do cjual se deitava em um
jarro, chamado na lingua portugueza púcaro^ do feitio de uma urna antiga,
d*altura dum palmo, e feito de certo barro vermelho, subtilissimo e luzi-
dio, que chamam barro (ÍEitremo^s pelo qual eirei bebeu seis vezes» (pag.
347 do anno i842).
• São informações que nos deram na própria localidade. No /«-
Í\uerito industrial de iS8i. (Inquérito directo. 2.* parle. Visita às fabricas,
ivro 3.»), diz-se que Frei Luiz falleceu no primeiro quartel d'este século, e
cita-se um prato de faiença estampada «imitação da porcelana da (ihina»,
da sua fabnca. Notaremos que a única peça, ^ssignada, do museu munici-
pal, é o pote da Viuva Antunes (fim do sec. xviii), que nunca foi amphora»
• Chegou só a coUecção de Estremoz, composta de vinte peças an-
tigas, que o snr. António Augusto Franco, proprietário da localidade, ge*
nerosamenie offereceu ao museu doesta Sociedade.
i
$18
de Porto de Moc (Ef treonadura), de quatro fabricas de
Martím Longo (A)cmteio^, de outras tantas en Alhandra t de
cinco que havia cm Lisboa, e que não são as que citioros ba
pouco? Tudo isto vivia de 1811 a i813, satisfazendo o con-
sumo do reino, das ilhas e das colónias.
Concluiremos este capitulo de historia antiga com a iista
das fabricas de Lisboa, na e5peranqa que estes breves aponta-
mentos di^pertarSo a curiosidade dos collcccàonadores, e dV
quelles que o não são, e tecm talvez em casa alguma peça di^
gna de voltar a tm legar de honra ^ro aparador, como louça
pertugueza, ou, ao menos, uma peça quebrada, que pode ser
posta a bom recado em vm muzeu.
José Rodrigues de Magalhães; na Bica do Sapato, oo'
bairro de Alfama. Estava decadente em i8i3.
José Maria ; na travessa dos Ladrões, no bairro Alto. No
mesmo estado ; mesmo anno.
Pedro Celestino Soares ; na travessa do Pé do Forno, no
bairro do Mocambo. Estava em bom estado e fornecia o reioo,
as ithas e America (1812).
Jcãc Moniz Vieira ; na travessa da Bella Vista. Estacionaria.
António Alves da Silva Bastos; mesma travessa. Idem..
11
A INDUSTRIA ACTUAL
Começaremos com a das cidades e villas. Porto, AveirQ
e Ílhavo (Vista Alegre), Coimbra, Caldas, Lisboa e fabrica de
Sacavém, que pôde ser addiciopada ás da capital, flis a l|st|^
que pomos aqui por extenso, porque nos poupará o trabalho e
fncommodo de muitas repetições.
Porio e Villa Nova de Gaya :
Massarellos — João da Rocha Souza e Lima.
Santo António de Vai Piedade — Mc noel Alves Fcrrjrira
jpinto. Chamal-a-hemos simplesmente Sanio António.
Torrinha — Viuva de Soares Rego.
Senhor d'Além — Braga & Irmão.
Bandeira — Cândido Augusto de Sá Castro.
Cavaco — Angelo da Silva Macedo.
Carvalhinho — Thomaz Nunes da Cunha e Silva.
Devezas — António Almeida da Costa d C*
oAveiro :
Luiz de Mello GuimarSes d: Noirbertp,
3 19
Vista Al^re (Uhato) :
Fabrica Pinto Bastos.
Coimbra :
Bento Jo^é da Fonseca & Filhos.
Adelioo Augusto Pessoa de Irmão.
José António da Cunha.
Fii^ueira da Fo^ (Viso) ;
José Maria Gonçalves Amaro.
Caldas da Rainha :
M. Mafra.
Lisboa :
Viuva Lamego (Intendente).
José Gregório Baudoin.
João Roseira.
Pinto Magalhães de C*
Fabrica Nacional - - Simão José Pereira.
Fabrica de Sacavém — Stott Howorth (gerente).
Das ilhas concorreu somente o snr. Manoel Leite Pereira
(S. Miguel) e em boa hora o ftz^ porque os seus productos fi*
guraro entre os mais distinctos da exposição, como veremos.
Ha ainda a apontar o snr. Francisco Raphael Gorjão
Henriques, da Abrigada, que não incluímos na lista porque ex*
p5z só uma especialidade ; tubos de grés, e do mesmo modo
omittimos a Empreza Cerâmica de Lisboa, que expôz só telha
e tijolo do typo marselhez.
Serão ambas mencionadas especialmente, quando tratar»
mos dos materiaes de construcçSo.
De Lisboa faltaram os snrs. Correia com fabrica na rua
da Imprensa Nacional, e a fabrica das Jaoellas Verdes. Esta
ultima está n^um período de reforma, porque mudou de pro*
príetarío ha poucos mezes. A outra não tinha porém nenhuma
razão para faltar, tendo o signatário ido lá pessoalmente, duaa
vezes. O mesmo diremos da fabrica de Olhão (Algarve). Em
geral, os fabricantes suppozeram que a exposição da Sociedade
reclamava d'elles esforços desusados, e que era necessário apre-
sentar obras especiaes, obras que podessem ^^t/rar. Por estas
observações^ repetidas varias vezes, apesar das declarações
osuiio positivas e muito explicitas do programma, se cocciue
que muitos não o leram, ou o leram mal. As exigências das.
grandes exposições internactonaes estabeleceram n^esta parte un%
mau precedente-
As peças que as nossas fabricas de cerâmica podem exer
320
cutar, como trabalho excepcional, sahem tão caras, que o fa-
bricante não as torna mais a fazer, e essas mesmo, pôr muito
notáveis que sejam, não podem ainda concorrer com pecas idên-
ticas das fabricas estrangeiras, que ellas li consideram excep-
cionaes. Assim é que a fabrica das Janellas Verdes (Compaaua
Constância) tendo feito um prato pintado de figuras, uma peça
no género das majolicas italianas (v. as peças do snr. Cifka),
de grandes dimensões (5o a 6o centim. de diâmetro) a mandou
para Paríz em 1867, onde foi feita em pedaços, na secção por-
fugucza.
O possuidor não quiz, com razão, arriscar a peça irmã,
que lhe resta, para não perder gofjooo réis, preço do fabrico.
O serviço de transportes ainda é feito no paiz com pouco cui*
dado para que se possa arriscar uma obra de tanto valor; a
Sociedade teve mesmo nas suas peças algum prejuízo.
Outro contratempo:
O sionatario ouviu, por toda a parte, as mais amargas
queixas a respeito do mau êxito de anteriores certamens. Â Ex*
posição portugue a, pnncipalmente, realisada no Rio de Janeiro
a 6 de agosto de 1879 pela Companhia fomentadora, deixou as
mais tristes lembranças. Foi nas suas consequências uma der-
rota económica e moral, cujos efleitos sentirão ainda, pesada-
mente, e por muito tempo, todos aquelles que se lembrarem de
pedir o auxilio dos industriaes portuguezes para novas tentati-
vas, embora ellas sejam feitas no reino, e com a maior since^
ridade.
Não compete ao signatário apurar as responsabilidades
d^essa derrota ; o que elk pretende é sublinhar os obstáculos
que encontrou no seu caminho. Queixas e reclamações por toda
« parte; um resentimento ainda vivissimo, apesar dos quatro
annos que já passaram por cima da defuncta Companhia fo-
mentadora ^ I Elle pôde apenas responder-lhes que a Sociedade
nada ofiferecia, nada promettia, nem ganâncias, nem prémios^
porque então nem tinha sequer os 3oo^ooo réis que lhe conce-
deu o governo ; que ella apenas tentava inspirar a fé n^umas
certas ideias, a fé no trabalho nacional, que se ia honrar em
^ O titulo primitivo era Soàedade fomentadora das artes e indu-
strias portuguesas, mudado depois em Companhia fomentadora das IndU'
st rias e Agricultura de Portugal e suas colónias. Veja -se a historia da em-
preza, publicada sob o titulo: Subsidios para a historia da primeira ejcpo*
siçáo portuguesa no Rio de Janeiro, na Revista da exposição. Rio de Janeiro,
2879. N.- I a 5.
321
nossa casa, ás nossas portas, em um edifício que, por certo,
não representava pela ideia dos fundadores, nem ganância, nem
criminoso egoísmo. Foi isto o que elle disse, e importa affir-
mal-o novamente, e todos os dias, para que as próximas expo-
sições de ourivesaria e indusiVias caseiras dêem bom resultado.
O nosso lucro nVstas tentativas é conhecido ; está patente
nas nossas contas, publicadas com pontualidade. Que o lucro
dos fabricantes nSo é para despresar, provam-n^o os > umero.<os
bilhetes, com a marca vendido, e as encommendas que não são
poucas, nem pequenas. A sociedade não tira d'essas vendas a
menor percentagem; paga uma contribuição bastante pesada á
direcção do Palácio de Crystal, e distribue ainda algumas cen-
tenas de bilhetes gratuitos.
Confiamos, pois, que os snrs. fabricantes ponuguezes se
convencerão de que a sua causa é a nossa, e que o operário por-
tuguez poderá dizer um dia que encontrou na sociedade a luz
da instrucção e o bom exemplo, que vale um pouco mais que
a esmola.
Os productos da actualidade occupam as quatro extensas
bancadas da nave, que correm parallelas, duas a duas. Entre
ellas, no centro, sobre um grande octogono, estão os productos
da fabrica das Devezas. A^ entrada vêem-se os azulejos; os
amigos, em semi-circulo, envolvendo os modernos; e no fim da
nave, junto das escadas que sobem para o palco, em uma ex-
tensa linha, os productos da Vista Alegre, que occupam ainda
um grande espaço das linhas perpendiculares immediatas, na
parte interna. Encostadas ás columnasque sustentam as gale-
rias da nave estão ainda duas linhas cerradas com a obra das
aldeias. O palco foi aproveitado para a louça antiga portuguezá
(armários A-E) e para a da índia, China e differentes paizes
da Europa.
A^ Empreza Cerâmica de Lisboa foi concedida licença
para construir um çhalet no palco, no qual se pôde estudar o
systema de cobertura marselhez. Figuram alli também os la-
drilhos mosaicos da firma Pinto, Magalhães & C % de Lisboa
e Porto. Apesar das grandes dimensões da nave foi necessário
occupar a galeria superior do lado direito com uma grande
quantidade de material de construcção, telhas, tijolos, etc. Tam-
bém alli foi collocada a remessa da Fabrica Nacional de Lis-
boa, que chegou com atraso.
Faltou ainda lugar especial para a grande coUecçao de
barros nacionaes, que estão na segunda bancada do lado di-
reito, encobrindo uma parte da louça preta.
Í%2
Com os azuleios estio as estampas-modêlos da indostria
cerâmica, procedeme» das e&cholas dVte indascrial de Vienoa^
Munich, Stuttgart, Níirnberg^ etc, e no palco as estampas doa
antigos compêndios portuguezes e alguns livros sobfe cerâmica
portuguezes e estrangeiros. E^ esta a dispoaiçio geral.
Não pretendemos fazer uma revista completa da exposi-
ção ; falta-nos lugar, e cansaríamos o leitor. Também não pre*
tendemos ser infalliveis, O que dissermos representa apenas
uma opinião particular ; mais nada- Na nossa analyse convide*
raremos os grupos de objectos, chamando á presença do leitor
os expositores que os representam. Ânalysando os grupos, não
podemos, já se vê, considerar as variantes senão quando apre*
sentarem qualquer feição notável.
Em primeiro lugar devcmcs mencionar os serviços de
uso quotidiano^ a louça domestica. Ha alli muito exemplar bom«
por preços muito económicos, e com o apuro suficiente para as
nossas famílias burgueza*». Aquelles que quizereni ser ou pare-»
cer muito fidalgos podem continuar a comprar louça francezi
de refugo ou a louça da China, feita ás portas de Paris.
Em gera), a faiença portugueza, mesmo as peças da fabrica
de Sacavém, ainda téem um longo caminho a percorrer, sob o
ponto de vista da manipulação e da mistura dos materiaes, da
modelação e da pintura. Os esmahes e as cobertas são ás ve*
zes brilhantes, mas as peças sahem tortas; temos, por exem^*
pio, seis chávenas todas do m&^mo serviço de chá e todas do
differente tamanho, porque entortaram no fõmo, e entortaram,
porque o oleiro não conheceu nem o grau de calor, nem a mis-»
tura do material, nem as partes componentes da mistura : o ca<»
racter chimico dos diSerentes barros, hs a força exacta das dó->
ses. Outras peças téem boas cores de pintura, isto é, intensi^*
dade da cõr e transparência, mas estes recursos foram maiba--
ratados n^um péssimo desenho. Dír^se-hia que muitos dos nos*
SOS desenhadores vieram de qualquer colónia chineza, tal é a
monomania do assumpto chinez. A fabrica de Sacavém mesmp^
cukivava esse género ainda ha pouco com singular teÍ0M>sia*
Certos fabricantes, sentindo a falta de bons amríces para bons
e variados desenhos, recorreram ás cores unidas, ao serviço de
côr uniforme, e o publico comprou a valer, seduzido pela ex-
trema barateza, e não reparando que a graduação igual da
mesma côr é um requisito indispensável em peças do mesim»
serviço. Estamos convencidos que o publico pagaria mesmo a
dobro do preço, uma vez que se remediassem os defdtoa apoQ«»
tados e mais sensiveis, a côr desigual e a variação no tamanho»
^^
Em geral ix>ta*se que o fabricante portuguez só ambiciona sur-
tir o mercado portuguez, e dentro do mercado portuguez ape*
4Das a faroiiia popular, ou, quando muito, a de medianos have-
jre$. Âbstrahe-se então do apuro, do aperfeiçoamento das formas^
do bom desenho, da harmonia das cores, e attende-se somente
é barateza. E, com effeito, essa barateza causa espanto nos
productos do snr. Souza Lima (Massarelios^), do snr. Silva Ma«
cpdo ("Casaco), do snr. Cunha e Silva (Carvalhinho) e do snr.
Baudoin (Li&boa), que são as que mais se distinguem n^e^ses
serviços de lavatório, de chá, de mesa, etc, baratíssimos. Os
preços regulam gns pelos outros, com pouca diífererça:
Serviço de lavatório }4ooo a 2^800 réis, com quatro a
Wo peças ; duas peças, bacia e jarro, pintaco e esmaltado 400
réis (>nr. Baudoin).
Qs serviços de chá e cafTé parcceram-nos ainda mais bara-
tos ; para seis a doze pessoas, çhá e café, 3^ooo a 4i9í5oo ; para^
quatro i^í6oo réis por nove peças.
Os serviços de mesa apresentam preços não menos con^
vldativos ; assim houvesse um pouco mais de apuro, embora os
preços subissem alguma cousa. O snr. Souza Lima tem um
serviço de mesa de setenta e seis peças, faiença branca com
y^tas verdes^ que custa apenas y^jlcoo réis ; toi logo vendido»
Ao pé fstá outro com pintura azul mais pretenciosa e menos
lelia (rococo) ppr i2i9k}oo réis; ainda não sç vendeu. São tam-
bém dignos de menção os serviços de mesa dos snrs. Cunha e
SUva^ e Silva Macedo, que não valem menos pela feitura.
Fciltam-lhe, porém, os preços. Rogamos aos interessados
novamente (como já o fez a commissão) o obsequio de marca*
rcNSi os preços a todas as peças que ainda não os téem ; quem
perde nSo somos nós. O snr. Souza Lima que marcou tud<^
vendeu também quasi tudo, a estas horas.
Re^ta-nos fatiar da faiença de Sacavém, que se pôde con*
siderar, entre nós, como faiença de primeira classe ; mas entre
este classe e a segunda, de que falíamos antes, já pouca distan-
cia ha. Te-^ha a fabrica de Sacavém isto como um aviso; 03
9^us progressos sob o ponto de vista do desenho, da novidade,
da variedade e do bom gosto dos padrões são muito modestos.
Eco todos os seus productos notámos só dous padrões, um
noico nos serviços de lavatório e dous nos serviços de mesa;
um d^esteç, porém, é do antigo fundo da fabrica e foiappli-
cado a um único serviço de moldes antigos (peças grandes oi-
tavadas), porque os restantes serviços de mesa, com peças
^aade» eUipticas, são de um único padrão. O merecimento re«
324
ativo dos productos doesta fabrica está na boa mistura do ma-
terial, na boa cosedura, porque as peças estão direitas, não em-
penaram, e na igualdade (aproximada) do colorido. O esmalte
é, porém, muito amarello ainda, o que dá á louça um aspeao
men js favorável.
Um exame rápido das peças de serviço de mesa e chá do
snr. Cunha e Silva, que estão defronte, deve dar que pensar
aos snrs. fabricantes de Sacavém, se se dignarem visitar a ex-
posição.
Os preços de Sacavém regulam pelo seguinte :
Serviço de lavatório, cinco peças, Sf^ogo réis, preço ge-
ral; um único serviço de padrão antiquado, 2^91240 réis.
Serviço de chá para doze pessoas, dezesete peças, réis
2^600.
Serviço de mesa (meio serviço), noventa peças, lôjjíooo
réis. Idem, de padrão antiquado (peças oitavadas), i3^ooo réis.
Adiante trataremos das peças avulsas do serviço domes-
tico, das canecas de variadíssimas formas, em que se distingue
a collpcção do snr. Pinto (Santo António), dos bellos vasos de
flores da snr.* viuva Lamego, da louça preta vidrada, especia-
lidade da fabrica da snr.* viuva Soares Reí^o, e de vários ou-
tros productos das provincias, que exigem ainda um exame
mais demorado.
Da casa para o jardim a distancia não é grande; uma
mesa sem flores é cousa que, no Porto, já não se comprehende
bem em certas familias. O que se gasta em vasos francezes de
faiença e porcelana (ou antes vidro) nas casas remediadas do
Porto, não é pequena quantia; nos jardins ainda se sustentam
as grandes figuras de faiença, as quatro estações e as cinco par-
tes do mundo, umas tristes figuras brancas como a neve, que
fazem frio á gente^ umas allegorlas estafadas, que ninguém sabe
d'onde vieram. Emparelham com esses phantasmas brancos
uns certos cães felpudos de agua, uns tantos galgos melancóli-
cos, que são irmãos de outros de igual temperamento, espalha*
dos pelos nossos cemitérios.
Tudo isto tende a desapparecer, felizmente. A fabrica
das Devezas já faz ha annos typos populares com os trajes na-
cionaes, em ponto grande, que são bem modelados e bem co-
loridos. Melhor seria ainda se os fabricasse em faiença vidrada
e colorida, como os Robbias faziam as grandes figuras italianas
dos séculos xv e xvi.
As outras peças grandes decorativas, de jardins epateos9
estão muito bem representadas na coUecção dai Devezas; vasos
325
de todas as dimensões, fontes, repuxos, cercaduras de taboIei%
ros, centros, floreiras em ponto grande, peças de ornamentação
para pateos, entradas de casas, e escadas, etc, em summa: uma
exi>osição muito distincta, e que abona o talento do artista mo-
delador da fabrica o snr. Teixeira, sócio do snr. Costa. O esta-
belecimento das Devezas ainda se acha representado em outras
especialidades; teremos, pois, de o citar mais de uma vez.
Seria injustiça não mencionar com especial louvor os va-
sos de faiença da snr.* viuva Lamego, de Lisboa. A fabrica
teve o cuidado de nos mandar dous exemplares de algumas
peças, de sorte que o mesmo typo se pôde estudar em biscoito,
isto é sem esmalte, nem tinta, com a côr natural do barro, e
prompto de todo, isto é: esmaltado ou vidrado e colorido. Os
seus vasos grandes de 6, 8, lo e i2f$ooo réis são excellentes
majolicas, de bsllo effeito; um par foi logo vendido; o exem-
plar cem lavor de folhas de carvalho e bolotas, assentado sobre
três pés com mascaras de satyros, é uma das peças de faiença
mais distinctas da exposição. E' magnifica, de um beiio effeito
decorativo, e relativamente barata, a sua grande talha para agua
(4iií5oo réis); já devia estar vendida. O mesmo favor m^ereciam
dous bellos vasos dzues, ornados de plantas aquáticas.
^E' muito notável também a collecção de vasos pequenos
de sala, da fabrica de Massarellos (snr. Souza e Lima). São
trinta e tantos typos difFerentes, uma parte faiença, mo é, barro
vidrado e pintado, outra parte, barro simplesmente pintado a
tinta de óleo, e dourado ou prateado. Alguns exemplares po-
dem sofTrer a comparação com muitos va>os /rancezes de sala,
que apparecem em o nosso mercado, não faltando na questão
de preço, porque é impossível produzir mais barato e com um
esmero superior á própria louça de mesa do mesmo fabricante.
Se esta fosse levada a igual apuro, a fabrica de Sacavém es-
taria supplantada.
Apresentam ainda vasos muito baratos, mas de execução
mais simples, os snrs. Pereira (Fabrica Nacional, Lisboa) ; Fer-
reira Pinto (Santo António), Baudoin, de Lisboa, Silva Ma-
cedo (Cavaco), este ultimo com bellos esmaltes.
Com os vasos andam em boa companhia as jarras de
flores, que 5ervem para ornar os altares das nossas igrejas. Os
antigos conventos ainda conservam alguns typos muito curio-
sos n'esta especialidade. Já nos referimos á collecção vinda de
Yianna, do snr. Azuaga. Os typos da exposição são em grande
parte cópias de padrões do século passado. Teem espécimens
muito interessantes o snr. Ferreira Pinto, viuva Soares Rego
H6
(k>iiça preta), Canha e Silva, e a fabrica nova de Aveiro, dt
fiina Gjimarâes é Norberto, que apresenta alguns exemplares
de fórmi cylindrica que parecetn cópias de certos typos antigos
do snr. Azuaga.
Ha pojco promettetnos mencionar ainda uma serie de
peças avolsas de serviço domestico, que não petencem pro^
priamente ao serviço de mesa, no sentido em que as fabncas
consideram este) termos e agrupam as respeaivas peças.
São as canecas, os galheteiros, as tijdlas de variadíssimos
tamanhos e desenhos, as compoteiras, os boíões de doce, os
pratos de sobremesa de phantasia, as garrafas de agua, os pa^
liteiros, etc. Ha na exposiçlo umi grande variedade d'esses
objecto^, muita phantasia, mjita ideia arriscada, que faz sor-
rir, mas que agrada e também muita cousa feia, que não se
justifica, muitas invenções monstruosas, especialmente n'essa
louça tão apregoada das Cildas da Rainha. D*estes snrs. olei-
ros das Caldas devemos dizer que nao se dignaram nem cod-
correr á exposição, nem responder ás circulares da commissao:
Não houve uma única excepção. E' um modo especial de
corresponder a um convite cortez;' uma cortezia particular dos
industriaes da localidade. E^ claro que os objectos que estão na
exposição, graças á generosidade de um sócio que os comprou,
nao entram em concurso, nem o jary se occupará d'elles.
(GraK»«a.) JoAQUIM DE VaSCOMCELLOS.
A NOÇÃO DE ESPÉCIE EM ZOOLOGIA
Diz Henri Aron que para além da duvida começa a de-
composição íntellectual. Succedia infelizmente assim ao fallecidO
professor António Luiz Ferreira Girão, um dos ornamentos da
xiossa Accademia Polytechníca. A theoria darwiniana, a mais
brilhante concepção que viu a luz em o nosso século, fornecia-
lhe apena? margem para anecdotas jocosas, ditos sarcásticos,
com pilhéria. Talento eminentemente lúcido, mas desorientado
pelo scepticismo, todas as theorias ainda as mais pujantes pare-
dam-lhe sonhos. Ria-se de tudo, zombava de tudo, rebaixai^a
tudo, mettia tudo a ridículo. Quem o ouvia admírava-lhe o ta-
lento e perguntava a si mesmo se effectivamente a sciencia vale
menos do que uma chávena de café. Mas emquanto o illustrado
professor, prestes a exhalar o ultimo suspiro, se precipitava broa-
camente nos braços da fé, a theoria darwiniana radicava cada
i^^
vez mais no espirito do século, ganhava mais adeptos; neophy-
tos de grande talent'^ se enfileiravam debaixo da sua bandeira,
e o principio da evolução despontava radioso, quasi triumphan-
te^ proje<:tando uma luz viva sobre todas as sciencias, invadin-
do-as, modificando, subvertendo doutrinas seculares, — em uma
palavra: renovando tudo*
I
A espécie, define Cuvier, é a «coUection de tous les êtres
organisés descendus les uns des autres, ou de parents communs, et
d^ ceux qui tisssemblent autant qu^ils se ressemblent entre eux.»
Esta definição é essencialmente errónea, porque attríbce á es-
pecicL uma característica que não é exclusiva d^ella e por isso
está forage de a caracterisar : a descendência commum.
O illustre fundador da Paleontologia, pelos seus vastos
es^Jdos de Anatomia Comparada, pela grande massa de factos
adquiridos por observação própria, estava mais do que ninguém
no caso de comprehender as vistas profundas de Lorenz Óken.
Gaspar Fríedrich Wolf, oppondo a theoria da Episenese á
doutrina da Preiormação, d^involução, d* emèotl ementa do grande
Haller; Vicq-d'A2Ír, mostrando o parentesco dos Vertebrados
em um exceliente estudo comparativo sobre os membros ante-
riores e posteriores; a theoria dos órgãos rudimentares, as mil
e uma monstruosidades, a teratologia, emfim, dando um solemne
desmentido da creação dos seres organisados conforme um plano
preconcebido, maduramente premeditado, fizeram comprehen-
der a Oken que a Ontogenia é a historia das phases por que
passou cada espécie; das diíFerentes moditícações que o meio
lhe imprimiu; das varias metamorphoses que ella soíTreu atra-
vez do tempo e do espaço para chegar á forma actual.
Mas Cuvier não comprehendeu esta concepção larga do
philosopho allemâo, elle que fez tão bem o inventario das po-
pulações anti-diluvianas, d^essas immensas necropoles onde se
encontram fosseis qUe apresentam uma semilhança espantosa
cotn os animaes da fauna contemporânea, e, não percebendo o
laço que une as faunas de dous periodos consecutivos, sepa-
rou as por grandes revoluções, por terríveis catastrophes, por
cataclismos desoladores, que, á maneira do diluvio mythico, ti-
nham o funesto condão de varrer, de destruir tudo, omne pitmm^
setn ffiesmo respeitar cousa que se parecesse com a celebre arca
lia Noé, que salvou, segundo rezam os livros sagrados, um casal
dtt cada espécie, o sufficiente para a propagação da n)esma !
328
Cuvicr que se ria desdenhosamente do grande Voltwre^
por esie pensar que as conchas que se encontram nos Alpes ha-
viam sido recolhidas no Oriente e espalhadas nas montanhas
pelos peregrinos que iam a S. Thiago de Qompostella; Cuvicr
qu** se admirava de Kircher por este acreditar que os fossds
eram lapides figurati a que a Natureza havia dado a forma de
animaes c de vcgetaes, não podendo communicar-lhes a vida e
o seniimento, — mette dó quando o vemos professar com Kant
c Burdach a doutrina da Preformação, sustentar contra La-
marck e Geoffroy Saint-Hilaire a inalterabilidade da forma ani-
mal, a immuiabilidadc da espécie, e repetir a phrase banal e
pueril de Linneu : Tot numeramus species quot ab iniíio crea-
vit vifinitum Ens.
Era a concepção teleológica, dualistica, a dominar o sabia
c tirar todo o seu valor aos preciosos maieriaes que o iUustre
naturalista tinha reunido com tanta paciência e talento. Porém
o signal da revolta iá havia sido dado. Com effeito, no dia em
que o cónego de Warmy deu um golpe fatal no sysihema geo-
cêntrico de Ptolomeu; no dia em que Gallileu descobriu o te-
lescópio; no dia em que appareceram as famosas leis kepleria-
nas; no dia, emfim, em que Newton engendrou a admirável
theoria da gravitação universal, sujeitando a queda da maçará
mesma lei que o movirrenio de Júpiter á roda do sol, ou o vôo
abrasai do de um cometa atra vez do systema planetário, — n'essc
dia imha-se operado uma revolução immensa no mundo scien*
tiiico.
As causas mechanicas, eficientes, condemnadas ao ostra-
cismo pela meiaphy-ica de Sócrates, soi disant sublime, reto-
mam o seu império ; e a philosophia de Demócrito e Kanada
surge radiante do sepulchro.
U chimico interroga o alomo, o geólogo pede á terra a
sua génese ; o astrónomo pergunta ao céu a sua hi^toria ; o phy-
sico investiga a causa do raio, da chuva, dos ventos, das tem-
pestades. Laplace explica a origem dos mundos; Palias apre-
senta um trabalho notável sobre as ossadas fosseis do norte da
Europa ( Voyage en Sibérie); Dolomieu estuda os vulcões, Voigt
os basaltos, Owen as aves e os reptis fosseis, Agassizos peixes
das faunas extinctas ; Cuvier, Brogniard, Elie de Beaumont,
Humboldt, Leopold de Buch, Buckland, Labiche, Lortet, Bou-
cher de Perthes, dão á geologia e á paleontologia um potente
impulso; Ch. Lyell e Forbes explicam a formação da crusta
terrestre e a extincção das faunas sem fazer itilervir as caus-
trophes, demonstrando ao mesmo tempo a continuidade e inin-
329
terrumpção da historia orgânica dos seres atravez dos séculos ;
Lamarck formula a theona da descendência sustentando a uni-
dade do plano na organisação dos seres e explicando as diffe-
renças typicas, especificas, pela adaptação ao meio, pelo uso ou
não uso dos órgãos, pela alteração da funcçao, cpar les modi--
íications dans la manière d'agir, dans les habitudes» etc, dif-
ferenças accumuladas, capitalisadas lentamente e transmittidas
pela hereditariedade de geração cm geração.
Esta theoría, observa Haeckel, comprehende duas conse-
quências as mais extremas: a apparição dos primeiros seres
por via da geração espontânea e a origem simiana do ho-
mem.
Esta ofTendia o orgulho humano, e ambas iam de encontro
com o texto bíblico. Demais Kant, o ardente propugnador do Me-
chanicismo, o celebre auctor da Theoria do céOj havia de-
clarado cathegorica mente que era impossível explicar o mundo
organisado sem fazer intervir as causas finaes sobrenaturaes,
e que era absurdo esperar que um dia «surgisse um Newton,
que nos desse a explicação da geração, ainda que fosse de um
bocado de herva, pelas cegas leis naturaes», peias simples cau«
sas eficientes.
' Pelo contrario, a immutabilidade da espécie que Cuvier
sustentava estava de accordo com o dogma, e a opinião de
Cuvier fazia lei. Tanto bastou para que a theoria de Lamarck,
e^(orço gigantesco de um grande pensador., cahisse em completo
e^squecimento, sem mesmo merecer as honras d'uma discu.ssão,
sendo considerada pelos naturalistas d''então como uma imbeci-
lidade, uma loucura, une reverie cTun esprit maladif!
A concepção dualistica estava tão arreigada no espirito
dos sábios ; os zoologistas e os botânicos tão identificados, para
não dizer enkistados, na génese mosaica que, apezar de Ch.
Lyell haver reduzido quasi a nada a theoria das catastrophes
de Cuvier {Principies ofGeology)^ teimavam ainda em admittir
revoluções extraordinárias, destruindo periodicamente toda a po-
pulação animal e vegetal, seguidas d^um fiat que possuia a
virtude mirífica de plantar, n^um abrir e fechar de olhos, os re-
cifes de coral no fundo do mar, a arvore de Mammuth sobre
os rochedos escarpados da Sierra nevada, e de povoar de novo
o globo com espécies animaes e vegetaes, muitas das quaes pa-
reciam vasadas em moldes mais ou menos alterados da fauna
e da flora da época precedente.
Accresce a isto a circumstancia de que os seres vivos eram
BXyiSTA DA SOCISDADB DE mSTRUCÇlO DO PORTO. 9S
33o
quasí sempre, como observa Edm. Pemer \ estudados inde-
pendentemente do meio em que vivem» c indepmdenteaieate
das relações reciprocas que contrahem entre si. Cada um d^el-
les parecia ser uma entidade distincta, creada Semblée, de iou-
ies pièceSy tendo em vista certas e determinada^^ condições tnt-
sologicas, admiravelmente adaptadas ás mesmas, em perfeito
equilíbrio com esse meio que se suppunha ser immutavel durante
largo espaço de tempo, mas condeirnadas a desapparecer fatal-
mente lo^o que rompesse o equilíbrio. Assim a opinião de
Cuvier encontrou a mais completa adhesáo e foi universalmente
aceite.
Mas á medi dl que a sciencia avançava, á medida que o
homem penetrava nos mistérios da natureza, á medida que es-
tudava a astronomia, a geologia, a paleontologia, a archeolo-
gia prehistonca, a etnographia, a chorologia, a dysteleolc^ia, a
botânica, a zoologia, a physica, a chimica, a linguistica, a anato-
mia comparada, a embriologia — accumulavam-seos factos; mui-
tiplicavam-se as prova<; ; uma nova luz irradiava d*esse estudo
*sobre o problema diiliciliimo da origem das espécies; enfra-
queciam-se, dis^ipavam-se os prejuízos theologicos; o espírito
humano sacudia essa educação falsa, eivada de principios pas-
sados pela fieira dos frades e dos jesuitas, e prepara va-se para
uma concepção mecânica, monistica.
Foi n^estas condições que appareceu Darwin.
Ninguém melhor do que elle, diz de Canaolle, podia refe-
rir todos os phenomenos á theoria do iransformi^^mo, que elle
attribuia a uma cau*.a muito importante — a selecção — causa
a que ninguém aitcndê^-a, a njío ser Wallace, que tinha tido
egual idêa e ao mesmo tempo. Mas Alfredo Wallacc é só zoolo-
go, ao passo que Darwin era phy-iologisia, botânico, zoolo-
gista c até geólogo, como provou á evidencia na relação da
sua viagem em volta da terra, nas descripções dos Cirrhipedes
e na sua bella memoria sobre as ilhas madreporicas.
Todas as suas publicações posteriores a estas icem por
base essa prodigiosa varieJade de conhecimentos. Cra-lhe fácil
descobrir e discutir argumentos em todos os ramos das scien-
cias naturaes. Eram-lhe também familiares muitas occupações
pouco consideradas. Assim, por exemplo, fez se educador de
pombos para poder evidenciar as variações d'uma espécie de
* Darwin, Role des vers de terre dans la /ormatian de la terre ré-
gétale, avee une préface de M. Edm. Perríer, Paris. 18S2.
33 1
que muko se occupavam em Inglaterra. Observava a iníluen*
cia dos animaes sobre os vegetaes, na qual mal se tinha rq>a-
rado até então, e de taes observações tirava curio^^issimas con-^
clusoes. Dotado d^ima grande perseverança, de muito methodo,
diurna sagacidade extraordinária, tão forte nas pequenas cousas
como nas idêas geraes, deu ás sciencias naturaes um impulso
de tal ordem, que não tinha exemplo anterior, e que até mesmo
se propagou ás sciencias sociaes e históricas ^.
No decurso d''este pequeno artigo o leitor verá como, gra-
ças aos trabalhos de Darwin, Haeckel, Huxley, Cari Vogt, Owcn
von Baer e outros, cahiu a noção da espécie, admittida por Lmneu
e Cuvier, e defendida vigoro!>amenie por Agassiz c Quatrefâges.
Então a adaptação dos organismos ao meio em que vivem lhe
apparecerá não como um poderoso argumento em favor da dou-
trina das causas fmaes, mas como uma maravilha a admirar
e um problema a resolver; e as classificações zoológicas perde-
rão para sempre a sua aridez já lendária, para se tornarem to-
das palpitantes de interesse histórico, porque nos contam, para
empregar a phrase de Espinas, a serie de condições de que o
reino animal é o resultado e ao mesmo tempo o mais eloquente
testemunho.
II
Dissemos que para Cuvier a espécie orgânica é um typa
fixo, invariável e que todos os individuos que a constituem des-
cendem directa ou indirectamente d^uma mesma forma ancestral,
de um par ou de um casal produzido por um acto creador, de
maneira que, segundo esta hypothese todos os carvalhos pro-
vêem de um só carvalho primitivo, como todos os cães d^um
só casal d'estes animaes, como todos os homens ade um peque-
no homem e de uma pequena mulher ^^ que Deus houve por benn
crear, collocando-os no Paraizo terrestre, e fazendo-os respeitar
de todos os outros animaes. Sem esta ultima medida os dias
da humanidade estariam contados, e Adão e Eva, nás, comple-
tamente desarmados, privados de todos os meios de defeza,
não tardariam muito a ser victimas de animaes carnívoros e a
succumbir em virtude da lucta pela existência.
Supponhamos por um momento que as espécies zoologt-
^ Veja-se o artigo de Candolle sobre Darwin na Revista de Gene^
òra i883.
332
cts são typos fiios e immutavds, que não accusam entre si pa-
rentesco algum, que nao se cruzam nunca ou que, quando muito,
dão productos que não tardam a voltar ao typo paterno ou
materno; esqueçamos as notáveis experiências sobre o cruza-
mento das espécies, realizadas por Geoffroy Saint-Hilaire, Bufr
fon, Naudin, Godron, Paulo Broca e outros; supponbatnos
mesmo que ignoramos a existência do Lepus Darwinii, pro-
veniente do cruzamento de duas espécies, Lepus ttmidus (le-
bre) e Lepus cuniculus (coelho); do hybrido do carneiro e
da cabra, pertencentes a espécies de género differentes, e
que se criam em grande escala no Chiii; dos hybrídos dos
cardos etc. ; — perguntamos nós aos partidários da 6xidade
da espécie: como se explica a semelhança dos fosseis da época
terciária com os animaes da fauna contemporânea ? Por que ra-
zão os Desdentados e os Roedores d'essa época lembram as
espécies que vivem actualmente na America do Sul? tJe n'oublie-
rai jamais, escreve Darwin a Ernesto Haeckel, la surprise que
féprouvai en déterrant un débris de Tavou gigantesque analo-
gue au Tatou vivam».
Se as espécies, os géneros, as familias, as classes, etc, náo
teem entre si nenhum parentesco, qual a razão porque o grupo
dos Vertebrados apresenta debaixo das variadas e multiplices
formas que reveste uma unidade de composição, um mesmo
fundo de organisaçao, uma mesma estructura esqueletologica?
Por que é que a pata do Leão, a aza do Morcego, a mão do Ho-
mem, são órgãos compostos de egual numero de peças ósseas?
Por que é que a anatomia comparada declara, pela bocca de um
dos mais eminentes anatomistas de actualidade, Kart Gegenbaur,
que o esqueleto cephalico de todos os Vertebrados deriva do
dos Selaquios ?
Rasgue-se o seio da terra e examinem-se os despojos de
espécies extinctas, que encontramos? Cadáveres petrificados,
alinhados, sobrepostos uns aos outros, revelando a sua genea-
logia pela sua dentição, pela disposição dos membros thoraci-
cos e pelvianos, pela forma d<^s suas phalanges, etc. Ha mais:
numerosos seres intermediários, formas de transição, verdadei*
ras medalhas da creação que nos conduzem forçosamente a
admittir um laço genético entre as espécies, géneros e outras
categorias superiores. .
Com effeito, o Amphioxus ligando os Vertebrados aos In- |
vertebrados ; a Archaeoptera Macrura e o Compsognatus li-
gando as Aves aos Reptis ; o Metarctos estabelecendo a tran-
sição entre os Ursos eos Cães; o Helladotherium denunciando
333
o parentesco da Antílope com a Girafa ; o Mastodonte Peníe^
leci do Mastodonte com o elefante, sâo perfeitamente compa-
ráveis ás formas fosseis veicos, feronti^ eit, que accusam a filia-
ção do latim vícus do indo-europeu vaikas^ dcferunt de Bha-
ronti e de it de aiti ou eiti ^sendo o a primitivo equivalente ao e).
Foi assim que Rutymeyer construiu a arvore genealógica
dos Ruminantes; Niemayer a dos Ammonitas; Hilgendorff a
de Planorbis SMuUiformis, . .
Interroguemos a Embriologia, e a theoria da descendên-
cia, segundo a qual as espécies derivam umas das outras, recebe
uma brilhante confirmação. E de feito, as formas que a Paleon-
tologia nos indica como sendo ancestraes, geradoras das con-
temporâneas, revestem estas durante a sua vida embrionária,
demonstrando doesta sorte o seu parentesco com as faunas ex-
tinctas. Assim o apparelho circulatório das Aves antes de attin-
gir a íórma definitiva apresenta uma disposição semelhante á
que se encontra nos Reptis ; nos Batraquios, segundo Milne-
Édwards, o mesmo apparelho é ao principio semelhante ao dos
Peixes; o próprio Homem, finalmente, durante a sua vida in-
cra-uterina, soffre espantosas metamorphoses: n^uma certa épo-
ca não se distíngue do Peixe, da Salamandra, da Tartaruga;
n^uma outra do Coelho, do Boi; n'uma outra ainda do Macaco.
(Veja-se a Antropogenia de Haeckel).
Ora se a espécie é immutavel, se foi creada tal como
hoje a vemos, pergunta Victor Meunier {Philosophie noologique\
qual a rasão porque em cada geração o novo ser, em vez de re-
vtsÚT d^emblée os caracteres da espécie á qual pertence, os vae ad-
quirindo successí vãmente ? — porque é que a epigenese é verdadei-
ra e a theoria da preexistência dos germes falsa ? — porque esse la-
borioso caminhar para o estado especifico e não para a posse
immediata do mesmo?— porque razão é que um animal na sua
gestação atravessa diversas phases, toma a forma de animaes
differentes, veste a libré de espécies que lhe são inferiores ?
Para tornar bem patente o modelo segundo o qual serão
estabelecidas as phases da evolução de outros animaes n^um
período futuro, mais ou menos remoto, responde Agassiz:
«C^est dans ces temps reculés comme la prophétie d^un ordre de
cboses impossible avec les combinaisons zoolo^iques predo-
minantes alors, mais qui, realisé plus tard, attestera dune ma-
nière frappante que dans la gradatíon des animaux, chaque
être a éxtpréconçu. (Agassiz, De Vespèce^ pag. 1182).
Segundo esta singular theoria, observa com razão Durand
de Gros, commentando a passagem acima citada, «ce n'est
354
poínt \e trpc fntemd qà iyorc^ !a n^Jz-z iz vrpt serirjifit
át fcníant, irais c'cst ílans ca -: c c-* fa-rrin c^-cròcr fa-
plkatJon et la cau«« ics trcit* c-: caracter- ?«=r .c pcre.»
Dfpoi» de apontar o con^^qjcr.t- co— ?• ca^*«« do ictccc-
dente, Agas«iz tran^^pona-ve cocn enh^-ii^To ao \ír qt* o
reino animal *c coírpóc de di^r^as csti-ez"-^^ *-b<yrdi:adi$
CDtresf, h*erarch!&âda«, c qjc const-tuem as c-pcc<*, o$ e««-
ro*, as farr.i.ja&, e:c., e armra se cc que c< -lar-rají^tas cáo
▼ejam n^^to uma prova evíJccic, pa pa\c*, í:*um paço madu-
ramente pensado c *ah;»irentc rcs i-a*:o. O scbrenai» raU qac
a cada p^s^o rpparece debaixo dos biccs da sua perca, c tão
Corte, domina-o a tal pcnio, cuc A^as-^iz se esquece da eiisien-
cia de nuíT.ero^os orpaos rud.irenare*, d^nra quaciidsdc de
appare!ho5 deformes, feics, grotesco*, disparatados, re^u^tado
iTuma accomfrod<;ção forçada á* tx'gencas do ircio, órgãos c
apparelhcs que >6 por si são sufficiertcs p:ra recu2Ír a cada a
doutrina dãs causas finaes. tão %:goro^£I^ecte defendida for
Paulo Janet.
Em apoio do que acabamos de dizer, pertriíta-nos o lei-
tor a transcnpç^o das segurntcs palavras qte o sábio piofe? sor
de Heidcibcrp, M. Hciírhoiíz % preferiu nYma conferencia sobre
«O» progressos recentes na theoria da vjsão» : As ínexacndõcs
c a» imperfeições, que temos encontrado no appareiho óptico e
Da imagem rctiniana, não são nac^a, comparados com as incon-
gruências que descobrimos no domínio da sensação. Parece qoe
a natureza quiz, de propósito, accumular as contradicções para
tirar todo o fundamento á doutrina da harmonia preexistente».
Ora SC o embrião de todos os animaes soffre diversas
metamorphoses (Aga.ssiz); se a larva que não c mais do que
um cmbryão da vi Ja independente, para empregar a exp^es^Jo
dcQuatrefages, pódc transformar-se em borboleta; se a amoceta
que ainda ha pouco era considerada como formando uma parte,
distincta da lamprêa, pôde transformar se n^esta (Aug. Mãller)
porque é que uma empece não pôde dar origem a outra?
Porque as espécies não se cruzam nunca ; quando muito,
dão productos cujos caraaeres morphologicos são muito in^ta-
veis e participam ao mesmo tempo do typo paterno e materno.
Tal é a resposta banal que dão os partidários da fíxidade da
espécie desde Cuvier até Quatrefages.
Dissenr.os banal porque, além dos factos mencionados,
^ Hoje na universidade de Btrlim.
335
que provam d'um modo irrefragavel o cruzamento das espé-
cies, conhecem-se actualmente animaes e plantas taes como a
Primula acaulis e P. officinalis^ o Aegilops e o Trigo, que dão
hybridos fecundos e bastante estáveis. O snr. Quatrefages per-
cebendo a importância d'estes factos^ pretendeu tirar-lhes todo
o seu valor, e escreveu com respeito ao hybrido proveniente do
crusamento do Aegilops e do Trigo as seguintes palavras, que
a nosso ver não dizem nada: c£ste hybrido excepcional deve a
sua fecundidade á cultura».
Que importa que assim seja, perguntamos ao sábio pro-
fessor de zoologia ? Este facto, pelo contrario, não provará assaz
que a diversa aptidão reproductiva das espécies, que a sua fe-
cundidade ou esterilidade não depende do seu parentesco, mas
sim das condições physiologicas do meio em que vivem ?
O snr. Quatrefages não ignora de certo que o coelho de
Porto-Santo é descendente do coelho da peninsula, e comtudo
este não se cruza com aquelle; que o gato do Brazil é de>cen-
dente do gato europeu, e comtudo este manifesta por aquelle
uma grande repugnância.. . Que concluir doestes factos? Se a
theoría de Quatrefages fosse verdadeira, isto é, se o cruzamento
ou não cruzamento fosse o padrão pelo qual se devesse afiTerir o
parentesco d^uma espécie com a outra, decerto que o coelho de
Porto-Santo e o coelho da peninsula seriam duas espécies e
não duas variedades.
Da discussão que precede, resulta que as espécies são
simples raças constituídas sob a acção do meio selvagem e des-
tituídas, por certas circumstancias, de afiinidade reciproca de re-
producção, que o meio domestico cu cultural assegura ás raças
formadas no seu seio, e que, restilue eifip^rte ás próprias espé-
cies. Se assim é, pergunta Durand de Gros vale a pena «se
forger à plaisir des chímères et livrer de gaieté de coeur le
champ de la science aux fantõmes du merveilleux en donnant
aux espèces une origine surnaturelle, alors qu^^il est si naturel
de voir dans ces créations Paction d^uneloi générale et unique, de
la loi de morphogénie qui preside sous nos yeux à la formation
des races?»
£ dep-DÍs disto faz-se mister uma grande audácia que
checa a ser pedantismo para affirmar com Agassiz que o dar--
winismo é uma theoria a priori^ um systema que exclue quasi
toda a massa de conhecimentos adquiridos, conservando e as-
•asr^
pecn «: íjrmr. m A.^jcr,zjk i> ^^^ ^"^i TFi jcc se -^
Mt,pOftumt ^o H. Telxijpe W. B*:^ : le i:st.=iciEr m-
daTzuxc ptno úc b'y a-nos, cniáo se cocf ..-^^..^ ^ ^
psoc nào é u-na forma fixa, ngíJa, laalicrmrc or» « r
mas dt gcoTict-ia, mas qjc, pc o contrar.o, é bãsU^e pl^st^L^
rtoPâL setfufuio a mudancã do meio; que i: %um wa^Uixt i
du miUeu qudle habite» —um trpo que coTserwa ^ j«j />
emquanto as coniiyjes mtsrÀ.gicas permanecerem « aussaas; t
íue, por ianto^ nao represejUa sendo um momento ax kistaru
orgânica dos seres pípos, uma simples caihcgoria oa hicrmrdisa
do rano aoimal. ^
Acosmoio DC SoczA.
CATALOGUE DES INSECTES DU PORTUGAL
siTioirLa F ABsicma
787. H. flaTomaonlata Bosenh.
Ifaid Faun. Etr. i, p. 58.
Bragança ! .
La graodcur est extrêmement variable.
337
Gana OMOSITA BRIOHSON
788. o. disooldea F.
Erichs, Nai. Ins, Deut. m, p. i68.
Coimbra I.
OuftB SORONIA BRIOHSON
789. S. grisea L.
Erichê. Nai. Ins. Deut, m, p. i63.
Coimbra !
QuniB PRIÁ BTBPHBN8
790. P. Duloamarae Soop.
Erichs. NaU Ins, Deut, m^ p. 169.
Coimbra!, Vizella!.
QnRB MBLIQBTHES STBPHBNS
791. H. aeneus F.
Erichs. Nat. Ins. Deut. m, p. 174.
Coimbra I, Guanla!, Bussaco et Gerez (L. v. Heydeni),
Bragança.
792. H. viridesoens F.
Erichs. Nat. Ins, Deut. m, p. I75.
Guarda! (L. v. Heyden!), Coimbra!, Serra de Monchi-
que!, Yizeila! Bussaco!
Je les possède vcrts, bleus, violettes et bleus avec le cor-
selet vert.
793« H. disooideus Er?
Erichs. Nat. Ins. Deut. iii, p. aoo.
Je possède un seul individu pris à Bragança, mais il est
un peu abimé et je ne peux assurer qu'il appartient à cette
espece.
33«
04.
i
Ericks. Sãi. /«#. 1>ad, n, p. 304.
Cca et Pena (L. r. Heyiea "
71>5. K. idannncalnB Heer.
Ericks, Aj/. /«. D^ii/. ni, p. 193.
Guarda ÍL. v. Heyicii!), Doaro?. Estmrrc)a!.
70Q. M. 6XÍ1ÍB StaniL.
£rkAi. Aol. Ins. Deut. m.
Douro!, Fcigueira!.
797. M. eryfhropus O7IL
Ericks. Sat. Ins. Deut, in, p. 2o5.
Cea et Guarda (L. v. Heydcn !)
798. M. fli8Cii8 OUt.
Olivier. Em. n, i3, p. 10, pi. i, f. 9 a b.
Fcigueira!, Guarda!, Vallc d' Azares!. Bossaco!, Coimbra!
On trouve aus>i les variétés Lamy Ros (Ros. Thier. And.
i836 p. 10 f) et bicolor Luc (Luc. E.\pl. Alg. p. 216, pi.
21, f. 6).
OnmB XEBOSTHOKOTLUa WOLUkSTOH
799. X. DeyroUey Duv.
Jacq, Duval. Glan. Eni. 1860, 2 p. 140.
Leiria (Dr. A. Xavier).
IPINI
OBasm ORYPTABCHA SHUGKAKD
800. O. strigata F.
Ericks. Nat. Ins. 'Deut. m, p. 221.
Bussaco!.
339
RHIZOPHAGINI
Gnam RHIZOPHÁQUS HBRBST
801. R. parviaus Oyll.
Sturm. Ins. 'Deut, ixii, p. 25, pi. 396 f. c. C.
Dans la plupart des exemplaires qu^on prend au Bussaco
la couleur de Ia tête, corselet et élytres est três foncée, souvent
d'uii noir de poix.
TROGOSITIOAE
Gsnm MEM0S03CA LATRBILLB
802. N. elongatom L.
Erichs. Nat. In$, Deut, lu, p. 239.
Je possède un seuI indívidu du Portugal.
GuRB TBOGOSITA OLIYIBB
803. F. ooerolea Oliv.
Erichs. Nat. Ins. DeuL in, p. 241.
Azambuja (J. Antuoes!)
GURS TBNEBRIOIDBS PILLBR
804. T. Hanritanioa L.
Erichs» Nat, Ins. Deut. m^ p. 243.
Coimbra !•
Qmmuu THTXALUS LATRBILLB
905. T. limbatus F.
Erichs. Nat. Ins. Deut. m, p. 249.
Serra do Gerez fL. v. Heyden !)
340
COLYDIIDAE
SYXCHITÍNI
OnsB BHD0PHU)BU8 ULTBMSLLM
806. S. teretioomis Er.
Eridks. Nat. Ins, Deut. m, p. 261.
VIzelia! 9
OníftB TBRBTRinS BRICBaOH
807. T. spinnlosiis Lat.
Ericht. Nat. Ins. Deut, m, p. 226.
Bussaco!, Serra do Gerez (L. V. Heyden!)
Obmbb TABPHIUS BRI0E80N
808. T. Eiesenwetteri Heyd.
Heyden Ent. Qieise etc. i87o p. io5.
Serra do Gcrez (L. V. Heyden !)
GOLYDIím
QmKmm OOLTDIUK FABBI0IU8
809. O. elongattixii F.
Erichs. Nat. Ins. Deut. m, p. 278.
Bussaco !, Serra do Gerez (L. V. Heyden !)
810. O. flliforme F.
Erichs. iVaf . Ins. Deut, m, p. 279.
Serra do Gerez (L. V. Heyden I)
OnrBB AQLBNUS BB10H80R
811. A. 1}niimeas G7II.
Erichs. Nat. Ins. Deut. ni| p. 285.
G>iaibra !.
341
BOTHRIDERINI
OnmB BOTHRIDBRB8 BRIOHSON
812. B. Interstitialis Heyd.
Eeyd. EnL Qifiise etc. 1870, p. 107.
Gerez (L. v. Heydcn!)
CERYLONINI
Gmnm OERTLON LATREILLB
813. O. Msteroides F. ,
Erichs. Nat, Ins. Deut, ni, p. 294.
Bussacol (L. v. HeydenI), Douro! Les exemplaires du
Bussaco sont ferrugineux.
814. O. fermgineuxn Stepli.
Sieph. III. Brit. m, p. 98.
Angustatum Erichs. Nat. Ins. Deut. m, p. 98.
Serra do Gerez (L. v. Heyden I)
815. O. deplanatuxn O7II.
Erichs. Nat. Ins. Deut. m, p. 296.
Serra do Gerez (L. V. Heyden!)
CUCUJIDAE
PAS8ÁNDRINI
Oxna PR08T0UIS LATREILLB
816. P. mandibnlaris F.
Erichs. Nat. Ins. Deut. m, p. 3o6.
Bussaco (L. V. Heyden I), Coimbra!.
342
VLEIOTINI
I
Qbmbs VLBIOTA LATRBILLS
817. V. planata L.
Erichs, Nat, Ins, ^eut, m, p. 332.
Bussar.o et Gerczl (L. V. Heyden!) Vizella!
V. pallens F.
Erichs. loc. cie. p. 332.
Gerez!, Bussaco!.
SILVANINI
Owrmm LÁEMOPHLOBUS BRIOHSON
818. L. testaoeus F.
Erichs. Nat. Ins. Deut. in, p. 320.
Bussaco !
819. L. oortiLoinus Er?
Erichs. Nat. Ins. Deut. ni, p. 327.
Coimbra 1
A cause Ju mauvais éiât de 1'exemplaire que j^ai prís, )e
ne suis pas .>ur s^il appartient à ceiíe espèce.
820. L. fraotipennis Mot.
Buli. Mosc. 1845, 1, p. 91.
Bussaco!.
QBVftB aSLYANUS LÁTBE^LLB
821. S. surinamensls L.
Steph. III. Brit. ni, p. 104.
Frumentarius F.
Erichs. Nai. Ins. Deut. ni, p. 336.
Estarreja!.
343
822. S. unidentatus F.
Erichs. mt. Ins. "Beut, iii, p. 338.
Gcrez (L. V. Heyden I)
Qbweb AIRAFHILU3 REDTBNHÂOHER
823. A' subferrugineus Reit.
Cette espèce doit être décrite dans un prochain numero du
Berl. Ent. Zeit. de Kraaiz. Valle d'Azares!, Serra d''Estrella!.
824. A. flbulatus Kraatz.
Kraat^ç BerL Ent, Zeit., 186a, p. ia8.
Dans le catalogue de Dejean \é Q/í* asperatus H^ej, de la
Lusitanie est indique et cette e>pèce cl'après le catalogue Harold
est identique avec le A. Jibulatus Kraat^.
Gekrk cathartus beichb
825. O. advena Walfl.
Sturm. Ins. Deut, xxi^ p. loo, pi. 390 f. B.
Coimbra !.
MONOTOMINI
GsvBB HOKOTOMA HERB8T
826. M. spinioolUs Aubé.
Aubé óMon. An. Soe. Ent. Fr,, 1837, p. 468, pi. 17, f. 6.
Valle d'AzaresI.
GRYPTOPHAGIDAEi
TELMATOPHILINI
Qbhsb TFLMATOPHILUS HBER
827. T. sparganli Abrens.
Kiesenw. Nat. Ins. Deut. iv, p. 671.
Aveiro (Heyden !).
1 Mr. Reitter a eu Ia complaisance de déterminer quelques espé-
ces de cette feinille que je n' avais pas encore étudiées attentivement. J'écri8
le nom de mr. Reitter à la suite des espèces non classées de ma collection
et qu'il a déterminées.
344
828. T. breviooUis Aubô.
Kitienw, ^ãt. Ins. Deut. vr, p. 67a.
D^après une lettrc de mr. L. V. Heyden il se troave à
à Aveiro de mêmc que Pespèce precedente.
CRYPTOPHAGINI
OnrsB BETARIA KULSANT
829. S. serioea Mais.
An. Soe. Lyon, x, p. 2.
Cea (L. V. Heyden!) .
auRB ORTPTOPHAQUS HBRB8T ^
830. O. afflnis Sturm.
Erichs. NaL Ins. m, p. 36o.
Coinnbra ! Valle d^ Azares !•
831. O. soanioos L (Reitter).
F. céllaris Sturm.
Sturm. Ins. Deut. xvi, p. 84, pi. 3i5, f. B.
Commun dans le nord.
V. hirtulus Kraati.
Berl Ent. Zeit., i858, p. i38.
Fremedal.
(OMtínúa). Manoel Paulino de Oliveira*
3.« ANNO
I DE AGOSTO DE i883
N.« 8
OS TRABALHOS DO NATURALISTA BRAZILEIRO
J. BARBOSA RODRIGUES
Enganam-se aquelles que suppõem o Brazil alheio ao
movimento civilisador, caracterisado pelo desenvolvimento das
sciencias. Um impulso de grande importância, e podemos
mesmo dizer de grande futuro, se os governos d'aquelle paiz
souberem cumprir os seus deveres, está dado; d^alguns annos
a esta parte, um grupo de investigadores dedicados e hábeis,
embora pouco numeroso, tem despertado a attenção para os
estudos originaes e encetado uma nova era scientifica.
J. Barbosa Rodrigues representa um dos mais valentes
gropulsores doesse movimento de emancipação scientifica no
irazil. Os seus esplendidos estudos de botânica, especial-
mente nas familias das Orchideas e das Palmeiras, dão-lhe
um logar dos mais distinctos entre os botânicos; e os seus es-
tudos ethnologicos lançam luz sobre muitos problemas, que
dizem respeito ás raças do continente americano.
A presente noticia sobre a sua vida é uma simples mas
sincera homenagem de admiração de quem teve a fortuna de
examinar os materiaes para o estudo colligidos pelo infatigá-
vel investigador, e de notar o enthusiasmo pelas sciencias em
que tem revelado aptidões excepcionaes.
J. Barbosa Rodrigues nasceu em 22 de julho de 1842 e
é filho de João Barbosa Rodrigues, natural de Vianna do Cas-
tello, que exerceu o commercio em Minas, onde se tornou no-
tável pelos seus sentimentos de caridade, e de D. Maria Car-
lota da Silva Santos, brazileira.
A vocação irresistivel para o estudo da natureza de que
dera provas colleccionando, ainda muito novo, plantas e inse-
ctos, desviou-o da vida commercial, para que seu pae o desti-
nava. Em 1869 tinha terminado o curso de lettras. O falleci-
mento de seu pae obstou a que elle seguisse o curso de medi-
cina, em que pretendia matricular-se; e vêmol-o agora occu-
par successivamente o lugar de secretario do Instituto Com-
REVISTA DA SOCIEDADE DE INSTRUCÇÃO DO PORTO. 23
346
mercial, secretario e depois professor de desenho no Collegio
de Pedro 11.
O primeiro trabalho botânico que emprehendeu foi a mo-
nographia das orchideas do Brazil, que começou em 1868.
Hoje esta obra, sob o titulo de Iconographie des Orchidées du
Bré:{ilf comprehende 17 grandes volumes com 1:000 estampas
primorosamente coloridas, representando não só o porte dV
quellas plantas, mas todos os detalhes analyticos para a des-
cripção e classificação d^ellas. E' uma obra monumental que,
de per si só, firmaria a reputação de mais de um botânico.
O auctor sollicitára do parlamento brazileiro, na sessão
de 1871, um subsidio para a publicação da sua obra; mas o
respectivo projecto de lei, que chegou a ser approvado pela
camará dos deputados, cahiu na camará dos senadores, dan-
do-se por motivo o estar escrevendo para a Flora braiiliensis
de Martins, subsidiada pelo Estado, uma monographia sobre
o mesmo assumpto, a primeira authoridade em orchideas, o
sábio allemão dr. Henr. Gustav Reichenbach. Entretanto o
eminente sábio J. E. Hooker, director dos jardins de Kiew,
a quem a obra depois foi presente, classifica-a de preciosa e
declara que ella e eminentemente digna de publicação. Seis
annos depois o sábio orchideologista, a que nos referimos, pede
por intermédio do botânico sueco André Regnell a collabora-
ção do botânico brazileiro, que não acceita por motivos de
amor pátrio, e renuncia a escrever a dita monographia depois
de muitos annos de estudo. O próprio director d aquella im-
portante publicação o dr. Eichler pede- lhe também por inter-
médio do dr. Wawra a sua cooperação com o dr. Kraenzlin
Cara a mesma monographia, que elle igualmente não acceita.
odas estas circumstancias revelam o alto valor do trabalho
de Barbosa Rodrigues, que não podendo publical-o comple-
tamente por lhe faltar o auxilio ofíicial, indispensável para as
obras que se tornam demasiadamente dispendiosas pela parte
iconographica sobre tudo, se resolveu a dar á luz as descri-
pções de algumas espécies e géneros novos, em dois vol. que
tem por titulo Genera et species orchidearum novarum, o 1.*
em 1877, contendo 23o espécies novas, e o segundo no anno
passado, com mais de 3 10 espécies novas.
Em 1871, sob a regência da Princeza imperial, foi encar-
regado pelo governo imperial de explorar o valle do Amazo-
nas, tendo entre outras obrigações a de completar, corrigir
e augmentar o «Genera Palmarum» do venerando Martius.
N 'estas regiões, já percorridas pelo desventurado naturalista
347
portuguez — Alexandre Rodrigues Ferreira, — se demorou três
annos e meio. Explorou os nos Capim, Tapajós, Trombetas,
Jamundá, Urubu e Jatapíi, sobre os quaes publicou em iSyS
cinco relatórios que em poucos mezes estavam esgotados. O
auctor tem em manuscripto as duas obras: La vallée des Ama-
:(ones, notes d'un natur aliste brésilien; e Récits de Pqyages
dans l'Ama:{one, onde §ão descriptas as peripécias d'esta ex-
ploração difficil em que a fome e as intempéries, a lucta com
os Índios e os animaes ferozes, a subida das cachoeiras n^uma
das quaes teve perdida a esposa, põem a vida em constante
risco. Foi n'esta viagem que recolheu os materiaes para a sua
obra sobre palmeiras, que publicou em iSyS sob os auspí-
cios do ministério de agricultura, com o titulo de Efiumera-
tio palmarum 7iovarum, na qual são contidas as diagnoses
de sessenta e duas espécies novas. Tendo voltado do Ama-
zonas, partiu em 1870 para Minas-Geraes e ahi recolheu no-
vos materiaes, com os quaes e os colhidos anteriormente orga-
nisou a sua obra Sertufii palmarum, acompanhada de estam-
pas coloridas, e que ainda não foi publicada.
Depois de uma exposição publica de seus trabalhos, que
se pôde realisar pela protecção da Princeza imperial e que foi
aberta pelo Conde d'Eu em 3o de julho de 1876, e tendo sido
suspenso da commissão que desempenhara, e emfim não achan-
do o sufficiente favor nos poderes públicos para fazer valer
os seus trabalhos, retirou-se um pouco desgostoso á vida par-
ticular; e hoje está dirigindo uma fabrica de sulfureto de car-
bone, pertencente a um particular, no Rodeio, que fica na es-
trada de ferro de D. Pedro 11, a 86 kilometros da corte.
Alem dos seus trabalhos botânicos devem notar-se os de
archeologia e ethnographia. N^esta especialidade mencionare-
mos as suas Antiguidades do Amazonas, publicadas em 1879,
o seu estudo sobre — o primeiro iaolo ama\onico; as lendas e
crenças indigends; o muirakitan, precioso coevo do homem an-
ti'Columbiano. O sábio italiano H. Giglioli, perante a socieda-
de anthropologica de Florença e na presença do Imperador
do Brazil, na occasião da ultima viagem doeste pela Europa,
fez sobre os trabalhos etnographicos de Barbosa Rodrigues
uma conferencia em que muito o apreciou, e que foi publicada
com o titulo Lo estúdio d'ell etnologia ai Bra:{ile.
Em 1878 occupou-se do Curare, fazendo sobre este ponto
conferencias e experiências publicas na Faculdade de Medicina
e na Academia de Medicina, tendentes a demonstrar a efifica-
cia do sal commum como antídoto d^aquelle enérgico veneno
34»
indígena, terminando por fazer em lo de outubro de 1880
uma conferencia sobre o assumpto, perante o Imperador. A
importância que assumiu esta matéria em consequência das
contestações a que deu lugar fez sentir a necessidade da crea-
ção de um laboratório de Physiologiã experimental, que foi
ânnexado ao Museu nacional do Rio de Janeiro, e onde tra-
balha, entre outros, o dr. J. B. de Lacerda que descobriu ser
o permanganato de potassa o antídoto do veneno das serpen-
tes. Hoje existe, além doesse, outro laboratório análogo na Fa-
culdade de Medicina.
Alem dos trabalhos referidos outros tem feito o autor,
que existem archivados em diversas revistas e jornaes do
Brazil. Tem-lhe sido também preciso revindicar a prioridade
na descoberta de espécies novas de palmeiras do Brazil, e so-
bre o assumpto escreveu: o Protesto appendice á Enumeraíio
pcdmarum novarum, 1879, em contestação ao professor de
Aberdeen, J. W. H. Trail, que com elle herborisou no Ama-
zonas em 1874; e Les palmiers, 1882, em que faz algumas
observações á monographia das palmeiras, devida ao prof.
Drude e que faz parte da Flora bra^iliensis.
Os merecimentos do auctor tem sido devidamente reco-
nhecidos na Europa. Elle entretém relações com diversos sá-
bios notáveis. É membro da real e imperial sociedade de Bo-
tânica de Vienna, por proposta do botânico Dr. H. Wawra
von Fernsee, que o visitou em Agosto de 1879; da Real so-
ciedade botânica de Edimburgo, por proposta do sábio Bal-
four; da dos naturalistas de Freiburg, proposto pelo Conse-
lheiro Fischer, director do Museu mineralógico de Baden; da
real sociedade anthropologica e ethnologica de Florença, por
proposta de Giglioli; da nossa Academia das Sciencias, pelo
conde de Ficalho; da sociedade de Horticultura de Marselha,
pelo conde des Voisins, etc.
É laureado com a medalha de ouro pela Academia Na-
cional de Paris. De seu paiz é membro, desde 1876, da socie-
dade mais importante que é o Instituto Histórico e Geogra-
phico do Brazil.
O governo do Brazil forneceu-lhe ensejo de estudar du-
rante algum tempo a flora d'aquelle paiz como já dissemos;
mas não lhe tem dado a protecção de que carecia, quer para
continuar os seus estudos, quer para a publicação acurada das
suas principaes obras, publicação excessivamente dispendiosa,
pela reproducção das estampas coloridas. Já a imprensa bra-
zileira promoveu em 1 879, uma subscripção nacional, para a
349
publicação do Sertum palmarwn; mas esta snbscripção ainda
náo attingiu a somma precisa. Assim, associando-nos ao «Jor-
nal do Commercio» do Rio de Janeiro, lamentamos deveras o
abandono em que tem sido deixado um sábio de uma vocação
especial, de talento tão altamente comprovado e que, inspi-
rado pelo bom nome do seu paiz, tem sacrificado á causa da
sciencia, a sua fortuna, a sua saúde, a sua intelligencia e até
arriscado a vida; e fazemos votos para que o Brazil repare
esta injustiça, de modo que trabalhos tão importantes sejam
devidamente aproveitados e apreciados, (i)
A. J. Ferreira da Silva.
PREPARAÇÕES ZOOLÓGICAS
(Continuação, v. pag. i83)
XI
montagem daves
Contar uma ave, é dar-lhe artificialmente o aspecto que
tinha erh vida. Requer esta operação muitos conhecimentos
da natureza, para se não cahir no grande erro de, por exem-
plo, empoleirar um pato, ou dar a qualquer das trepadoras a
posição vulgar dos pássaros.
Gomo o leitor bem comprehende, só depois da ave des-
carnada é que se pôde montar; para isso, estende-se n]uma
mesa, em posição idêntica á já aconselhada para principiar a
descarnação. Procura-se então arame da grossura capaz de
sustentar o specimen; yale mais que o arame perca por
grosso do que por fino, pois as aves preparadas com arames
muito finos, tornam-se quasi sempre incapazes de receber po-
sição, visto que o arame das pernas náo sendo sufficiente-
mente forte para sustentar o peso do corpo, verga-se dema-
(i) O original doeste artigo foi entregue em fins de Julho. (Nota da
Redacção,)
35o
siado, tornando-o defeituoso. Antes de nos servirmos do ara-
me, devemos expol-o por um momento ao fogo, até se tornar
rubro, operação que entre os preparadores é conhecida por
recoser o arame. Este trabalho tem em vista permittir o do-
brar-se o arame em todos os sentidos, sem quebrar, o que
facilmente acontece, quando está por recoser. A demora do
arame no fogo, deve ser convenientemente graduada, para
não se recoser demasiado, o que o tornaria muito brando e
incapaz de servir. Tirado do fogo, lança-se n^uma bacia de
agua, onde instantaneamente arrefece.
Assim preparado, corta-se um pedaço um pouco mais
longo que a distancia do bico á extremidade da cauda, e ou-
tros dous desde o principio da abertura do lado do pescoço
até um pouco mais além da pata da ave. Se esta tem de ser
montada de azas abertas, e também necessário um quarto
arame, desde uma á outra extremidade das azas.
É escusado advertir, que este arame, se torna desneces-
sário logo que as azas fiquem fechadas. Introduz-se uma das
extremidades do arame na pinça de prender, e com ajuda de
uma lima aguça-se o mais possivd, repetindo-se a operação
nos restantes, e duplicando-a no arame das azas que neces-
sita de ser aguçado nas duas extremidades. Terminadas estas
operações trata-se da formação do esqueleto artificial que
ha-de sustentar a ave e concorrer para ajuda da sua futura
boa posição. Tira-se, para isso o algodão que se lhe collocou
para substituir a falta de carne, e introduz-se-lhe o primeiro
arame, operando do seguinte modo. Faz-se no meio do arame
um annel maior ou menor segundo o tamanho da ave; este
annel tem por missão não deixar, depois da ave cheia, mo-
ver-se o arame em todos os-^sentidos. Introduz-se depois a ex-
tremidade aguçada atravez o pescoço até sahir pelo meio do
craneo, e faz-se passar a outra do lado inferior atravez o
cocyx; o annel deve ficar um pouco abaixo das azas no sitio
do esterno.
Em seguida agarra-se uma das patas da ave, e com o
furador d^aço abre-se caminho, atravez d'*ella, para o arame, ou
se a ave é pequena, póde-se empregar para esse fim o próprio
arame; introduz-se para isto, o furador ou o arame atravez o
iarso, e faz-se penetrar até á articulação do fémur com a tí-
bia. Chegado lá volta-se a pelle da perna sobre o tarso, e im-
pelle-se o arame até passar um pouco alem da tibia, exce-
dendo também a pata um comprimento suíficiénte para an^a-
vessar o tronco ou taboa onde tiver de ser montada. Ata-se
35 1
solidamente, com um fio o arame á tibia, dá-se uma camada
de preservativo no osso e na pellç, e faz-se entrar tudo no
seu lugar. Prompta uma perna, passa-se á outra, que se dis-
põe do mesmo modo. Alguns preparadores costumam pren-
dei os arames das pernas ao annel do arame central, mas
este processo é prejudicial, por isso que depois de cheia a ave,
não se lhe pôde facilmente dar a posição em virtude da resis-
tência dos arames, especialmente do das pernas, a volta-
rem-se para onde õ desejamos; deve-se antes, como ensina o
ex.™° snr. Augusto Luzo, cortar-lhe a extremidade aguda e
vergai -a em forma d^annel deixando-os, comtudo, soltos.
Se as azas não teem necessidade de arame, atam-se inte-
riormente com um barbante as duas extremidades do osso
humertis, deixando entre ellas o espaço que pouco mais ou
menos tinham em vida. Esta operação é uma das mais valio-
sas, por isso que impede a demasiada distencção da pelle ao
encher, o que, depois, causaria defeitos, quasi que irremediá-
veis. Feito isto, dá-se-Ihe por todo o lado interno da pelle,
especialmente na cabeça, anus, azas e pernas, uma boa ca-
mada de sabão Becoeur, para a preservar da corrupção e de-
vastação dos insectos, e tracta-se, em seguida, de encher o
specimen, principiando pelo pescoço. Esta operação póde-se fa-
zer de dous modos: se a ave tem o pescoço curto, depois de
introduzido o arame central, enche-se pela abertura do peito e
pelo bico; mas se apresenta como por exemplo a cegonha, a
garça, o grou, o cysne, etc, um pescoço d^um comprimento
fora do commum, difficilmente se chegaria a bom resultado
por meio doeste processo, sendo necessário em tal caso, antes
de introduzirmos ò arame central, envolvel-o em algodão ou
estopa até formar um pescoço artificial da espessura e com-
primento necessário, introduzindo-o depois no vasio deixado
pelo natural. O algodão ou estopa que se eftrola no arame do
centro para formar este pescoço, deve ser excessivamente
comprido, não só para facilidade da sua introducção atravez
a pelle, mas também para que não se disforme seccando.
Enchem- se em seguida as pernas, fazendo sempre o mais
possivel a fim de que o arame e a tibia fiquem no centro, para
o que se introduz sempre a substancia que as deve encher,
entre elle e a pelle. Cheias as pernas, vae-se dispondo a es-
topa desde o cocyx até á base do pescoço, sempre sob os
arames, isto é, entre elles e a pelle das costas, recalcando-a
methodicamente para que fique um pouco dura. Dá-se ao ven-
tre e peito a forma oval que elles tem em vida, o que permit-
332
lirá poJer-se collocar bem as azas e a cauda. Assim que se vê
que o arame está ao centro, pouco mais ou menos e que
p;;!a parte inferior estio todos os vazios perfeitamente cheios,
cont.r/^a se a introduzir estopa para os dous lados do peito e
cauda ati o corpo apresentar o volume que tinha em vida do
animal, e cose se, tinaimente, a abertura, principiando pelo lado
do pescoço a introduzir uma agulha enfiada n^uma forte li-
nha, que se faz passar atravez a pelle sempre debaixo para
cima. Lnidas assim as duas extremidades da pelle, retira-se
alguma penna que por acaso fique presa na costura, que se
termina, cortando o fio junto ao ventre.
Com o auxilio de uma agulha comprida, comp5em-se as
pennas, o que facilmente se obtém levantando-as e dispon-
do-as de modo a encobrir completamente a abertura. Se as
pernas estão demasiado compridas impellem-se para dentro
do corpo até tomarem a posição natural, e no caso contrario
Çuxam-se e curvam-se na juncção da tibia com o peroneu.
em-se prompto o pedestal em que a ave deve ser montada,
isto é um tronco, se ella se empoleira, e no caso contrario
uma taboa mais ou menos torneada.
Só o desenvolvido estudo da historia natural é que per-
mittirá ao amador uma boa e natural collocaçáo, limitando-
nos somente a dar umas pequenas noções para evitar ao
principiante certos erros de péssimo effeito.
Com uma verruma, fazem-se dous orifícios no logar por
onde devem penetrar os arames que atravessam as pernas da
ave, e introduz-se em cada um d''elles o arame dos pés que
se puxam do outro lado para que fiquem bem unidos ao
sócco, vergando-os e prendendo-os á madeira.
Levanta-se a ave, dispondo o corpo, se a queremos col-
locar em attitude de repouso, de modo que uma imaginaria
linha vertical, cahindo da cabeça, passe atravez o pescoço,
meio do peito e termine exactamente entre as cluas patas e a
egual distancia d'*ellas. Dá-se posição á cabeça, que se volta ,
no sentido desejado, ergue-se ou abaixa-se o bico até tomar a
posição horisontal que se vê em quasi todas as aves, e com o
alicate próprio corta-se a parte excedente do arame central
que passa do lado externo da cabeça.
Collocam-se as azas na posição usual, segurando-as còm
alfinetes, se o exemplar é pequeno, ou se é maior com papeis
que se lhe enrolam á volta do corpo, e que costumam ser em
numero de três. O primeiro vae unir as pennas dianteiras do
pescoço, e segura-se do lado superior, com alfinetes; o se-
353
gundo envolve o corpo e serve para sustentar e fazer com
que as azas sequem, tomando a forma natural, e o terceiro
passa sob o abdómen e vem-se fixar nas costas, por cima das
azas.
É necessário, comtudo, tirar estes papeis ao menos uma
vez por dia e anedeiar as pennas, tornando-os em seguida a
collocar de modo que comprimam bem o corpo. Esta opera-
ção repete-se, até que a ave esteja completamente secca, o
que tem lugar pouco mais ou menos em oito dias no verão e
vinte no inverno.
Para sustentar a cauda aberta, fazem-se passar as pen-
nas atravez um fragmento- de canna seníi-fendida, que se apoia
na parte descendente do arame central. Passa-se, por ultimo,
pelo bico e patas, um pincel embebido em verniz ou tereben-
tina, para lhe conservar o colorido natural e preservar mais
eficazmente dos insectos. Se a ave que montarmos pertencer
á divisão pcdmipedes é bom, antes de a collocar no pedestal,
dar-lhe uma boa camada de sabão arsenical na extremidade
inferior da pata.
XII
^ CASOS PARTICULARES
N'uma collecção ornithologica é não só curioso, mas tam-
bém útil, ter alguns ninhos com avesinhas ainda implumes,
para podermos analisar as espécies menos vulgares, n^uma
phase da vida em que o corpo apresenta formas totalmente
differentes das do individuo adulto. Deve-se collocar o pae e a
mãe ao lado do ninho, o que torna mais rápida e sensivel a
comparação.
O processo seguido para a descarnação d''estas pequenas
aves, é o mesmo que para as grandes; somente é necessário
muito mais cautella, por isso que a pelle é tão fina, que até
se despedaça com uma mais forte compressão dos dedos, e o
craneo se disforma com a extracção da massa cerebral.
Enchem-se substituindo o algodão branco por algodão côr
de rosa, para imitar a carne, visto a excessiva transparência
da pelle n^esta phasé da vida das aves. O sabão arsenical dis-
solve-sé em álcool juntamente com uns poucos de pós verme-
lhos, e dá-se com elle uma pequena camada na pelle, por isso
que ella, fina como é, de pouco necessita. Estas aves devem
montar-se aninhadas, não só porque é quasi impossível dis-
REVISTA DA SOCIEDADE DE INSTRUCÇÃO DO PORTO. 24
354
farçar a costura, mas também porque nas primeiras epochas
ellas raras vezes se levantam do ninho.
Se a avesinha está completamente nua, isto é, se não tem
ainda pennugem, é bom, logo que seccar, com um pincel em-
bebebido em tintas de cores apropriadas, pintar-lhe o bico e
as veias mais salientes que antes atravessam o corpo. E con-
veniente possuir na collecção algumas aves com as azas aber-
tas; as andorinhas, pedreiros, etc, são muito mais elegantes
assim. Para isto, depois de se ter mettido o arame central e
os das pernas, introduz-se um outro que vá desde uma á outra
extremidade da aza.
O processo para fazer passar o arame atravez as azas é
o mesmo que o seguido para com o das pernas, formando
apenas, para lhe dar mais tixidez, um annel no meio do arame
que atravessa as azas. Acontece muitas vezes ter de se prepa-
rar uma ave morta na epocha da muda. N^essa Qccasiáo, as
pennas por fcilta de solidez cahem facilfnente; devem-se guar-
dar as que se desprenderem durante a descarnação, e logo que
a ave estiver secca, levantar-lhe as pennas próximas do logar
da falha e introduzir-lhe por baixo as cabidas, havendo antes
a cautella de lhe embeber o tubo em gomma arábica. Em se-
guida rebatem-se e disp5em-se o melhor possivel. Se receber-
mos a ave já com falha, arrancam-se, depois de montada,
aqui e alli algumas pennas, que se collocam onde forem mais
necessárias.
As aves que teem os dedos unidos por membranas, con-
servam-se estas distendidas por meio de alfinetes que lhe
passam atravez a pelle e vão prender na madeira. Acontece
muitas vezes ser a cabeça das aves ornada de carunculas
que a impossibilitam de passar pelo pescoço, durante a des-
carnação ; faz-se n^este caso uma abertura no sitio da cabeça
onde houver mais penas, e procede-se por ella á limpesa do
craneo, cosendo-se á sutura logo que terminar a operação
para que foi necessária.
" Esta abertura deve ser feita desde o meio do craneo até
á segunda ou terceira vértebra do pescoço. A crista da ave,
se é carnuda, mantem-se na posição querida por meio de alfi-
netes que passam atravez ella e vão segurar no craneo; logo
que está secca pinta-se segundo o processo indicado no capi-
tulo especial. O methodo de substituir as cristas naturaes por
outras de cera ou eesso, é não só sem valor, mas até prejudi-
cial, por isso que laz perder ao specimen o seu valor scienti-
fico.
355
As aves em pelle também se podem dispor em álbum,
formando collecções para estudo, não tão bellas como as
montadas, mas muito mais económicas e portáteis. D'este gé-
nero, vi ha tempos um curioso álbum de aves colhidas em
Inglaterra. Esta collecção era agradável á vista, e tinha a
grande vantagem de n^um volume portátil abranger cento e
tantas aves. O processo para uma collecção doeste género
consiste em empregar uma pelle a que somente se deixou o
bico, azas, peito, patas e cauda. Devemos dispol-as dos dous
seguintes modos alternados, que tornam mais bella e valiosa
a colíecção. O primeiro consiste em abrir a a^e pelo ventre e
costas, separando o corpo e cabeça em duas partes e ficando
n^este caso a ver-se parte do peito, costas e uma aza; o se-
gundo em fendel-as pelas costas ficando salientes o peito e as
azas que se abrem, e as pernas que se desviam para os dous
lados. Preparada doeste modo, e depois de alizadas as pen-
nas, colloca-se a pelle entre ^ duas folhas de papel botânico e
introduz-se n^uma prensa. É necessário mudar o papel ao
menos duas vezes por dia, para que possa ser absorvida toda
a humidade, e findo esse praso, dá-se-lhe uma boa camada
de sabão arsenical, deixa-se estar fora da prensa umas doze
horas, findas as quaes se coUoca outra vez entre o papel bo-
tânico e se mette na prensa, até á completa dissecação.
Logo que a pelle está completamente secca, dá-se-lhe uma
boa camada de gomma arábica e fixa-se ou n^um cartão ou
na folha d\im álbum. Antes de terminar este capitulo não po-
demos deixar de dizer duas palavras relativas ás differentes
posições das aves.
As de. presa devem-se montar empoleiradas, por isso
que, geralmente, todas tomam essa posição; algumas varieda-
des que tem os tarsos muito carnudos é necessário fendel-os,
extrahir os músculos, dar preservativo, e depois de collocar
algodão, colar a fenda com gomma arábica. A posição das
corujas e mochos, é, corpo quasi vertical, pescoço direito e
muito curto, bico tocando no pescoço e pernas estendidas.
Os pássaros, em grande parte empoleiram-se e a sua po-
sição é pouco mais ou menos epual á do pardal, pintasilgo,
canário e coxixo, muito conhecidos nas nossas cidades. Os
trepadores collocam-se com os pés e a cauda fixos em um
supporte vertical pelo qual vão subindo.
Para a posição dos gallinaceos servem de typo o gallo e
o peru que todos diariamente vêem. Os pernaltas teem o pes-
coço direito, o bico horisontal, corpo um pouco inclinado e
356
pernas curvas. Os patos e quasi todos os palmípedes teem o
corpo e bico horisontal, e o pescoço duas vezes curvo em for-
ma de S.
fContinúaJ.
' ^ Eduardo Sequeira.
CITANIA NO SÉCULO XVII
O autor do opúsculo que em seguida publicamos é quasi
desconhecido. O seu Discurso é muito raro, e talvez esta cir-
cumstancia explique o geral esquecimento. Até hoje ninguém
deu noticia circumstanciada d^elle, quando sempre merecia
ser citado, pelo menos sob o ponto de vista histórico, como
representando uma phase, embora vencida em grande parte,
da questão archeologica, que se debate entre nós ha annos.
Parece-nos, porém, que algum grão aproveitável ha no meio
do joio.
Pedro Henriques de Abreu foi natural de Évora ^erto
de Alcobaça, prov. da Extremadura), Licenciado em Câno-
nes, Reitor da Igreja parochial de S. Pedro de Farinha Po-
dre po bispado de Coimbra. Os biographos gabam muito a
sua erudição de antiquário em assumptos não só nacionaes,
mas estrangeiros.
A sua única obra impressa é a seguinte, a que anda an-
nexo o Discurso citado:
Vida, e martj^rio \ da gloriosa \ Santa Qpiteria, | e de
svas oyto irmãas \ todas nacidas, de hvm parto, \ Vortugue\c&
€ Proto martyres de Hespanha. \
Segue uma gravura (vinheta) de Santa Quitéria com a
inscripção: Veni sponsa christi accipe coronam,
(Jontinúa o titulo depois:
Com hum discurso | sobre a antiga cidade Cinania J Por
Pedro Henriquez d^Abrev | Reytor da Parochial, & Matriz
Igreja de São Pedro de | Farinha Podre, Bispado de Coim-
bra. I Em Coimbra. | Na officina de Manvel de Carualho Im-
pressor da Vnivers. An. i653. 4.** de xx (inn.) — 824 pag.
Innocencio da Silva (vol. v, p. 411) indica xxiv pag. inn.;
não sabemos como, porque o nosso exemplar está completo:
1. Titulo; verso, branca; 3-6 Licenças; Prologo ao ley-
tor 7-9; poesias laudatorias 10-16; Index 17-19; e o verso
branco.
357
O Discurso começa a pag. 289 e acaba a pag^ 323 ; na
ultima pagina 324 um Soneto.
Joaquim de Vasconcellos.
CAPITVLO PRIMEYRO
Discurso sobre a Cidade Cinania, ou Cininia
de Valério Máximo
He chegado o tempo de dar cõprimento á promessa, que
no cap. i3 fiz aos conosos desta hçáo, de lhe dar noticia do
que smto acerca da antiga Cinania (á qual em outra parte
chamey incógnita por me parecer que o sitio, que ategora Jhe
dão nossos escritores se lhe não pode attribuir) dando satis-
fação ao prometido, tanto polo ter feyto, quanto pola dar
também, a outro paragrapho da carta do amigo, que atraz
referi, quãdo tratei de è. Marinha, que diz o seguinte.
Lembrame que fallando comigo alguma vez sobre este
nosso cuidado de papel, & tinta me disse, que não aueria'
alguém que lhe disesse onde fora Cinania: & não deyxou de
me dar cuidado este de v. m. elle me obrigou a trasladar
esse discurso, que inuio, que inda que tem pouco »meu, não
tem tão pouco que não tenha a lembrança. Bem pode v. m.
passar os olhos por elle, comi esta cautela, que não sou tão
néscio, que não entenda que diz Aristóteles, que ao sábio
nada he nouo. Atequi a carta.
De grande vtilidade forão em todo o tempo as aduerten-
cias a quem escreue: porque de ordinário trazem cõsigo duas
vtilidades grandes, fogir de cair em erros, & estimular a con-
tinuar na exnpreza, quando he Justa, & louuauel. Desta vitima
me aprouéitarei, ao ■ menos, quando não possa conseguir a
primeyra, em que, polas difficuldades, que pode auer em cou-
sas tão antigas, como pouco auerigoadas, & menos examina-
das de nossos antepassados, não poderey proceder com a se-
gurança de não errar, posto que com mayor desejo de o não
lazçr. Com tudo seruirá este meu trabalho de apurar os en-
genhos, & aparar as penas, a quem com mais vêtagens se-
guir este exercicio-
A três pontos principais reduzo todo este discurso, sendo
o primeyro, que ouue a Cidade Cinania: & o segundo, que
358
não podia estar onde querem que estiuesse os que ategora
dclla tratão, & o terceyio (conforme ás razões, que para isso
mostrarei; onde alcanço que fosse a tal Cidade.
Que ouuesse Cinania, poucos, ou para milhor dizer, ne-
nhum dos que escreuerão das cousas de Portugal o negâo:
que fica sendo ponto quasi infalliuel, porque desses poucos,
que tenho visto fazem menção delia, Garibay (i),'o Mestre
André de Resende (2). O Doutor Frey Bernardo de Britto (3),
na primeyra parte da Monarchia no lib. terceyro capit. i3.
& no 23. do 4. liuro, & em outros lugares, Manoel de Faria (4)
no seu Epytome. O Cónego Gaspar Staço (5) nas suas antigui-
dades, Ambrósio de Moraies {(]) no lib. 8. cap. 5.
Isto quanto a nossc^s escriptores, que dos estranhos só
Valério Máximo nos dá a c<^nhecer Cinania; noticia de que
todos os que desta Cidade fazem menção se aproueytaráo
para no Ja darem referindo todos, seus ditos ao do mesmo
Salerio Máximo que com a breuidade custumada, em seus
exemplos diz o seguinte.
Cuius mentio mihi subjicit quod advcrsus D. ^rutum in
Hispânia grauiter dictitm est rcfen^e. Nam cum se ei tol^
pjHc iMsitj.nia dedissd, ac sola pcntis cius vrbs Cininia peiii-
nacitcr arma retineret, tcntata redemptioiíc, propemodwn vno
ore legatis Bruti respondit: Ferrum sibi à maior ibus quo vrbem
iuerentur, non aurum quo libertatcm ab Imperatore auaro em-
rent relictnm, Meliiis sine dúbio istud nosiri sanguinis homines
dixissent, quam audissent.
Vem a dizer \'alerio Maxirno, que auendose Decio Bruto
apoderado de quasi toda a Lusitânia, só huma Cidade dos
Lusitanos trataua ousadamente de defender sua liberdade pelo
rigor das armas; & que vendoos Decio Bruto resolutos em
sua defensão, tratou de ver se podia acabar c5 elles, que ao
menos, remissem sua vexação a troco de ouro, que como tim
principal os fazia vir de Roma a conquistar Hespanha: mas
foylhe rechaçada a proposta com a resoluta reposta, que de
seus antepassados não auião erdado ouro com que comprassem
sua liberdade de hum Capitão tão auaro, mas que somente
lhe tinhão deyxado ferro có que a defendessem. Reposta, que
(i) Garib. l. 6 cap. 12 pa^. i83.
(2) Resende, de antiqiiit. lib. 1 foi. 3i 1. 3 f. 117.
(3) Monarch. p. i 1. 3 c. i3.
Í4) Epit. pag. no.
(5) Staç. cap. 20.
(C) Mor. 1. 8 c. 5.
35(3
em tudo se quer parecer á que em outro tempo derão ao pri-
meyro dos Emperadores Romanos, os indómitos Herminios,
& rnuy conformes ambas com o primeyro lance de arrogância
Lusitana, se com a firmeza, & constância, acompanhadas da
prudência, se souberão aproueytar do valor de seus ânimos.
Cala o successo, & effeyto destas embaixadas Valério;
& pelo cõseguinte nenhum outro autor nos sabe dar mais
cota delles, que somente crerem todos, que ouue Cinania,
como eu lambem cõfesso, seguindoos a elles, mas na resolu-
ção de ser onde a apõtão reparo, & duuido, polas seguintes
razões, nas quais fundo o segundo ponto.
Dos autores atraz referidos, Garibay diz (i).
Desta manera conquisto quasi toda Lusitânia donde vno
de los pueblos, que mas resistência hi:{0 fue Cinania, Ergo Ci-
nania era de Lusitânia, & não de Galliza.
O Mestre Resende tratando em especial do valor, & es-
forço dos Lusitanos diz.
Cceterum ad fortitudinem pertinet, quod Strabo ait Lusi-
taniam annis plurimis, Romanorum armis oppugfiatam, For-
titudifiem (juoqiie arguit constaits ac grauissimum Decio Bruto
Cinanienstum responsum, quod affert libro sexto Valerius.
Que (diz elle) deyxadas as de mais cousas, á fortaleza dos
Lusitanos pertence o que escreue Strabão, quando diz, que a
Lusitânia foy conquistada em muytos annos com as armas
dos Romanos, cuja fortaleza também se infere da constante,
& grauissima reposta, que a Decio Bruto derão os moradores
de Cinania conforme a escreue Valério Máximo no liuro sexto.
Resende quando isto escreue, trata de prouar, & mos-
trar o valor, & fortaleza dos Lusitanos, & para exemplo delia
traz a reposta dos Cinanienses. Ergo, Lusitanos erão, & não
de outra Prouincia.
O mesmo Mestre no terceyro liuro diz o que se segue.
Brutus igitur hic Lusitaniam vsque ad Oceanum perdo-
muit. Qiiamquain vt Valerius Maximus lib. 6. cap, 4. ait.
Pene tota se ei sponte dediderat, prceter Cinaniam vrbem, &c.
Que o Deciò Bruto, de que vay tratando, sogeitou a Lu-
sitânia até o mar Oceano, supposto que como diz Valério
Máximo no sexto liuro, quasi toda se lhe auia dado volunta-
riamente, tirada a Cidade Cinania.
Resende falia da Lusitânia que se auia entregue quasi
toda a Bruto tirando Cinania, ergo Cinania da Lusitânia era.
(i) Vbi supra.
36o
Dos três Autores, que ficão, o Doutor Frey Bernardo de
Britto he mantenedor nesta estacada contra minha opinião: &
Manoel de Faria como seu abreuiador de força se ha de con-
formar com elle, polo que deyxando as prouas das cõsequen-
cias venhamos a apertar por outra via,, pois nesta occasiáo
me fauorece tanto (aliem de outras razões) a opinião do Có-
nego Gaspar Staço que em abono da que sigo diz o seguinte,
no capitulo 19. que referirei por extenso, por escusar mais tra-
balho, & pola certeza, que tenho de seu dito como testemu-
nha de vista.
«Legoa, & meya de Guimarães contra o Norte em hum
monte alto diz o vulgo, que foy huma Cidade chamada Citania.
Naõ sei o que delia sintio Frey Bernardo de Braga, mas Fr.
Bernardo de Britto na sua Monarchia diz, que desejando
muyto saber onde foy a antiga Cidade Cinania, depois de
muitas diligencias feytas veyo a dar em suas ruynas, que diz
serem estas, com sinais de muros, & torres, & que com
pouca corrupção os naturaes da terra lhe conseruauaõ o nome
antigo, chamando-lhe Citania. Entendo que a semelhança dos
nomes Citania, & Cinania sem consideração do sitio, deu mo-
tiuo a esta opinião, mas a meu parecer, não pode esta Citania
ser a Cinania de Valério Máximo, da qual entre todos os es-
critores só elle faz menção, & diz ser Cidade de Lusitânia. E
como elle fosse Cidadão Romano auia de entender Lusitânia
demarcada poios limites dados, & sabidos pelos Romanos,
que são os que traz Florião de Ocampo com mu3''ta particu-
laridade, & certeza, como diz Ambrósio de Morales. Estes li-
mites da parte do meyo dia, & Ovcidente érão toda a costa
do mar Oceano, que vay da boca do rio Guadiana á boca do
rio Douro agoa arriba ú quasi vinte & cinco, legoas, & dalli
huma linha estendida pelo certão, que hia parar no rio Gua-
diana. E segundo esta demarcação Romana Lusitânia da parte
do Norte começaua do rio Douro contra o meyo dia, o que
claramente diz Plinio nestas palauras. A Durio iMsitania in-
cipity Turdiili veteres^ &c.
Hora supposto isto (continua o Cónego) dentro na Pro-
uincia cõprehendida nestes limites estaua Cinania, pois Valé-
rio diz ser Cidade de Lusitânia, & assim como os Romanos
chamauão a esta terra Lusitânia, assim elles mesmos chama-
uão Galliza á terra dentre Douro, & Minho, que começa do
rio Douro cõtra o Norte, o que também disse Plinio no liuro
quarto onde aflfirma, que o Douro diuide os Lusitanos dos
Gallegos. Estes mesmos limites põe os escriptores modernos
36 1
seguindo os antigos, chamando á terra do Douro cõtra o Sul
Lusitânia, & do mesmo Douro contra o Norte, Galliza. E
Florião accrescenta, que esta Comarca d''Entre Douro, & Mi-
nho, nunca foy de Lusitânia. Donde se collige, que a Cidade
Cínania não estaua nella.
Ha outra razão para esta terra ser chamada Galliza em
tempo de Bruto, a quem a Cidade Cinania respondeo o que
conta Valério Máximo, o qual he que Liuio no liuro sincoenta
& sinco, diz que este Capitão conquistou Lusitânia, & no li-
uro sincoenta & seis diz, que venceo aos Gallegos. E das ta-
boas Capitolinas, que traz Onuphrio consta, que triumphou
dos Lusitanos, & Gallegos. E por Strabo, quando falia do
Minho, sabemos que esta jornada, & cõquista de Bruto não
f assou do dito rio Minho, & assim diz elle segundo a versão
taliana de Buonaccioli ; questo termine non passo Bruto col
essercito.
Hora se Bruto neste espaço de terras, que he a Lusitâ-
nia, & delia té o Minho, venceo estas duas nações Lusitanos,
& Gallegos, necessariamente auemos de dar no mesmo es-
paço as duas Proiíincias Lusitânia, & Galliza: & isto não
pode ser se não fazendo Lusitânia té o rio Douro, & Galliza
delle mesmo para diante contra o Norte conforme a demarca-
ção Romana. Logo a Cidade Cinania, que Valério põem na
Lusitânia não estaua nesta comarca d''Entre Douro, & Minho,
pois era Galliza.
Por aqui dá o Cónego fim ao capítulo dezanoue, & ao
vigessimo dá principio na maneyra seguinte.
Continuando a mesma matéria lembrame que Ambrósio
de Morales também entende a demarcação antiga destas Pro-
uincias, como fica referida, chamando a esta terra d'Entre
Douro, & Minho, Galliza: mas enganouse em dizer, que nes-
tas guerras de Galliza cercou Bruto huma Cidade chamada
Cinania que lhe resistio perseuerada mente, cotando o mais
que diz Valério Máximo, não aduirtindo que este autor faz
aquella Cidade de Lusitânia, & não de Galliza, &c. E mais
abayxo.
O Mestre Resende notou melhor o texto de Valério, por-
que diz nas suas antiguidades de Lusitânia, que esta Prouin-
cia Lusitânia quasi toda se deu a Bruto, tirando a Cidade (Ci-
nania. E logo immediatamente diz, que Biuto também cõnie-
teo aos Bracharos gente de Galliza, & ci^ue dclles huma gíã-
de vitoria, nas quais palauras he claro chamar Gal!i/a a esla
terra d^Entre Douro, & Minho. E como Cinania fos.^e Cid^idc
REVISTA DA SOCIEDADL DE INSTKH .^MJ DO KfHfO. 2^
'
362
de Lusitânia, & o outeyro Citania esteja em Galliza^ em ne-
nhuma maneyra pode elle ser a Cinania de Valério Máximo.
Vay continuando o Cónego com a autoridade de Plutarco,
& outras cousas dirigidas ao fim de seu, & meu intento, com
o que vou abreuiando por me parecer já a proua demasiada,
& causar mais fastio, que sabor, a este discurso: como tam-
bém pola mesma causa não infiro por menor a noticia, que o
mesmo autor nos dá da vista que fez no mesmo outeyro de
Citania, porque he cousa sabida, o qual achou quasi em tudo
difFerenie do que nolo pinta o Doutor Frey. Bernardo de
Britto: com tudo, poderia muy bem ser, que com os desejos,
que este tinha de achar o sitio a Cinania lhe parecião bastan-
tes indicios de auer sido alli: & as impossibilidades, que ao
Cónego lhe parecia auer em estar esta Cidade no centro, &
coração d'*Entre Douro, & Minho, o ajudarião a desenganar
mais facilmente com a pouca memoria, que no tal lugar acha-
ria desta encantada Cidade, que tanto dá em que meditai
aos estudiosos destas golosisses de antiguidades, não auendc
mais texto sobre que o fazer que as breues palauras de Va
lerio Máximo, que parece, que com ellas nos quis deyxar hum
enredado enigma em que se exercitassem os entendimentos
Portuguezes no adeuinhar o sitio desta Cidade. E porque eu
(inda que o mais limitado de todos clles) também me acco-
modo nisto, com o parecer do Cónego (a <juem deuo agrade-
cer o trabalho de que em approuar esta mmha opinião me li-
urou) & com elle nego ser Cinania onde aponta o Doutor Fr.
Bernardo de Britto, & despos elle todos os que^ o seguirão,
acho que tenho obrigação restituir aos coriosos" desta lição
a celebrada Cinania, ou Cininia, porque não percão de vista
esta tão grade relíquia de antiguidade, pois o não he menor
do valor, & esforço dos antigos Lusitanos, o que farey com a
liberdade, & licença de que ategora vsarão os que delia tra-
tarão, que he (como tenho dito) a modo de adeuinhar, pois
Valério Máximo nos não deyxou em memoria mais que auer
huma Cidade dos Lusitanos, que teue brios para responder a
Bruto o que fica referido, sem declarar se a combateo, ou se
passou de largo, nem outro algum effeyto, que causassem
nem a proposta do Capitão Romano, nem a reposta do presi-
dio Lusitano.
363
CAPITVLO II.
Em que se mostra onde foy a antiga Cinanta
He muy ordinário", & custumado, entre os discordes,
auer quem interuenha c5 tratos de concertos, & pazes, com
que não perdendo nenhuma das partes no particular de seus
interesses, se fiquem todos conformando em paz, e quietação,
o que pola mayor parte se costuma fazer partindo (como di-
zem) a contenda pelo meyo.
As que nesta occasião se ofFerecem entre as desconfor-
midades de opiniões, he huma, que o primeyro que com tanto
affecto de acertar, como o fez o Doutor Frey Bernardo de
Britto, nos deu o sitio de Cinania, a põem no Centro da Gal-
liza interamnense, & depôs elle os que o imitarão neste género
de lição; a outra, que o Cónego Gaspar Staço (a quem neste
particular me inclino) não conuem em que a tal Cidade fosse
onde o Doutor lhe assina o sitio; & assim para virmos á
concórdia, digo, que a tal Cidade não esteue dentro dos ter-
mos da Lusitânia, mas que era dos moradores da mesma Lu-
sitânia, posto que estiuesse fora de seus limites. O primeyro
ponto em que me fundo he nas palauras do mesmo Valério,
quando diz, que depois de Bruto se auer senhoreado de quasi
toda a Lusitânia, só lhe ficaua por sogeytar a seu senhorio,
& poder huma Cidade daquella gente (Ac sola gentis eius
vrbs Cinninia, &c,) que he o mesmo que dizer, que só lhe fi-
caua para ter sogeytos os Lusitanos numa Cidade dos mes-
mos Lusitanos, posto que da mesma Prouincia não fosse, mas
que estaua por elles presidiada; assim como vemos que Ceyta,
Tanger, & Mazagão, não estão na Lusitânia, antes fora da
mesma Europa, & mais c5 propriedade lhe podemos chamar
Cidades da coroa de Portugal, & pelo conseguinte, lugares
dos Portuguezes, mas não podemos dizer, que o são da Lu-
sitânia, como também hoje vemos (causandoo o valor Portu-
guez) a Villa de Saluaterra que está em Galliza, & he dos
Portuguezes, como também o são as que ficão do Guadiana
aliem, ficando todas ellas fora dos limites da Prouincia da
Lusitânia.
Assim desta maneyra bem podia Bruto deyxar domada
a Lusitânia, & querendo passar a fazer o mesmo á Galliza
Bracharense achar nos limites de huma, & outra Prouincia a
Cidade Cinania, como presidio que os Lusitanos tiuessem do
364
Douro aliem, ou para reprimir os incursos dos Bárbaros mo-
radores das ásperas serras, que ha entre a Lusitânia, & a
Galliza interamnense, ou por lhe ficar mais franca a passa-
gem do caudaloso Douro para seus commodos, para os quais
em todos os tempos ouue stadistas, & defensores das razões
doestado, inda entre as mais barbaras nações.
Bem está: me dirão alguns (porque não sei se serão to-
dos) mas vejamos onde nos dai^ a vossa Cinania, pois nos
vemos alheos da que ategora possuiamos? He bem dar satis-
fação a requerimentos tão ajustados: & assim lhe darei a que
pode justihcar minha opinião, quando, ao menos não possa
refutar as contrarias.
He a serra do Marão hum dos mais celebres motes
deste Reyno de Portugal, que hoje diuide a Prouincia d'*Entre
Douro, & Minho da de Trás os motes : serra, ou monte, que
pode competir com os mais celebrados de Hespanha, , porque
o nacimento (como os de mais delia) o tem dos tão nomeados,
& conhecidos Pirineos, de quem, como legitimo descendente,
parece, que erdou, as áreas do fino ouro que se acháo em
suas fontes, & ribeyros, a abundância do finissimo estanho,
que dos mesmos se colhe, como o testemunharão os rios de
Ansiães, & Ouelha, & o precipitado Ollo, com seus regatos,
& todo o Conselho de Hermello. E assim como nestas rique-
zas imita as rayzes, & troncos donde procede, assim o faz a
os de mais montes de Hespanha, recebendo em si a abundân-
cia da neue de Siabra. Criando a variedade de feras, & ani-
mais das ásperas montanhas do Gerez. Competindo c5 o
nosso tão afamado Herminio, na altura, & eminência, nos
Castos, & abundância de trutas, & outras caças, como ^am-
em o faz na copia de claras, & abondosas fontes, & rios,
que de si lança. Com a fresquissima, & amena serra de Ossa
na frescura, & variedade de frutas. No nome bosques, & vi-
nhas com a fértil serra Morena. E emfim o que mais o real-
ça, a nobreza das montanhas Leonesas pois por todas as
partes donde he habitado, em suas faldras, & derredores he
pouoado de muy nobres famílias, & casas, tão conhecidas nas
mesmas partes pola comunicação, & trato, como nas Cidades
& cortes destes Reynos, por suas eminentes virtudes, assim
em letras, como em armas, podendo ainda neste credito tes-
temunhar as mais remotas partes do Oriente.
São quasi todas as terras ao derredor desta tão dilatada
serra, assim de huma como de outra parte das mais illustres
famílias deste Reyno: qual foy da casa de Villa Real o Mar-
365
quezado, dos Condes de Penaguião o mesmo Conselho, da de
Cantanhede, os de Hermello, Ceruas, & Athei. Do de Basto
o mesmo Condado. Do Cõselho de Bayão, o senhor delle,
dos de Gouuea, & Gestaço os mesmos senhores delle; entre
os quais vemos as nobilissimas familias de Noronhas, Mene-
zes, Castros, Cunhas, Sousas, & Sás.
Alem das sobreditas, que supposto que sejão dos senho-
res das mesmas terras, as não podemos dar por naturaes
delias, ficão familias muy nobres neste Reyno como são Pin-
tos, Rebellos, Pereyras, Guedes Cardozos, Azeuedos, Lemes,
Prados, Borges, Mesquitas, Queyroz, Cerqueyras, Barbosas,
Aluarengas, & outras muytas, a estas nada inferiores, que
abayxo de casas titulares poucas das mais nobres deste Reyno
lhe leuão ventagem. Podendo, pois esta serra, & monte ser
comparado com todos os mais de Hespanha, nas excellencias
referidas, me parece, que só na aspereza, & medonhos roche-
dos o não pode ser senão com ella mesma: & muyto mais na
parte onde precipitandose de excessiua altura com que vem
continuando* desde seu principio, se parece humilhar, & reco-
nhecer vassalagem ao auarento Douro, ou com cortesia offe-
recerlhe passagem por seus limites: porque nesta paragem, os
preruptos rochedos, as cortadas, & rasgadas penhas, os su-
bidos, & leuantados pináculos, os profundos, & medonhos
valles, mais parecem em tudo, milagres, & portentos da natu-
reza, que lugar, que possa penetrar criatura humana. Com*^
tudo sendo tal qual aqui o tenho mostrado, não escapou, nem
á mesma natureza de prouer de subida ao mais alto, nem aos
homens de acharem caminho para sobir ao mais leuantado do
mesmo monte, nenti a deuacão dos comarcãos desta serra si-
no para aperfeyçoarem, & rematarem este tão alto, & ás-
pero monte com huma casa, & imagem da Virgem Senhora
nossa, cuja deuacão nestas terras a esta Senhora he tão an-
riga, que não se pode alcançar, nem ainda c5 a tradição, seu
principio. Suspensa fica neste passo esta débil pena com a
lembrança desta Santa casa, & Senhora, mas por \he não ser
possiuel ser de pomba, irey continuando com minha derrota.
He pois este sitio tão áspero, & desabrido de inuerno,
como alegre, aprasiuel, & gracioso de verão; assim pola espa-
çosa vista a que os olhos se estendem, como pola variedade
em que se podem deleytar.
Tem esta serra como fica dito seu principio nos montes
Pirineos, que diuidem ou para milhor clizer defendem nossa
Hespanha da França, & vindo por varias partes ter ao Reyno
366
de Galliza, assima de Mõterey se aparta em três braços, to-
mando hum para o Nacente donde volta a fazer a serra de
Siabra, que diuide Galliza de Castella a Velha, & Portugal des-
tes Keynos, & do de Leão. O outro se aparta para o Poente,
& depois de fazer algumas quebradas em Galliza, entre Ginso,
& Montercy, faz a asperissima serra do Gerez, que por
aquella parte diuide o nosso Entre Douro, & Minho da Gal-
liza das Limias. O do meyo he o nosso Marão, que não dey-
xando sua derrota, como vem cortando de Norte a Sul, assim
vay cõtinuando, passando pela antiga Villa de Chaues, cha-
mada antigamente Aquas Flauias, & deyxando como á mão
direyta as montanhas de Barroso, & Alturas de Basto com o
conselho de Aguiar de Pena, vem á semelhança de hum muro
diuidindo as Comarcas d''Entre Douro, & Minho, com a de
Trás os montes, & passando a" vista de Villa Real (que lhe
fica da parte do Nacente) deyxando á do Poente a Ribeyra
de Pcnna, & os Cõselhos de Athei, Ceruas, & Hermello, vay
ter parte, & quinhão na Villa de Amarante, tão conhecida, &
frequentada, como ditosa polo precioso thesouro, que em si
encerra do corpo do glorioso b. Gonçalo. E porque com o
objecto deste deuoto bantuario me fui^decendo muito ao pé
desta serra, por onde vou caminhando, me he necessário tor-
nar ao mais alto delia, donde torne a ver a sobredita Villa
Real pois me obriga ficar para esta parte a melhoria deste
monte, qual he o termo, & Marquesado da mesma Villa que
pelas faldras da mesma serra, ao Nacente delia se vay esten-
dendo atee entestar no Conselho de Penagião, Apenino Por-
tuguez, a quem Peramãca, Ourem, Touro, Allarejos, Cas-
salha, & Ourense, não leuão ventagem, nem na bondade, nem
na quantidade.
Nesta paragem, & sitio (como fica dito) se leuanta este
soberbo gigante, quasi como queyxandose ao Ceo de lhe ser
forçado torcer o caminho, & não continuar com sua derrota
(que era ir dyreito ao Sul) por não se atreuer a passar as
profundas agoas do soberbo Douro, ou por ver diante de si
opposto outro quasi tão grande mostro como elle, que como
hum forte muro lhe vay negando a passagem, que parece
apetecia, para se ir encontrar c5 o mayor dos montes deste
Reyno: mas, ou seja por hum, ou por outro respeyto, (a ma-
neyra das prosperidades desta vida) onde se ve mais altiuo,
soberbo, & leuantado, dahi a pouco espaço d^e terra, se acha
tão humilde, que não cobrando mais cousa alguma da sua
arrogância, inda que sempre mostrando o que he, se vai
367
acompanhando o mesmo Douro, atee que, quatro legoas
assima da Cidade do Porto, sendolhe negada licença para poder
entrar na Corte do Oceano (como se concedeo ao nosso Her-
minio) se fica como enfadado, tomado outro caminho tão dif-
ferente, que por pouco náo torna a endireytar com o Norte,
seu principio. E assim indo cercando a terra da Maya,.sem-
Íre á vista do espaçoso Oceano, se vai como outro ícaro, ou
^haetonte precipitar no rio Aue.
Por acompanhar este nosso defunto á sepultura me alon-
guei tanto dõde o celebrei viuo, & do propósito com que me
estendi a fazer delle esta memoria, que era mostrar o sitio
da antiga, & incógnita Cinania, para o que me he necessário,
tornar aonde este memorauel monte, deixando a mayor altura
se humilha tanto, que dá passagem aos caminhantes, que da
Cidade de Lamego, & raais Prouincia da Beyra passão para
Entre Douro, & Minho, pela estrada que vai pela Villa de
Teixeyra ter á Amarante.
Nesta paragem pois, & no pé deste alto mote está a Villa
de Meijãofno em hum cerro, que corre quasi de Norte a Sul,
banhado da parte do Nacente, do grade Douro, & da do Poente
do rio, que nacendo no mais alto desta serra ao pé da Er-
mida assima dita da Virgem S. nossa, & vindo pela ponte da
Teixeyra, pouco depois se vai (como os de mais destas Co-
marcas) entregar ao mesmo Douro. He esta Villa tão alegre,
fresca, & deleitosa, como honrada polas muitas familias no-
bres, que a pouoão. Hurtia legoa desta Villa, ribeyra do mes-
mo Douro arriba está a freguesia, & lugar de Cidadelha, ou
Cidadelhe, que he termo da mesma Villa, junto do qual lugar
ao Norte delle ficão as ruynas de huma grande força, c5 ar-
gumentos de maior antiguidade, pois as paredes, que m»s-
trão serem os ossos desta defunta, mais arguem fortaleza,
que policia em seus edifícios, dos quais os que hoje nos ma-
nifestão sua grandeza, he hum grande laço de muro, que se
vai continuando por espaço considerauel, indo por deredor
delle o caminho, que vai da freguezia de Villamarim, & da
dita -Villa de Meijãpfrio, para o lugar de Cidadelhe, sendo
feyto de pedras tão bem lauradas, que não as auendo naquelle
sitio de gram, fazem tão boa, & bem cortada cantaria, que
aonde o muro está em seu ser parecem ser vnidas humas nas
outras.
Serue por esta parte este muro (de altura em algumas
de seis ou sete palmos) de tapagem de muitas & fermosas vi-
nhas, que dentro em seu âmbito se encerrão. Ficão estas re-
368
liquias deste muro para a parte do Poente, & pela que este
sitio tem de menos aspereza, & pela parte do Norte dece
rasgado hum caminho, que vay dar no no Sermenha, que do
alto da serra, vindo pela freguezia de Sediellos, & passando
pela ponte Cauallar, vem por hum profundo valle cercando
pela. parte do Nacente o pee deste oiteyro onde esteue esta
grande força, seruindo-lhe em muytas partes descerca os ras-
gados penedos, & rochas, que caem sobre este rio: sitio para
aquelles tempo táo inexpugnauel, que o era bastantemente
para poder resistir a tal poder como o de Bruto. Depois de
cercar este rio o pee deste monte, & com hum intractauel
valle o diuidir da freguesia de Oliueira (que d^ parte do Na-
cente lhe fica defronte) vay embocar com sua íoz no mesoio
Douro, c5 cujas agoas se banha também o pee do mote aonde
estão estas ruynas, & lugar de Cidadelhe da parte do Sul,
para o qual se dece do mesmo lugar por huma ladeyra, gue
tem um quarto de legoa. Tornando á cerca que tenho dito,
com coriosidade entrey algumas vezes nella, tendo já naquelle
tempo lida a primeyra parte da Monarchia Lusitana, & fal-
lancio sobre a Cidade Cinania me contarão algumas pessoas
graues, & coriosas que alli auia alguma tradição que fora
esta Cidade : allegando alguma aparência do nome coníi Cida-
delhe. E achei hum grande lanço de muro no mais eminente
do sitio, que ainda tinha altura de mais de quinze palmos, &
por bayxo delle ficaua huma grande planicie que ao presente
tudo está pouoado de uinhas. Dentro deste muro estaua o pee
de huma torre quadrada, de grossas paredes, demostradoras
de grandeza, & antiguidade, tudo o mais se veyo com o tem-
po a resolver em montes de pedras que os donos das vinhas,
que ficão de dentro desta grande cerca composerão nelles,
inda que fosse a troco de descompor a memoria do que podia
auer sido tão grandes vestígios : contentando-se o vulgo so-
mente com dizerem, que aquella Cidade fora de Mouros, abu-
são, & absurdo em que tem dado todo este Reyno, (o vulgo
delle digo) que tudo o que ha de antiguidades lhes attribuem
a elles; como se esta barbara nação seruisse em Hespanha
de mais que de sepultar suas memorias, conseruando somente
as Cidades, & lugares mais importantes, & arruinando tudo o
de mais: antes ouso affirmar que estes bárbaros não edifica-
rão em Hespanha lugar, nem Cidade alguma: que destruissem
muytas sim. Disseo primeyro, (tomandoo do Mouro Rasis) o
Padre Martin de Roa nestas seguintes palauras.
369
No puo, di:^e T(asis, Ciudad ni Villa buena en Hespaíía,
que no la destrutessen los Moros, &c.
De que destruíssem, nem pouoassem esta não nos consta,
porque assim como. sabemos, de Viseo, Lamego, Coimbra, &
outras muytas, atee de S. Martinho de Moufos (que daqui
fica huma legoa, ou pouco mais) consta que foy delles habita-
do, & outros lugares de que nossas Chronicjas fazem meiicão
por esta Comarca, sem ja mais alguma fazer de que neste
sitio que aponto ouuesse alguma pouoacão', que naquelle tem-
po se conquistasse: polo que venno a inferir que esta Cidade,
& força, foy antiquíssima, & dantes dos Romanos, porque se
fora do seu tempo sempre ficarão algumas lembranças, de le-
treyros, ou outros edincios mais políticos, como de ordinário
se achão nos lugares delles habitados. Também entendo, que
esta Cidade deuia ser já desbaratada em tempo dos Godos,
porque se assim não fora, ouuerase de fazer rpenção delia em
algum dos Cõcilios, que se celebrarão em Hespanha, como
vemos de Britonia, de Eminio, de Caliabria, & de outras que
hoje não conhecemos; & huma vez, que se acha em algum,
he como Igreja parochial, como hoje he a que se dá a Braga,
que deue ser a do lugar, a que hoje chamão Citania junto á
mesma Braga, a que o Concilio chama Cetania : polo que esta
Cidade entendo ser a Cinania, que o Doutor Fr. Bernardo de
Britto (i) nos leuou ao outeyro de Citania, não tendo mais di-
reyto para nola dar por tal, do que eu o tenho para -affirmar
auer sido neste lugar que digo. E se as razões que aponto
em fauor desta minha opinião inda não bastão, nem contenta-
rem a os escrupulosos, vejão com attenção as de forçosas
conjecturas, que no capitulo seguinte mostrarei, & se com
tudo se não derem por satisfeytos, confesso que não posso
mais fazer : deyxando lugar a quem com mayor força de jus-
tiça me tirar a que em abono de minha opinião aqui offereço,
que não sou tão pertinaz que me não conheça rendido, a
quem com sl força da razão, & justiça se mostrar vencedor.
CAPITVLO III.
Em o qual se mostra por forçosas conjecturas
ser Cinania ondejica dito.
Com a entrada de Decio Junio Bruto em Lusitânia en-
trou também a noticia desta Cidade Cinania de que ategora
(i) Brit. 2. p. c, 14.
REVISTA DA SOaEDADE DE INSTRUCÇÃO DO PORTO. 26
Syo
fallei, que atee sua vinda não se achão entre os que escreue-
rão desta Prouíncia auem delia fizesse menção começando
esta noticia na que delia tão abreuiadamente nos dá Valério
Máximo, de que se tem aproveytado todos os escritores que
das cousas de Hespanha escreuerão, como atraz deyxo ^ef^
rido. Depois o que com mais particularidades escreue os suc-
cessos, et progressos de Bruto nesta Prouincía, & na Bracha-
rense, he o Ik>utor Fr. Bernardo de Britto, & consequente-
mente com mais particularidades nos conta os successos &
fim desta Cidade, causado das guerras, que ouue entre ella,
ft a de Braga, como se pode ver no cap. 26. do liuro 4. da
primeyra parte da sua Monarchia, a quem em tudo vay se-
Suindo Manoel de Faria no seu Epytome. Ambos, pois nos
izem, que tendo guerra entre si as Cidades do Porto, .e Bra-
ga, ficando os do Porto na primej/ra refrega vencedores, í
s^uindo os de Cinania, a voz de víua quem vence, se ager-
manarão com os do Porto, pola qual razâo^os Bracharenses,
depois de terem desbaratados, & vencidos os do mesnK) Por-
to, tratarão de tomar satisfação, & usar da mesma vingança
nos moradores de Cinania, & sua Cidade, o que diz o mesmo
Doutor cõseguirão á medida de seus desejos.
Deyxo de apurar esta antiguidade, porque "me não quero
attríbuir o titulo de apurador delias, como já fez algum com
menos felicidade do que (pode ser) se prometia: mas não
admittindo que as taes guerras (se as ouue) fossem com a
Qdade do Porto, pois ainda então, nem muytos annos depois
a auia, & duuidando, que os recontros, que nos debuxâo po-
dião passar do modo que no los descreaem, polas dificulda-
des que está manifestando o soberbo, e caudaloso Douro, que
de força auião de conquistar primeyro os Bracharenses para
auerem de bater os muros de Cale : mas suppõdo que ouve a
tal guerra, & pelo conseguinte a confederação entre Cinania,
A Qile, (que he a com quem naquelle tempo podia ter guerra
Braga) vejamos agora como com mais comnK>didade se po-
dião cejebrar estas amisades com Cinania estando no lugar,
que apõto, que se estiuera onde a situa o Doutor Frey Ber-
nardo de Britto.
A sua Cinania põem elle sobre o rio Aue, legoa & meya
da Cidade de Braga, para o Nacente da mesma Qdade me-
tendose entre huma & outra a serra de Falperra, ficando o
tal sitio (quando menos) noue legoas da Qdade do Porto,
mais para o intimo do sertão d^^Entre Douro & Minho, não
sendo do mesmo Porto a Braga, mais de oyto legoas, & aliem
371
disto nâo faltando no caminho de Citania para o Porto difi-
culdades para se poderem comunicar com socorros, tendo rios'
de passar, como ne o mesmo Aue, ou quando menos o Aui-
sella, & serras como sâo a de Roris, & Montecorua, c5 às
auais tendo tâo poderosos ímigos, como erão os Bracharenses
a porta, quisessem arriscar-se aos ter por taes, inda que ven-
ciaos forao, por irem buscar a amisade tanto ao longe : quan-
to mais que parece, que conforme a boa razão de estado mais
conuinha ajudar os vesinhos, que tinhão á porta, & cujos na-
turais deuião ser liados, & aparentados huns com os outros
como todos da mesma Proumcia da Galliza, & os de Cale
sendo da Lusitânia, & de nação de gente difTerente. E quanto
a dizerse, que os de Cinania por verem seus visinhos menos
poderosos fauoreceriâo os de Cale, não sei como podessem
pretender diminuilos conhecendo seu valor, & potencia tanto
de perto, nem deixarem de ver que huma Cidade, que tanto
tinha resistido a Roma, inda que em algum acontecimento
aduerso ficassem de menos partido, se não portassem melhor
em outro encontro, sendo muytas vezes causa de alcançar
grandes vitorias os vencidos, o estimulo, & sanha de o terem
sido.
Polo que suppostâs estas, & outras dií&culdades para po-
der estar a Cidade Cinania neste sitio, que lhe assina o Dou-
tor Frey Bernardo de Britto, venhamos ás conueniencias, que
ha para auer sido Cinania aonde ^ua aponto.
Seja a primeyra a distancia que ha de huns lugares a ou-
tros, porque já sabemos, que de Cale a Braga são oyto le-
goas: da mesma Braga a Cidadelhe são treze legoas, & da
mesma Cidadelhe ao Porto por Canaueses, são (]uatorze, &
por Amarãte quinze, ficando quasi tão longe da Cidade imiga
como da confederada, para onde podião communicar-se sem
receyo de encontros com os Bracharenses; auãto mais que a
tal communicação, & trato de amisade se podia continuar com
muyta facilidade pelo rio Douro, (como hoje se faz) sobindo
por elle assima aliem de Cidadelhe muytas legoas, assim que
pelo rio lhe podia ir todo o soccorro, tanto de mantimentos,
quanto de gente, com tanta breuidade, que muytas vezes acõ-
tece que partindo do Porto da Rede (que fica pouco abayxo
de Cidadelhe) pela menhaã, chegão á noyte ao Porto.
Outra seja, que os de Cinania (estando aonde digo) tinhão
mais razão de se confederarem com os de Cale, & fauorecelos
contra os de Braga, pois vemos, que os huns, & os outros
erão Lusitanos; & ja pode ser que os tais tiuessem aquella
372
Cidade, & presidio nos confins, & limites da Galliza, para re-
frearem os mesmos Bracharenses, c6 os quais não andarião
por esse respeyto muy vnidos em paz, & amisade. E polo co-
mercio do no, & causas apontadas o estariâo sempre com os
de Cale.
Que os Bracharenses se vingassem depois dos Cinanicn-
ses, & lhe viessem destruir sua Cidade, ficando tão distantes
delles, melhor o podião fazer, que se os tiuerão á porta, que
como elles erão senhores de toda aquella Prouincia, & os Ci-
nanienses estariao nella como os nossos estão hoje em Salua-
terra do Minho aliem, & se achauão vencedores, com facili-
dade podião ajuntar assi todo o poder da mesma Prouincia,
conuocandoos, tanto com o pretexto de tomarem delles a ap-
petecida vingança, quanto por lançarem de si o freo de seu
mal sofrido presidio; pola qual razão não he de estranhar,
que se ajuntassem para a destroição desta força todas as da
mesma Prouincia, que comprehendia atee os arrabaldes da
mesma Ginania, o que podião ordenar em tempo, que o cau-
daloso Douro negasse a passagem aos Lusitanos, que da ou-
tra parte lhe ficauão para poderem soccorrer aos cercados Ci-
nanienses, que não desmentindo cousa alguma de seu natural
valor, & brio deixarão primeiro as vidas em mãos de seus
contrários, mais auentajados (se não no valor) no numero, &
ventagens, que vão de cercadores á cercados: ficandolhe em
poder tão defuntos os corpos, como arruinada sua Cidade;
para que pois que não podião deyxar de ser vencidos, ao me-
nos se não gloriassem seus vencedores de triunfarem delles
com vida, nem se jactassem de os obrigarem a outras tão in-
fames leis como erão as que se referem que derão aos venci-
dos moradores de Calle que (se he verdade que os ouue, do
que eu duuido) melhor lhe fora aos taes acabarem, Cidadões,
& Cidade como acabou Cinania, em hum dia, que estarem
sogeytos a tais leis huma ora.
O que tenho dito, he quanto ao que se escreue das guer-
ras entre os Bracharenses, & Cinanienses;vagora me importa
tirar outras conjeyturas da jornada de Bruto de nossa Lusitâ-
nia á Galliza Bracharense, para vir a mostrar que neste sitio,
que díço, ficaua a Cidade Cinania.
Lá vimos dos autores allegados como Bruto atrauessando
a Lusitânia, & entrando nella pela parte meridional a veyo
sogeytando atee o mar Oceano que banha as prayas dos CoV
tos de Alcobaça onde se vio em tão grande aperto com os
moradores de Alfeyzeráo, ou de minha pátria Euora, chama-
373
da naquelles tempos, Eburo, ou Eburobritium (cuja auerigoa-
ção não cabe neste lugar) que lhe foy necessário recorrer a
suas diuindades (digamos assim) para se liurar do risco em
que estaua de ficar destruído com todo seu exercito. Vendose
porem de quasi vencido vencedor, & de quasi desbaratado
triunfante veyo combater a antiga Collipo, onde em nossos
tempos vemos a fresca Leyria. Daqui tomou seu caminho
para a Galliza, que hoje he Entre Douro & Minho, na qual
entrou depois de ter domada (ou, como diz Máximo) depois
de se lhe entregar quasi toda a Lusitânia.
Para Bruto ir de Collipo por mais breue caminho, pare-
ce, que auia de passar o Douro em Calle. E se assi o fizera,
fícaualhe não piquena parte da Lusitânia por sogeytar; &
não a menos briosa gente de domar, quaes erão os morado-
res da Beyra, & entre elles os do monte Herminio, que he a
nossa tão afTamada serra da Estrella, que prouauel he, que
estaria outra vez pouoada de habitadores. E nesta Prouincia,
pode muy bem ser, tinha Bruto mais lucro, & interesse, polas
muytas minas d''ouro que nella auia por todas às ribeyras dos
rios Mondego, & Alba, & muytas pouoaçôes de importância,
quais erão (aliem das de menos conta) a Cidade de Viseo, &
Lamego, & outras de que -se perdeo a noticia. Polo que (sal-
uo o melhor juyzo) a mim me parece, que elle de Collipo
vindo pola antiga Colimbriga, iria pelo pé da serra da Estrella
atee onde apontado Doutor Frey Bernardo de Britto, que teue
a batalha sobre o rio Tauora, & dahi bayxando a Lamego,
ou naquelle tempo, Lanconimurgi, dõde auendo de passar o
Douro, o melhor passo, que tinha para o fazer, era, ou aonde
agora chamamos a Regoa, ou aonde vemos a barca de por
Deos": que he no pee do oiteyro onde fica o lugar de Cidade-
Ihe, & onde vimos as ruynas que aponto. Por qualquer des-
tas partes, que passasse auia de encontrar com esta força, &
Cidade, & assim seria cousa muy conforme, que nesta passa-
gem em que auia de ir demandar a das serras, & asperezas
do Marão, pola parte em que hoje esta Meijâofrio, & Teixey-
ra, cometesse o partido aos Cinanienses, que diz Valério Má-
ximo, pois era logo em passando a Lusitânia, & depois de a
deyxar sogeyta, & querendo entrar na Galliza. E supposto
c|ue Máximo nos não dá conta do efTeyto da reppâta dos de
Cinánia, eu julgo que Bruto por se ver apertado com as difli-
culdades dá passagem dos montes, & por se não arriscar a
outro encontro como o que tinha tido junto ao rio Tauora,
como quem deuia ter sabido quanto lhe importaua ir aperce-
374
bido para auançar com os Bracharenâes, a quem hia deman-
dar, dissimularia com os de Gnania, determinando^ quan^
elles menos o cuidassem, & vindo com as armas vitoriosas,
dar sobre elles o que lhe não soccederia por lhe ser forçado
ir por caminhos, mais breues, & desempedidos outra vez acu-
dir aos tumultos, & rebelliões, aue auia nos lugares da Lusi-
tânia que aponta o Britto : fícandolhe este caminho para a O-
dade Moro (onde fez seu assento depois, por alguns annos)
pela estrada que hoje chamamos Coimbraa.
Fauorece esta minha opinião o que diz o mesmo DoutOT
contando os trabalhos que Bruto passou nesta passagem da
Lusitânia para a Galliza, assim poía aspereza da terra, como
por se ver perseguido dos naturaes que pelas fraguras o per-
s^uião com contínuos assaltos, tanto de dia, como de noyte,
& com as continuas neues, que auia nos montes, que lhe im-
pediáo a passagem. Tudo o que não podia auer se não nas
do Marão, desde a Villa de Chaues atee a de Meijãofrio, que
vem a ser catorze legoas pouco mais, ou nnenos, não auendo
em toda esta distancia, mais accomodada passagem para
quem vay da Deyra para Braga, que esta da Teyxeira ; sendo
com tudo para conducçáo de exercito tão perigosa, que se
não pode passar, sem de huma, e outra parte receber grandes
danos, & durando a neue por estas partes mais que por todas
as outras da mesma serra : os (|uais impedimentos não achara
Bruto se entrara nesta Prouincia pela parte de Cale : supposto
aue dahi (que he o mesmo que do Porto) atee esta paragem
e Meijáofrio os tinha mayores, por lhe ser impossiuel passar
com exercito, por respeyto das berras de Monte de Muro, &
Manhouce. Assim que, ou Bruto, entrando na Galliza não
auia de achar as difticuldades que diz o Doutor Frey Bernar-
do de Brito, ou se as achou não podia ser se não por esta parte
onde digo que esteue a antiga Cinania, ou Cinínta de Valério
Máximo.
Tenho trabalhado quanto pude por dar comprimento ao
aue tinha prometido, & por communicar aos coriosos, inclina-
os a este estudo de historia, & antiguidades, aonde foy a Q-
dade Cinania, não pretendendo porem, que esta minha opinião
seja infalliyel, mas expondoa ao juizo, & parecer dos que delia
quizerem julear, que nunca vou a perder nada neste trabalho
pois não pode ficar baldado, inda que não sirua de tnais, que
de despertar, & tirar a terreyro os entendimentos mais subtis,
& leuantados, ou a emmendarem meus erros, redarguindo mi-
nha opinião, ou a descobrirem mais certeza com a autoridade
375
das suas, dandome por qualquer destas vias por satisfeyto, &
o ficara muyto mais, se poderá nestes meus discursos, e tra-
balhos nocturnos agradar, & contentar a todos os que delles
tiuerem noticia: ainda que he cousa tão impossivei que se
veyo desta impossibilidade a fazer o adagio que diz. Júpiter
non omntbus ptacet.
G>m tudo, inda que posto nesta desconfiança, nao deixa-
rey de rematalos com o Epitaphio que á sepultura desta de-
funta se pode applicar, posto que para outra (que de seme-
lhante mal de coração acabou) se ordenasse, que por vir tanto
a propósito neste lugar referirey com mudança de poucas pa-
lauras.
T)/ pasíquam cosiam, St nardi cumulauit aristas
Ad bustum, cunasque suas reparabilis ales,
Cognatosque ignes totós admisit in artus.
Se renouat tumulo, damnoque renascitur ipso,
Experíens vltro^ammis mutatur iisdem,
Prtncipium, Jimsque sui, viuitque cadendo:
Sic ruit ipsa iH)lens, svreuitque Cinania mortem^
Cum Vracharus pálidas reuocauii ad arma cohoríes,
Quas reperit segnes & quas dissuasor honesti
Perdiderat luxus turpisque licentia facti :
Hcec cum chusa suo non possèt cedere vallo,
Quae toties fuso pitam donauerat hosti, t
Vrgcretquefcmes, St spem iam pacis honestae
Fcedera nuUa darent, ferro se absumpsit St igne:
En iacet ad dextram Durii picina fluentis.
Horrendas molis spirant immania saxa
Inuicios ânimos gentis, quamquam incl^ta bello
Huc fortuna piros ^racharae constantis adegit.
Qát Durius p(^uli mortem indignatus amici,
Contorsit rubras accessu sanguinis pndas:
Et cum diuitiis latijluai auctus aquarum,
Quas hinc inde captt, dum tractus jSndit Iberos,
Caetera terribiles horrebant flúmina pultuSj
Mutatumque diu mirantibus aequore nymphis
Polluit occiduum turbato gurgtte pontum.
O que resumido em breues palauras explica este Soneto.
376
SONETO
m
Qval a Phenix nas cinzas mais gloriosa
Depois que ardeo constante no Oriente
Ensinando ao mundo a ser valente
da morte resuscita mais fermosa: -
Tal a Cinania illustre, & generosa.
Fama & gloria da Lusitânia gente,
No Vulcano se abrasa illustremente
Não querendo a liberdade afrontosa.
Neste Crisol se apura como o ouro
Desta gente o valor fatal na guerra
Sem ciladas, ou dolo contrafeyto.
Com lagrimas de sangue chora o Douro
O ocaso desta inuicta, & nobre terra.
Pasme o Romano a vista de tal feyto.
FIM.
EXPOSIÇÃO DE CERÂMICA
(Continoaçáo, ▼. pag. 326)
0
Pela nossa parte diremos simplesmente que a louça se
apresenta, com as mesmas qualidades e os mesmos deieitos
^ue são conhecidos ha annos. Nenhum progresso; bom mate-
rial, bons esmaltes e algumas vezes boa tinta, um eSeito pit-
toresco, um certo naturalismo que agrada, principalmente
quando os productos do reino animal ou vegetal são molda-
dos do natural. Quando, porém, o oleiro modela segundo a
sua phantasia, a olho, em cousas em que deve revelar estudo
e observação, temos por via de regra, monstruosidades, aber-
rações da imaginação humana. Isso já se fazia no Porto ha
cem annos, senão vejam-se as canecas com figurões de cha-
péu tricorne da secção de louça antiga.
Entre as pecas avulsas do serviço de mesa distinguem-se
Eela sua excentricidade os paliteiros,' as galheteiras e certas
ilhas de segredo, das quaes não se pôde beber senão usando
de certo artificio, tapando certos buracos da peça, e fazendo
sahir a agua pela pressão do ar. Também tiveram fama os
tinteiros de faiença, mas desde que a pena de aço substituiu
377
a clássica penna de pato, e desde que o papel de chupar tinta
substituiu o areeiro,, extinguiu-se rapidamente a gloria do an-
tigo tinteiro de faiença portugueza, do tinteiro monumental,
allegorico, symboíico, etc.
Faz pena esta transformação, quando se olha para o^ello
exemplar antigo do snr. Augusto Luso (Armário A n.^ 157)
uma pequena jóia de uma fabrica antiga do Porto, que dizem
ser a de Sobre Douro (?), Não sabemos a que fabrica este ti-
tulo vago possa corresponder, mas o que podemos affiançar é
que tem todos os caracteres de uma obra portugueza, que foi
executado depois das luctas francezas e provavelmente depois
da proclamação da Constituição entre 1810 e 1820, porque a
Minerva que coroa a peça ostenta os symbolos da paz, e está
moldada segundo o typo de certas gravuras allegoricas, que
então irtundaram o mercado.
Não é menos caprichosa e delicada uma outra peca do
snr. Marciano de Azuaga (Armário D n.° 100), que serviu de
perfumador, e que conteve agua de cheiro. Citamol-a aqui,
porque nos parece ser obra .da mesma fabrica que fez o tin-
teiro; são as mesmas cores, a mesma modelação delicada das
flores, o mesmo esmalte, a mesma concepção sentimental. O
perfumador comp5e-se de dous corações pegados, que assen-
tam em uma haste fixada sobre um taboleiro quadrado; nos
quatro cantos quatro bem-me-queres e outros amda, ornando
os corações. A pintura que realça estes últimos é de amores
perfeitos, com uma serie de emblemas; cada coração tem uma
chave pintada, e cada chave sua cadeia, que se enrosca no
objecto, prendendo-o symbolicamente. Os dous corações téem
duas aberturas na parte superior, vedadas com duas tampas
pequenissimas.
Toda Qsta fabrica mede iii millimetros de altura por 75
de largura! É uma coqiieterie, que serviu a dous namorados,
ou uma ideia toda galante de alguma freira, que offertou a
peça ao seu Menino Jesus. Esta ultima supposição não é gra-
tuita, porque ambos os corações téem pintados os seguintes
symbolos: uma escada, uma lança e uma esponja. Vejam que
accumulação de incidentes, de pinturas e de ornatos!
Entre essas flores pintadas e flores moldadas avistam-se
varias lettras. De um lado o monogramma M F, e por debaixo
um C entre duas palmas; do outro lado Cie um J com o
mesmo emblema.
O tinteiro do snr. Luso é quadrado, e tem na base uma
galeria àjour, vasada nos quatro lados, e esmaltada de ama-
REVISTA DA SOCIEDADE DE INSTRUCÇÃO DO PORTO. 27
378
rello; o resto é branco, com amores perfeitos nos quatro can-
tos; flores do mesmo género rematam as tampas do tinteiro e
areeiro. No meio a Minerva com palmas na mão, e caracteri-
sada ainda com um livro e compasso, que está depositado â
seus (fés. Parece-nos ser de porcelana e não de faiença, o que
dá á obra muito maior valor (i).
Os tinteiros modernos de phantasia são raros; apenas o
snr. Cunha e Silva apresenta um muito curioso e um galhe-
teiro do género antigo, ambos com galeria à joiír, ornamenta-
ção caracteristica nas peças portuguezas d^^este género (2).
É abundantissima a exposição de azulejos modernos.
Concorrem os seguintes expositores: snrs. Pinto; Cunha e
Silva; Souza Lima; Guimarães & Norberto, de Aveiro; Viuva
Lamego, de Lisboa; e a fabrica das Devezas. Esta ultima ex-
põe uma mesa que é, verdadeiramente, antes um trabalho de
mosaico com fragmentos de azulejo, do que azulejo no sentido
vulgar. É de grandes dimensões: 3 metros e 32 c. de compri-
mento, por 1,46 de largura. É um trabalho de primeira ordem,
com uma bellissima polychromia; o seu preço é de i35cooo
réis, quantia relativamente pequena, se attendermos ao enorme
trabalho e risco do fabrico, porque a mesa é toda de placas
de faiença (incluindo as pernas) cobrindo um esqueleto de ma-
deira. Apenas algumas tiras do taboleiro superior e as bordas
são de mármore branco para dar mais segurança á construc-
ção.
Antes de fallarmos dos azulejos modernos, como promet-
temos, é de toda a justiça dedicar alguma attenção a três gru-
pos de objectos, que ainda pertencem á secção que tratamos
nas paginas anteriores. Referimo-nos á louça de Coimbra, á
louça de Aveiro e á louça preta da snr.* viuva Soares Rego.
Em Coimbra conservou-se tradicionalmente o fabrico de
uma faiença barata, popular, cuja ornamentação é summa-
mente caracteristica. O barro é de boa qualidade, o esrtialte
delgado, bastante claro, e funde-se bem com a massa; a coze-
dura é satisfactoria, porque a louça dá um toque metallico, as
(i) Apresentamos o tinteiro ao digno gerente da fabrica da Vista-
Alegre, o snr. Duarte Ferreira Pinto Basto Júnior, que